quarta-feira, 18 de novembro de 2015

'Tenho horror de quem pensa como eu pensava. Evoluí', diz carioca que chamou pobres de sub-raça nos anos 1980

'Tenho horror de quem pensa como eu pensava. Evoluí', diz carioca que chamou pobres de sub-raça nos anos 1980

Rafael Barifouse

Da BBC Brasil em São Paulo

Quase três décadas separam a Angela Moss que foi entrevistada na TV sobre pobres que frequentam a praia e a Angela Moss que veio a público em uma rede social para esclarecer o episódio.

A primeira Angela, então com 18 anos, tinha "horror de olhar para estas pessoas", os pobres, que "não eram brasileiros", mas uma "sub-raça".

Aos 47 anos, ela diz ainda ter horror, mas de quem tem hoje um discurso igual ao seu ou quem a parabeniza por suas declarações carregadas de preconceito.

"Mudei de opinião. Evoluí. Não sou mais essa pessoa. Por isso resolvi colocar minha cara a tapa, em vez de pedir para tirarem o vídeo do ar", diz Moss à BBC Brasil.

"O vídeo é um tapa na cara da sociedade, que não evoluiu. É compreensível que alguém fique com ódio do ladrão quando é assaltado. Mas tem de pensar o que faria se estivesse no lugar dele. E, principalmente, não generalizar esse ódio contra todo um conjunto de pessoas."

Para Moss, "estes garotos pobres têm um ódio justificável porque se ferraram a vida inteira".

"O difícil é aceitar o ódio de quem teve tudo na vida, é privilegiado. Essas pessoas têm obrigação de serem mais compreensivas. Se fosse o inverso, elas poderiam estar fazendo coisas ainda piores."

Repercussão

Publicada no YouTube em 27 de agosto, a reportagem "Os Pobres Vão à Praia", da extinta TV Manchete, praticamente passou despercebida, com 77 mil visualizações.

Isso mudou ao ser compartilhada pelo site Mariachi em seu perfil no Facebook, poucos dias depois que arrastões, roubos e furtos provocaram retaliações de moradores da Zona Sul do Rio.

O vídeo causou, então, um grande alvoroço, sendo visto mais de 2,2 milhões de vezes, além de ter 37,7 mil compartilhamentos e 4,3 mil comentários, em apenas três dias.

"Hoje, um discurso desse seria inimaginável e quem o fizesse (...) sofreria uma perseguição tão dolorosa nas redes sociais que seria ela quem iria ter vontade de mudar de planeta", dizia um dos comentários mais populares, com 1.080 curtidas.

"Incrível saber que não evoluímos como seres humanos", dizia outro comentário, curtido 360 vezes.

O que não se esperava é que a adolescente do vídeo, hoje uma advogada e sócia de uma editora, escrevesse não só assumindo a autoria da fala polêmica, mas dizendo que não pensa mais da mesma forma.

"Meu depoimento foi editado e parece ser pior do que realmente foi. Em alguns momentos, eu citava o que outras pessoas diziam, e ficou parecendo como se tudo que disse fosse a minha própria opinião", diz Moss.

"Mas eu era de fato muito conservadora, egoísta e idiota. Fui criada em um ambiente privilegiado. Nunca tinha andado de ônibus. Via a galera fazendo confusão na praia e não entendia. Foi só depois que minha vida mudou, fui trabalhar como garçonete e me aprofundei nos estudos que tive outra visão."

'Não sou covarde'

Moss relembra que, na época em que a reportagem foi veiculada, a repercussão pública foi bem diferente.

"Na minha bolha social, só recebi parabéns e tapinha nas costas. Hoje, tudo é amplificado pela internet", conta ela.

"Desta vez, as reações se dividiram. Houve quem veio me parabenizar por ter mudado de opinião. Outras ficaram bravas pelo mesmo motivo."

Moss conta que teve ainda quem não acreditou que sua visão sobre o assunto realmente havia se transformado, pensando que ela havia publicado o comentário no Facebook por medo da repercussão.

"Não tenho medo. Não sou covarde. Sou corajosa, de esquerda, feminista e 'da luta'", afirma ela. "Tinha duas opções: fugir ou enfrentar. Resolvi enfrentar."

Tensão

A reportagem com seu depoimento voltou a gerar bastante polêmica em parte pelo momento de tensão pelo qual passa o Rio.

Arrastões começaram a acontecer na orla carioca em meados dos anos 1990, com grupos roubando e agredindo banhistas.

Esse tipo de crime voltou a ocorrer com mais frequência em janeiro deste ano. Desde então, o governo e a Polícia Militar do Estado passaram a realizar blitz em ônibus vindos da Zona Norte da cidade, onde ficam bairros mais pobres e municípios da periferia da capital fluminense.

No entanto, uma decisão da Justiça determinou que jovens considerados suspeitos só poderiam ser detidos se fossem pegos em flagrante.

Ao mesmo tempo, a Prefeitura do Rio anunciou que extinguiria linhas de ônibus que ligavam essa região à Zona Sul, onde ficam as praias mais populares, como Copacabana e Leblon.

A Prefeitura afirmou que a medida visa reorganizar o sistema de ônibus da cidade e evitar a sobreposição de trajetos. Mas foi acusada de fazer isso para dificultar o acesso de moradores do subúrbio à orla.

No último final de semana, a situação se agravou quando novos roubos, furtos e agressões foram registrados nas praias e ruas da Zona Sul e moradores locais se reuniram por meio das redes sociais para atacar jovens tidos como suspeitos que circulavam em ônibus pela região.

Moss critica esse tipo de reação popular organizada contra jovens da periferia.

"Este tipo de retaliação é quase como um grupo de extermínio, é estar a um passo de um Estado de exceção."

Notícia publicada na BBC Brasil, em 24 de setembro de 2015.

Claudio Conti* comenta

A sociedade brasileira vive momentos que requer muita cautela, pois ocorre uma mudança de paradigma em várias áreas. Porém, nem todas as alterações são necessariamente para melhor, muitas estão descambando para o retrocesso. Alguns pontos estão se aprimorando, enquanto outros estão se deteriorando.

Neste tempo de mudanças, onde a situação não está clara, todo cuidado é pouco com o que se fala e o que se faz, pois não se sabe como será a interpretação dos outros e e as consequência advindas. Isto deve servir como um alerta em dias de redes sociais, onde muitos expõem suas vidas sem pensar no futuro e como serão afetados quando expostos em outro contexto da sociedade.

Vídeos e fotos são trocados indiscriminadamente e, com a facilidade do trânsito de informação na forma de arquivos de computador, a disseminação pode atingir escala mundial, dependendo do apelo que causa.

Estamos na era do “politicamente certo” e do “politicamente errado”, termos e colocações consagradas e que eram de entendimento comum o significado são, agora, erradas em decorrência das novas interpretações e novos valores. Aceita-se muita coisa que não deveria ser aceita e critica-se outras tantas apenas pelo burburinho que poderá causar.

Uma reportagem realizada há muitos anos foi, agora, divulgada novamente causando um dano grave e, pior ainda, desviando a atenção para o que realmente importa por ser um problema do aqui e agora.

Certamente que as colocações da, então, jovem, não foram adequadas, mas trazer à tona, sem se saber como esta pessoa pensa e se comporta na atualidade, também não é adequado. Encontramos esclarecimentos sobre a correta forma de proceder n’O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo X:

20. Será repreensível notarem-se as imperfeições dos outros, quando daí nenhum proveito possa resultar para eles, uma vez que não sejam divulgadas?

Tudo depende da intenção. Decerto, a ninguém é defeso ver o mal, quando ele existe. Fora mesmo inconveniente ver em toda a parte só o bem. Semelhante ilusão prejudicaria o progresso. O erro está no fazer-se que a observação redunde em detrimento do próximo, desacreditando-o, sem necessidade, na opinião geral. Igualmente repreensível seria fazê-lo alguém apenas para dar expansão a um sentimento de malevolência e à satisfação de apanhar os outros em falta. Dá-se inteiramente o contrário quando, estendendo sobre o mal um véu, para que o público não o veja, aquele que note os defeitos do próximo o faça em seu proveito pessoal, isto é, para se exercitar em evitar o que reprova nos outros. Essa observação, em suma, não é proveitosa ao moralista? Como pintaria ele os defeitos humanos, se não estudasse os modelos? - S. Luís. (Paris, 1860.)

Portanto, depois de tantos anos, não havia mais validade na divulgação deste vídeo.

No entanto, este vídeo surgiu em decorrência de atos de violência que ocorreram em determinado final de semana. Esta violência é atual e, como pôde ser visto, ocorre desde longa data.

Ao nosso ver, a sociedade deveria ter se focado na questão da violência, tentado cobrar respostas das autoridades públicas, responsáveis pela segurança e pela ordem. Mas, infelizmente, ficou perdido na reprovação, comentários agressivos e hostilidade contra uma jovem que existia há muitos anos e que hoje é uma senhora que ninguém conhecia seus pendores e pensamentos.

Qual é a maior agressão?

* Claudio Conti é graduado em Química, mestre e doutor em Engenharia Nuclear e integra o quadro de profissionais do Instituto de Radioproteção e Dosimetria - CNEN. Na área espírita, participa como instrutor em cursos sobre as obras básicas, mediunidade e correlação entre ciência e Espiritismo, é conferencista em palestras e seminários, além de ser médium pscógrafo e psicifônico (principalmente). Detalhes no site www.ccconti.com.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Livro em estudo: Nos Bastidores da Obsessão – Editora FEB –1970 - A011 –– A família Soares - Cap. 1

Livro em estudo: Nos Bastidores da Obsessão – Editora FEB - 1970

Autor: Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de Divaldo Pereira Franco

A011 –– A família Soares - Cap. 1

A família Soares

Terminados a leitura evangélica e o competente co­mentário tecido em breves considerações, o dirigente da reunião proferiu expressiva oração, através da qual, sensivelmente emocionado, rogou o auxílio das Esferas Su­periores para a tarefa da desobsessão.

Aqueles trabalhos faziam parte do programa de so­corro a que se afervorava, havia duas décadas, o irmão José Petitinga.

No santuário em que se desenvolviam os labores fraternais, o odor da caridade sempre impregnava os sofredores de ambos os lados da vida, que ali aporta­vam angustiados e afligidos.

Incorporando, o Benfeitor Saturnino ofereceu as pa­lavras de consoladora confiança com que habitualmente traçava as ligeiras diretrizes no ato da abertura da ses­são, atestando o concurso eficiente dos Obreiros da Es­piritualidade, e, dirigindo-se à irmã Amália, arrancou-a das cogitações dolorosas que a constringiam.

Experimentando singular amargura, a jovem tinha o semblante sulcado de dor e o espírito singularmente trucidado...

Através de expressões carinhosas e alentadoras, o Instrutor Espiritual esclareceu que fora programada para aquela noite a visita de indigitado perseguidor, vinculado pelo pretérito delituoso à família Soares, ali represen­tada, naquele momento, pela moçoila comovida.

— Desde às vésperas — explicou, solícito —, fora providenciado o socorro a Mariana, mais intimamente afinada com o visitante, que logo se utilizaria da mediunidade psicofônica, em incorporação atormentada, tendo em vista as circunstâncias do drama em anda­mento, que poderia colimar numa tragédia irremissível.

Para consubstanciar o labor da noite — prosseguiu, gentil —, levaram-se em conta os títulos de amor gran­jeados por Amália e sua genitora entre os Dirigentes Espirituais da Casa.

Em verdade, Dona Rosa desde há muito experimen­tava pesado fardo de aflições sem nome, que a esma­gava lentamente. Muito jovem consorciara-se com atormentado moço que, invigilante e descuidado dos nobres deveres da família, permanecia ligado psiquicamente a vigorosos sicários desencarnados que o perseguiam sem trégua...

Cobradores impiedosos seduziram-no desde cedo, le­vando-o a desenfreada jogatina, premeditando, soezes, um dia assassiná-lo, através de uma sortida policial no antro em que se refugiava para o cultivo da viciação danosa com outros não menos atormentados comparsas, programa esse em andamento...

Embora as dificuldades financeiras a que se via ata­do, na condição de genitor de seis filhos necessitados de assistência e melhor orientação, deixava-se ficar, des­cuidado, noites a fio entre a expectativa de um lucro imaginoso e ilícito e a perspectiva de uma fortuna impossível e desonesta. Enquanto minguavam os recursos provenientes de modesta aposentadoria, não se esforçava ele por completar as poucas moedas com expedientes extras ou exercitando outra profissão.

Tal desequilíbrio do Sr. Mateus se manifestara des­de muito cedo, em plena juventude. Todavia, com o re­nascimento de Mariana, na condição de sua filha, estranha recordação como que desatrelara reminiscências semi-apagadas que o venciam implacavelmente, fazendo irrespirável a atmosfera do lar, nos breves períodos de tempo que ali passava, agravando-se, à medida que a menina crescia, e que ora culminava em ódio surdo e recíproco, a explodir com frequência crescente, em amea­ças infelizes que chegavam a graves cometimentos de parte a parte.

A mãe aflita desde algum tempo se iniciara nas li­ções consoladoras do Espiritismo, conduzindo Amália, a mais dócil dos filhos, às fontes generosas e cristalinas do Evangelho Restaurado.

Nos ensinamentos confortadores em torno das leis de causa e efeito, as duas encontravam respostas leni­ficadoras para as ulcerações morais que dilaceravam o lar amargurado, sustentando-as nas lutas de todos os dias.

Afervoradas e humildes participavam dos serviços de socorro aos desencarnados na União Espírita Baiana sob a carinhosa direção do irmão Petitinga, que lhes minorava, também, as aflições, com mãos generosas e cristãs.

Naquela noite, todavia, Dona Rosa fora constran­gida a ficar em casa, crucificada por superlativa ago­nia, aguardando o retorno de Mariana, que após lamen­tavel atrito com o pai obsidiado se evadira, rebelde, entre azedas ameaças e injustificadas atitudes, aban­donando o calor doméstico, desfigurada pelo ódio e pela insensatez, embora os dezesseis anos de idade não com­pletos.

Orando, e tendo entregue as dores ao Senhor, a mãe se deixara ficar no lar, enquanto Amália acorrera, sofrida e preocupada, ao serviço da caridade, sufocando as próprias lágrimas, dominada por incoercíveis pressá­gios. O Templo Espírita de comunhão com o Alto era a sua esfera de luz, abençoado reduto de consolo, no qual hauria energias para prosseguir através dos péla­gos das provações rudes, conquanto necessárias ao pró­prio burilamento.

Feito o preâmbulo elucidativo em ligeiras nótulas, o instrutor solicitou a indispensável concentração, desli­gando-se do médium Morais, por cuja faculdade psico­fônica deveria comunicar-se o inditoso perseguidor fa­miliar.

Morais era dedicado médium de psicofonia incons­ciente, que se oferecia com expressivo carinho para o socorro aos desencarnados. Aliara à mediunidade bem disciplinada excelente disposição ao trabalho da cari­dade entre os atormentados da Terra. Aprendera com os Benfeitores Espirituais que o mais eficiente caminho para o aprimoramento das faculdades mediúnicas ainda é o exercício constante das qualidades morais, através da prática do bem indiscriminado e incessante. Assim, educara-se na discrição ante as dificuldades do próximo e transformara-se em cireneu de muitos seres caídos na luta. Por essa razão, havia nele os requisitos indispensáveis ao exercício salutar da mediunidade, especialmente quando Saturnino trazia à doutrinação Entidades infe­lizes ou perversas.

De semblante transfigurado em máscara de esga­res agônicos, o médium incorporou atro ser que, entre blasfêmias e expressões vulgares, exprobrava o cometimento de o trazerem ali contra a sua vontade...

— Farei justiça — exclamou, espumejante. — A justiça sairá das minhas próprias mãos. Judeu Asavero, tenho jornadeado sem descanso, após traído, a sorver essa imensa e intérmina taça de fel e fezes que me en­venena sem aniquilar-me...

Envolvido carinhosamente pelos fluídos de Satur­nino, o doutrinador, particularmente emocionado, dirigiu-se ao comunicante, falando-lhe da renúncia e do perdão como bases para a edificação da felicidade.

— O ódio — asseverou, Petitinga, bondoso — ter­mina por vencer os que o cultivam. Tóxico letal tem sua fonte na rebeldia que o vitaliza até que o amor, nas bases em que o vivia Jesus, lhe extinga a nascente.

— Nunca perdoarei! — explodiu em atroada cons­trangedora. — O perdão é fraqueza inominavel! Para os que encontraram na vingança a única razão de exis­tir, a simples idéia do perdão é qual raio fulminante, que carboniza... Nunca perdoarei, mesmo que destruin­do seja destruído...

— Não, meu irmão — redargüiu, pausado, o ins­pirado doutrinador. — Nada se acaba. A vida não ces­sa. Encerra-se um ciclo numa faixa de evolução para reaparecer noutra e desenvolver-se mais além. Destruir é mudar a aparência de uma forma para renascer nou­tra. Embora ignorando as suas razões, as quais, toda­via, não justificam o tornar-se infeliz, distribuindo ran­cor e trucidando com tenazes de vindita aqueles que se situam sob o comando da sua mente desarvorada, encorajamo-nos a lembrá-lo da compaixão. Recorde-se daqueles que serão vítimas da sua loucura, quando desejando ferir o seu desafeto irá, também, por sua vez, dilacerar os sentimentos dos que amam o seu antigo ofensor... Não lhe comovem as lágrimas, as vigílias intérminas nem a vida trucidada de uma mãe por expec­tativas dolorosas? Teria você colocado no peito uma fornalha ardente em substituição ao coração que ama?

— O amor — refutou, congestionado — é poesia para os que se comprazem nas ilusões do corpo...

— O ódio, porém — considerou o evangelizador —, é nuvem que tolda a visão da paisagem, entenebrecen­do-a. Fantasma truanesco entorpece as mais altas as­pirações do espírito humano, conduzindo-o aos sombrios e intérminos corredores da loucura, sem paz nem lume... Só o amor derrama sol nas almas, penetrando de espe­ranças os seres. Experimente amar e, de pronto, per­ceberá diminuir a própria dor.

— Amar? — exclamou, alucinado — Amor? Como amar se não poderei perdoar nunca, pois que jamais conseguirei esquecer todo o mal que me fizeram os trai­dores desalmados, cuja memória abjuro! A dor que me crucia fez-me perder a noção do tempo e a realidade da vida. Meu viver transformou-se apenas no intérmino buscar daqueles que me fulminaram, impiedosos, sem me terem destruído, o que teria sido bênção em relação ao que padeço. Certamente que eles esqueceram, sim... Eu, porém, nunca esqueci, jamais esquecerei!... Desde que se acumpliciaram os dois para aniquilar-me — o que não conseguiram, sem dúvida —, que a minha vida foi destroçada para sempre. A morte, que eu esperava ser um lenitivo, quando fugi com o espírito pisoteado de vergonha e dor, em nefando suicídio, ao invés de fa­zer-me desintegrar a consciência, mais ativou-a... Te­nho chorado, e o pranto se transforma em aço derre­tido, escaldante, rasgando-me a face. Quando gritava, minha voz era recebida com doestes e zombarias inomináveis por mil seres que me perseguiam... E a dor que me despedaçava foi adicionada à dor acerba do su­plício que me impusera para fugir... Morri sem mor­rer... E enquanto a vermina me penetrava o recesso do espírito fustigado por mil dores, eles, os meus algozes, gozavam, fruíam a juventude... Como se eu esti­vesse dirigido por duendes sem entranhas, era arrasta­do, em alucinada desesperação, para junto deles, de modo a vê-los, acompanhá-los, ouvi-los, e se me lan­çava sobre ambos e lhes gritava a minha infinita des­dita, os seus ouvidos não me escutavam... Oh!, nunca poderei esquecer, perdoar, amar, nunca, nunca!...

O irmão Saturnino, semi-incorporado no venerando doutrinador, ergueu-o, e, dirigindo-se ao perturbador­-perturbado, em oração, começou a aplicar-lhe passes, de modo a diminuir-lhe as agudíssimas exulcerações e torturas.

Branda claridade envolveu o comunicante, enquan­to as mãos de Saturnino, justapostas às de Petitinga, como depósitos de radiosa energia, que também se exteriorizava do plexo cardíaco do passista, lentamente pe­netrou os centros de força do desencarnado, como a anestesiar-lhe a organização perispiritual em desalinho.

Com voz compassiva, o diretor dos trabalhos come­çou a exortar:

Durma, durma, meu irmão... O sono far-lhe-á bem. Procure tudo esquecer para somente lembrar-se de que hoje é novo dia... Durma, durma, durma...

Banhado pela energia balsamizante e dominado pe­las vibrações hipnóticas que fluíam de Saturnino atra­vés de Petitinga, o perseguidor foi vencido por estra­nho torpor, sendo desligado do médium por devotados assessores desencarnados, que cooperavam no serviço de iluminação.

Prosseguindo os trabalhos de orientação, tendo em vista outros sofredores desencarnados e antes do térmi­no da reunião, o Mentor voltou a incorporar-se para es­clarecer que, graças às bênçãos do Senhor, a primeira etapa do programa de assistência à família Soares, na­quela noite, fora coroada de êxito. Exortava todos à oração intercessória, em benefício dos implicados naque­le processo, prometendo voltar ao problema na próxima oportunidade.

Proferida a oração gratulatória, foi encerrada a reunião.­

QUESTÕES PARA ESTUDO

1) Que tipo de sofrimento apresentava a família Soares, neste primeiro capítulo?

2) Que tipo de atividade o Sr Mateus se envolvia? Sua conduta favorecia a atuação do obsessor? Por quê?

3) Que “requisitos” Morais possuía para o êxito no trabalho mediúnico?

4) Qual era o discurso do obsessor na reunião mediúnica? Que tipo de argumentos o doutrinador utilizava para ajudá-lo?

Bom estudo a todos!!

Equipe Manoel Philomeno

Livro em estudo: Nos Bastidores da Obsessão – Editora FEB –1970 - A010 – Examinando a obsessão - 6ª parte - CONCLUSÃO

Livro em estudo: Nos Bastidores da Obsessão – Editora FEB - 1970

Autor: Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de Divaldo Pereira Franco

A010 – Examinando a obsessão - 6ª parte

CONCLUSÃO

QUESTÕES PARA ESTUDO

1 – Qual é a “porta de luz” que o autor descreve e como ela é sentida pelos espíritos que se encontram em zonas infelizes da Espiritualidade?

Porta de luz, segundo a comparação de Manoel Philomeno, é a mediunidade a serviço do bem geral. Conforme o Espiritismo esclarece, após a morte física, o espírito é transferido para o mundo espiritual, situando-se aonde a consciência, orientada pelas ações cultivadas ao longo da vida, o determine. Portanto, o espírito culpado desloca-se para regiões de culpa, sofrendo o aguilhão do arrependimento e da dúvida quanto ao seu futuro. A mediunidade, exercitada disciplinarmente nos núcleos espíritas sérios, é a porta de luz destes espíritos infelizes, pois através dela, esses são resgatados, manifestando-se nas reuniões de doutrinação, e, logo mais, iniciando seu tratamento espiritual! É a porta de esperança para a reconstrução da felicidade esquecida.

2 – Comente a frase “(...) Espiritismo ensina que o êxito das sessões se encontra na dependência dos fatores-objetivos que as produzem, das pessoas que as compõem e do programa estabelecido”, destacando que e quem são os fatores-objetivos, componentes da reunião e programa a ser estabelecido.

Os fatores-objetivos para o sucesso das reuniões mediúnicas são todos aqueles que colaboram conjuntamente para que se alcancem os objetivos pretendidos: instrução dos encarnados, evangelização de todos e amparo aos desencarnados. São, portanto, os fatores, segundo Manoel Philomeno e a Codificação, a sintonia de sentimentos nobres dos participantes, respaldada na conduta nobre e cristã de cada um; a seriedade e a disciplina com que a reunião é tratada; e o sentimento de fraternidade tanto entre os encarnados, quanto para com os desencarnados em estado de aflição.

3 – Que é o elevado padrão moral que todos os componentes do grupo mediúnico devem possuir e por que os Instrutores Espirituais não podem abstrai-lo?

O elevado padrão moral dos componentes encarnados não se trata somente de conhecer os altos valores morais cristãos, nem os estudos aprofundados do Espiritismo... Não apenas! Mas sim a prática do cristianismo na vida cotidiana, através da tríade: estudo, prece e trabalho fraterno. Cada participante colaborando individualmente eleva seu padrão de vibração, o que lhe permite mais facilmente se sintonizar com os dirigentes espirituais e se tornar mais dócil às suas sugestões. De maneira contrária, o sujeito que se afasta de tal baliza moral, não consegue se sintonizar com os benfeitores, e passa então a se sujeitar às influências dos espíritos mistificadores.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Mural reflexivo: Contágio do amor

tarefamutuaContágio do amor

Agnes Gonxha Bojaxhiu é uma pessoa desconhecida do mundo. Isso porque, ao ingressar na Congregação Irmãs de Loreto, ela adotou o nome de Tereza, e assim ficou conhecida.

Falamos de Madre Tereza de Calcutá, nascida na Albânia e que foi aureolada no ano de 1979, com o Prêmio Nobel da Paz, por ter se dedicado quase cinquenta anos aos desamparados.

Foi ao presenciar, durante uma viagem de trem, a mistura de homens e animais amontoados nos vagões, extremamente sujos e com odor desagradável, que decidiu fundar a Ordem das Missionárias da Caridade.

Ante as dificuldades que se apresentavam, que incluíam perseguições dos que não lhe entendiam a nobreza dos gestos e seu amor pelos párias, chegou a pensar em desistir.

Em uma das oportunidades, assim se expressou: Meu Deus, por livre escolha e por Teu amor, desejo permanecer aqui e fazer o que a Tua vontade exige de mim. Não! Não voltarei atrás.

A minha comunidade são os pobres. A Tua segurança é a minha. A Tua saúde é a minha. A minha casa é a casa dos pobres.

Não apenas dos pobres, mas dos mais pobres dos pobres. Daqueles de quem as pessoas já não querem se aproximar, com medo do contágio e da sujeira, porque estão cobertos de micróbios e vermes.

Daqueles que não vão rezar nos templos, porque não podem sair nus de casa. Daqueles que já não comem porque não têm forças para comer.

Daqueles que se deixam cair pelas ruas, conscientes de que vão morrer e ao lado dos quais os vivos passam, sem lhes prestar atenção.

Daqueles que já não choram, porque se lhes esgotaram as lágrimas. Dos intocáveis.

E ela ficou ao lado dos miseráveis. Encontrou um bebê semimorto, num lixão. Fez respiração boca a boca. Disseram que a criança estava morta.

Ela insistiu e quando o bebê deu sinal de vida, ela o apertou contra o peito e gritou: Está vivo! E o levou para casa.

Muitas criaturas foram contagiadas pelo seu amor.

Um casal a procurou e lhe entregou uma grande quantia em dinheiro.

Disseram-lhe que tinham se casado há dois dias. Tinham resolvido não usar trajes nupciais, nem realizar celebração e lhe trouxeram o dinheiro.

Amavam-se tanto que desejavam compartilhar a alegria de seu amor com os pobres.

Um senhor chegou com seu filho pequeno. Disse-lhe que o menino gostava tanto dela que resolveu guardar a mesada para dar de presente aos pobres.

Ele ficara tão sensibilizado com a atitude do filho, que decidira deixar de fumar e beber há um mês e a economia se destinava a ela.

Quando alguns budistas japoneses souberam que a Congregação de Madre Tereza jejuava toda primeira sexta-feira do mês, para destinar aquela economia aos pobres, fizeram o mesmo.

Enviaram para ela o resultado da sua arrecadação. Com esse dinheiro, foi construído o primeiro andar da casa que tinha por objetivo abrigar meninas libertas do cárcere.

Madre Tereza morreu aos oitenta e sete anos. O contágio do seu amor prossegue a dar frutos.

Suas casas de atendimento se espalham por mais de cem países. Treze delas, no Brasil.

O que conta não é o que fazemos, mas o amor que colocamos no que fazemos, lecionava Madre Tereza.

Redação do Momento Espírita, com base em
dados biográficos de Madre Teresa de Calcutá
.

domingo, 15 de novembro de 2015

Revista Espírita - maio de 1862 - Causas de incredulidade

Revista Espírita

Quinto Ano – 1862

Maio

Causas de incredulidade

Revista Espírita, maio de 1862

Senhor Allan Kardec,

Li com muita desconfiança, direi mesmo com o sentimento de incredulidade, as vossas primeiras publicações tratando do Espiritismo; mais tarde, eu as reli com infinita atenção, assim como as vossas outras publicações, à medida que elas apareceram. Pertenço, devo dize-lo sem preâmbulo, à escola materialista; a razão, ei-la: é que, de todas as seitas filosóficas ou religiosas, era a mais tolerante, a única que não se entregou a um levante geral para a defesa de um Deus que disse, pela boca do Mestre: "Os homens provarão que são meus discípulos se amando uns aos outros". Em seguida, é que a maioria dos guias que a sociedade se dá para inculcar nos espíritos jovens as ideias de moral e de religião, parecem antes destinadas a lançar o pavor nas almas, do que lhes ensinar a bem se conduzir, a esperar uma recompensa pelas suas penas, uma compensação para sua aflição.

Também os materialistas de todas as épocas, e principalmente os filósofos do último século, cuja maioria ilustrou as artes e as ciências, aumentaram o número de seus prosélitos, à medida que a instrução emancipou os indivíduos: preferiu-se o nada aos tormentos eternos.

Está na ordem que o infeliz compare; a comparação lhe sendo desvantajosa, duvida de tudo. E, com efeito, quando se vê o vício na opulência e a virtude na miséria, se não houver uma doutrina racional e provada pelos fatos, o desespero se apodera da alma, pergunta-se

o que se ganha em ser virtuoso, e atribuem-se os escrúpulos da consciência aos preconceitos e aos erros de uma primeira educação.

Ignorando o uso que fareis de minha carta, e vos deixando, sobre este ponto, uma inteira liberdade, creio que não será inútil fazer conhecer aqui as causas que operaram minha conversão. Eu tinha vagamente ouvido falar do magnetismo; uns o consideravam como uma coisa séria e real, os outros o tratavam de bagatela: nisso, pois, não me deterei. Mais tarde, ouvi falar de todos os lados de mesas girantes, de mesas falantes, etc.; mas cada um tinha, sobre esse assunto, a mesma linguagem que sobre o magnetismo, o que fez que não me interessasse mais com isso. Entretanto, por uma circunstância inteiramente imprevista, tive à minha disposição o Tratado de magnetismo e de sonambulismo do Sr. Aubin Gauthier. Li esta obra com uma disposição de espírito constantemente em rebelião contra seu conteúdo, de tal modo que, o que ali está explicado, me parecia extraordinário, impossível; mas chegado a esta página onde esse homem honesto disse: "Não queremos que nos creia sobre palavra; que se tente segundo os princípios que indicamos, e se se reconhece que, o que adiantamos, é verdadeiro, tudo o que pedimos, é que se esteja de boa fé, e que nisso se convenha." Esta linguagem de uma certeza racional, que só o homem

prático pode ter, detém toda minha efervescência, submete meu espírito à reflexão e lhe determina a tentar. Operei primeiro sobre uma criança de meus parentes, com idade em torno de dezesseis anos, e triunfei além de todas as minhas esperanças; dizer-vos da perturbação que se fez em mim, seria difícil; eu desconfiava de mim mesmo e me perguntava se não era pateta dessa criança que, tendo adivinhado as minhas intenções, se entregava às macaquices de uma simulação para, em seguida, me ridicularizar. Para disso me assegurar, tomei certas precauções indicadas e fiz vir, imediatamente, um magnetizador; então, adquiri a certeza de que a criança estava realmente sob a influência magnética. Essa primeira tentativa me animou tão bem que me entreguei a esta ciência, da qual tive ocasião de observar todos os fenômenos, ao mesmo tempo que pude constatar a axistência do agente invisível que os produzia.

Qual é, pois, este agente? quem o dirige? qual é sua essência? por que não é visível? São perguntas às quais me é impossível responder, mas que me conduziram a ler o que foi escrito pró e contra as mesas falantes, porque me disse que se um agente invisível podia produzir os efeitos dos quais era testemunha, um outro agente, ou talvez o mesmo, podia bem produzir outros; de onde concluí que a coisa era possível, e hoje nela creio, embora não haja ainda nada visto.

Todas estas coisa são, por seus efeitos, tão surpreendentes quanto o Espiritismo, que os críticos, de resto, não combateram senão fracamente, e de maneira a não deslocar nenhuma convicção. Mas o que o caracteriza bem de outro modo que os efeitos materiais, são os efeitos morais. Fica evidente para mim que todo homem que disso se ocupar seriamente, se for bom, se tornará melhor; se for mau, modificará forçosamente seu caráter. Outrora a esperança não era senão uma corda na qual se dependuravam os infelizes; com o Espiritismo, a esperança é uma consolação, os sofrimentos uma expiação, e o Espírito, em lugar de se colocar em rebeldia contra os decretos da Providência, suporta pacientemente as suas misérias, não maldiz nem a Deus nem aos homens, e caminha sempre para a sua perfeição. Se eu tivesse sido nutrido nessas ideias, não teria certamente passado pela escola do materialismo, da qual estou muito feliz por ter saído agora.

Vedes, senhor, que por rudes que tenham sido os combates aos quais me entreguei, minha conversão está operada, e sois um daqueles que para ela mais contribuiu. Registrai-o em vossas anotações porque essa não será uma das menores, e querei doravante me contar no número de vossos adeptos.

GAUZY

Antigo oficial, 23, rua Saint-Louis, em Batignolles (Paris).

Nota. - Esta conversão é um exemplo a mais da causa mais comum da incredulidade.

Enquanto se der como verdades absolutas coisas que a razão repele, far-se-ão incrédulos e materialistas. Para fazer crer, é preciso fazer compreender; assim o quer nosso século, e é preciso caminhar com o século se não se quiser sucumbir; mas para fazer compreender, é preciso que tudo seja lógico: princípios e consequências. O Sr. Gauzy emite uma grande verdade dizendo que o homem prefere a ideia do nada, que põe fim às suas penas, à perspectiva de torturas sem fim, às quais é tão difícil escapar; também procura gozar, o mais possível, enquanto está sobre a Terra. Perguntai a um homem que sofre muito o que ele prefere: morrer em seguida ou viver cinquenta anos na dor; sua escolha não será duvidosa. Quem quer muito provar, nada prova; à força de exagerar as penas, acabou-se por não mais fazer crer nelas; e estamos certos de haver muita gente de nossa opinião dizendo que a doutrina do diabo e das penas eternas fez o maior número dos materialistas; que a de um Deus que criou seres para entregar sua imensa maioria às torturas sem esperança, por faltas temporárias, fez o maior número dos ateus.

Enviado por: Joel Silva