Revista
Espírita
Jornal de
Estudos Psicológicos
ANO VI
MARÇO
DE 1863
Morte do
Sr. Guillaume Renaud, de Lyon
Domingo,
1 o de fevereiro, foram realizadas em Lyon as exéquias do Sr. Guillaume Renaud,
antigo oficial, condecorado com a medalha de Santa Helena e um dos mais antigos
e fervorosos espíritas daquela cidade, muito conhecido entre seus irmãos em
crença. Embora sobre alguns pontos de forma, que combatemos, aliás pouco
importantes e que não atingem a doutrina, professasse idéias particulares que
não eram partilhadas por todos, não deixava de ser menos amado e estimado pela
bondade de seu caráter e por suas eminentes qualidades morais; e nós mesmos,
caso estivéssemos em Lyon naquela ocasião, teríamos tido prazer em lançar
algumas flores sobre o seu túmulo. Que ele receba aqui, bem como sua família e
amigos particulares, o testemunho de nossa afetuosa lembrança.
Homem
simples e modesto, o Sr. Renaud quase não era conhecido fora de Lyon.
Entretanto, sua morte repercutiu até num vilarejo da Haute-Saône, onde foi
contada no púlpito, domingo, 8 de fevereiro, do seguinte modo:
O vigário
da paróquia, entretendo os paroquianos com os horrores do Espiritismo,
acrescentou que “o chefe dos espíritas de Lyon havia morrido há três ou quatro
dias; que tinha recusado os sacramentos; que ao seu enterro não havia
comparecido mais que dois ou três espíritas, sem parentes nem sacerdotes; que
se o chefe dos espíritas (fazendo alusão ao Sr. Allan Kardec) morresse, ele o
lamentaria, se fizesse como o de Lyon. Depois concluiu, dizendo nada negar
dessa doutrina, nada afirmar, a não ser que era o demônio que agia contra a
vontade de Deus.”
Se
quiséssemos refutar todas as falsidades que atribuem ao Espiritismo, na
tentativa de desmascarar o seu objetivo e o seu caráter, encheríamos nossa
Revista. Como isto pouco nos inquieta, deixemos que falem, limitando-nos a
recolher as notas que nos enviam, para utilizá-las posteriormente – se houver
oportunidade – na história do Espiritismo. Nas circunstâncias que acabamos de
falar, trata-se de um fato material, sobre o qual o sr. vigário sem dúvida foi
mal informado, pois não queremos supor que conscientemente tenha ele querido
induzir em erro. Por certo procederia melhor se tivesse agido com menos ardor e
esperasse informes mais exatos.
Acrescentaremos
que, há pouco tempo, a propósito da morte de um de seus habitantes, fizeram
espalhar naquela comuna o boato, por certo de muito mau gosto, que a Sociedade
dos Irmãos Batedores, composta de sete ou oito indivíduos da comuna, queria
ressuscitar os mortos, pondo-lhes na fronte emplastros, feitos com uma pomada
preparada pela Sociedade Espírita de Paris; que essa sociedade de irmãos
batedores ia visitar todas as noites o cemitério para dar nova vida aos mortos.
As mulheres e a gente moça do bairro ficaram apavoradas a ponto de não mais
ousarem sair de casa, com medo de encontrar defuntos.
Lamentavelmente,
mais não era preciso para impressionar algum cérebro fraco ou doentio e, se
acontecesse um acidente, logo se cuidaria de o debitar à conta do Espiritismo.
Voltemos
ao Sr. Renaud. Durante sua doença, inúteis esforços foram tentados para que ele
fizesse uma autêntica abjuração de suas crenças espíritas. Apesar disso, um
venerável sacerdote o confessou e lhe deu a absolvição. É verdade que depois
disto quiseram retirar o certificado de confissão e a absolvição foi declarada
nula pelo clero de Saint-Jean, como tendo sido dada precipitadamente. É um caso
de consciência que não nos incumbiremos de resolver. Daí esta reflexão muito
justa, feita em público, que aquele que recebe a absolvição antes de morrer não
pode saber se é válida ou não, pois com a melhor intenção pode um padre dá-la
de maneira precipitada. O clero, pois, se recusou obstinadamente a receber o
corpo na igreja, porque o Sr. Renaud não quis retratar-se de nenhuma das
convicções que lhe haviam dado tantas consolações e feito suportar com
resignação as provas da vida.
Por um
sentimento de conveniência, que apreciarão, e em razão das pessoas que seríamos
forçados a designar, passamos em silêncio as lamentáveis manobras que foram
tentadas, as mentiras que foram inventadas para provocar desordem nesta circunstância.
Apenas nos limitamos a dizer que foram completamente frustradas pelo bom-senso
e prudência dos espíritas que, a respeito, receberam provas da benevolência das
autoridades. Recomendações haviam sido feitas por todos os chefes de grupos, a
fim de não se responder a nenhuma provocação.
Em face
da recusa do clero de conceder as orações da Igreja, o corpo foi levado
diretamente de casa ao cemitério, seguido por perto de mil pessoas, entre as
quais se achavam cerca de cinqüenta senhoras e moças, o que não é hábito em
Lyon. Sobre o túmulo e apropriada à circunstância, foi lida uma prece por um
dos assistentes e por todos ouvida, cabeça descoberta, em religioso
recolhimento. Em seguida a multidão retirou-se, silenciosa e, como havia
começado, tudo terminou na mais perfeita ordem.
Como
contraste diremos que o Sr. Sanson, nosso antigo colega, recebeu todos os
sacramentos antes de morrer; que foi levado à igreja e acompanhado por um padre
ao cemitério, embora tivesse previamente declarado de modo formal que era
espírita e não renegaria nenhuma de suas convicções. “Entretanto, disse-lhe o
padre, se eu condicionasse a absolvição a esta negação, que fareis? –
Lamentaria muito, respondeu o Sr. Sanson, mas persistiria, porquanto vossa
absolvição de nada valeria. – Como assim? Então não credes na eficácia da
absolvição? – Sim, mas não creio na virtude de uma absolvição recebida por
hipocrisia. Ouvi-me: para mim o Espiritismo não é apenas uma crença, um artigo
de fé; é um fato tão patente quanto a vida. Como quereis que eu negue um fato
que me é demonstrado como o dia que nos ilumina e ao qual devo a cura
miraculosa da minha perna? Se o fizesse, seria com os lábios e não com o
coração; eu seria perjuro. Assim, daríeis absolvição a um traidor. Digo que de
nada valeria porque a daríeis pro forma e não pelo fundo. Eis por que
preferiria dela ser dispensado. – Meu filho, replicou o padre, sois mais
cristão do que muitos que dizem sê-lo.
Recolhemos
estas palavras do próprio Sr. Sanson.
Enviado por: "Joel
Silva"
Nenhum comentário:
Postar um comentário