terça-feira, 6 de novembro de 2018

'Como posso comer se estou morto?' - as pessoas que vivem com a síndrome do 'cadáver ambulante'

By Pippa Stephens
BBC World Service

"Foi um período de absoluta escuridão. Eu acreditava que tinha morrido." Recuperando-se de um sério acidente de moto, Warren McKinlay começou a pensar que não existia mais, que estava morto.
Então, o soldado britânico parou de comer porque achava que não precisava mais.
"Terapeutas podiam até tentar falar comigo, mas eu dizia: por que tentar melhorar se eu estou morto?", conta ele.
"Eu não sentia a necessidade de comer, não sentia fome. Quanto mais eles tentavam me convencer a comer, menos eu queria. Achava que estavam tentando me enganar", diz o soldado.
"Eu não via a necessidade de comer pelo mesmo motivo que me fazia não querer colaborar com a reabilitação. Pensava: 'por que vou comer se estou morto?"
Warren, de 36 anos, vivenciou a síndrome de Cotard, também conhecida como síndrome do cadáver ambulante - um problema psiquiátrico que afetou menos de 100 pessoas no mundo desde que foi descrita pelo neurologista francês Jules Cotard, em 1880.
Quem apresenta a síndrome acredita que está morto, ou apodrecido e que seus órgãos desapareceram ou necrosaram.
Casos como o de Warren já foram relatados em países como China, Índia, México, Estados Unidos e Suécia. Essa ilusão de "morte" se apresenta de diferentes formas.
Um mexicano foi levado ao hospital depois de dizer para sua família que seu pênis havia diminuído até desaparecer. Aos médicos ele afirmou que não tinha mais olhos nem coração - alegava que eles haviam sido removidos por um médico em uma sala de emergência. O homem também dizia que sua mão esquerda estava morta.
Em Portugal, após perder seu marido repentinamente, uma pensionista de 66 anos de idade começou a ficar desconfiada: ela decidiu parar de comer até quase morrer de fome, reclamando que seu esôfago e seu estômago estavam colados. Ela foi internada em um hospital depois de perder 19 quilos.
Na Caxemira, uma dona de casa de 28 anos foi internada depois de dizer que seu fígado estava podre e que seu coração e estômago não existiam mais. Ela dizia que não sentia seu corpo quando andava.
Já uma britânica de 59 anos procurou ajuda médica, pois acreditava que era um cadáver podre e que suas pernas estavam caindo.

'Eu não tinha nenhum sentimento'

No caso do soldado Warren, ele acredita que seus delírios de morte decorrem de como ele lidou com seu acidente de moto.
Ele bateu em uma árvore quando voltava para casa depois de um treinamento no exército britânico - o soldado estava prestes a embarcar para o Afeganistão. No acidente, Warren fraturou a pelvis e a coluna, além de ter danos no cérebro.
"Não me lembro de nada. Não lembro de bater na árvore nem de quebrar os ossos do meu corpo", diz o soldado, que teve uma filha durante a recuperação. "Eu esperava me lembrar do sentimento de dor, mas não conseguia. Eu não tinha nenhum sentimento, e era difícil me importar com qualquer coisa."
Segundo o soldado, a falta de memória do episódio o fez acreditar que tinha morrido no acidente. Meses depois, ele foi internado no Headley Court, um hospital no sul da Inglaterra. Para ele, o local era como "uma sala de espera fantasmagórica".
"Homens e mulheres voltavam de zonas de guerra (para o hospital) com ferimentos horríveis e com histórias de mortes, e eu acreditava que estava em uma espécie de vida após a morte", conta ele.
Médicos e enfermeiros perguntavam por que, caso estivesse morto, ele havia escolhido ficar em um hospital e não em outro lugar. "Eu pensava que era uma punição", diz Warren.
Ter sofrido ferimentos no cérebro é uma das condições para o desenvolvimento da síndrome de Cotard. Outros indutores podem ser depressão severa e esquizofrenia, segundo Helen Chiu, professor de psiquiatria na Universidade Chinesa de Hong Kong.
A síndrome também é associada ao Mal de Parkinson, febre tifóide, enxaqueca, esclerose múltipla e complicações de transplante de coração.
"Além de razões biológicas, fatores psicológicos e sociais também são relevantes", explica o professor Chiu. "A personalidade, família, circunstâncias financeiras e sociais, além de eventos da vida da pessoa vão moldar como serão os delírios (de morte)", diz.
Essas imagens podem durar semanas ou mesmo anos. Apesar da síndrome afetar pessoas mais velhas, há registros de casos em adolescentes e crianças.
Não há causas únicas da síndrome de Cotard, no entanto. Muitos dos estudos científicos sobre a doença são baseados em casos individuais, devido à sua natureza rara.
Segundo estudo de 2010, liderado por Jesús Ramírez-Bermúdez, do Instituto Nacional de Neurologia e Neurocirurgia do México, a síndrome de Cotard pode ser um resultado de dois fatores combinados: pacientes que sofreram acidentes traumáticos, como o caso de Warren, podem desenvolver um sentimento de vazio.
Essa sensação, combinada com a perda de habilidade de acreditar em algo e o sentimento de culpa, pode resultar na Cotard, segundo o estudo.
Razões neurológicas incluem baixa atividade metabólica em regiões do cérebro responsáveis pela introspecção, redução ou aumento do tamanho do cérebro, danos logo atrás da testa - região importante para controlar o raciocínio e o comportamento.
Warren diz que encontrar outro portador da síndrome o ajudou a se recuperar. Depois de voltar para a casa de sua família, ele começou a melhorar.
"É um pouco inadequado dizer isso, mas hoje dou risada quando penso sobre o que aconteceu", diz.
Notícia publicada na BBC Brasil, em 4 de dezembro de 2017.

Cristiano Carvalho Assis* comenta

É enorme a quantidade de coisas que podemos passar em nossas vidas. Mesmo que buscássemos imaginar tudo que poderia acontecer, ainda nos surpreenderíamos, pois a vida tem uma criatividade incrível. E os fatos relatados na reportagem são surpreendentes.
Supor que uma doença ou um acidente poderia nos levar a acreditar cegamente que estamos mortos não é um fato que imaginava que poderia nos acontecer encarnados. Digo encarnados, porque o inverso sabemos ocorrer. Conhecemos, na literatura espírita, os casos de pessoas, já desencarnadas, imaginando estarem no plano material. Imagino que o mesmo trabalho dos médicos daqui, com os que sofrem com a Síndrome, os Espíritos amigos de lá devem ter para orientar os que deixaram a Terra.
A primeira dúvida que fica em nossa mente é: Isto é verdade? A parte física pode influenciar dessa maneira em nossos pensamentos? Segundo a ciência, as alterações cerebrais ou físicas desenvolvem a síndrome em questão e por vezes são responsáveis por loucuras ou distúrbios psicológicos. Mas e a Doutrina Espírita, o que diz sobre isso?
Encontramos em O Livro dos Espíritos, na questão 846: Sobre os atos da vida nenhuma influência exerce o organismo? E, se essa influência existe, não será exercida com prejuízo do livre-arbítrio? “É inegável que sobre o Espírito exerce influência a matéria, que pode embaraçar-lhe as manifestações. Daí vem que, nos mundos onde os corpos são menos materiais do que na Terra, as faculdades se desdobram mais livremente.”
Questão 368a: (...) O invólucro material é obstáculo à livre manifestação das faculdades do Espírito, como um vidro opaco o é à livre irradiação da luz? “É, como vidro muito opaco. Pode-se comparar a ação que a matéria grosseira exerce sobre o Espírito à de um charco lodoso sobre um corpo nele mergulhado, ao qual tira a liberdade dos movimentos.”
Dessa forma, vemos o quanto o corpo pode influenciar nossa alma. Mulheres que alteram seu modo de ser, devido aos hormônios que se alteram mensalmente, a diminuição do nosso humor ou de nossa resistência mental devido a cansaços físicos, alucinações devido a estados de sede, falta de comida ou falta de uma substância química no cérebro. Estes e muitos outros exemplos retratam o quanto nosso corpo pode influenciar na nossa forma de ver, pensar e agir.
Mas esta é a conclusão mais simples, e se ficássemos apenas nela, seríamos, de um lado, os preguiçosos satisfeitos, pois poderíamos ter mais uma justificativa para nossos erros: “não consigo fazer, pois meu cérebro ou organismo não me permite”. Ou, de outro lado, os que trabalham ficariam temerosos, pois independente do seu esforço, ainda teria o corpo para taxar se conseguiriam ou não.
No entanto, não é assim. Exceto os casos mais extremos de loucuras, deficiência mental ou deficiência física do órgão, onde o corpo não permite que o Espírito manifeste sua inteligência, a influência do corpo é relativa e a força de vontade prevalece.
Questão 370 de O Livro dos EspíritosDa influência dos órgãos se pode inferir a existência de uma relação entre o desenvolvimento dos do cérebro e o das faculdades morais e intelectuais? “Não confundais o efeito com a causa. O Espírito dispõe sempre das faculdades que lhe são próprias. Ora, não são os órgãos que dão as faculdades, e sim estas que impulsionam o desenvolvimento dos órgãos.”
Os órgãos terão sua influência, mas não cercearão por completo o Espírito, sempre teremos nossa parcela de responsabilidade e escolha. No caso em questão, não podemos saber ao certo as causas e os motivos para que esta situação ocorra com a pessoa, mas este fato nos faz meditar o quanto somos frágeis em nossas emoções e pensamentos. Algo que pensamos ser uma realidade não passa de uma ilusão, criada por nós mesmos ou por alguma circunstância e de complicada solução, pois é preciso aceitar a realidade, no caso, que a pessoa não está morta.
Simples? Com certeza não. Mudança de pensar nunca é fácil. Ainda engatinhamos quando falamos sobre o complexo sistema corpo-espírito-emoções e pensamentos. Qualquer semelhança com nossos casos pessoais não é mera coincidência. Como assim?? Provavelmente quando você leu a reportagem deve ter se perguntado intimamente: “Como pode? A pessoa não perceber que está viva? Está na cara!!” O que ocorre com as pessoas da Síndrome, acontece com todos nós constantemente. Remova a parte que precisa aceitar e desiludir que não está morta e substitua com as nossas “verdades”. O caso será o mesmo. A dificuldade de mudar de opinião e realidade será igual.
Pode até não nos enganarmos que estamos mortos, mas em todos os momentos da vida temos nos enganado com ilusões como o do dinheiro, da vaidade, do poder, do prazer, do consumo e do que eu falo ou penso é o certo, que temos a certeza absoluta que estamos vendo e vivendo uma realidade. Mas a vida, a dor, o sofrimento, as pessoas ao nosso redor, a Espiritualidade Superior e Deus lutam para nos fazer abrir os olhos para a realidade real e Maior, a do Espírito. Mas insistimos para não ver e seguimos com a nossa própria realidade.
Divaguei demais? Talvez. Mas é preciso compreendermos o quanto antes que podemos estar acreditando que estamos “vivos”, mas que na verdade somos verdadeiros mortos!! Como Emmanuel nos diz no livro Fonte Viva“Há, em verdade, grande diferença. O cadáver é carne sem vida, enquanto que um morto é alguém que se ausenta da vida. Há muita gente que perambula nas sombras da morte sem morrer. Trânsfugas da evolução, cerram-se entre as paredes da própria mente, cristalizados no egoísmo ou na vaidade, negando-se a partilhar a experiência comum. Mergulham-se em sepulcros de ouro, de vício, de amargura e ilusão. (...)” E para terminar fica a pergunta: Estamos realmente vivos??
* Cristiano Carvalho Assis é formado em Odontologia. Nasceu em Brasília/DF e reside atualmente em São Luís/MA. Na área espírita, é trabalhador do Centro Espírita Maranhense e colaborador do Serviço de Atendimento Fraterno do Espiritismo.net

O médico que ajudou uma cidade americana a combater crimes tratando violência como doença

Thomas Mackintosh
BBC News

É possível reduzir a criminalidade combatendo a violência como uma doença infecciosa?
Londres anunciou que vai seguir a abordagem de saúde pública da Escócia para ajudar a diminuir os índices de crimes violentos.
Mas a ideia de tratar o crime como uma doença não é nova. A proposta teve origem há mais de duas décadas nas ruas de Chicago, nos Estados Unidos - e suas raízes estão na luta contra a Aids na África.
A capital inglesa já testemunhou 100 homicídios neste ano, após uma onda de violência marcada principalmente por crimes com faca.
O prefeito de Londres, Sadiq Khan, está sendo pressionado a tomar uma atitude, enquanto antigos debates sobre o poder da polícia para parar e revistar pessoas foram retomados.
A chefe da Polícia Metropolitana, Cressida Dick, admite, por sua vez, que seus policiais estão "no limite".
É uma situação que se assemelha à de Chicago há 20 anos.
O médico Gary Slutkin, epidemiologista da Organização Mundial da Saúde (OMS), voltou para a cidade americana em meados da década de 1990, após passar anos lutando contra doenças infecciosas na Ásia e na África.
Em Uganda, ele havia combatido a propagação da Aids com algum sucesso. E precisava de uma pausa após testemunhar tanta morte e miséria.
Mas quando voltou para sua terra natal, ficou chocado ao se deparar com um cenário de violência e mortes.
"Eu vi toda aquela violência acontecendo nos EUA e, como passei tanto tempo fora, não fazia ideia. Eu achava que os EUA não tinham problemas", disse.
"Quando cheguei, vi nos jornais e na TV que havia garotos de 14 anos atirando na cabeça de meninos de 13 anos. Se matando. Eram garotos atirando uns nos outros. Como assim?"
Entre 1994 e 1999, 4.663 pessoas foram assassinadas em Chicago. Para efeito de comparação, Los Angeles - que tinha uma população significativamente maior - registrou 3.380 homicídios.
Intrigado, Slutkin começou a investigar. E, ao analisar os dados, notou uma série de semelhanças entre a violência em Chicago e as epidemias que passou anos tentando curar.
Ele percebeu que os incidentes violentos estavam ocorrendo em lugares específicos de certas regiões e em determinados momentos.
Além disso, a violência parecia estar se multiplicando, como uma doença infecciosa. Um incidente violento levava a outro e, em seguida, a outro, e assim por diante.
Definitivamente, a violência estava aumentando rápido, de forma muito semelhante a uma onda epidêmica.
Como epidemiologista, ele precisava identificar três fatores antes de classificar uma doença como contagiosa; aglomeração, autorreplicação e ondas epidêmicas.
Slutkin concluiu que Chicago estava de fato enfrentando uma epidemia tão grave quanto a que havia testemunhado em Uganda.
E decidiu tratar o problema da mesma maneira.
Para isso, obteve financiamento de uma universidade local e criou o Cure Violence (cura a violência, em português) - um projeto dedicado ao uso de métodos de saúde pública para combater crimes violentos.
Assim como na luta contra a Aids, a primeira regra era que a violência não deveria ser tratada como "um problema de pessoas ruins". Em vez disso, seria abordada como uma doença contagiosa que infectava as pessoas.
Isso significava prevenir a violência antes que eclodisse, e mitigá-la, uma vez que se instalasse.
Em Uganda, Slutkin e seus colegas aprenderam que as pessoas só ouviam conselhos sobre sexo seguro se viessem de alguém em situação análoga à delas.
"Usamos pessoas da mesma comunidade", disse o médico.
"Homens gays para atingir homossexuais, prostitutas para falar com profissionais do sexo."
Em Chicago, ele adotou uma abordagem parecida. Recrutou ex-membros de gangues para educar os atuais integrantes, intervir em disputas e, com sorte, evitar a violência na sua origem.
Os resultados foram instantâneos; a criminalidade foi reduzida significativamente na área piloto, West Garfield. Em pouco tempo, o projeto estava sendo colocado em prática em outras regiões problemáticas da cidade.
O sucesso se deve à atuação dos ex-membros das gangues, conhecidos como Violence Interrupters ("Interruptores de Violência", em tradução livre).
Empregados como um elo entre a aplicação da lei e as gangues, eles usaram seus contatos na comunidade para identificar situações e indivíduos de alto risco e, na sequência, intervir em disputas antes que se transformassem em violência.
Angalia Bianca foi integrante da gangue Latin Kings por mais de 30 anos, antes de se tornar uma "interruptora de violência" há sete anos.
"Na maioria das situações, o negócio é ganhar tempo, tentar acalmar as pessoas e dissuadi-las de fazer algo de que vão se arrepender", diz ela.
"Esses caras não vão ouvir a polícia, mas nós temos uma reputação e credibilidade nas ruas."
"A gente costumava viver nas ruas, em brigas de gangue, cometendo crimes. Nós falamos a língua deles".
O impacto dessa abordagem de envolver a comunidade é significativo.
Desde o início do projeto, os tiroteios caíram em até 40% nas áreas em que os "interruptores de violência" atuaram. Outras cidades nos Estados Unidos seguiram o exemplo, principalmente Los Angeles, Nova York e Baltimore.
Na Escócia, Glasgow adotou o método - incorporando-o a uma estratégia mais ampla de saúde pública, que envolve educação, saúde e serviços sociais.
A taxa de homicídios da cidade foi reduzida em mais da metade entre 2004 e 2017.
O sucesso da Unidade de Redução da Violência da Escócia, que recebeu £7,6 milhões (cerca de R$40 milhões) de financiamento do governo escocês entre 2008 e 2016, chamou a atenção do prefeito de Londres.
No entanto, a estratégia também esbarra em obstáculos.
Em Chicago, os recursos financeiros têm sido um problema permanente.
Em 2015, o projeto Cure Violence enfrentou o primeiro de dois anos sem receber o orçamento completo do Estado, devido a um impasse entre o governador Bruce Rauner e o presidente da Câmara de Illinois, Mike Madigan.
Slutkin acredita que isso resultou em vidas perdidas.
"Escrevemos uma carta e dissemos que isso seria um desastre, em outras palavras, previmos isso."
"Perdemos trabalhadores em 13 comunidades", explica.
No ano seguinte, 771 pessoas foram mortas em Chicago - o ano mais mortífero da cidade em quase duas décadas. Em 2017, depois que a equipe do Cure Violence recuperou seu financiamento, houve um declínio de 16% no número de assassinatos.
No ano passado, Londres teve sua própria onda de mortes violentas.
A abordagem de saúde pública de Slutkin parece ser um catalisador para o prefeito de Londres diagnosticar a violência da capital como uma "doença".
No entanto, há uma diferença de grandeza significativa.
Neste ano, a Cure Violence recebeu financiamento de US$ 5,4 milhões (£4,1 milhões e R$22 milhões) em Chicago e US$ 17,2 milhões (£ 13 milhões e R$70 milhões) em Nova York.
Já Sadiq Khan destinou apenas £ 500 mil (cerca de R$2 milhões) para o projeto em Londres, valor considerado uma "piada" pelo criminologista Anthony Gunter.
Ele acha que o prefeito está sendo "lento" para reagir à questão da violência em Londres. É fã da abordagem de Chicago, embora ressalte que a taxa de homicídios da cidade continua alta.
"O diabo mora nos detalhes e, neste estágio, não há muitos detalhes", diz ele sobre o anúncio de Khan.
"É necessário uma abordagem multidisciplinar e que todos trabalhem juntos. Sadiq Khan vai precisar trabalhar com o (ministro do Interior) Sajid Javid."
Para algumas comunidades em Londres, Chicago e Glasgow, a violência faz parte da vida cotidiana. Está presente em questões sociais mais amplas, como desemprego, educação, famílias desestruturadas e drogas.
Se o fato de Khan diagnosticar a violência como uma doença vai fazer a diferença, ainda não sabemos.
Uma pessoa que está feliz com o anúncio, no entanto, é Sarah Jones, que faz campanha pela abordagem da saúde pública desde que foi eleita deputada trabalhista de Croydon Central em 2017.
Ela acredita que "interruptores de violência" podem ser a chave para deter o crime com facas em algumas áreas de Londres.
"Há pequenos grupos em Londres que cumprem um papel semelhante, mas precisamos ter mais gente que seja respeitada e tenha a confiança dessas comunidades", diz ela.
"Ter alguém para intervir no momento em que eles estão pensando em agir com violência pode fazer uma diferença enorme."
"A Unidade de Redução da Violência é um passo na direção certa, mas precisa do compromisso de todos no longo prazo", finaliza.
Notícia publicada na BBC Brasil, em 22 de setembro de 2018.

Telma Simões Cerqueira* comenta

A palavra violência deriva do latim “violentia”, que significa “veemência, impetuosidade”. Mas na sua origem está relacionada com o termo “violação” (violare). Quando falamos de violência precisamos entender os processos que a causam.
Entendendo as causas podemos estudá-las para vencê-las. Analisando a pergunta nº 913 de O Livro dos Espíritos:
Entre os vícios, qual se pode considerar o pior?
– Já dissemos várias vezes: é o egoísmo; dele deriva todo mal. Estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos existe egoísmo.
Conforme a resposta dos espíritos, do egoísmo surgem os vícios que impedem a nossa libertação dos demais vícios morais. O egoísmo e o orgulho impedem de observarmos as necessidades do próximo. É a causa da violência em toda história da humanidade e a grande preocupação dos grandes filósofos que sempre pensaram a respeito de como evitarmos as paixões que degradam o homem. O homem sempre venceu o outro pela violência por conta do egoísmo, de sempre querer vencer e querer mais para si. Vamos analisar a pergunta nº 743 de O Livro dos Espíritos:
"A causa que leva o homem à guerra é a predominância da natureza animal sobre a espiritual e a satisfação das paixões. No estado de barbárie, os povos só conhecem o direito do mais forte, e é por isso que a guerra, para eles, é o estado normal".
No estado de natureza o que predomina no homem é o instinto, desta forma ele não desenvolveu valores morais e éticos. No decorrer da sua evolução ele desenvolve os valores, entende a necessidade de prosseguir sua evolução e de pacificar sua consciência, porque é de essência divina, portanto, o seu destino o impulsiona à perfeição.
As causas que levam à violência são variadas:
No estágio evolutivo a predominância é material, então temos:
• Vícios morais: orgulho, egoísmo, ciúme, inveja, despotismo...
• Educação deficitária: desamor, conflito interior do ser = auto violência.
• Conflitos sociais: discriminação, preconceito = violência.
• Conflitos religiosos: intolerância, preconceito = violência social.
• Conflitos culturais: preconceito, intolerância = violência.
• Conflitos políticos = greves, revoltas, corrupção, revoluções = violência.
• Agressividade: raiva, ódio = violência e obsessões.
Numa entrevista com o nosso querido José Raul Teixeira, foi perguntado o seguinte:
“Na visão espírita, a que se deve o fenômeno da violência: ausência do Estado, desagregação familiar, miséria ou tudo junto?
Raul Teixeira - Indubitavelmente a violência é um caldo que se forma com todos esses componentes: desestruturação da família, desassistência ou ausência do Estado. A violência resulta de um estado interior. Toda pessoa que está insatisfeita interiormente explode e isso acontece com todos nós. Mas essa situação pode tomar proporções alarmantes se não houver ajuda e orientação. Os remédios nós chamamos de cultura, educação, lazer, emprego, afetividade. As criaturas violentas estão sofrendo algum tipo ou vários dessas carências. Num mundo em que só encontramos propostas materialistas para resolver problemas espirituais demoraremos muito a chegar a um denominador comum, porque os problemas que acontecem na alma não podem ser resolvidos com providências que só atendem ao mundo de fora. Se eu estiver lidando com um delinquente, um drogadicto como se ele fosse simplesmente uma pessoa violenta, é claro que eu vou perder tempo, dar murro em ponta de faca. Tenho que ver essa criatura como um indivíduo multidimensional. Geralmente são criaturas que não tiveram um lar estruturado, cultura acadêmica, nem sequer conhecimento de si mesmos. Elas vivem movidas pelas necessidades imediatas: comer, beber, vestir, fazer sexo, etc. Obviamente quando falamos em violência abordamos esse assunto de forma muito simplista, como um mero problema policial ou político. Mas é um problema da família, do Estado, das religiões. Chama a atenção que, quanto mais se multiplicam as igrejas, a violência aparentemente mantém um ritmo proporcional de crescimento. Será que essas pessoas não estão sendo enganadas, dando dinheiro, sendo exploradas e a cada dia se tornando mais necessitadas, mais ansiosas? Temos que olhar desde a criança, o lar, a família, para que a gente pense no indivíduo que se vai complementando pouco a pouco. A violência nasce na intimidade humana, mas por que ela se mantém? Quando temos um resfriado, uma gripe, qualquer doença, somos medicados. Por que com a violência não se faz a mesma coisa?”
Portanto, a violência é uma doença da alma e deve ser tratada na alma, tanto do ponto de vista espiritual quanto de natureza psíquica. E para essa violência urbana, que se transformou em uma guerra não declarada, a única solução é a educação.
Conforme nos informa Allan Kardec em O Livro dos Espíritos, questão 685:
"Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as consequências desastrosas que daí decorrem? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da segurança de todos." (Nota de Allan Kardec.)
O Espiritismo, essencialmente educativo, nos convida ao amor e à instrução que poderão formar uma nova mentalidade entre os homens. A violência é o fruto espúrio da ignorância humana. Remanescente da agressividade animal explode em a natureza graças às bases do egoísmo, é o câncer moral que carcome o organismo social. O antídoto do egoísmo é o altruísmo (amor ao próximo, abnegação). Por consequência, a melhor maneira de tornar uma sociedade justa e altruísta é a educação das gerações novas. Sabendo que, através da educação, formaremos caracteres saudáveis, deveremos investir tudo nesta obra libertadora, que é uma das mais elevadas expressões da caridade.
A Humanidade não está pior do que aquela de épocas recuadas. Ocorre que, com o crescimento demográfico, com a facilidade da Informática, dos meios de comunicação, nós recebemos informações maciças e muito expressivas, que nos dão uma ideia desagregadora do comportamento humano. Isto, porque, lamentavelmente, os valores positivos ainda não têm merecido muito destaque nas programações da televisão, das rádios, etc. O bem não causa impacto; infelizmente, a tragédia, sim. O amor sensibiliza por um pouco, mas o infortúnio deprime por muito tempo. Nunca houve no mundo tanta bondade como hoje. O mal aparente está, somente, numa minoria militante do desequilíbrio. Uma minoria que faz muito barulho. Mas, neste século, veio uma grande equipe de espíritos missionários para ajudar. Eles estão por toda a parte.
Nunca houve tanto amor na Terra, como hoje, embora as aparências informem o contrário. Jamais, na Terra, tantos se preocuparam com outros tantos, como agora. Os laboratórios de pesquisa, na área da saúde, na área das ciências humanas estão repletos de missionários do amor, procurando debelar males que afligem centenas de milhões de indivíduos. São os missionários da caridade e do conhecimento que proliferam em todo lugar, conhecidos uns, anônimos outros, proclamando a excelência do Bem. Jamais houve tantos Organismos Internacionais preocupados com o bem das criaturas e da Humanidade, multiplicando-se, cada vez mais.
A nossa juventude, ainda aturdida pelo desequilíbrio dos adultos, está caminhando em busca de afirmações e espaços para se realizar. Sabemos que a promiscuidade e o despautério nos chocam muitas vezes, mas são efeitos das nossas atitudes, das nossas escolhas anteriores envolvidas pela hipocrisia e ignorância. Agora saturados de prazeres fúteis, e logo mais, seremos convidados a uma revisão de todos os nossos anseios e certamente voltaremos alquebrados, ao equilíbrio e aos interesses mais dignos. Desta maneira,  a nossa atitude deve ser de confiança e esperança no amor, amando a todos, indistintamente, mesmo aqueles que, por prazer mórbido e vitimados pelos seus desequilíbrios psicológicos que fingem ignorar, nos perseguem, caluniam, impossibilitados de superar-nos. Consideremo-los nossos irmãos necessitados e, sem revidar, espalhemos a simpatia, o otimismo e a esperança que dominarão a Terra, logo mais. Vale a pena confiar no Bem e fazer o bem o quanto nos for possível, conforme a Doutrina Espírita: “Fora da caridade não há salvação.”
* Telma Simões Cerqueira é Bacharel em Nutrição pela Universidade Veiga de Almeida, artista plástica e expositora espírita. Nasceu em lar evangélico, porém se tornou espírita nos arroubos da juventude, conhecendo a Doutrina Espírita aos 23 anos. Sempre ativa no Movimento Espírita, participa das atividades do Centro Espírita Jorge Niemeyer, em Vila Isabel, Rio de Janeiro/RJ

Dica legal... Humor... Novembro Azul...


Como ela perdoou o assassino do filho e começou trabalho de leitura para detentos

Bárbara Forte
Do BOL, em São Paulo

Há dois anos, Isa Vilas Boas, de 48 anos, sofreu a maior perda de sua vida. O filho mais velho, Yuri Vilas Boas, morreu após levar um tiro em Poços de Caldas (MG). O crime mudou a vida de toda a família da vítima, que vive em Botelhos. Após o assassinato, a mãe do jovem transformou a tragédia em força para mudar a vida de detentos por meio da leitura.
No relato abaixo, ela conta:
"No dia do acidente, Yuri tinha passado o dia ensaiando, ele tinha uma banda e ia se apresentar em um bar em Poços de Caldas. Depois do ensaio, ele voltou para casa e, de noite, foi com os amigos da própria banda ao bar onde fariam um show na semana seguinte. Meu filho e o baterista ficaram no lugar até 3h. Lá, eles encontraram um conhecido do baterista, que saiu do estabelecimento junto com eles. O rapaz se ofereceu para ir com os dois para o apartamento do amigo de Yuri.
Quando os três chegaram, o baterista foi se trocar, enquanto Yuri e o outro jovem ficaram na cozinha.
O moço tinha ido só para conversar, mas estava com uma arma. Ele era escrivão da polícia, por isso tinha o porte. Na hora que viu o que tinha acontecido, o baterista pediu que ele [o agressor] pegasse um pano e, com medo de levar um tiro, fugiu antes mesmo de conseguir chamar o Samu.
O menino disse que Yuri não chegou a pronunciar uma frase, não houve discussão. O escrivão foi preso em flagrante e, em abril deste ano, foi julgado. A defesa alegou problemas psicológicos e disse que ele tomava remédios controlados. O juiz o condenou pelo crime, mas sem a intenção de matar. Ele passou dois anos e dois meses preso e, hoje, está solto.
Yuri era meu filho primogênito, eu tive ele com 21 anos. Em seguida tive a Cora e, mais tarde, o Enzo. Ele foi um filho muito planejado, desejado, o primeiro neto da família do Marcelo, meu marido. Quando ele nasceu, eu não trabalhava. Levava as crianças para brincar na praça, eles adoravam brincar na rua, Yuri amava videogame, os amiguinhos se reuniam em casa.

"Seu filho está morto"

Recebi mensagens de muita gente que nem me conhecia aqui de Botelhos, onde vivo com meu esposo, e de Poços de Caldas, onde Yuri morava com os irmãos (Cora, hoje com 25 anos, e Enzo, de 19) por conta da faculdade. Foi difícil de aceitar.
Mas, olhando tudo, eu penso que antes mesmo eu já estava sendo preparada por uma força divina. Eu cheguei a falar que eu estava com medo da morte. Na noite em que ele foi morto, eu não dormi, o que é incomum, e passei a madrugada vendo dois filmes - ambos retratavam a morte. Um deles, "Em busca de um caminho", conta a história de um pai que vai para a Europa após o filho morrer no Caminho de Santiago de Compostela. Lá, ele resolve fazer o percurso que seu filho não conseguiu terminar.
Recebi a notícia na minha casa, era quase meio-dia. Antes, a polícia ligou para minha irmã, que mora em Poços de Caldas. Ela foi para Botelhos, até a casa da minha mãe, antes de todos virem para cá. Minha mãe quis me contar pessoalmente. Foi terrível. Eu falava que ele estava vivo, minha mãe me dizia que não. Foi o pior não que eu escutei na minha vida. Eu fui para Poços, eu queria ter certeza, precisava enxergar. Na hora em que o vi dentro do caixão foi um bálsamo, vi que era ele, me acalmei. Só ali eu consegui parar de tremer.
Quando me falaram do assassino, eu apenas perguntei: ele tem filhos? A resposta foi não. E depois questionei: e pais? Sim, me responderam, ele tem mãe e pai. Foi nesse momento que eu percebi que eu não aguentaria a dor de ter um filho preso.

Amor para combater violência

Em nenhum momento eu tive ódio. A família se uniu, os amigos ajudaram. Não alimentar o ódio me deu mais força.
Eu só queria mais critério sobre o porte de arma. Tem pessoas que veem o porte de arma como segurança para a sua família, mas é o contrário. Se o jovem que matou meu filho saía com a arma é porque ele se sentia seguro, mas ele transformou a vida de muita gente por um ato não pensado.
Depois que acontece, é um tiro fatal num milésimo de segundo. Eu vi o sofrimento nos olhos da mãe e do pai dele. Quando me entristeço, que não consigo dormir, eu rezo para a mãe do rapaz que matou meu filho. No dia do julgamento, eu dei um abraço no pai e na mãe dele.
Meu filho não vai voltar. O que eu procuro é ver o que eu faço para que outras pessoas não passem por isso. A educação, a gentileza, o amor são os meios mais eficientes para combater a violência.
Tem dia que a gente ainda chora, mas hoje eu criei uma rede de apoio grande. Ao expor meu luto, eu comecei a receber mensagens de outras mães que já passaram pelo mesmo. Hoje, uma segura a mão da outra, é uma maneira de me ajudar e ajudar outras pessoas.

Uma chance atrás das grades

Depois do acidente, eu comecei a buscar dar voz ao que ele [Yuri] pensava. Ele era uma pessoa do bem, que defendia a paz, as pessoas que não têm voz. Isso me fez buscar um trabalho voluntário, mas eu queria que fosse algo diferente. Foi então que, em fevereiro do ano passado, eu entrei para um projeto de incentivo à leitura em presídios.
Eu conheci o projeto através de uma sobrinha, ainda em 2016, que pediu livros para doação. Como eu sou diretora de uma escola e havia adquirido muitas obras com uma amiga, entrei em contato com o grupo de pessoas da PUC-MG, faculdade que meu filho cursou, inclusive, para doá-los. No mesmo momento pedi para participar, como voluntária, das ações na cidade de Botelhos.
O grupo atua, ainda, em detenções de Poços de Caldas e Andradas, onde há até a remissão de penas. No projeto, o detento escolhe um livro e faz uma resenha, que é lida e avaliada por uma equipe - estudantes de psicologia e direito. A cada obra, o preso tem a remissão de três dias na condenação.
Eu estava sofrendo muito naquela época, estava pensando como eu estaria se fosse o meu filho no lugar do assassino, preso, e queria ocupar meu tempo com algo para ajudar outras pessoas. Como dizem, a lambida da cadela é a cura da mordida.
Eu queria ajudar, conhecer aquela realidade. É impactante no começo. As primeiras visitas eram estranhas e, por sermos de uma cidade pequena, muitos deles me conheciam. Alguns conheciam até o assassino do meu filho. Com o tempo, eles foram se aproximando. É uma energia muito pesada, mas, ao mesmo tempo em que eu saio dali carregada, também saio leve. Um deles que eu consiga ajudar a ocupar a cabeça com algo produtivo já é uma vitória.
A primeira vez que fui ao presídio foi muito tensa, quase não conversei, apenas distribuí o material. Eu pensava muito no Yuri. A prisão tem pessoas de todos os tipos, mas tem muitos jovens também. Eu pensava como seria se fosse meu filho ali. Eles falam da saudade da família, da mãe, você começa a dar muito valor à liberdade.

O perdão por meio da fé

O filme que assisti na noite em que meu filho foi morto me fez ficar com muita vontade de fazer o Caminho de Santiago de Compostela. Um ano depois do crime, eu resolvi fazer o percurso para Aparecida, a 300 quilômetros de distância de Botelhos. Foram sete dias de caminhada na Semana Santa. Neste ano eu não iria, então o padre me chamou para dar um depoimento na semana das dores de Maria.
A sétima e última delas é a dor de perder um filho. Eu fui falando como tinha sido o processo de aceitação, e, no finalzinho, eu percebi e disse que Maria não tinha em quem pôr a culpa e teve força para perdoar tantas pessoas, então eu perdoava o assassino do meu filho.
Quando o grupo da igreja voltou a Aparecida, neste ano, o julgamento do rapaz já havia sido marcado. No final eu acabei indo e, ao longo dos 300 quilômetros, de Botelhos, no interior de Minas, até o interior paulista, fui orando para que Deus fizesse o que fosse justo, independentemente do lado.
Eu queria Justiça, mesmo, para ele. Porque nada traria meu filho de volta. Pedia que a condenação durasse o tempo para ele aprender a ser melhor, para não trazer mais sofrimento para ninguém, principalmente para a família dele. Foi isso que eu pedi. E se ele cumpriu sua pena e hoje está livre, meu perdão também valeu. Só espero que ele também se perdoe, pois eu sei que nunca mais ele vai esquecer isso. Que ele saiba conviver e encontre uma maneira de transformar tudo em luz."
Notícia publicada no BOL Notícias, em 22 de outubro de 2018.

Jorge Hessen* comenta

Com Kardec aprendemos que devemos amar os criminosos [que nos ultrajam] como criaturas de Deus, “às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se se arrependerem”(1), como também a nós, pelas faltas que cometemos contra sua lei. Não nos cabe dizer de um criminoso: é “um miserável; deve-se expurgar da terra; não é assim que nos compete falar. Que diria Jesus, se visse junto de si um desses desgraçados? Lamentá-lo-ia; considerá-lo-ia um doente bem digno de piedade; estender-lhe-ia a mão. Em realidade, não podemos fazer o mesmo; mas, pelo menos, podemos orar por ele”.(2)
No quotidiano, quando somos ofendidos por esse ou aquele motivo, quase sempre encapsulamos o desejo de revanche e mantemos o "link" mental com as forças poderosas do mal, que somadas a outras tantas circunstâncias potencializam as sombras de nossos desagravos. Naturalmente, o perdão não significa conivência com o erro, até porque atitudes de perdoar e desculpar sem limites pode incitar o criminoso à prática do mesmo ato reprovável. Isto não é perdoar, mas, subserviência ou omissão.
Ora, todos sabemos que perdoar coisas leves contra nós mesmos é relativamente fácil, porém quando se trata de algo mais grave, como um assassinato, um estupro, uma infidelidade conjugal, por exemplo, a dificuldade de superação da mágoa aumenta consideravelmente. Por isso que a Doutrina Espírita leva a refletir que o perdão será sempre o sentimento que nas superações pessoais transcendem ao próprio ser.
Escutemos as palavras de Jesus: "Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo, e odiarás ao teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem e caluniam."(3) E mais: "Se perdoares aos homens as faltas que cometeram contra vós, também vosso Pai celestial vos perdoará os pecados; mas, se não perdoardes aos homens quando vos tenham ofendido, vosso Pai celestial também não vos perdoará os pecados."(4)
Não resta dúvida que aprendendo a perdoar estaremos promovendo nosso crescimento espiritual. Mas não podemos deixar-nos ensopar de hipocrisia ao ponto de dizermos que já conseguimos perdoar todos os que nos ofendem. Certamente, os agravos que nos façam não ficarão isentas das consequências naturais, mas deixemos a cargo do Criador a justa reparação.
Ouçamos o Mestre: "Aprendestes que foi dito: olho por olho e dente por dente. - Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal que vos queiram fazer; que se alguém vos bater na face direita, lhe apresenteis também a outra..."(5) Os Benfeitores advertem: "No Cristianismo encontram-se todas as verdades; são de origem humana os erros que nele se enraizaram. Jesus não quis dizer para deixarmos de reprimir o mal, mas para não pagar o mal com outro mal. Perdão é o pagamento do mal com o Bem... O perdão nivela os homens pelo que neles há de melhor, libertando quem perdoou dos maus sentimentos que o escravizavam a quem o feriu.”(6)
Refrear o desejo de vingança não é possível quando alguém sente o coração transbordar de fúria. Contudo, lembremos que entre o desejo de vingança e a execução da ação vingativa existe espaço suficiente para exercermos o livre-arbítrio, ou seja, a escolha entre o bem e o mal. A vingança será sempre uma atitude insensata e inútil, até porque, nenhum benefício trará ao nosso progresso, e, uma vez consumada, terá satisfeito, apenas, à nossa inconformação diante dos desconhecidos motivos da nossa provação.

Referências bibliográficas:

(1) Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Caridade para com os criminosos, instruções de Elisabeth de France (Havre, 1862), Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2000, Cap. 11;
(2) Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Caridade para com os criminosos, instruções de Elisabeth de France (Havre, 1862), Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2000, Cap. 11;
(3) Mateus, 5: 43 e 44;
(4) Mateus, 6: 14 e 15;
(5) Mateus, 5, 38 a 42;
(6) Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, RJ: Ed. FEB, 2003, cap. VI, item 5.
* Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (vinte e seis livros "eletrônicos" publicados). Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.