Livro em
estudo: Grilhões Partidos – Editora LEAL - 1974
Autor:
Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de Divaldo Pereira Franco
B008 –
Capítulo 5 – Interferência espiritual
Capítulo 5
Interferência espiritual
“Imaginamos erradamente que aos
Espíritos só caiba manifestar sua ação por fenômenos extraordinários.
Quiséramos que nos viessem auxiliar por meio de milagres e os figuramos sempre
armados de uma varinha mágica. Por não ser assim é que oculta nos parece a intervenção
que tem nas coisas deste mundo e muito natural o que se executa com o concurso
deles.
Assim é que, provocando, por exemplo, o encontro de duas pessoas, que
suporão encontrar-se por acaso; inspirando a alguém a idéia de passar por
determinado lugar; chamando-lhe a atenção para certo ponto, se disso resulta o
que tenham em vista, eles obram de tal maneira que o homem, crente de que
obedece a um impulso próprio conserva sempre o seu livre arbítrio”. “O LIVRO
DOS ESPÍRITOS” — Questão 525 — Comentário.
Na sua festa de aniversário, Ester fora surpreendida pela agressão de
revoltado Espírito que, acoimado por violenta crise de ódio, encontrou na sua
sensibilidade mediúnica o campo propício para a incorporação intempestiva quão
infeliz.
Assenhoreando-se das forças medianímícas da jovem, o obsessor, na
sucessão dos dias, imantou-se-lhe quanto pôde ao campo psíquico, culminando no
lamentável e longo processo de subjugação.
Compreensivelmente, Espírito em débito ante os Códigos da Divina
Justiça, possuía os requisitos para uma sintonia perfeita, propícia ao
agravamento do problema.
À sua semelhança na “Casa de Saúde”, onde expiva os delitos ultrizes do
passado, muitos outros pacientes eram vítimas da cons trição obsessiva.
Fugindo à etiologia clássica da loucura, na qual o enfermo é Espírito
que busca fugir à realidade objetiva, fortemente assinalado pelas
reminiscências próximas em que chafurda, torna-se suicida inconsciente por meio
de cujo recurso procura evadir-se às responsabilidades novas que lhe cumpre assumir
e desenvolver, a fim de liberar-se.
Naturalmente, eclodindo a manifestação da loucura, instala-se, também,
um simultâneo processo obsessivo, graças às vinculações que mantêm encarnados e
desencarnados na Contabilidade dos deveres múltiplos, poucas vezes
desenvolvidos com retidão.
Na obsessão, a loucura surge na qualidade de ulceração posterior,
irreversível, em conseqüência das cargas fluídicas de que padece o paciente,
vítimado pela perseguição implacável.
Face à insidiosa presença de tal energia deletéria, desarticulam-se o
equilíbrio emocional, a estabilidade nervosa, o metabolismo orgânico e, pela
intoxicação de que se vêem objeto, vários departamentos celulares se
desorganizam, envenenando-se, ulcerando-se.
Através de tal esquema em muitos processos obsessivos, a terapêutica
salutar há de ser múltipla: acadêmica e espírita, imprescindíveis para colimar
os resultados eficazes.
No caso específico de Ester, encontravam-se como agravantes múltiplos
fatores cármicos, que aumentavam o sofrimento da aturdida obsessa.
Como ninguém se encontra marginalizado ante os recursos divinos, a
presença de Rosângela representava o recurso inicial utilizado pelos
Benfeitores Invisíveis para os primeiros tentames favoráveis à alienada, embora
jamais houvesse ficado sem a superior assistência.
Profundamente amadurecida, não obstante a pouca idade física, a auxiliar
de Enfermagem experimentara desde cedo o cadinho purificador de muitas
vicissitudes e aflições, que contribuíram para a harmonia íntima de que se
fazia possuidora.
Órfã desde os oito anos, ficara aos cuidados paternos, em subúrbio
carioca, lutando com bravura pela sobrevivência.
Sensível e meiga, conseguira granjear afeições espontâneas entre os
vizinhos, que passaram a assisti-la com desvelo, inclusive matriculando-a em
escola primária próxima ao lar. O pai, diligente, trabalhava afanosamente,
mantendo-se viúvo quanto pôde. Consorciando-se, alguns anos depois, a esposa
fez-se terrível adversária da enteada, que foi, então, trasladada para digno
lar em Botafogo, onde se alojou, na condição de ama de criança... À medida em
que o tempo se desdobrava, natural, conquistou a amizade dos patrões que, em
lhe identificando o drama resignado, resolveram socorrê-la da maneira mais
favorável. Espíritas convictos, adestraram-na, membro da família em que se
convertera, na grandiosidade dos estudos doutrinários, cuidando, também, da sua
instrução, através do ingresso em Ginásio noturno, donde estava recém-saída,
após concluir ligeiro curso de enfermagem-auxiliar a cujo mister agora se
entregava. Participando dos labores espiritistas, aguçaram-se-lhe as faculdades
mediúnicas, que receberam carinhoso e lúcido trato dos benfeitores,
encaminhando-a ao Centro Espírita, onde passou a cooperar nos benéficos
serviços de socorro desobsessivo.
Ao defrontar Ester, pressentiu a tragédia que se desenvolvia além das
manifestações exteriores da paciente. Simultaneamente, poderosa simpatia
brotou-lhe dos sentimentos puros, envolvendo a atormentada, desde então, na
devoção das suas preces e vibrações.
Inspirada pelos seus e pelos Guias Espirituais da doente, foi-se, a
pouco e pouco, acercando, até conseguir com a simples presença acalmá-la,
desembaraçando-a da “camisa-de-força” a que vivia jugulada, quando não se
encontrava sob as altas doses de sedativos que lhe eram impostas com regular
frequência.
Suas horas de folga as dedicava à moça, que nem sempre a recebia com
qualquer lucidez ou passividade. Todavia, pelas emanações psíquicas que
exteriorizava, conseguia neutralizar a agressividade do obsessor, que se lhe
submetia à força moral, como se fora uma energia balsamizante que se
contrapunha à sua nefasta pertinácia.
Emocionada, inteirou-se do terrível sofrimento da tutelada, mediante o
conhecimento da “história clínica” e por meio de informações que logrou
recolher discretamente.
Aconselhando-se com os tutores, resolveu-se procurar os pais da
internada, na pressuposição de elucidá-los sobre a enfermidade da filha.
Confiava poder ajudar, fiel à recomendação evangélica.
Solicitando por telefônio uma entrevista formal com o senhor Coronel e
Senhora Constâncio Santamaria, foi recebida em clara manhã de setembro no
apartamento outrora feliz, ora transformado em triste refúgio de amarguras e
reminiscências dolorosas.
Acolitada pelos Espíritos Benfazejos que a amparavam, ao apresentar-se
com natural timidez e constrangimento, não lhe, passou despercebido o enfado
refletido na face dos anfitriões.
Sentia-se vistoriada com enérgica observação, e não fossem as
excelências dos propósitos que a animavam, teria solicitado excusas,
recuando...
Na conjuntura, firmemente teleguiada pelos Espíritos, falou sem rebuços:
— Rogo-vos permissão para elucidar, que
afeição muito grande, e até certo modo inexplicável, liga-me a Ester, de quem
me fiz encarregada no Hospital, por solicitação espontânea.
O casal, emudecido, surpreso, escutava-a, sem dissimular o desinteresse
pela sua presença.
Depois de breve pausa, continuou, ante o mutismo descortês dos ouvintes:
— Venho cuidando dela há mais de um mês,
sem conseguir-lhe uma palavra de equilíbrio, que denotasse raciocínio,
exceto...
— Exceto? — inquiriu a senhora.
— Exceto há poucos dias — prosseguiu —
quando, muito debilitada, num breve momento, pareceu recobrar a claridade
mental, balbuciando: — “Mamãe! mamãe, onde você está?... Tenho medo, mamãe...
— Oh! meu Deus! — exclamou, em pranto
incontrolável, a dorida senhora.
— Acalme-se, meu bem! — Acudiu o esposo,
igualmente lacrimoso.
— Perdoai-me trazer-vos a renovação das
lágrimas... — Intentou a auxiliar, emocionada, a seu turno. — Sucede que
acompanho Ester como somente o faria a uma irmã muito querida e com o senso de
observação aguçada, comparo-a a outros enfermos, anoto, percebo o que muitos
não conseguem ou talvez prefiram não ver...
— Como assim? — interrompeu-a o senhor
Coronel. — Por favor, seja mais clara, diga-nos o a que veio. Nossa filha é
hoje o pouco e o tudo da nossa inditosa existência... Você também é tão jovem,
que não consigo ficar à vontade... Parece-me imatura, sem experiencia...
Todavia, somos ouvidos atentos. Prossiga!
— Senhor Coronel — iniciou Rosângela —
Ester não é uma louca segundo os padrões comuns, tradicionais..
— Sim, sim — interrompeu-a o Coronel
Constâncio — nós o sabemos. Seu psiquiatra já no-lo asseverou o mesmo.
— Não, por favor — atalhou Rosângela — ouvi-me
primeiro... Não é comum porque não a considero louca.
— Digo bem! — assegurou, calma e lúcida,
dirigida espiritualmente. — uma obsessa por Espíritos!
— Não compreendemos a alusão, que nos
parece absurda. —Interceptou a, o interlocutor, azedo.
— Ouvi-me primeiro — solícitou,
confiante. — A morte não elimina a vida; antes a dilata. Mudam-se as
aparências, no curso de uma única realidade: viver! Assim, com a morte do ser
físico não cessam as impressões do ser espiritual, conforme asseguram todas as religiões,
do que decorre um natural intercâmbio, incessante, entre os que sobrevivem ao
túmulo e aqueles que ainda não o atravessaram. Retornam, felizes ou
desventurados, os que foram conduzidos ao país da morte, seja pelo veemente
desejo de ajudar os afetos da retaguarda, adverti-los e confortá-los, com eles
mantendo agradável comunhão; seja vítimados pelo sofrimento com que se
surpreenderam, buscando ajuda e, muitas vezes, perturbando; seja dominados
pelas paixões inditosas de que não se conseguiram libertar, perseguindo,
distilando ódios, obsidiando, em incessante conúbio...
— Mas isto é bruxaria! — interrompeu-a,
quase violento. —Aqui somos tradicionalmente religiosos e detestamos essas
práticas vulgares de fetichismo que, desgraçadamente, empestam, nestes dias, a
nossa Sociedade... Rogo-lhe o favor de mudar o curso da conversação. Aliás,
creio que já não temos o que conversar.
Rosângela tornou-se lívida, enquanto o progenitor de Ester estava rubro
de ira, furibundo. Sob o verniz social, agasalhavam-se muitos estados de
ferocidade.
Diga-me, senhorita: — Interrogou-a, áspero. — Qual a sua religião?
— Espírita, senhor!
— Desde quando o Espiritismo é religião?
— Desde os primórdios.
— Atrevida e petulante. Vir à minha casa
arengar sobre magia negra, superstição, como se fôramos pessoas ignorantes,
pertencentes às classes inferiores que se comprazem, por fuga psicológica e
misérias, nessas práticas, de que faz falta a repressão policial enérgica.
Antes de retirar-se, responda-me: nos hospitais, agora, se permitem bruxos e
macumbeiros entre os seus servidores?
— Querido!... — exclamou a senhora — Não
se encolerize.
— Isto mesmo. — Redargüiu. — Diga-me!
A jovem estava perplexa, porém lúcida, e tefletia: “Como a verdade é
proposital, comodamente ignorada! Quão poderoso é o cerco do orgulho, que
separa homens por dinheiro, posição, aparência, apesar de todos marcharem
inexoravelmente para uma mesma direção: a consciência que os examinará despidos
dos engodos a que se aferram!” Inspirada, contestou, delicadamente:
— Excelência, aqui venho propondo-me
servir com humildade e desinteresse. A minha confissão religiosa não tem
ligação com a minha modesta função hospitalar, senão para impor-me a conduta
cristã, que ensina misericórdia em relação aos infelizes: estejam nas camadas
do infortúnio social ou no acume da ilusão econômica. No santuário espiritista,
que freqüento, o alvo redentor é Jesus, a estrada a percorrer chama-se
caridade, seguindo sob o sol da fé viva e a força do amor fraternal. Venho a
este lar em missão de paz e dele sairei pacificada, sem embargo, expulsa, o que
muito lamento, não por mim, que reconheço a minha própria desvalia... O vaso
modesto não poucas vezes mata a sede, oferta o medicamento salvador, retém o
perfume, atende a misteres relevantes, enquanto preciosas taças de cristal
lapidado adornam, mortas, empoeiradas, móveis luxuosos e inúteis...
O Coronel Santamaria e esposa ouviam-na, incomodados pela argumentação
superior, apresentada com humildade, impossibilitados de a interromperem,
magnetizados pelos Instrutores Espirituais presentes.
Enquanto isso, semi-incorporada, Rosângela aduziu:
— “Brilhe a vossa luz” — conclamou o
Cristo — para que o mundo vos conheça. A luz da verdade fulgurará, apesar das
mil tentativas da Treva em domínio transitório, Os pseudobruxos que a
intolerância fez queimar, ao perecerem, não deixaram silenciosas as Vozes, que
retornaram e volverão até instalado na Terra o “reino de Deus”.
E após rápida reflexão:
— Continuarei velando por Ester...
— Nunca mais! — Esbravejou o senhor
Coronel, que rompera o mutismo obrigatório a que estava subjugado. —
Providenciarei para que não volte a vê la, caso não resolva exigir a sua
expulsão daquele Frenocômio.
— Como lhe aprouver, excelência. Dai-me
vossa licença. Bom dia, senhores, passai bem.
E retirou-se. O dia seguia bonançoso, tépido. O vento e a maresia que
corriam pela Avenida Atlântica, aspirados em longos haustos pela jovem
servidora da esperança, despertaram-na. Só, então, concatenando idéias e
ordenando lembranças, deu-se conta dos acontecimentos, sendo visitada pelos
receios e as lágrimas.
Rosângela fora excelente instrumento indireto dos Bons Espíritos, que
tentavam, desse modo, interferir e ajudar no grave sucesso da subjugação de
Ester.
QUESTÕES
PARA ESTUDO
1 – Quem era
Rosângela? Qual sua história de vida até o trabalho no hospital psiquiátrico?
2 – Os
benfeitores, interessados em Ester, encontraram em Rosângela a oportunidade de
auxiliar a enferma no seu abandono. Que providências tomou Rosângela para
auxiliar a moça? Como ela foi recebida pelo casal Santamaria?
Bom estudo a
todos!!
Equipe
Manoel Philomeno
Nenhum comentário:
Postar um comentário