sexta-feira, 15 de julho de 2016

Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos - ANO VI - MARÇO DE 1863 - Estudo sobre os Possessos de Morzine CAUSAS DA OBSESSÃO E MEIOS DE COMBATÊ - LA

Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
ANO VI
MARÇO  DE 1863

Estudo sobre os Possessos de Morzine
CAUSAS DA OBSESSÃO E MEIOS DE COMBATÊ - LA

Um outro relatório assim se exprime sobre o mesmo assunto:

Nós, abaixo assinados, declaramos que tendo ouvido falar dos casos extraordinários, levados à conta de possessão de demônios, e ocorridos em Morzine, transportamo-nos para aquela paróquia 12 , onde chegamos em 30 de setembro último (1857), para testemunhar o que se passava e examinar tudo com maturidade e prudência, esclarecendo-nos por todos os meios fornecidos pela presença no lugar, a fim de poder formar um juízo razoável em semelhante matéria.
“1 o – Vimos oito jovens que estão libertas e cinco em
estado de crise; a mais moça tem dez anos e a mais velha, vinte e dois.

12 N. do T.: A palavra paróquia (paroisse) não deve ser aqui entendida na sua acepção ordinária, de “circunscrição eclesiástica”, mas como “unidade administrativa rural do Antigo Regime (Ancien Régime)
francês.”

“2 o – Conforme tudo quanto nos dizem e que pudemos observar, essas jovens estão em perfeito estado de saúde; fazem todas as obras e trabalhos que reclamam sua posição, de sorte que não se vê, quanto aos outros hábitos e ocupações, nenhuma diferença entre elas e as demais moçoilas da montanha.
“3 o – Vimos estas moças, as não curadas, nos momentos de lucidez. Ora, podemos assegurar que nada foi observado nelas, seja idiotia, seja predisposição para as crises atuais, por falhas de caráter ou por exaltação de espírito. Aplicamos a mesma observação às que são curadas. Todas as pessoas que consultamos sobre os antecedentes e os primeiros anos dessas moças nos garantiram que elas estavam, no que respeita à inteligência, no mais perfeito estado.
“4 o – O maior número destas moças pertence a famílias honestas e abastadas.
“5 o – Asseguramos que pertencem a famílias que gozam de boa reputação, entre as quais existem algumas cuja virtude e piedade são exemplares.”
Daqui a pouco daremos a continuação deste relatório, relativamente a certos fatos. Queríamos apenas constatar que nem todos viram as coisas sob cores tão negras quanto o Dr. Constant, que representa os habitantes como vivendo na extrema miséria, e dos mais cabeçudos, obstinados e mentirosos, embora no fundo fossem bons e, sobretudo, piedosos, ou, antes, devotos. Ora, quem tem razão? Somente o Dr. Constant, ou vários outros, não menos honrados, que certificam ter bem observado? De nossa parte não vacilamos em nos colocar ao lado dos últimos, em razão daquilo que vimos e do que nos disseram várias autoridades médicas e administrativas da região, e a manter a opinião emitida em nossos artigos precedentes.
Para nós a causa primeira não está na constituição, nem no regime higiênico dos habitantes, porquanto, como fizemos notar, há muitas regiões, a começar pelo Valais limítrofe, em que as condições de toda natureza, morais e outras, são infinitamente mais desfavoráveis e onde, entretanto, não se alastra essa doença. Daqui a pouco nós a veremos circunscrita, não ao vale, mas apenas aos limites da comuna de Morzine 13 . Se, como afirma o Dr. Constant, a causa fosse inerente à localidade, ao gênero de vida e à inferioridade moral dos habitantes, perguntamos, ainda, por que o efeito é epidêmico e não endêmico, como o bócio e o cretinismo no Valais? Por que as epidemias do mesmo gênero, de que fala a História, se produzem nas casas religiosas onde nada falta e que se encontram nas melhores condições de salubridade?
Não obstante, eis o quadro que o Dr. Constant faz do caráter dos habitantes de Morzine:
“Uma estada prolongada, visitas sucessivas e diárias mais ou menos em cada casa, permitiram-me chegar a outras constatações.
“Os habitantes de Morzine são afáveis, honestos, de grande piedade; talvez fosse mais acertado dizer de grande devoção.
“São obstinados e dificilmente renunciam a uma ideia que adotaram, o que, além de outros inconvenientes, acrescenta o de os tornarem litigantes, outra fonte de mal-estar e de miséria, porque as condições não são fáceis. Mas só muito raramente a justiça criminal encontra culpados entre eles.
“Têm um semblante grave e sério, que parece um reflexo da natureza áspera que os rodeia e que lhes imprime uma espécie de marca particular, que os faria ser tomados por membros de uma vasta comunidade religiosa. Com efeito, sua existência pouco difere da de um convento.

13 N. do T.: A grafia correta é Morzine, e não Morzines, como muitas vezes aparece no texto original.

“Seriam inteligentes, se seu raciocínio não fosse obscurecido por uma profusão de crenças absurdas ou exageradas, por um invencível arrastamento para o maravilhoso, legado pelos séculos passados e ainda não curado no século atual.
“Todos gostam de contos e histórias impossíveis. Conquanto honestos por natureza, alguns mentem com imperturbável altivez, para sustentar o que disseram no gênero.
Estou convencido de que eles acabam mentindo de boa-fé, por crerem nas próprias mentiras e nas dos outros. Para ser justo, é preciso dizer que a maioria não mente, limitando-se a contar vagamente o que viu.”
Aos nossos olhos, a causa é independente das condições físicas dos homens e das coisas. Se manifestamos tal opinião, não é com a idéia preconcebida de ver por toda parte a ação dos Espíritos, já que ninguém admite sua intervenção com mais reserva que nós, mas por uma analogia que notamos entre certos efeitos e os que nos são demonstrados como resultado evidente de uma causa oculta. Mas, ainda uma vez, como admitir essa causa quando não se crê na existência dos Espíritos? Como admitir, com Raspail, as afecções produzidas por seres microscópicos, se se nega a existência de tais animálculos, porque não foram vistos? Antes da invenção do microscópio, Raspail teria passado por louco, por ver animais em toda parte; hoje, que se está muito mais esclarecido, não se vêem Espíritos. Para isso, no entanto, só falta pôr óculos.


Enviado por: "Joel Silva"

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