SEXTA FEIRA DA PAIXÃO CONTEMPORÂNEA
Na minha infância, sexta-feira da paixão era dia de assistir
filmes antigos da paixão de Cristo na televisão. Um dos primeiros que me
recordo era tão atávico que não mostrava em momento algum o rosto do artista
que personalizava Jesus.
Ontem foi uma paixão diferente. Chegamos com uma hora de
antecedência no cinema de Ipatinga para assistir a um filme. Fomos os
primeiros, de entrada já comprada, mas a fila se estendia até perder de vista,
contornando a área exterior do shopping.
Filme diferente. A sessão anterior acabou e saiu apenas um casal.
As pessoas não saíam e alguém puxou uma salva de palmas. O horário da exibição
já havia chegado e não começávamos a entrar porque a funcionária ainda limpava
a sala.
Entramos, finalmente, e as pessoas tinham um comportamento
estranho. Apesar da impaciência contida decorrente do atraso e da incômoda
fila, a maioria delas era cortês, qualidades que se nota com atos de gentileza
gratuita, como buscar um apoio de assento para alguém mal acomodado,
cumprimentar, pedir licença, agradecer... Aos poucos a impaciência cedeu lugar
à tranquilidade e curiosidade.
Jesus cedeu lugar a um mineirinho sofrido, igualmente gentil e
paciente, que também sofreu, mas também viveu pelas pessoas. Ele também colocou
prostitutas para pensar em Deus. Acolheu os aflitos, os doentes, os
desconsolados. Ele abriu mão de sua vida pessoal em função de uma missão com a
qual se comprometeu. Ele conversou com demônios e com anjos. Sofreu bastante.
Apesar deste lado angelical, era humano, demasiado humano. Sentiu
medo da morte e depois transformou-o no riso. Comprou e usou uma peruca
"de gosto duvidoso". Sofreu a incompreensão do pai, de familiares, da
população onde vivia, do clero. Chorou a morte de pessoas queridas. Trabalhou
com pessoas que não entendiam direito o que fazia e dizia, o que lhe exigia uma
cota extra de paciência e disciplina. Apegou-se a animais de rua.
Não foi crucificado na morte, mas pode-se dizer que diluiu o
sofrimento de Jesus ao longo de sua vida, extensa, caridosa e produtiva.
Eu pude ver sua face criança, sua face jovem e sua face idosa,
fiquei face- a- face com o homem que escolheu seguir Jesus radicalmente, e não
consegui não ver Jesus em suas ações e reações.
Gostei deste filme da história de Jesus. É uma história recontada,
mas não é maliciosa como "A Última Tentação de Cristo", nem tão
sensorial como "Jesus de Nazaré" de Zefirelli, nem tão sanguinolenta
como "A Paixão de Cristo" de Mel Gibson.
Eu senti Jesus nas ruas do estado em que fui criado, na linguagem
matuta, nas emoções e ações violentas dos personagens do entorno, senti o
sofrimento que vejo todos os dias nas ruas mas não enxergo, acostumado que
estou a ser cego, e vi que é possível ser vidente em uma terra de cegos.
Autor:
Jáder Sampaio
Blog: Espiritismo Comentado
** referência ao filme do Chico Xavier
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