Livro em estudo: Grilhões Partidos – Editora LEAL - 1974
Autor: Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia
de Divaldo Pereira Franco
B007 – Capítulo 4 – Angústias da
Obsessão
Capítulo 4
Angústias da Obsessão
“Quando é mau o Espírito possessor, as
coisas se passam de outro modo. Ele não toma moderadamente o corpo do
encarnado, arrebata-o, se este não possui bastante força moral para lhe
resistir. Fá-lo por maldade para com este, a quem tortura e martiriza de todas
as formas, indo ao extremo de tentar exterminá-lo, já por estrangulação, já
atirando-o ao fogo ou a outros lugares perigosos. Servindo-se dos órgãos e dos
membros do infeliz paciente, blasfema, injuria e maltrata os que o cercam;
entrega se a excentricidades e a atos que apresentam todos os caracteres da
loucura furiosa”. “A GÊNESE” — Capítulo 14º — Item 48.
Os meses amontoavam-se, lúgubres, sem
que Ester recobrasse a razão. Os olhos garços, brilhantes doutrora, possuíam
agora expressão asselvajada num rosto pálido-cinéreo sem vida, despido da
auréola dos cabelos, então cortados à escovinha, transmudada num verdadeiro
espectro que sobrevive, quizilento, animado por ignota vitalidade.
O desvario tornara-se-lhe condição
normal. Relegada aos maus tratos de funcionários inescrupulosos, que se diziam
cansados, como se não houvessem elegido na profissão de que se desincumbiam a
penates de arrogância, inépcia e indiferença, as velutíneas mãos da
misericórdia, da paciência e da compaixão para se utilizarem delas no momento
próprio. Porque agressiva, não poucas vezes, tais servidores selecionados mais
pela força física do que por qualquer outra condição, no suposto de que iriam
lutar contra feras, feras também que se sentiam, escorraçavam-na com bordoadas
homéricas, com que supunham acalmá-la, mais ainda enfraquecendo-a. As equimoses
e a falta de alguns dentes, decorrência natural das repetidas cenas de
pugilato, mais a caracterizavam megera.
Impedida a família de visitá-la, pela
impossibilidade de qualquer diálogo e porque mais se lhe exaçerbava o delírio,
especialmente quando de referência ao pai, fora rotulada como “incurável” e
propositalmente esquecida, por ser mais trabalhosa.
De Casas de Saúde que tais a
dignidade profissional e a humana se evadiram desde há muito e, ao fazê-lo, a
ética arrastou consigo os sentimentos do amor, da piedade, do dever, da
caridade... Mantêm-se ali pacientes pelo que representam na receita
orçamentária, e quando liberam alguns clientes semi-hebetados pela compulsão,
hoje, de drogas condicionantes, sabe-se que voltarão, logo mais, piorados, num
círculo vicioso sem limite. Extorquem, sem dar quase nada ou preocupar-se ao
menos em dar.
Quem se locupleta, todavia, com tais
mercantilismos da saúde, da vida e da alma humana, volverá aos mesmos sítios, a
expiar nas suas celas, regougando impropérios, esgrouvinhado, em aturdimento
inominável.
Todavia, terapêutica indispensável em
qualquer tratamento, o amor consegue, não raro, o que muitos medicamentos não
produzem, ajudando a visualizar causas e efeitos, doando segurança, melhorando
comportamentos e reações em toda a gama necessária aos resultados eficazes.
Raros procuram a inspiração divina ante a nebulosa das enfermidades complexas,
quer pela oração, ou pela sintonia mental com Deus. Diz-se, porém, que nos
tratados médicos não existem as palavras Deus, oração e, todavia, Seu
providencial socorro é que liberta e encaminha os padecentes da amargura para
as trilhas da saúde, da paz...
Quando a sombra mais se adensa e as
esperanças são flébeis, um raio jalne de luz rompe tudo e brilha nos escaninhos
do horror, modificando a estrutura da área desolada, por impositivo divino.
Rosângela, igualmente jovem,
recém-admitida na condição de auxiliar de enfermagem, na primeira visita pelo
pavilhão dos desesperados, sentiu-se tocada por Ester, atirada a recanto
lôbrego, atada à camisa-de-força, no desvario habitual. Automaticamente se
interessou pela esquálida paciente, inscrevendo-a na mente, como daquelas a
quem daria maior dose de assistência e carinho.
Estava sendo introduzida para
tratamento psiquiátrico a Rawfolvia serpentina, difundida como Serpasil, que
não tinha os inconvenientes dos barbitúricos em geral, possuindo excelentes
qualidades tranqüilizantes (*) Embora estudada há mais de 40 anos, somente,
então, estava sendo usada para terapêutica psíquica.
Rosângela, que ouvira ardentes
opiniões sobre a nova droga, pensou em examinar o prontuário da demente,
calculando fazer alguma coisa por ela.
(*) Segundo se acredita, a substância
atua sobre o tálamo, realizando uma lobotomia de natureza química, por meio da
qual diminui a capacidade emocional da usina elétrica ali sediada. procedendo a
vitalização do cérebro com produto químico de que este se ressente para a
manutenção do equilíbrio mental. Nota do Autor espiritual.
*
Ester, no entanto, caminhando pelo
insidioso corredor estreito e fantasmagórico da loucura, padecia incalculáveis
aflições, que sequer conseguia exteriorizar. Impossibilitada de controlar a
casa mental, que já apresentava os primeiros distúrbios de funcionamento, após
a constrição demorada do fluído morbífico do Espírito que a subjugava, era
dominada por agonias inenarráveis.
Ela própria não se dera conta do
sucesso que a acometera. Experimentara superlativa angústia, seguida de álgido
suor e a sensação de que fora arrojada num abismo sem fundo, caindo sem
cessar... O coração deslocara-se do lugar, pulsando em descompasso; todas as
fibras do corpo, adormentadas, produziam dores lancinantes, e a cabeça, em
redemoinho, impedia que o cérebro raciocinasse com a lucidez capaz de coordenar
idéias. Gritou por socorro e surpreendeu-se com as cordas vocais em turgimento,
espocando palavras chocantes que não podia controlar. Ouvia-se a distância,
confusa, no som de sua voz alterada e era uma emoção odienta que não a sua.
Chorava em contorções, mas as
lágrimas queimavam-se nas pupilas dilatadas e, sentindo febre, tremia em
arrebatamentos de louca.
Via-se fora do corpo e, ao mesmo
tempo, via-o agitado, num estado dúplice, sem anotar os circunstantes, chocados,
na sua festa de apresentação social..
Após esse período, foi a luta em que
se empenhou e continuava sem termo contra o gigante que a submetia. Estava
expulsa do organismo físico sem dele estar liberta.
A princípio sofria impressões
confusas que a perturbavam. Vezes outras deparava-se com o estranho possessor,
furibundo, em esgares de demente... Agredida por ele, procurava tornar à
realidade anterior, como se perseguida em pesadelo soez desejasse acordar para
dele livrar-se.
Todavia, não atingia o ponto ideal,
porqüanto era impedida no intento, logo se renovando os paroxismos. À mente
alcançavam as idéias vertidas pelo cérebro e ali aninhadas, mortificando-a por
não serem esses os seus pensamentos; quando se esforçava por emitir os desejos,
estavam os centros de registro bloqueados tenaz-mente...
Os sentimentos da afetividade
estraçalharam-se no pélago do abandono e da solidão, na batalha impossível que
travava, enquanto o pavor hórrido, crescente, não tinha lenitivo, em
considerando auxílio algum.
Durante o tratamento face à convulsão
produzida pelo uso do eletrochoque, impossível seria avaliar o insuportável que
a estertorava em mil contorções até o desfalecimento. Ao despertar, fruindo o
calor orgânico, defrontava-o, asqueroso, senhorial, e fugia, aparvalhada,
cedendo-lhe o lugar...
Minado o corpo pelo desgaste de largo
porte, sucessivos desmaios expulsavam o usurpador que se deleitava, então,
ameaçando-a, grosseiro, arrebatando-a para lugares povoados por espectros
impossíveis de descritos.
Nesses sítios, onde nenhuma claridade
lucila, a asfixia pastosa domina; impossibilitada de qualquer ação, tornava-se
mais fácil presa, arrastada aos trambolhões. Supunha-se, nessas situações,
encontrava-se em cemitério infinito, de sepulturas abertas e cadáveres exumados
ante a contemplação dos furiosos mortos-vivos, desejosos uns de os reconduzirem
aos movimentos, deles reapossando-se; lamentosos, outros, por havê-los perdido
irremissivelmente; lutadores diversos, a defenderem as vestes apodrecidas de
animais que nelas se locupletavam; e o sem-número dos tristes, chorosos, em
procissão intérmina... Sempre noite, lamentos, exacerbações, gritos
ensurdecedores — o inferno!
Não suportando o vexame que se
repetia com freqüência, perdia os sentidos ou desvairava, para depois despertar
sem forças no çorpo mortificado.
À pausa cedia lugar a nova e intensa
disputa em que pelejava com axe na alma lúrida, exausta.
Com as reservas de forças físicas e
as resistências psíquicas esgotadas, o tumulto que sofria em espírito
dementava-a a pouco e pouco, produzindo-lhe não menor martírio, uma vez que
lutava menos e atoleimava-se mais.
Onde o amor dos pais, sua proteção e
socorro! — Gritava até a perda das resistências. Gargalhadas zombeteiras e
agressões obscenas eram as respostas que lhe chegavam aos ouvidos, através de
rostos patibulares uns e deformados, agressivos, outros.
Exorava o socorro de Deus, mas, ao
fazê-lo, tal era a desdita que a excruciava, perdia a concatenação, a ordem das
súplicas, o que não impedia chegar-lhe a resposta divina, à semelhança de brisa
refrescante, em aragem amena, vertida sobre a ardência das febres.
Recordava os mestres, as amigas, as
famílias queridas que a cercavam de mimos e quinquilharias, agora, tredas, a
distância.
— Estás morta ou quase morta — ouvia,
aturdida, em blasfema acusação.
— Logo mais culminarei este processo de
vingança, extorquindo-te a vida, desforçando-me dele. Morrerás, como eu morri,
a fim de que ele morra, também. Cá o espero.
— Deliro, Deus meu! — exclamava,
apavorada. Mãe Santíssima. Sou inocente e sofro nas geenas infernais.
Lágrimas pungentes rasgavam os
canalículos e escorriam como chuva abundante em terra escaldante, sem o milagre
de refrigerar as ardências íntimas.
— Sim, és inocente em relação a mim, no
entanto, odeio-te, por odiá-lo, desgraço-te para desgraçá-lo, venço-te para
vencê-lo.
— Quem és, demônio destruidor?
Compadece-te de mim. Sou uma adolescente, piedade!
— Sou o demônio da justiça, não o anjo
da compaixão. — Arrematava, sardônico. — Encerremos a discussão inútil e
passemos àguerra...
Aplausos e doestos sucediam-se,
intempestivos, em pandemônio macabro. Recomeçavam os torpes desforços, e o
Espírito encarnado, menina no corpo, experimentava incríveis dilacerações
morais... E era Inocente! tão-só na atual reencarnação...
A família cuidara-lhe da educação,
instruindo-a, aformoseando-a, porém, não a preparando para as verdades
espirituais. O Catolicismo, viciado pelas fórmulas e cultos extravagantes,
desertara do Cristianismo, tornando-se pedagogo incapaz para a preparação
espiritual das criaturas, por haver banido a revelação das suas lições,
supondo-se os seus clérigos capazes de conceder céus e paraísos, através de
inócuas palavras e atitudes vãs.
Em decorrência disso, muitos pais
supõem, mesmo hoje, em cômoda atitude moral, que as dissertações sobre a vida
no além-túmulo não devem ser ministradas aos filhos, que os têm como imaturos
para os ministérios superiores, para as reflexões da verdade, não, porém, para
as paixões dissolventes, os arremedos de masculinidade ou feminilidade em que,
espezinhando o amor, se convertem em vasos de sensações sexuais de teor
primitivo e descambam para as aventuras do domínio pelo egoísmo, pelo orgulho
ou pela astúcia com que os armam e de que eles logo se apropriam, com
facilidade espantosa. Para as imperecíveis mensagens morais do espírito
imortal, os jovens sempre lhes parecem jovens demais... Juventude que, aliás,
devera ser melhor aproveitada, com vistas à maturidade digna e à velhice feliz...
Ester, assim subjugada pelo possessor
em comburência - de ódio, sucumbia, inerme, lentamente, quase vencida.
QUESTÕES PARA ESTUDO
1 – Como estava a situação de Ester internada na clínica?
Como estava sendo tratada pelos profissionais da clínica, pelo espírito
obsessor e pela sua família?
2 – Como foi a educação de Ester em relação à religião? E
como o autor espiritual aconselha a educação dos filhos em relação a isso?
Bom estudo a todos!!
Equipe Manoel Philomeno
Nenhum comentário:
Postar um comentário