6 motivos para não ver '13 Reasons Why'
Precisamos
mostrar que a vida merece ser vivida e não que a morte é a solução para os
problemas.
Passando o hype
e tendo visto a primeira temporada inteira de 13 Reasons Why (ou
'Os 13 Porquês'), eu posso dizer com todas as palavras: não pretendo recomendar
que alguém veja essa série.
Eu sei muito bem
o que escrevi logo que comecei os primeiros episódios e mantenho a minha posição - logo mais
explico o porquê -, mas depois de ver tudo com calma, ler muito a respeito e buscar
opiniões e visões de pessoas diferentes ao longo da semana, cheguei à conclusão
de que ninguém merece assistir 13 Reasons Why.
Por isso,
elenquei motivos para você deixar a série de lado e buscar outra coisa para ver
(neste link você encontra
algumas sugestões). E, sim, eu sei que falar para não ver uma coisa pode ter um
efeito contrário, mas posso apenas torcer que os pontos a seguir ajudem você a
entender o porquê.
Atenção, este post pode conter spoilers!
1. Ela vai
contra as recomendações da OMS
A Organização
Mundial de Saúde lançou em 2000 uma lista de recomendações para meios de mídia
falarem e retratarem casos de suicídio. Desde então, existem palestras e workshops locais
e de escala global feitos para atualizar essas diretrizes. A OMS faz três
recomendações principais que são totalmente desconsideradas pela série: 1)
evitar romantizar o ato do suicídio; 2) evitar retratar o suicídio como uma
resposta aceitável às dificuldades; 3) evitar incluir o método, local ou
detalhes da pessoa que faleceu. Essa é uma maneira não só de respeitar quem
morreu e sua família, como também de retratar o assunto de uma maneira que seja
direta e objetiva e que foque mais em ações de prevenção e conscientização.
Quem viu os
últimos episódios de 13 Reasons Why sabe que essa última
recomendação foi totalmente esquecida e as cenas são praticamente um tutorial
mórbido e desesperado de como tirar a própria vida. Isso nos leva ao segundo
ponto.
2. Ele ignora o
'Efeito Werther'
O nome pode
parecer complexo, mas a ideia, em si, não é. Existe na psicanálise um termo
chamado Efeito Werther, que identifica o quanto a constatação do suicídio é
inspiradora para pessoas que sofrem de algum nível de fragilidade emocional ou
psíquica. Isso significa que casos de suicídio - principalmente os famosos
(pense em Kurt Cobain) - podem influenciar outras pessoas a seguir o mesmo
caminho, como em um efeito cascata. Dando o local e a forma como Hannah Baker
tirou a própria vida em 13 Reasons Why, a série se torna um
prato cheio para inspirar - negativamente, claro - outros jovens a fazerem o
mesmo.
O mais
interessante é que esse efeito não ganhou o seu nome por causa de algum
pesquisador famoso: ele é uma referência ao livro Os sofrimentos do Jovem
Werther, de Johann Wolfgang Goethe, que desencadeou uma série de
suicídios na Alemanha quando do seu lançamento. Ou seja, uma obra de ficção
altamente gráfica sobre o assunto (a cena de suicídio do personagem principal é
considerada uma das mais comoventes da literatura) que inspirou muitas pessoas
a buscarem uma mesma saída para o que sentiam.
3. A série é
sobre vingança
Esqueça a morte
de Hannah; esta não é uma série sobre suicídio, mas sobre vingança. As 13 fitas
gravadas pela personagem são uma forma de atribuir culpa a outras pessoas e
conseguir algum tipo de retribuição por tudo o que aconteceu com ela no
passado. Tanto que existe uma cópia com Tony, e ele mesmo diz que existirão
consequências se os pedidos da jovem não forem seguidos à risca. Sim, crimes
foram cometidos (Bryce e Tyler, estamos falando de vocês), mas isso não isenta
a sede de vingança da personagem principal, que assume apenas o papel de
vítima.
4. Ela é repleta
de gatilhos
Para uma pessoa
mentalmente saudável, a série pode, sim, ser uma forma de fazê-la pensar mais
sobre um assunto que ainda é um tabu tão grande. Para as demais, porém, pode
ser um verdadeiro pesadelo. O primeiro aviso de que a série tem cenas que podem
ser gatilhos aparece apenas no episódio 9 - mas mesmo antes disso a vibe pesada
e a forma como a trama é conduzida já são motivos suficientes para uma pessoa
com depressão entrar em crise.
5. Ela vê o
suicídio como 'opção'
O suicídio é um
ato complexo e que envolve muitas premissas. Porém, o principal é que existe
uma questão de desequilíbrio mental, em que a pessoa se vê presa em tudo aquilo
que a cerca e não consegue encontrar, sozinha, uma saída para o que sente e,
principalmente, para o que pensa. 13 Reasons Why não toca no assunto
doença mental na adolescência - você vê na série a evolução do estado de
espírito de Hannah, mas de maneira alguma aborda, em qualquer momento, como o
estado mental de alguém é o principal causador de um suicídio. Ao apontar dedos
e tentar encontrar um culpado (quase como se Hannah tivesse sido
'assassinada'), a série omite esse fator, um tabu tão grande quanto o suicídio
e algo decisivo nesses casos. (Se você quiser saber mais sobre como identificar
um comportamento suicida, pode clicar aqui para ler sobre)
6.13
Reasons Why não oferece uma saída
Sim, é um fato
que uma série de ações externas podem piorar uma situação interna que já está
ruim. Porém, a série não apresenta uma saída ou uma tentativa bem-sucedida de
pedido de ajuda, não dá um exemplo de casos que foram solucionados e
revertidos. Quando Hannah decide dar uma 'última chance para a vida' e buscar o
conselheiro da escolha, ela deixa uma ideia de que pedir ajuda não vai
funcionar - porque, como ela mesma diz, 'ninguém se importou o suficiente'.
Para uma pessoa que já se sente sozinha, confusa e sofrendo, ver uma cena
dessas pode fazê-la acreditar que é assim que as coisas funcionam e que não
existe uma forma de sair desse loop.
Outro ponto que
vale atenção: apesar de fazer toda uma ação em parceria como CVV, o Centro de
Valorização da Vida, não existe, em nenhum dos episódios, o telefone da
organização (141) ou o site oficial para que as pessoas busquem ajuda, caso precisem.
No mínimo, isso pode ser considerado um desserviço. Se a pessoa já acredita que
ninguém pode ajudá-la, não colocar nenhum tipo de informação de contato para
lugares que podem ajudá-la é um erro enorme.
Por mais que a
minha opinião pessoal seja de não recomendar essa série para ninguém, é um fato
que as pessoas são livres para escolherem ou não assistir 13
Reasons Why. Se você decidir ver a série e conversar sobre ela com
alguém, tenha em mente, no mínimo, que a série pode não ser benéfica para
algumas pessoas e converse sobre o assunto com cautela.
Falar sobre
suicídio, a segunda maior causa de morte entre os jovens, é importante, sim. O
tema precisa deixar de ser um tabu. Também é louvável a ideia da série de fazer
o espectador pensar sobre as próprias ações e como ele se porta na frente dos
outros, o nível de interesse que ele tem pelo próximo. Isso continua verdade:
só o relacionamento cura e isso não vai deixar de ser assim.
De qualquer
maneira, era importante dar o outro lado - o que parece bem maior que os pontos
positivos da série - para que o assunto seja tratado com a delicadeza e
responsabilidade que merece. Precisamos
mostrar que a vida merece ser vivida e não que a morte é a solução para os
problemas. O bullying pode, sim, ser uma causa para o suicídio,
mas isso não significa que todo caso de bullying acaba em suicídio. Precisamos
parar de simplificar um assunto tão sério com a desculpa de que a técnica de
chocar o espectador vai resolver uma questão tão mais complexa do que a gente
imagina.
*Este
artigo é de autoria de colaboradores do HuffPost Brasil e não representa ideias
ou opiniões do veículo. Mundialmente, o Huffington Post é um espaço que tem
como objetivo ampliar vozes e garantir a pluralidade do debate sobre temas
importantes para a agenda pública.
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