sábado, 6 de outubro de 2018

'Fique amigo dos pais': polícia revela mensagens trocadas por abusadores de crianças

Juliana Carpanez
Do UOL, em São Paulo


"Fique amigo dos pais." A dica foi transmitida por alguém experiente, via email, a um homem que planejava abusar de crianças. As oportunidades surgiriam ao "interessado" quando ganhasse a simpatia e a confiança dos adultos. Era assim que ele cometia abusos, oferecendo em troca presentes, sorvetes e passeios no shopping para as vítimas, que ficavam sob seus cuidados com o consentimento dos pais. Culpados por aceitarem os agrados e por conhecerem o agressor, os menores dificilmente o denunciariam - estas vítimas, posteriormente identificadas, eram cinco garotos com idades entre sete e 13 anos.
A conversa está entre as inúmeras mensagens de email investigadas durante a operação Moikano, deflagrada em meados de 2015. Foram 13 prisões em flagrante. Entre elas, a do homem responsável por fornecer a dica acima e a de outro que abusava dos próprios filhos. Depois, como resultado da mesma investigação, foi detido um palhaço animador de festas infantis. Não dá para chamá-los de pedófilos, pois este é um termo médico que exige avaliação de especialistas. Porém é possível dizer que são todos criminosos, porque as ações sexuais cometidas contra crianças estão previstas em lei.
"O perfil de alguns detidos desconstrói dois mitos equivocados sobre o compartilhamento desse conteúdo. Primeiro de que os autores desse tipo de crime não representam qualquer risco à sociedade, por serem meros coitados, desajustados, que passam a vida em frente ao computador. O segundo diz respeito à falsa ideia de que se trata apenas de 'arquivos digitais', numa visão desfocada do que eles realmente retratam: estupros de crianças", diz o delegado Valdemar Latance Neto, que coordenou a operação Moikano quando respondia pela unidade de inteligência da delegacia da Polícia Federal em Sorocaba (SP).
Concluído o caso, foi Latance quem forneceu as informações à reportagem via entrevista e acesso a um estudo de caso. Segundo o delegado, a divulgação não atrapalha futuras investigações, pois os adeptos à pornografia infantil deixaram de fazer compartilhamentos via email - as técnicas agora são outras.

Caixas de email sem sigilo

A investigação aqui tratada teve origem em outra operação, chamada Glasnost, com o objetivo de identificar os suspeitos de compartilhar pornografia infantil via um site russo. Um dos envolvidos morava em Itu (SP) e, por isso, a busca domiciliar e sua prisão em flagrante, em 2013, ficaram sob responsabilidade da polícia de Sorocaba. O nome operação Moikano, iniciada em abril de 2014, surgiu porque o homem em questão usava o email ''moikano'' (os endereços serão divulgados incompletos) nas conversas com outros interessados nesse tipo de arquivo.
Para aprofundar a investigação, pediu-se à 1ª Vara Federal de Sorocaba o afastamento do sigilo de dados dessa conta: o conteúdo das mensagens, além dos endereços eletrônicos com os quais "moikano" se comunicava. Fez-se em seguida outro pedido semelhante a mais empresas de tecnologia, dessa vez referente a 176 emails que se correspondiam com ele. Na época das prisões, em comunicado à imprensa, o juiz Luís Antônio Zanluca classificou essa etapa da investigação como um efeito cascata.

"Loirinha, linda, de nove anos"

Durante a análise dos muitos gigabytes coletados, os investigadores se depararam com uma mensagem que exigia ação urgente. Nela, um homem contava que havia conseguido "passar a mão" no corpo de uma menina "loirinha, linda, de nove anos", que morava perto dele. Ele se queixava por não ter conseguido levá-la para casa, onde poderia estuprá-la, e pedia dicas ao interlocutor. Em troca, prometia enviar fotos das cenas de sexo com a criança, caso conseguisse colocar seu plano em prática.
Os policiais de Sorocaba requisitaram com urgência, junto à operadora de acesso à internet, os dados daquele usuário, assim como data e horário da mensagem. Descobriram que era recente e que a conexão havia sido feita em Joinville (SC). Pediram então que a delegacia da Polícia Federal da cidade identificasse o suspeito e a vítima em potencial. O caso foi desmembrado da operação Moikano e deu origem a um novo inquérito policial.
A garota realmente existia, não se tratava de fruto da imaginação do suspeito: suas características correspondiam às descritas e ela passava a tarde aos cuidados do seu irmão adolescente enquanto a mãe trabalhava fora. "Era uma criança em situação muito vulnerável", afirma Latance. Já o suspeito foi identificado no Facebook: ao fazer uma busca com "maneca", endereço usado por ele para compartilhar cenas de estupro infantil, chegou-se a esse perfil na rede social.
Ainda havia dúvidas, no entanto, pois as conexões não eram na casa do suspeito, mas sim na vizinha, onde um policial morava com as duas filhas. Por isso foi feito um pedido de busca domiciliar nas duas residências. Na do suspeito, encontraram o conteúdo de pornografia infantil que levou à sua detenção. Na do policial, descobriram que ele havia apenas permitido a instalação de um cabo de internet a pedido do vizinho - que disse estar recém-separado e sem conexão disponível em casa. O UOL não conseguiu acesso ao processo, para saber qual a condenação e o tempo da pena do homem detido.

"Em 99% dos casos a família não sabe de nada"

Latance chama atenção para os cuidados necessários durante a busca e apreensão, considerando o peso dessa acusação. "Um inocente pode ter a honra manchada, em seu círculo social, com uma injusta e permanente atribuição do rótulo de pedófilo." Mesmo quando a suspeita se confirma, há outras preocupações: "Estamos revelando o maior segredo da vida dele. Sua reação representa um risco, inclusive de suicídio. Em 99% dos casos a família não sabe de nada, até porque não há um perfil específico. Pode ser qualquer tipo de pessoa", continua. Via de regra, os envolvidos nesses crimes são homens.
Entre outros desafios estão as informações "velhas" - mensagens trocadas anos antes -, que impossibilitam a identificação dos usuários. E, mesmo se houver alguma direção nos casos antigos, são grandes as chances de chegar até uma casa e o suspeito ter mudado.
Isso tudo faz com que os números se afunilem: as 176 contas usadas por suspeitos culminaram em 50 mandados de busca domiciliar e 31 de prisão preventiva, que acabaram levando a 13 prisões em flagrante pelo país quando a operação Moikano foi deflagrada.

Palhaço que animava festas infantis abusava de crianças

A leitura de cada mensagem, mesmo que de forma rápida, mostrava-se extremamente trabalhosa, mas era necessária. Isso permitiu, segundo Latance, "a identificação segura de boa parte dos suspeitos, a produção da prova antes mesmo da realização de busca domiciliar e, por consequência, a diminuição do risco de equívocos no momento mais invasivo das buscas nas residências suspeitas".
Foi assim que se chegou ao palhaço Ricocó, que trabalhava em Salvador como animador de festas infantis. Com o email "Show Ricocó", utilizado para se comunicar com "moikano" e outros interessados em pornografia infantil, ele também divulgava seu trabalho de palhaço e enviava fotos pessoais a amigos e familiares. Em uma conversa com outro suspeito, escreveu informações que levaram os investigadores até sua página no Facebook, cheia de fotos pessoais, nome completo, número de telefone para contratação de shows e diversas imagens dele rodeado por crianças.
A polícia solicitou os dados cadastrais do titular do telefone de contato e obteve os mesmos dados do suspeito. Ele não foi detido na operação Moikano, pois havia acabado de mudar de casa. Ficou foragido, mas acabou sendo preso. Em julho de 2016, foi condenado a nove anos e dez meses de prisão pelo armazenamento e compartilhamento desses arquivos.

Pais se disseram surpresos: era amigo das famílias

Entre as mensagens recebidas pelo palhaço Ricocó estava uma de "Léo Santo André", com imagens de um garoto de aparentemente oito anos sendo abusado --foi deste mesmo email que partiu a dica relatada no início deste texto.
"As fotos chamaram atenção porque parecia conteúdo novo", afirmou Latance. Além de ver sempre esse tipo de material, sabendo quando algo já circula pela rede, os investigadores trabalham com softwares de análise (alguns fazem varreduras em um universo enorme de arquivos, para alertar quais podem conter abuso sexual infantil). "Ao avaliar os metadados das fotos, descobrimos que haviam sido feitas em 10 de janeiro de 2015, uma semana antes do envio, com um telefone da marca Samsung", continua.
Os arquivos, no entanto, não identificavam nenhuma coordenada geográfica. Ao solicitar informações de conexão relacionadas à conta de email, os investigadores chegaram a um suspeito que reunia todas as características expostas no seu endereço de email. Durante a busca em sua casa, ele foi preso em flagrante por posse de arquivos de abuso sexual infantil. Seu celular Samsung foi apreendido e, nele, encontrados mais arquivos em que as vítimas eram garotos com idades entre sete e 13 anos.
Os jovens foram identificados, ouvidos na Superintendência da Polícia Federal de São Paulo com o auxílio de uma psicóloga, e os pais se disseram surpresos. Isso porque o suspeito morava no mesmo bairro das vítimas e era considerado um amigo das famílias.
Ele foi condenado em dezembro de 2015, mas o caso corre em segredo de Justiça e o UOL não teve acesso à pena, cumprida em um presídio de Guarulhos (SP). Segundo Latance, a condenação soma 74 anos, seis meses e cinco dias de reclusão.
Notícia publicada no BOL Notícias, em 27 de julho de 2018.

Sergio Rodrigues* comenta

Esta é uma situação recorrente, que vem sendo noticiada com frequência. A Internet é um instrumento colocado à disposição da humanidade, certamente com bons propósitos. No entanto, é um instrumento neutro, nem bom nem mau por si mesmo. O que o qualifica é o seu uso, ou seja, a intenção e os objetivos dos que dele se servem.
O assédio e o abuso de crianças que acontecem se utilizando desse meio como intermediário, como dissemos, vem acontecendo de modo recorrente. Crianças, ainda sem maturidade para perceber as reais intenções de muitas mensagens que recebem, ficam à mercê de pessoas sem escrúpulo, verdadeiros psicopatas que adotam essas práticas para satisfazerem seus apetites selvagens.
É comum vermos famílias em que as crianças permanecem diante de um computador ou outro aparelho similar durante horas seguidas. As causas de assim acontecer são variáveis, desde a proibição dos pais de que ganhem a rua para alguma outra atividade, motivados pela violência generalizada que atinge o País, até o simples desejo de satisfazerem a curiosidade, tão comum nesta fase da vida. Sendo difícil evitar que aconteça, cabe aos pais o exercício de uma maior vigilância e controle quanto ao uso da Internet que está sendo feito por seus filhos.
Entretanto, a matéria em questão noticia que em 99% dos casos a família nada percebeu. É claro que não se pode atribuir aos pais a principal parcela de culpa, quando ocorre a criminosa ação por parte dessas pessoas. Mas não há como negar que aos pais cabe a educação moral e intelectual dos filhos, o que envolve a orientação sobre o que devem ou não buscar na Internet. A vida moderna, com tantas dificuldades que obrigam a atribuições diversas e nem sempre fáceis, por vezes, não deixa aos pais um tempo necessário para essa necessária vigilância sobre a ação dos filhos. A vigilância se torna ainda mais imprescindível quando se constata que a investigação apurou casos em que o praticante do ato delituoso era amigo da família.
É fundamental que os pais conversem muito com os filhos sobre assuntos dessa natureza. Infelizmente, contudo, há ainda uma onda conservadora na sociedade que atua para impedir que determinados costumes sejam objeto de educação infantil, principalmente nas escolas. O desconhecimento dessas questões é um poderoso aliado dos que têm tendência a essas práticas.
* Sergio Rodrigues é espírita e colaborador do Espiritismo.Net

Caso de Dr. Bumbum mostra que beleza tem sido encarada como virtude moral, diz filósofa

Luiza Franco
Da BBC News Brasil em São Paulo


Já sentiu orgulho de si por ter mantido uma dieta ou ido à academia? Já se sentiu mal por não fazer uma dessas coisas? "Emagrecer x quilos" já fez parte das suas resoluções de ano novo? A filósofa inglesa Heather Widdows, que pesquisa nossa relação com padrões de beleza, diz que cada vez mais a beleza é um ideal ético.
"Nos sentimos 'bons' quando mantemos a dieta, vamos à academia. Nos sentimos displicentes quando abandonamos a dieta, pulamos a academia. Falamos muito que não devemos 'nos descuidar', que 'merecemos' estar bem. Achamos que se tivermos o corpo que queremos teremos o relacionamento que queremos. Fazemos coisas desagradáveis que são vistas como coisas boas porque 'você está investindo em você'", diz.
A professora da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, lançou recentemente o livro Perfect Me (Princeton UP), em que argumenta que ideais de beleza são mais rigorosos do que nunca, apesar de haver mais diversidade de tipos de corpos na mídia.
À BBC News Brasil, ela falou sobre o caso do Dr. Bumbum, preso depois que uma paciente, que passou por procedimentos estéticos em seu apartamento, morreu: "Quanto mais virmos beleza como uma virtude, mais faremos para ficar belos, e isso torna mais provável que coisas desse tipo aconteçam com cada vez mais frequência." Ela diz que é importante não culpar a vítima quando algo assim acontece. "Devemos olhar coletivamente para o ambiente tóxico que criamos e pensar em como mudá-lo. Culpar pessoas individualmente é totalmente improdutivo e inadequado."
BBC News Brasil - No seu livro, você argumenta que práticas de busca da beleza se tornaram normais, quando não deveriam ser. Como isso foi mudando com o tempo?
Widdows - Vamos pensar em exemplos históricos, coisas como o uso de corselete ou pés de lotus (prática antiga da elite chinesa de amarrar os pés das meninas para que eles não crescessem, algo que era considerado bonito). Não eram consideradas coisas "normais". A mulher aristocrata chinesa podia até achar que seu pé ficava bonito daquele jeito, mas não via aquilo como algo normal. Isso valia para o resto da sociedade. Mas quando o ideal de beleza se tornou global, práticas passaram a ser obrigações. Por exemplo, remoção de pelos: não é mais visto como uma forma de se embelezar, mas como uma questão de higiene. Você vê as mulheres falando que pelos são nojentos, anti-higiênicos, anormais. O corpo "normal" é o corpo sem pelos.
BBC News Brasil - É possível traçar paralelos entre o caso do Dr. Bumbum e as conclusões da sua pesquisa?
Heather Widdows - Achamos que as pessoas colocam a saúde acima da beleza, mas cada vez mais a beleza está se tornando uma virtude, e com isso as pessoas passam a fazer qualquer coisa por ela. Quanto mais virmos beleza como uma virtude, mais faremos para ficar belos, e isso torna mais provável que coisas desse tipo aconteçam com cada vez mais frequência. As pessoas passam a fazer qualquer coisa para atingir o ideal.
BBC News Brasil - Não corremos o risco de culpar as vítimas se pensarmos assim?
Widdows - Temos que evitar culpar as pessoas individualmente pelo que fazem ou não fazem no que diz respeito à beleza. Não funciona e não é justo. Se fizermos isso, deixamos de levar em conta o quão dominante é o ideal de beleza e a sua relação com a ética. Devemos olhar coletivamente para o ambiente tóxico que criamos e pensar em como mudá-lo. Culpar pessoas individualmente é totalmente improdutivo e inadequado.
BBC News Brasil - Como essa busca por beleza foi se misturando à moral e à ética na nossa sociedade?
Widdows - Uma coisa só se torna uma referência ética se for totalmente normalizada. Práticas de culto à beleza se tornaram totalmente normalizadas, e cirurgias plásticas, ainda que não sejam tão populares, são cada vez mais comuns.
Vamos pensar em resoluções de ano novo. Antigamente fazíamos resoluções ligadas à nossa personalidade -- queríamos ser mais ponderados, gentis, honestos. Agora queremos perder peso, ir mais à academia.
Cada vez mais "melhorar" quer dizer melhorar nossos corpos. Nossos objetivos de longo prazo são esses. Nos sentimos "bons" quando mantemos a dieta, vamos à academia. Nos sentimos displicentes quando abandonamos a dieta, pulamos a academia. Falamos muito que não devemos "nos descuidar", que "merecemos" estar bem. Achamos que, se tivermos o corpo que queremos, teremos o relacionamento que queremos. Fazemos coisas desagradáveis que são vistas como coisas boas porque "você está investindo em você".
BBC News Brasil - Como chegamos a esse ponto?
Widdows - Não dá para identificar um fator específico, mas há alguns que, juntos, criam uma tempestade perfeita. O fato de nosso cultura de comunicação ser cada vez mais visual é um deles. É preciso estar sempre pronto para ser fotografado ou filmado. A tecnologia também influencia. Por exemplo, a rainha Elizabeth 1ª era muito preocupada com sua aparência, especialmente com o envelhecimento, mas não tinha muito o que ela pudesse fazer a respeito além de botar maquiagem, mas hoje em dia, há muita coisa que se pode fazer.
E há também a cultura de consumo. Mostramos nossa identidade através do que consumimos. Isso se mostra no nosso corpo, os produtos que compramos para nosso corpo. Isso se tornou uma medida pela qual julgamos os outros e nós mesmos. Queremos chegar a um ideal de magreza, firmeza, maciez, juventude.
BBC News Brasil - Como chegamos a esses ideais?
Widdows - Foi de forma gradual. Acho que estamos caminhando na direção de uniformidade. Ideais locais de cada país ou região estão convergindo e há cada vez mais um padrão global. A magreza é valorizada de alguma forma em quase todo lugar. As barrigas e cinturas têm que ser finas e magras.
BBC News Brasil - No entanto, há mais tipos de beleza sendo representados na mídia.
Widdows - Acho que é isso é uma ilusão. Se você prestar atenção, verá que modelos sempre se encaixam em algum dos padrões de magreza, firmeza, maciez, juventude. Raramente vemos alguma modelo que não se encaixe em nenhum desses padrões e ainda seja considerada bonita. Modelos mais gordas têm curvas firmes, e não flácidas, peludas, cheias de celulite. Há coisas positivas de diversidade, qualquer coisa que dê visibilidade ao diferente é positiva, mas há certa ilusão a respeito do quão diversa essa diversidade realmente é.
BBC News Brasil - Também há um movimento feminista forte que questiona a imposição desses padrões.
Widdows - Sim, e finalmente conseguimos romper com práticas com movimentos como o MeToo, mas o ideal da beleza foi crescendo e crescendo sem que a gente percebesse. É mais esquivo. Pensamos nas práticas de beleza como uma escolha pessoal, mas no final das contas, vemos essas coisas como obrigações. Se tornaram algo necessário para você ser normal. Temos que prestar atenção nisso para não vivermos numa sociedade onde todos se sentem mal.
BBC News Brasil - Seu livro foca em mulheres, mas como vê esse cenário para os homens?
Widdows - Esse fenômeno tem afetado homens e eles estão também sofrendo ansiedade e pressão para se encaixar em padrões. Mas a pressão é diferente. Há mais padrões possíveis de beleza, nao há tanta pressão para não parecer velhos.
BBC News Brasil - Há quem diga que exercício físico é uma busca pela saúde, algo positivo.
Widdows - A saúde pode ser usada como uma desculpa para tornar certos comportamentos aceitáveis. Às vezes as pessoas dizem que estão fazendo coisas pela saúde, mas, na verdade, é por beleza. Mas há também o fato de que algumas práticas são de fato saudáveis. Os padrões são complicados porque não são só ruins, há aspectos bons também.
BBC News Brasil - O que se pode fazer para aliviar essa pressão toda?
Widdows - Precisamos parar de nos culpar e de apontar o dedo para os outros. As pessoas sentem culpa pelo que fazem e não fazem a respeito de beleza.
Notícia publicada na BBC Brasil, em 28 de julho de 2018.

Telma Simões Cerqueira* comenta

“O essencial é invisível aos olhos”. (Antoine de Saint Exupéry)
Essa expressão, retirada do maravilho livro “O Pequeno Príncipe”, revela uma perspectiva de um mundo muito à frente da época em que vivemos, apesar de todo o avanço sociocultural e tecnológico do nosso momento atual.
A busca da beleza estética é algo tão subjetivo, quanto efêmero, o que nos faz compreender que não são medidas ou aparências físicas que irão determinar nossas realizações ou nossa felicidade, porém, ao pensar nessas questões, vemos que cresce a cada dia, a busca desenfreada e a todo custo pela aparência perfeita, e torna-se urgente e necessário que voltemos nossa atenção para pensar: O que é essencial para nós? O que os olhos não veem na verdade não está fora de nós e sim no nosso interior, na nossa alma. Mais importante do que perder alguns quilos é refletirmos no que talvez esteja nos sobrando como as ideais preconcebidas, as falsas verdades, os nossos medos, nossas inseguranças, que nos fazem perder o foco do objetivo da nossa existência.
Ao longo da nossa civilização, a preocupação com a estética sempre foi um traço marcante do ser humano. Com o decorrer dos séculos, o culto ao corpo só tem aumentado, tornando a indústria de cosméticos e os institutos de estética, fontes de alta lucratividade. Cada vez mais, homens e mulheres recorrem às técnicas sofisticadas da cirurgia plástica em busca da melhoria da aparência física, muitas vezes, alterando seus corpos de forma radical. Como entender esse anseio estético do ser humano?
Acreditamos que o ideal de beleza sempre nos acompanhou e vai continuar acompanhando o ser humano em sua peregrinação pela Terra, porque faz parte de sua natureza. Allan Kardec destaca, em Obras Póstumas, o texto do filósofo Lavater sobre a Teoria da Beleza. Com ele aprendemos que a evolução do espírito confere, naturalmente, ao aperfeiçoamento da matéria, porque esta é impregnada, ao longo do tempo, com os benefícios evolutivos do envoltório sutil – o perispírito. Um simples olhar sobre os desenhos dos homens primitivos e os do século XXI nos dirá que somos agora bem mais belos do que antigamente.
Será que temos o direito de utilizar dos meios que a Ciência nos oferece para melhorar nossa aparência física? Podemos corrigir o que nos incomoda? Sem dúvida que podemos. Tudo nos é permitido, em todos os âmbitos da vida, porém, temos que ter muito cuidado com o exagero, este sim, que é destrutivo.
Na questão 719, de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec pergunta aos orientadores espirituais: “Merece censura o homem, por procurar o bem-estar?”
É natural o desejo do bem-estar. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação. “Ele não condena a procura do bem-estar, desde que não seja conseguido à custa de outrem e não venha a diminuir-vos nem as forças físicas, nem as forças morais.” Entendemos, portanto, que podemos procurar o bem-estar desde que tenha um limite, porque tudo o que é excesso não nos traz benefícios.
Em nossos dias sabemos dos benefícios oferecidos pela medicina estética, como exemplo, inúmeras mulheres que perderam o seio, devido ao câncer, podem lançar mão da cirurgia reparadora para melhorar a sua autoestima. Do mesmo modo, pessoas com deformações congênitas, ou que as adquiriram ao longo da existência, também podem contar com esse recurso abençoado.
Em hipótese alguma, podemos julgar as pessoas, inclusive as que fazem cirurgia estética. O respeito ao livre-arbítrio de nossos semelhantes é imprescindível, porém reconhecemos que a insatisfação com a aparência física em alguns casos são resultantes da não aceitação do corpo que é a nossa veste física, na presente encarnação. Nada acontece por acaso, tudo tem uma razão de ser. Nem todas as pessoas reencarnam com os corpos perfeitos e sedutores, será que isso tem algum motivo? Outras já não mais exercem o fascínio de outrora em sociedade, por quê? E quantos se revoltam contra as condições físicas impostas à vida atual? Esse descontentamento é resultado de algo mais profundo, é uma insatisfação que está presente na alma, no Espírito, levando inúmeras pessoas a um vazio existencial, a uma melancolia, dando origem a várias patologias como a depressão, os distúrbios psicológicos com consequências desastrosas pelos caminhos da loucura, da obsessão e do suicídio.
Ainda em Obras Póstumas, Allan Kardec assim se pronunciou: “... A beleza real consiste na forma que mais se distancia da animalidade, e reflete melhor a superioridade intelectual e moral do Espírito, que é o ser principal”. Esse deve ser o tipo de beleza que devemos buscar e desenvolver. Todo o resto é fulgás e passageiro.
Por outro lado, observa Kardec que “... à medida que o homem se eleva moralmente, seu envoltório se aproxima do ideal da beleza, que é a beleza angélica”. Deduz-se, portanto, que o verdadeiro ideal de beleza está intrinsecamente ligado à perfeição moral que Jesus tão bem exemplificou, quando nos disse: “Sede Perfeitos.”
O importante é perceber que, à medida que vamos realizando o nosso progresso espiritual, passamos a compreender melhor o nosso anseio de beleza. Na verdade, ele está intrinsecamente ligado ao aperfeiçoamento da nossa alma, pois só alcançaremos o verdadeiro ideal de beleza quando a virtude sublime do amor preencher completamente o nosso coração.
Sejamos belos, sim. Mas, sobretudo, no nosso modo de ser e estar no mundo. Pensando assim, toda transformação será sempre salutar. Que possamos tornar belos os nossos sentimentos, as nossas ações, fazer tratamentos para o egoísmo tão presente, ainda, em nossos atos, realizar “cirurgias” para extrair de nós o orgulho e a vaidade que só nos prejudicam, e a partir daí, sim, poderemos ter a certeza de que estaremos realmente belos, pois a verdadeira beleza irradiará de nós, e, como disse Saint-Exupéry, “o essencial será invisível aos olhos”.

Bibliografia Consultada:

- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 4ª ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013;
- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro – 94ª ed. 1986 - Brasília: FEB, 2013;
- KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Tradução de Guillon Ribeiro - 19ª ed. Brasília: FEB, 1983.
* Telma Simões Cerqueira é Bacharel em Nutrição pela Universidade Veiga de Almeida, artista plástica e expositora espírita. Nasceu em lar evangélico, porém se tornou espírita nos arroubos da juventude, conhecendo a Doutrina Espírita aos 23 anos. Sempre ativa no Movimento Espírita, participa das atividades do Centro Espírita Jorge Niemeyer, em Vila Isabel, Rio de Janeiro/RJ

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Mural reflexivo: Plenitude da Vida


Plenitude da vida

    O ser querido, que a morte arrebatou, não se extinguiu, prosseguindo, em outra dimensão, conforme as suas conquistas morais e espirituais.
    A morte, em realidade, é a porta que se abre e conduz à vida plena, onde vibram, indestrutíveis, os tesouros incomparáveis da eternidade.
    Logo após a morte do corpo físico, não ocorre o enfrentamento com os demônios representativos do inferno mitológico, nem com os querubins em júbilo para a condução do espírito aos céus.
    Tem lugar, sim, o encontro com a consciência que desperta para a análise do comportamento vivido em relação àquele que deveria ter sido vivenciado.
    Nos primeiros dias após a desencarnação o espírito geralmente permanece adormecido, de modo que, ao despertar, defronta a realidade na qual prosseguirá a partir daquele momento.
    Não existem, porém, duas mortes e reconquistas da consciência iguais. Cada ser é um cosmo pessoal, diferindo dos demais, vivenciando emoções e aspirações compatíveis com o seu nível de evolução.
    Assim, cada qual acorda no além-túmulo conforme adormeceu sob o anestésico da morte.
***
    É natural que sofras a saudade daquele a quem amas e partiu da terra no rumo da imortalidade.
    Não te desesperes, porém, pensando que não mais compartilharás da sua convivência, da sua afetividade, do relacionamento abençoado.
    Ao invés de te permitires o arrastamento pelo desespero, acalma-te e envolve o ser querido em lembranças felizes, direcionando-lhe pensamentos edificantes e orações consoladoras.
    Ele receberá as tuas vibrações de paz e de amor que o reconfortará, diminuindo-lhe também as angústias pela viagem realizada, as dores que talvez experimente.
    Logo que lhe seja possível, volverá a visitar-te, envolvendo-te em ternura e gratidão.
    Nunca penses na morte em termos de destruição e de aniquilamento.
    Tudo, em a natureza, morre para ressurgir, para transformar-se. Por que o ser humano deveria desaparecer?
    Se não o vês, isto não lhe significa a desintegração, considerando que a maioria de tudo aquilo em que crês é invisível aos olhos, mas captado por instrumentos especiais torna-se realidade palpável.
    O mesmo ocorre com os chamados mortos, que podem ser vistos, ouvidos, sentidos e manifestos através do instrumento mediúnico.
    Se não és dotado de faculdade ostensiva, és possuidor de sentimentos que te facultam a captação dos pensamentos e dos sentimentos dele.
    Se desejas comunicar-te com o afeto que faleceu, faze silêncio interior e o perceberás, assim aliviando as dores da aflição de ambos com o medicamento da alegria e da esperança do reencontro.
***
    Após a morte dilaceradora e cruel sofrida por Jesus, veio a madrugada da imortalidade, quando Ele ressuscitou, iluminado e triunfante ao túmulo, confirmando as Suas palavras e promessas, desse modo iniciando a era nova da felicidade sem interrupção pela morte.
    Nunca te olvides, pois, da ressurreição que sempre somente se dará, havendo antes a desencarnação.


(Equipe de Redação do Momento Espírita, com base em mensagem psicografada pelo médium Divaldo P. Franco, no dia 31 de maio de 2004, em Zurique, Suíça, ditada pelo Espírito Joanna de Ângelis. http://www.momento.com.br/pt/ler_texto.php?id=1148&stat=3&palavras=desencarnação&tipo=p)

Crie a historia e desenvolva o tema à luz da Doutrina Espírita


Espiritirinha - torcida - desenvolva o te