segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Idoso é preso por ajudar esposa a fazer eutanásia após 30 anos de luta contra esclerose múltipla

O espanhol Ángel Hernández atendeu ao desejo da mulher María José e a ajudou a tomar um medicamento letal. “Quero o final o quanto antes”, dizia ela em outubro passado a este jornal
EMILIO DE BENITO CAÑIZARES | CECILIA JAN
Madri - Ángel Hernández e María José Carrasco estavam decididos. No dia em que ela assim quisesse, ele a ajudaria a tirar a própria vida. Carrasco sofria de esclerose múltipla havia 30 anos. Em outubro passado, quando o casal recebeu o EL PAÍS no seu apartamento de Madri, manifestou, com a voz gutural de quem está à beira da asfixia, a única causa pela qual ela ainda não havia dado esse passo: “Ele não tem medo, mas eu sim”. Referia-se ao que podia acontecer com seu marido se a ajudasse. Ninguém sabe o que ocorreu naquela casa nestes últimos seis meses, mas, na quarta-feira, Hernández lhe preparou a medicação definitiva. Ela tomou. Ele foi preso.
“Quero o final o quanto antes”, dizia Carrasco, de 61 anos, em outubro. Secretária judicial, tinha sido uma mulher ativa, inquieta. Mas já fazia anos que o piano que tocava havia emudecido, que os pincéis com os quais pintava se cegaram. Com os anos de doença e deterioração, chegaram os corrimões nos corredores, uma parede foi derrubada para tornar o quarto mais amplo. Sumiram as portas que dificultavam a passagem da cadeira de rodas. Todas, menos a do banheiro pequeno, usado por Hernández, de 69 anos. O grande já não tinha banheira, e sim um enorme box de chuveiro. Praticamente paralisada e com problemas de visão e audição, o televisor da sala havia crescido para que os dois pudessem assistir a filmes antigos, porque não gostavam dos que passavam na televisão.
A detenção de Hernández ocorreu nesta quarta-feira, quando os agentes se apresentaram numa casa de Moncloa Aravaca, um bairro de classe média-alta de Madri, depois de serem avisados por equipes de emergência médica que Hernández havia lhe relatado ter administrado uma substância destinada a provocar a morte da sua mulher. Ele será colocado à disposição da Justiça nesta sexta-feira.
Como fez Ramón Sampedro há 21 anos – num caso célebre que inspirou o filme espanhol Mar Adentro –, o casal gravou o processo em que ela toma a medicação letal. Mas desta vez não serviu, como na época do famoso escritor tetraplégico, para inocentar o cúmplice do suicídio assistido. No caso de Sampedro havia funcionado. Quando anos depois Ramona Maneiro acabou sendo julgada, foi absolvida porque seu crime estava prescrito. Porque a cooperação necessária para o suicídio é punida pela legislação espanhola, mas o fato de a vítima ser uma pessoa em estado muito grave e que pede para morrer é considerado atenuante. Segundo a associação Direito a Morrer Dignamente, com a qual Hernández entrou em contato após ajudar Carrasco a acabar com sua vida, este é o primeiro caso desse tipo conhecido na Espanha desde o de Sampedro. Hernández seria, segundo a associação, o primeiro detido por esse motivo.
O marido sabia dos riscos, mas estava disposto a corrê-los. Há mais de 20 anos, quando ainda trabalhava como técnico audiovisual na Assembleia legislativa da Comunidade de Madri, e ela já estava doente em casa, a encontrou agonizante após tentar se matar. Chamou o serviço de emergências e o impediu. Depois, ela lhe prometeu que não tentaria de novo.
Em outubro, quando conversaram com o EL PAÍS, tinham suas esperanças na lei de regulação da eutanásia, impulsionada pelo Partido Socialista Operário Espanhol (no Governo). Inquietos, mas bem informados, temiam que a precariedade do Governo de Pedro Sánchez atrapalhasse a tramitação. Tinham razão: o projeto de lei continua parado na Mesa do Congresso, submetida à prática dilatória dos partidos oposicionistas PP e Cidadãos, que prorrogam reiteradamente o prazo para emendas, evitando assim que o projeto chegue a ser debatido em plenário. María José Carrasco entrava totalmente nos pressupostos dessa norma: uma doença grave e irreversível, que produz enormes sofrimentos físicos e psíquicos.
A ONG Direito a Morrer Dignamente exigiu nesta quinta-feira que os “futuros deputados e deputadas [a serem eleitos no pleito espanhol de 28 de abril] regulem e despenalizem a eutanásia urgentemente”. “O ato de Ángel Hernández de ajudar na morte da sua mulher, a quem cuidou durante décadas, só pode ser entendido como um ato de amor que não deveria receber nenhuma recriminação penal”, disse a entidade em nota.
“Mais de 80% da população é favorável a despenalizar a eutanásia e o suicídio assistido. Entretanto, o artigo 143 do Código Penal continua punindo-as com penas da prisão”, salienta a associação, que qualifica como “inaceitável” que “numa sociedade democrática, apoiada no respeito à liberdade individual e a pluralidade”, seja crime “ajudar uma pessoa a dispor de sua vida livremente”. “Defender o direito à vida não justifica obrigar uma pessoa a viver uma vida deteriorada, com um sofrimento inadmissível e que já não deseja”, conclui.
Notícia publicada no El País, em 4 de abril de 2019.

Jorge Hessen* comenta

Muitos médicos revelam que eutanásia é prática habitual em UTIs do Brasil, e que apressar, sem dor ou sofrimento, a morte de um doente incurável é ato frequente e, muitas vezes, pouco discutido nas UTIs dos hospitais brasileiros. Apesar de a Associação de Medicina Intensiva Brasileira negar que a eutanásia seja frequente nas UTIs, existem aqueles que admitem razões mais práticas, como, por exemplo, a necessidade de vaga na UTI, para alguém com chances de sobrevivência, ou a pressão, na medicina privada, para diminuir custos.
Nos Conselhos Regionais de Medicina, a tendência é de aceitação da eutanásia, exceto em casos esparsos de desentendimentos entre familiares sobre a hora de cessar os tratamentos. Médicos e especialistas em bioética defendem, na verdade, um tipo específico de eutanásia, a ortotanásia, que seria o ato de retirar equipamentos ou medicações, de que se servem, para prolongar a vida de um doente terminal. Ao retirar esses suportes de vida, mantendo, apenas, a analgesia e tranquilizantes, espera-se que a natureza se encarregue da morte.
A eutanásia vem suscitando controvérsias nos meios jurídicos, lembrando, no entanto, que a nossa Constituição e o Direito Penal Brasileiro são bem claros: constitui assassínio comum. Nas hostes médicas, sob o ponto de vista da ética da medicina, a vida é considerada um dom sagrado e, portanto, é vedada, ao médico, a pretensão de ser juiz da vida ou da morte de alguém. A propósito, é importante deixar consignado que a Associação Mundial de Medicina, desde 1987, na Declaração de Madrid, considera a eutanásia como sendo um procedimento, eticamente, inadequado.
Não cabe ao homem, em circunstância alguma, ou sob qualquer pretexto, o direito de escolher e deliberar sobre a vida ou a morte de seu próximo, e a eutanásia, essa falsa piedade, atrapalha a terapêutica divina nos processos redentores da reabilitação. Nós, espíritas, sabemos que a agonia prolongada pode ter finalidade preciosa para a alma e a moléstia incurável pode ser, em verdade, um bem.
Nem sempre conhecemos as reflexões que o Espírito pode fazer nas convulsões da dor física e os tormentos que lhe podem ser poupados graças ao movimento de arrependimento. Dessa forma, entendamos e respeitemos a dor, como instrutora das almas e, sem vacilações ou indagações descabidas, amparemos quantos lhe experimentam a presença constrangedora e educativa, lembrando sempre que a nós compete, tão-somente, o dever de servir, porquanto a Justiça, em última instância, pertence a Deus, que distribui conosco o alívio e a aflição, a enfermidade, a vida e a morte, no momento oportuno.
O verdadeiro espírita cristão porta-se, sempre, em favor da manutenção da vida e com respeito aos desígnios de Deus, buscando não só minorar os sofrimentos do próximo - sem eutanásias/claro! -, mas, também, confiar na justiça e na bondade divina, até porque, nos Estatutos de Deus não há espaço para injustiças. Somos responsáveis pela situação em que o mundo se encontra.
* Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (vinte e seis livros "eletrônicos" publicados). Jornalista e Articulista com vários artigos publicados

terça-feira, 20 de agosto de 2019

A teoria sobre a vida desenvolvida por um cientista chileno que impressionou até o Dalai Lama

Ana Pais (@_anapais)
BBC News Mundo

Afinal, o que é a vida?
Essa pergunta é tão antiga que parece estranho que alguém dos dias de hoje consiga uma resposta tão radicalmente inovadora a ponto de influenciar áreas do conhecimento tão díspares como a neurociência, a sociologia, a informática, a literatura e a filosofia.
O biólogo chileno Humberto Maturana conseguiu. Sua teoria, desenvolvida há quase 50 anos com seu ex-aluno e compatriota Francisco Varela, chama-se "autopoiesis" e influenciou muita gente.
"A pergunta básica que me fiz foi o que é estar vivo e o que é estar morto, o que precisa acontecer em sua interioridade para que eu, olhando de fora, possa decidir o que é um ser vivo", disse Maturana à BBC News Mundo, serviço da BBC em espanhol.
Sua teoria, publicada em uma série de trabalhos no início da década 1970, foi "revolucionária porque deu uma solução para uma pergunta que até então não tinha resposta", diz.
Não à toa, Maturana foi um dos 23 pesquisadores convidados pela Fundação Nobel para uma conferência há duas semanas, em Santiago do Chile.
Maturana foi ovacionado quando subiu ao palco. O neurocientista Anil Seth, com quem o chileno dividia o painel, agradeceu a oportunidade de estar perto do "lendário biólogo".
"Li suas obras pela primeira vez há mais de 20 anos, quando fazia doutorado na Universidade de Sussex, na Inglaterra, e me inspirei em seu trabalho desde aquela época, como muitos outros cientistas no mundo", disse Seth.
O trabalho de Maturana, afirmou, "é um maravilhoso exemplo do legado da ciência chilena".

Crie a si mesmo

A obra de Maturana se concentra em um termo que ele cunhou unindo duas palavras gregas: "auto" (para si mesmo) e "poiesis" (criação).
"Os seres vivos são sistemas autopoiéticos moleculares, ou seja, sistemas moleculares que se autoproduzem, e a realização dessa produção de si mesmo como sistemas moleculares constitui a vida", afirmou o biólogo.
Segundo sua teoria, todo ser vivo é um sistema fechado que está continuamente se transformando, recuperando-se e se mantendo igual quando necessita.
Uma alegoria mais simples para essa ideia seria a de uma ferida que se cura sozinha.
A prestigiada Enciclopédia Britânica, que lista a autopoiese como uma das seis principais definições científicas para a vida, explica assim a teoria dos chilenos: "Ao contrário das máquinas, cujas funções de controle são inseridas por projetistas humanos, os organismos governam a si próprios".
"Os seres vivos", acrescenta, "mantêm sua forma mediante o contínuo intercâmbio e fluxo de componentes químicos", que são criados pelo próprio corpo.
Além de uma definição para a vida, Maturana e Varela também explicam o que é a morte.
A autopoiesis, diz Maturana à BBC, "tem de ocorrer continuamente, porque quando ela para, nós morremos".

O cientista filósofo

"Antes, se você perguntasse a um biólogo o que é um ser vivo, ele não sabia o que responder", diz Maturana. No entanto, depois da teoria, "viver passou a ter uma explicação".
"É um fenômeno de uma dinâmica molecular que constitui entidades discretas que são os seres vivos", diz o biólogo, que também se define como filósofo.
De fato, as palavras de Maturana muitas vezes parecem mais uma reflexão intelectual sobre a vida do que uma definição científica e objetiva dela.
O eixo de sua obra aborda um tema tão amplo que falar com Maturana necessariamente implica exceder o estritamente científico e entrar em questões bastante filosóficas.
Sobre a educação, ele opina: "O fundamental na educação é a conduta dos adultos em relação às crianças, não somente no espaço relacional e material, mas também no psíquico". Ele também explica seu pensamento sobre a linguagem: "Não é um sistema de comunicação ou transmissão de informações, mas um sistema de coexistência na coordenação de desejos, sentimentos e ações".
Maturana também dá consultorias de recursos humanos e relações interpessoais para empresas e indivíduos por meio do Instituto de Formação Matríztica, que há algumas décadas ele fundou com a professora Ximena Dávila.
É justamente essa diversidade e combinação de saberes de Maturana que atraíram a simpatia do Dalai Lama.

'Você tem razão'

Há cinco anos, Maturana e a Ximena Dávila visitaram o Dalai Lama, líder religioso e político que vive na Índia, cuja extensa oposição à ocupação do Tibet por parte da China lhe rendeu o prêmio Nobel da Paz em 1989.
Em seu site, Dalai Lama descreve Maturana como um "cientista cuja santidade sempre cito, uma pessoa que disse preferir não se ater apenas ao seu campo de pesquisa porque atrapalha a objetividade".
Embora tenham conversado sobre temas variados como o funcionamento do cérebro, a linguagem e os sentimentos de plantas e animais, Maturana lembra de um diálogo particular sobre a vida.
"A conversa foi essencialmente sobre como vivemos, que tipo de vida estamos levando e como estamos atuando como seres humanos", contou. "Nesse sentido, foi uma conversa filosófica e também biológica".
Maturana detalhou: "Ele disse que havia aprendido comigo o tema do desprendimento, porque em algum momento havíamos conversados sobre isso".
"Com Ximena mostramos que, nas relações humanas, o fundamental é ouvir um ao outro, mas para isso temos que deixar o outro aparecer sem prejulgar preceitos, premissas ou exigências. Isso é desprendimento, segundo o Dalai Lama", explicou.
De acordo com o biólogo, o líder tibetano lhe disse: "Você tem razão". E, em caráter filosófico, ainda acrescentou: "A coisa central na coexistência é ouvir um ao outro para poder fazer as coisas juntos com respeito mútuo."
Notícia publicada na BBC Brasil, em 6 de março de 2019.

Sergio Rodrigues* comenta

Para nós, espíritas, a questão é tão clara e tão simples que se torna difícil entrar nesses meandros que a ciência material desenvolve para explicar a vida, complicando algo que é de uma simplicidade límpida. Enquanto não conhecerem e aceitarem a existência do ser imaterial imortal, não compreenderão que o que chamam de “seres vivos” são corpos constituídos de matéria e dotados de fluido vital, que servem para habitação de seres imateriais em trânsito para o aperfeiçoamento.
A matéria em questão, com todo respeito aos homens de ciência nela citados, traz obviedades e indagações que poderiam ser respondidas com muita facilidade, desde que conhecessem a nossa realidade existencial. Com ilações e o conhecimento tão somente do elemento material, perguntas como “o que é estar vivo e o que é estar morto” continuarão sem respostas e servindo tão somente para especulações que a nada levarão.
* Sergio Rodrigues é espírita e colaborador do Espiritismo.Net

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Vacinas: o que são, como são feitas e por que há quem duvide delas

Roland Hughes
Da BBC News
As vacinas salvaram dezenas de milhões de vidas no último século, mas mesmo assim especialistas de saúde de diversos países têm identificado uma tendência de "hesitação em vacinar" - em outras palavras, uma crescente recusa em aderir à imunização.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a questão tão preocupante que a listou como uma das dez maiores ameaças à saúde global em 2019.
Abaixo, uma breve história da vacina, entre descobertas e desconfianças.

Como a vacinação foi inventada?

Antes que as vacinas existissem, o mundo era um lugar bem mais perigoso, no qual milhões de pessoas morriam anualmente de doenças que hoje são evitáveis.
A China foi o primeiro país a descobrir uma forma rudimentar de vacinação, ainda no século 10º: a prática da "variolação" consistia em expor pessoas saudáveis a tecidos das feridas causadas pelas doenças para aumentar a imunidade dessa população.
Oito séculos mais tarde, o médico britânico Edward Jenner notou que mulheres que ordenhavam leite costumavam pegar varíola bovina de baixa gravidade, mas raramente contraíam a versão mais mortífera da varíola.
Na época, essa era uma doença infecciosa altamente contagiosa, que matava cerca de 30% das pessoas infectadas. Os sobreviventes costumavam ter sequelas graves, como a cegueira.
Em 1796, Jenner fez um experimento com um menino de oito anos chamado James Phipps: inseriu pus de uma ferida de varíola bovina no garoto, que rapidamente desenvolveu os sintomas.
Assim que James se recuperou da doença, Jenner infectou o garoto com o vírus mais mortal da varíola, mas sua saúde permaneceu intacta. A exposição à varíola bovina havia feito com que ele se tornasse imune.
Em 1798, os resultados foram publicados, e a palavra vacina - "vaccine", em inglês, originária de "vacca", que é vaca em latim - foi cunhada.

Quais foram os êxitos das vacinas?

No último século, a imunização ajudou a reduzir drasticamente o impacto de doenças.
Cerca de 2,6 milhões de pessoas morriam, a cada ano, de sarampo no mundo, até que a primeira vacina contra a doença fosse criada, nos anos 1960. A vacinação levou à redução de 80% nas mortes por sarampo entre 2000 e 2017 no planeta, segundo a OMS.
E não faz muito tempo que milhões de crianças corriam o risco real de morrerem ou sofrerem paralisia por conta da poliomielite. Hoje em dia, essa doença foi praticamente extinta.

Por que algumas pessoas recusam a vacinação?

A desconfiança quanto a vacinas existe há quase tanto tempo quanto as próprias vacinas modernas.
No passado, as suspeitas eram relacionadas à religião, à percepção de que as vacinas eram anti-higiênicas ou à sensação de restrição à liberdade de escolha.
No Brasil, por exemplo, a Revolta da Vacina de 1904, no Rio de Janeiro, se seguiu à campanha obrigatória de vacina contra a varíola, implementada pelo epidemiologista e sanitarista Oswaldo Cruz.
Antes disso, ainda no século 19, surgiram no Reino Unido as chamadas ligas antivacina, que pressionavam por medidas alternativas de controle de doenças, como o isolamento de pacientes.
Nos anos 1870, o movimento se espalhou aos EUA, após a visita do ativista britânico antivacina William Tebb.
Mais recentemente, o britânico que mais marcou a história do movimento antivacina é Andrew Wakefield.
Em 1998, em Londres, o médico publicou um estudo falsamente ligando o autismo e problemas gastrointestinais à vacina MMR (que protege contra sarampo, caxumba e rubéola).
Em 2004, o Instituto de Medicina dos EUA concluiu que não havia provas de que o autismo tivesse relação com os componentes da vacina. No mesmo ano, descobriu-se que, antes da publicação de seu estudo, Wakefield havia feito um pedido de patente para uma vacina contra sarampo que concorreria com a MMR, algo que foi visto como um conflito de interesses.
Além disso, um assistente de Wakefield afirmou que, em seu estudo, o médico manipulou informações de crianças para forçar a ligação entre vacina e autismo. Em 2010, o Conselho Geral de Medicina do Reino Unido julgou Wakefield "inapto para o exercício da profissão", qualificando seu comportamento como "irresponsável", "antiético" e "enganoso". E a Lancet, periódico que havia tornado público seu estudo, se retratou da publicação, dizendo que suas conclusões eram "totalmente falsas".
Em meio a isso, as taxas de vacinação caíram em vários países após a publicação do estudo de Wakefield. Só em 2004, 100 mil crianças a menos receberam a vacina MMR no Reino Unido - o que levaria a um aumento de casos de sarampo.
O tema ganha, também, contornos políticos.
O ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, se alinhou a grupos antivacina, enquanto o presidente americano, Donald Trump, traçou - sem oferecer provas - elos entre vacinação e autismo. Recentemente, porém, ele instou os pais americanos a vacinarem seus filhos.
Um estudo internacional sobre comportamento perante vacinas identificou que, embora a confiança geral na imunização fosse positiva, está em seu nível mais baixo na Europa, particularmente na França.

Quais são os riscos das vacinas?

Quando uma alta proporção da população está vacinada, o resultado é a prevenção da disseminação da doença - algo que, por sua vez, dá proteção às pessoas que não desenvolveram imunidade ou que não podem ser vacinadas.
Isso é chamado de imunidade de rebanho. Quando ela deixa de existir, surge um risco de contaminação à população como um todo.
A proporção de uma população que precisa ser vacinada para que seja mantida a imunidade de rebanho varia conforme a doença, mas, para sarampo, é de 95%. Para a polio, que é menos contagiosa, é de 80%.
No ano passado, em uma comunidade ultraortodoxa do Brooklyn, em Nova York, foram distribuídos panfletos com a falsa acusação de que há conexão entre vacinas e autismo. O resultado foi que, nessa mesma comunidade, houve um surto de sarampo - um dos maiores registrados nos EUA nas últimas décadas.
Na Inglaterra, cientistas alertam que muitas pessoas estão sendo enganadas por informações mentirosas sobre vacinas sendo propagadas nas redes sociais, enquanto pesquisadores americanos descobriram que bots russos estavam sendo usados para causar discórdia online, pelo intermédio de falsos posts sobre imunização.
A proporção de crianças do mundo que recebe as vacinas recomendadas permanece inalterada, em torno de 85% nos últimos anos, segundo a OMS.
A organização atesta que as vacinas continuam a prevenir entre 2 milhões e 3 milhões de mortes a cada ano.
Os maiores desafios à vacinação são os países com histórico de conflitos recentes e sistemas de saúde frágeis, como Afeganistão, Angola e República Democrática do Congo, locais onde as taxas de imunização estão entre as mais baixas do mundo.
Mas a OMS também identificou complacência como uma questão-chave para melhorar os índices de vacinação em países mais estruturados (incluindo o Brasil) e desenvolvidos - para resumir, as pessoas simplesmente deixam de vacinar porque se esquecem do mal que algumas doenças podem causar.
Notícia publicada na BBC Brasil, em 22 de junho de 2019.

Breno Henrique de Sousa* comenta

Ciência, Pseudociência e Espiritualidade
A pseudociência é frequentemente definida como uma informação que se diz científica sem na verdade ser baseada nos procedimentos adotados pela ciência. Normalmente, apoiam-se em teorias da conspiração, correntes de internet, argumentos falaciosos e estudos obscuros. É muito importante nos dias atuais saber reconhecer uma pseudociência, pois, algumas ideias como as que pregam o não uso de vacinas são arriscadas para a saúde humana ou simplesmente ridículas como a de que a Terra é plana.
Esse fenômeno acontece porque algumas teorias buscam o respaldo da ciência para obter credibilidade, dando uma cara de coisa séria ao absurdo e infundado. Porém, o assunto é menos simples do que parece. Primeiro porque não existe apenas uma definição sobre o que é ciência. Os mais ortodoxos consideram ciência apenas o que é materialmente comprovado, de preferência com mensuração matemática precisa e absoluta. Para esses, até mesmo a psicologia, a economia, a antropologia e a sociologia não são ciências. Já vi muita gente com pensamento reducionista apontar esses ramos do conhecimento como pseudocientíficos.
Qualquer um que estudar um pouco as concepções mais recentes sobre a ciência verá que ela se baseia em um sistema de verificação que pode ser refutado por seus pares, ou seja, afirmações que não podem ser testadas ou desmentidas, não são científicas. Essa, para mim, é uma concepção mais coerente. De qualquer forma, é preciso ter cuidado, pois se não existe uma concepção única sobre o que é ciência, tão pouco é possível definir precisamente o que é pseudociência, a não ser sob um determinado viés ideológico.
Não se pode ignorar também o fato de que não existe “uma ciência oficial”, a ciência é uma rede de colaboração. Algumas “verdades” científicas desfrutam de alta credibilidade, outras, nem tanto. Algumas afirmações estão no campo das hipóteses científicas, ou seja, especulações feitas, porém com embasamento científico, mas que ainda não foi possível verificá-las. Nem toda afirmação pode ser chamada de hipótese científica, é preciso que ela se baseie em teorias e resultados paralelos que permitam elaborar uma hipótese plausível para explicar um fenômeno.
Também é importante saber que os cientistas, enquanto seres humanos, são influenciáveis por diferentes sistemas de crenças e o sistema de crenças predominante no meio acadêmico é o materialismo. Os materialistas gostam de chamar a si mesmos de céticos, mas eles são apenas crentes de um sistema. O verdadeiro ceticismo é aberto à verificação de qualquer hipótese, seja ela materialista ou não.
É verdade que existe muita pseudociência nos meios espiritualistas, mas é preciso separar o joio do trigo e dizer que também existe boa ciência. Muitos estudos feitos por cientistas ateus, com revisão dos pares, em periódicos gabaritados, trazem evidências testáveis e refutáveis de afirmações feitas por diversas religiões, como, por exemplo, dos efeitos benéficos das orações sobre a saúde, tendo o cuidado de descartar o efeito placebo.
Temos também sistemas de crença muito complexos e profundos que não são baseados em argumentos de autoridade, teorias da conspiração, ou verdades escondidas que ninguém mais pode acessar. Muitos deles, como o Espiritismo, utilizam da observação sistemática dos fatos, sem partir de premissas, estudam os fenômenos espirituais, comparam, testam e elaboram hipóteses que podem, por sua vez, ser testadas e refutadas por qualquer um, em qualquer época, sem governos secretos escondendo a verdade ou revelações maravilhosas que mais ninguém sabe.
A pseudociência é um risco não apenas para a ciência, mas também para a espiritualidade que fica ofuscada pela superstição fazendo parecer que tudo quanto se refere à espiritualidade humana é simplório e ridículo.
Alguns sistemas de crença também não requisitam para si a qualidade de serem científicos. Alguns possuem conhecimentos tradicionais que são utilizados milenarmente, por exemplo, o uso de plantas medicinais pelas populações indígenas. Nesse caso a ciência pode até verificar e testar, mas os índios não usaram a metodologia científica, o que não quer dizer que a coisa não funcione. Nem tudo o que é científico é verdadeiro, basta olhar a história da ciência e comprovar que ela frequentemente se equivoca mesmo quando segue rigorosamente seus métodos, e nem tudo que não é científico é falso, ou seja, outros sistemas de conhecimentos diferentes da ciência podem também atingir verdades profundas.
Algumas crenças são complexos sistemas simbólicos que trabalham a subjetividade do indivíduo e não dizem muito respeito a verificação material dos fatos ou comprovação estatística, mas eles são muito eficientes na mudança de perspectivas do indivíduo e na ressignificação de suas experiências emocionais e psíquicas.
Então, temos de fato um conflito perigoso entre ciência e pseudociência, mas não se enganem, existe também no meio científico estudos que evidenciam princípios defendidos pelas religiões; temos religiões com sistemas complexos não científicos (o quê não as torna inferiores) e as que, estando livres das amarras do materialismo, fazem uso sério da metodologia científica.
Existe um interesse, ou ignorância mesmo, por parte dos materialistas, que querem jogar tudo o que não for ciência materialista dentro do balaio de gatos das pseudociências. Inclusive, quase tudo que se escreve sobre pseudociências é escrito por crentes no materialismo que não enxergam, ou não reconhecem, essa distinção. Muitos textos na Internet ensinam a reconhecer as pseudociências, mas sem os ajustes finos para perceber essas sutilezas.
Reconheço que para o iniciante não é fácil distinguir essas coisas, mas fica o alerta. Quem tiver interesse procure ler sobre filosofia da ciência e no campo da espiritualidade comece pelas grandes obras clássicas espiritualistas ocidentais e orientais e logo será fácil perceber essas nuances.
O Espiritismo, por sua vez, oferece amplos recursos para conciliar de forma séria ciência e espiritualidade. Foi Allan Kardec quem estabeleceu que o Espiritismo deve ser um sistema aberto para autocorreção e evolução, assim como nas ciências. Ele também nos disse que se a ciência provasse que o Espiritismo estava enganado em algum ponto, deveríamos seguir as evidências científicas. Os tratamentos espirituais, em nenhuma hipótese, dispensam os tratamentos médicos convencionais, na verdade, eles se complementam na busca da nossa saúde física e espiritual.
* Breno Henrique de Sousa é paraibano, professor da Universidade Federal da Paraíba nas áreas de Ciências Agrárias e Meio Ambiente. Está no movimento Espírita desde 1994, sendo articulista e expositor. Atualmente faz parte da Federação Espírita Paraibana e atua em diversas instituições na sua região

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Por que tantas pessoas se distanciam de suas famílias?

Christine Ro
BBC Future

Costumamos dizer que a comida aproxima as pessoas mas também pode dividir famílias.
A autora de livros de receitas Nandita Godbole viveu isso na pele. Sua abastada família indiana, que costumava contratar cozinheiros para trabalhar em suas casas, desaprovou a profissão que ela escolheu.
Quando seu livro mais recente, Ten Thousand Tongues: Secrets of a Layered Kitchen (Dez Mil Línguas: Os Segredos de uma Cozinha Complexa, em tradução livre), mergulhou a fundo na história da família, ela enfrentou ainda mais resistência.
Obviamente, não tratava apenas de comida. Mudando receitas tradicionais - e explorando partes da história de sua família sobre as quais os outros tinham senso de propriedade - ela foi vista como alguém que desafiava a hierarquia familiar. E alguns parentes pararam de falar com ela.
A história de Godbole está longe de ser incomum. O distanciamento familiar tem sido definido como o afastamento e a perda de afeto que ocorrem ao longo de anos ou mesmo décadas em uma família. Não está claro se isso está aumentando nos dias de hoje, já que é um campo de pesquisa relativamente novo.
Uma pesquisa da Stand Alone, instituição de caridade do Reino Unido que apoia pessoas afastadas de familiares, aponta que isso afeta pelo menos 1 em cada 5 famílias britânicas.
Nos EUA, um estudo da Universidade Purdue com mais de 2.000 pares de mães e filhos descobriu que 10% das mães se distanciaram de pelo menos um filho adulto.
Em outra pesquisa americana, esta da Universidade Kean, descobriu que mais de 40% dos participantes se distanciaram de um familiar em algum momento e apontou que, em grupos como o de estudantes universitários, isso pode ser quase tão comum quanto o divórcio.
Becca Bland, fundadora do Stand Alone, perdeu o contato com os pais. Ela diz que o assunto é muito mais debatido hoje do que há cinco anos. Isso é confirmado por dados do Google que mostram um crescimento constante de pesquisas com termos relacionados ao distanciamento familiar, principalmente no Canadá, na Austrália e em Cingapura.
"Meghan Markle e a família real definitivamente levaram o tema da desavença familiar para as manchetes", diz Bland.
A duquesa de Sussex, que foi em 2018 a pessoa mais pesquisada no Google no Reino Unido (e a segunda nos Estados Unidos), falou recentemente sobre sua difícil relação com o pai.
O ator Anthony Hopkins também reconheceu em uma entrevista no ano passado que ele mal conversou com sua filha em duas décadas.

Distanciamento familiar é mais comum em algumas sociedades

Embora exemplos de distanciamento familiar possam ser encontrados em todo o mundo, é algo mais comum em algumas sociedades.
Um fator de influência parece ser a existência ou não de um forte sistema público de assistência e apoio à população. Em países com programas de bem-estar social robustos, as pessoas simplesmente precisam menos de suas famílias e têm mais flexibilidade para manter ou não esses laços.
Na Europa, por exemplo, pais em idade avançada e filhos adultos tendem a interagir mais e a viver mais perto uns dos outros em países mais ao sul do continente, onde a assistência pública é mais limitada.
Fatores financeiros também se relacionam com outros aspectos, como educação e raça. Na Alemanha, níveis mais altos de instrução dos filhos estão associados a maiores taxas de conflito com os pais.
Megan Gilligan, gerontóloga da Universidade Estadual de Iowa, observa que, nos Estados Unidos, "as famílias de minorias raciais tendem mais a morar juntas e a ser mais dependentes das trocas que ocorrem no âmbito familiar".
Em Uganda, o distanciamento familiar está em ascensão, diz Stephen Wandera, demógrafo da Universidade Makerere, em Kampala. As famílias ugandenses têm sido tradicionalmente grandes - o que se mostrou crucial nas últimas décadas, quando membros de uma família tiveram de cuidar de pessoas órfãs ou afetadas pela guerra civil ou pela Aids.
Mas em pesquisas recentes, Wandera e seus colegas identificaram que 9% dos ugandenses com 50 anos ou mais moram sozinhos - um índice surpreendentemente alto. Isso não é o mesmo que a alienação familiar, é claro. Mas Wandera diz que, à medida que as famílias se tornam menores e mais nucleares e que a urbanização aumenta, a prevalência do distanciamento provavelmente se intensificará.
Isso não vai acontecer imediatamente. "As normas culturais ainda são fortes e levam tempo para desaparecer", diz ele. Mas Wandera espera mudanças dentro de 20 anos.
Mas não significa que governos devem limitar o apoio financeiro a pessoas idosas para incentivar famílias mais fortes.
A cultura familiar espanhola tem sido chamada de "mais coercitiva" do que, por exemplo, na Noruega, onde as relações intergeracionais são geralmente mais amigáveis, porque são uma opção e sofrem menos pressões financeiras.

Por que isso acontece?

O divórcio contribui para a perda de relacionamentos familiares, especialmente com os pais. Assim como manter segredos. O abandono de parentes com identidades marginalizadas também é um fator comum, como a rejeição familiar a minorias sexuais e de gênero no Vietnã, por exemplo.
Mas o distanciamento é muitas vezes algo silencioso e pouco dramático. Gilligan explica que é tipicamente gradual, em vez de um grande acontecimento. As pessoas que ela entrevistou costumam dizer que "não sabem bem como isso aconteceu" em vez de apontar para um incidente específico.
Ainda assim, mesmo que os gatilhos pareçam triviais, eles refletem uma tensão de longa duração. As famílias que buscam se reconciliar devem reconhecer que é improvável que conflitos sejam apenas incidentes isolados, por isso, pode ser importante lidar com os eventos do passado.
Para aqueles que buscam a reconciliação - ou para evitar o distanciamento desde o início -, evitar fazer julgamentos também pode ser útil. Em sua pesquisa com mães em idade mais avançada, 10% das quais se afastaram de um filho adulto, Gilligan descobriu que o fator mais relevante foi um descompasso de valores. Por exemplo, "se a mãe realmente valorizava as crenças e práticas religiosas e o filho as violava, a mãe realmente ficava ofendida".
Estes fatores vão além da religião. Uma mãe que valorizava muito a honestidade cortou o relacionamento com um filho que mentiu, enquanto uma mãe que valorizava a autoconfiança parou de falar com uma filha que acreditava ser dependente de um homem.
As mães "descreveram coisas que elas simplesmente não conseguiam superar, que aconteceram e que tinham sido perturbadoras para elas", diz Gilligan. "Isso continuava a ressurgir nos relacionamentos. Então, elas nunca superavam."
E como no clássico filme japonês Rashomon ou na série The Affair, duas pessoas podem ter lembranças tão diferentes da mesma experiência que é quase como se não fosse a mesma experiência.
Filhos adultos no Reino Unido, por exemplo, na maioria das vezes mencionam o abuso emocional como a causa do distanciamento de seus pais.
Mas é muito menos provável que os pais mencionem o abuso emocional (que se refere a tentativas persistentes de controle por meio de humilhação, crítica ou qualquer outro tipo de comportamento negativo). Em vez disso, se referiram mais frequentemente a causas como o divórcio ou expectativas incompatíveis.
Como a pesquisa de Gilligan era focada em mães, ela não falou com os filhos. Então, é difícil saber se o mesmo se aplica a eles. Mas de qualquer forma, essa desconexão é comum.
"O filho adulto se distanciou e os pais não estão se comunicando sobre o que os incomoda, então, eles não conseguem chegar a um acordo", diz ela. E, claro, se uma pessoa fica na defensiva ou não está disposta a ouvir, a dupla pode se falar sem se comunicar de verdade.
"Havia uma rigidez em relação à família na geração do pós-guerra" no Reino Unido, diz ela. As pessoas viam seus relacionamentos familiares em termos de conceitos como dever e autossacrifício, o que, às vezes, significava que as pessoas suportavam abuso físico ou emocional - ou não percebiam isso.
Entre irmãos, valores e expectativas incompatíveis também desempenham um papel. Mas o favoritismo dos pais é outro fator significativo.

As vantagens do distanciamento familiar

Poderia ser mais simples ver o distanciamento familiar como algo apenas negativo, mas a realidade é mais complexa. Assim como os tabus sobre divórcio podem manter mulheres presas a casamentos abusivos, uma crença na santidade das famílias pode manter as pessoas sofrendo desnecessariamente.
"Parte da literatura sobre o tema diz, na verdade, que a alienação é talvez a melhor maneira de lidar com esses tipos de relacionamentos", diz Gilligan.
"Se [os relacionamentos] são conflitantes, se estão causando tanta angústia, talvez seja a maneira mais saudável de pais e filhos adultos lidarem com isso."
As pessoas podem sentir que cortar relações tóxicas foi a escolha certa. O estudo da Stand Alone descobriu que, para mais de 80% das pessoas afetadas, contar o contato está associado a alguns resultados positivos, como liberdade e independência. Pode ser um passo crucial para se livrar de abusos.
Também é importante notar que o distanciamento nem sempre é permanente. As pessoas se afastam e se reaproximam.
Trang Nguyen, pesquisador de saúde pública da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, diz que, entre as famílias vietnamitas, onde há rejeição parental de mulheres LGBT ou homens trans, "geralmente os irmãos se mantêm mais próximos, e o apoio de um irmão ajuda muito".
O distanciamento familiar é doloroso, em parte porque é uma perda ambígua, sem um desfecho ou encerramento. E também há o fato que muitas pessoas não entendem por que isso acontece com alguém.
Cortar o contato com um membro da família pode ser muito doloroso devido à forma como a sociedade não entende bem e atribui a isso um aspecto de vergonha ou reprovação.
Especialistas dizem que pessoas que já estão isoladas de suas famílias não devem se sentir ainda mais alienadas por causa de sua situação - seja algo derivado de uma situação sobre a qual tinham pouco controle ou de uma decisão que dificilmente foi tomada facilmente.
Do ponto de vista acadêmico, o estigma também dificulta saber exatamente quantas pessoas estão afastadas de suas famílias. É muito provável que seja algo subestimado em culturas em que é socialmente inaceitável discutir conflitos familiares.
A autora Godbole conhece bem esse estigma. "Eu já aceitei que pode demorar um pouco para as pessoas entenderem, e algumas nunca conseguirão. Estou em paz com isso", diz ela.
Aparentemente, o distanciamento familiar nem sempre é algo que precisa ser "consertado". Mas, como acontece com outras experiências dolorosas, a vergonha derivada desta situação pode.
Notícia publicada na BBC Brasil, em 26 de maio de 2019.

Jorge Hessen* comenta

Os Benfeitores espirituais esclarecem que de todos os institutos sociais existentes na Terra, a família é o mais importante, do ponto de vista dos alicerces morais que regem a vida. A família reaviva em nós as sensações de segurança e aconchego, tal a importância do grupo familiar como estrutura capaz de nos sustentar nas lutas da vida.
Atualmente o distanciamento familiar tem sido definido como a perda de afeto que ocorre ao longo de anos ou mesmo décadas em uma família. O divórcio contribui para a perda de relacionamentos familiares, especialmente com os pais. O abandono de parentes com identidades marginalizadas também é um fator comum, como a rejeição familiar a minorias sexuais e de gênero, por exemplo.
Também é importante notar que o distanciamento nem sempre é permanente. As pessoas se afastam e se reaproximam. Ademais, cortar o contato com um membro da família pode ser muito doloroso devido à forma como a sociedade não entende bem e atribui a isso um aspecto de vergonha ou reprovação.
Os laços de família são necessários à harmonia e evolução da sociedade. O resultado da negligência ou ruptura dos laços familiares leva a exacerbação do egoísmo. Existem duas espécies de vínculos familiares: os espirituais e corporais. As ligações corporais são frágeis e temporárias, entretanto os laços espirituais se fortalecem pela união e se vinculam na eternidade por meio das múltiplas migrações do Espírito.
É impossível auxiliar a composição social, quando ainda não conseguimos ser úteis nem mesmo com a família em que Deus nos colocou, a título precário. Portanto, antes da grande projeção pessoal na obra coletiva, aprendamos a colaborar, em favor dos familiares, no dia de hoje, convictos de que análogo empenho importa realização essencial.
A nossa família consanguínea pode ser contemplada como o cerne eficaz de nossas representações. Imagens aprazíveis ou desagradáveis que o pretérito nos restitui. Aprendamos antes de tudo a exercer piedade para com a própria família e a recompensar nossos pais, porque isto é bom e agradável diante de Deus, conforme narrava Paulo de Tarso.
A família é uma escola onde aprendemos a amar umas poucas pessoas para um dia amar a Humanidade. É assim que em nossas múltiplas existências aprendemos a lidar com o amor, nos seus diversos aspectos: amor de mãe para filho, de filho para mãe, de irmão para irmão, de avô para neto, de neto para avô, de tio para sobrinho, de sobrinho para tio, de esposo para esposa e assim por diante. E, quando alcançamos amar genuinamente um filho, por exemplo, nosso coração se comove igualmente pelos filhos alheios.
Ponderando-se sobre a lei da reencarnação consolidamos os laços de afetividade com maior número de Espíritos, que (re)nascem sob o mesmo teto que nós. Dessa forma, nossa família espiritual se amplia e os laços de bem-querer se solidificam a cada nova possibilidade de convivência. Deste modo, conviver em família é um desafio e, igualmente, um formidável aprendizado, pois o convívio cotidiano nos oferece ensejo de cinzelar as arestas com os que eventualmente tenhamos alguma contenda.
(Re)nascendo no mesmo reduto doméstico é mais fácil suplantar os desamores, pois os vínculos consanguíneos ainda se compõem numa referência altiva a benefício da indulgência e da coexistência serenas. É por isso que existe a família: para que aprendamos a exercitar o amor na condição de irmãos, pois que todos somos filhos do mesmo PAI.
* Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (vinte e seis livros "eletrônicos" publicados). Jornalista e Articulista com vários artigos publicados

sábado, 27 de julho de 2019

Entrevista: Kardec, o filme

Marcel Souto Maior, autor da biografia de Kardec que inspirou o filme, Leonardo Medeiros, intérprete do Codificador e Wagner de Assis, diretor do longa, contam sobre curiosidades e bastidores desta produção prevista para ser lançada em 16 de maio de 2019.
Reformador: O que chamou a sua atenção para contar a história de Allan Kardec?
Marcel Souto Maior: Fui movido por uma pergunta-chave:  o que faz um professor cético mudar de vida e de nome, aos 53 anos, para dar voz aos Espíritos? Quis contar a história desta transformação radical – a do pesquisador cético, que se torna um missionário. O que o moveu? Que obstáculos – e preconceitos – ele enfrentou nesta caminhada?
O processo de escrita de uma biografia requer uma grande pesquisa. Nessa pesquisa você se identificou, de alguma forma, com Allan Kardec, no processo de Codificação da Doutrina Espírita?
Marcel Souto Maior: Sim. Eu me identifiquei com Kardec (ou com o professor Rivail) em dois pontos fundamentais: o cuidado com a pesquisa (precisamos estar sempre checando e “rechecando” informações para evitar erros) e o ceticismo (um dos traços marcantes de sua personalidade, como professor e pesquisador, na primeira etapa de sua vida). Moveu-nos um misto de curiosidade e de desconfiança.
Como é adaptar para o cinema a história do responsável por codificar a Doutrina Espírita?
Wagner de Assis: Por um lado, um novo desafio cinematográfico, com grande complexidade de realização, pois é um filme de época, cuja história se passa num outro país. Por outro lado, um respeito absurdo, uma humildade extrema e uma alegria imensurável. Não temos a pretensão de ser definitivos a respeito de Kardec. Há diversos trabalhos e estudos sobre ele e acho que devem ser feitos cada vez mais. Também não temos a pretensão de contar toda a sua vida, embora seja uma cinebiografia como gênero. Nós nos concentramos no que de mais importante aconteceu na vida dele. É um recorte, uma escolha e assim seguimos adiante. Vale lembrar também que não é um documentário, mas sim uma ficção, dramaturgia, que precisa respeitar algumas leis quando se conta uma história. O filme tem como base a forma como o Marcel Souto Maior escreveu a biografia.
Queremos contar um pouco da vida do professor Rivail para os que o conhecem, mas também para os que não o conhecem. Porque os primeiros sempre podem se surpreender com detalhes, aspectos humanos pouco comentados em geral. Os demais, com certeza, vão se surpreender muito ao encontrar um homem de seu tempo, um homem de ciências, um educador e professor à frente de seu tempo, e, acima de tudo, um homem de muita coragem e bom senso.
O que representa para você interpretar Allan Kardec?
Leonardo Medeiros: Sinto-me ao mesmo tempo imensamente agradecido e temeroso. Estou representando um ícone que faz parte da minha vida dentro de uma família espírita.
Como foi a escolha do elenco para este filme?
Wagner de Assis: Costumo dizer que é maravilhoso ver quando o filme tem vida própria e vai “escolhendo” os profissionais que nele tomarão parte. Claro que procuramos artistas que possam estar sintonizados com os personagens, na verdade sintonizados com pessoas que fazem parte de toda a história de Kardec. Mas a escolha em si tem sempre algo “mágico”, que foge aos aspectos puramente “acidentais”.
Um desses casos, por exemplo, foi Leonardo Medeiros. Nós nos conhecemos, falamos do projeto, lemos um pouco o roteiro e vimos claramente que ali havia um profissional absolutamente capaz de defender a história do professor Rivail na tela. Só depois é que, para nossa surpresa, soubemos de sua ligação com o tema, com a família do Eurípedes Barsanulfo. Isso é muito legal, mas de forma alguma representa um peso para a sua escolha. Assim o fizemos com todos do elenco. Os personagens vão se afeiçoando aos seus intérpretes e pronto. Ganham vida.
Rivail mudou de vida e de nome. Tornou-se Allan Kardec para dar voz aos Espíritos… A história de Kardec é a história de uma conversão, citou Marcel Souto Maior. O que podemos esperar desta adaptação nos cinemas?
Wagner de Assis: Uma jornada de transformação, movida por uma busca  incessante pela verdade, com um pano de fundo de uma sociedade muito sofrida, com índices altos de suicídio, qualidade de vida baixíssima e uma guerra de ideologias. Não poderemos jamais entender o passado com os olhos do presente. Mas podemos delinear como era a Paris de 1850, por exemplo. E buscar entender o papel das instituições como a Ciência, a Igreja, o Estado francês, para que os personagens possam vivenciar os dramas, os receios, os sonhos daquela época. Esta é a história de um homem que aceitou recomeçar de certa forma uma nova vida depois dos 50 anos. Costumo pensar metaforicamente que ele descobriu um tesouro e quis compartilhar com o mundo. Mas, claro, tinha um preço muito alto. E ele pagou para ver.
Nosso Lar exigiu muita criatividade   para   criar   detalhes que só existem no Mundo Espiritual. Qual é o desafio para a produção desta cinebiografia?
Wagner de Assis: Toda a composição de uma Paris que não existe mais. O filme se passa numa cidade que foi totalmente reformulada anos depois de nossa história. Filmamos “externas” em Paris para ter a luz da cidade, para ter o rio Sena, Notre-Dame, pontes históricas, mas há toda a necessidade de usar efeitos visuais e transformar aquela paisagem em algo que existiu há 160 anos. Além disso, temos também o desafio de atuação, de figurino, de fotografia críveis, que nos remetam àquele mundo. Nosso filme conta com o trabalho de profissionais altamente competentes, e o DNA de uma empresa como a “Conspiração”, que tem em seu currículo outras biografias muito bem contadas. Falo aqui também da produtora Eliana Soarez, do diretor de fotografia Nonato Estrela e do diretor de arte Claudio Amaral Peixoto. E, naturalmente, do roteirista que me ajudou a escrever a história, LG Bayão.
Que curiosidades das gravações podemos antecipar ao público?
Wagner de Assis: A maioria dos personagens é real. Todo mundo que existiu e de que temos notícia. Mas há algumas licenças para nos ajudar a contar a história de Rivail e do mundo em que ele viveu. Por isso temos alguns atores franceses em nosso elenco. Filmamos uma se- mana em Paris em lugares onde o próprio Kardec esteve, como o Palais Royal, onde ele instalou a primeira sede da Sociedade de Estudos Espíritas de Paris. Caminhamos em solo que realmente abrigou a História. Isto é muito rico para um filme.
Você diz não ter nenhuma religião, mas fascínio por este tema: a fé. Como as recentes biografias espíritas contribuíram com este olhar?
Marcel Souto Maior: Tenho fascínio mesmo pela fé e por este território invisível onde “vivos e mortos” se encontram. Neste ano estou revisitando alguns cenários – e também alguns personagens – destes 25 anos de pesquisas sobre Chico Xavier e também sobre outros universos religiosos (como o Centro de João de Deus, em Abadiânia). Estas viagens devem gerar meu próximo livro, uma mistura de retrospectiva e de diário de observação. As biografias espíritas me ajudam e me inspiram sempre.
Seu histórico conta hoje com 35 filmes e 17 prêmios. Seria a atuação em Kardec mais uma premiação destes esforços?
 Leonardo Medeiros: Sem dúvida essa atividade vem coroar uma carreira de décadas de dedicação ao trabalho de ator. Sinto-me humildemente premiado.
Como foi a descoberta do parentesco com Eurípedes Barsanulfo?
Leonardo Medeiros: Desde que me lembro, as imagens e histórias de Eurípedes e Kardec embalam meu imaginário. Quem nasceu numa família espírita sabe do que estou falando. Dentro da família sempre foi muito natural falar do Eurípedes, que é irmão do meu avô materno, portanto meu tio-avô. Cresci no seio de uma família espírita e fui educado dentro dos preceitos éticos da Doutrina. Independentemente da minha crença, tenho imenso orgulho dessa herança.
De Chico Xavier a Allan Kardec. Podemos esperar mais um marco na adaptação de seu livro para as grandes telas?
Marcel Souto Maior: Com Chico e Kardec, acho que o ciclo se fechou, mas nunca se sabe. Estou sempre levando alguns sustos – e tendo algumas surpresas – ao percorrer este território. Aguardemos! Só o tempo dirá!