Livro
em estudo: Grilhões Partidos –
Editora LEAL - 1974
Autor:
Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de Divaldo Pereira Franco
B005 – Capítulo 2 – A Loucura
Capítulo 2
A Loucura
“No segundo caso (subjugação
corporal), o Espírito atua sobre os órgãos materiais e provoca movimentos
involuntários.” L.M. — Capítulo 23º — Item 240.
O dia imediato surgiu penumbroso,
apesar da pujança do Sol e do calor que assolava a cidade. No apartamento do
Coronel Santa-maria, a dor se dobrava em sucessivos esgares, destroçando os que
lhe caíram nas malhas.
Ester não recobrou a lucidez. Embora
a prostração que a dominara,
após os sedativos, as crises voltaram terrificantes, enquanto a dêbil mocinha,
transfigurada, tornou-se o espëcime legítimo da desequilibrada. Palavras
obscenas e gestos vis repetiam-se ininterruptamente; gritos e gargalhadas
constantes terminaram por enrouquecê-la. Muito pálida, com olheiras arroxeadas
e manchas nas faces, tinha os lábios escuros e a expressão de olhar dura, sem
luminosidade. Sacudida a cada momento por convulsões torturantes, traduzia no
rosto conturbado as dores inextricáveis que experimentava.
Saindo desse estado, por instantes,
parecia recobrar a claridade da razão, desvairando de imediato, a elucidar que
alguém a lapidava com longo relho de que não se conseguia evadir. Nesse comenos
tornava-se rubra e, se fosse observada mais detidamente, poder-se-ia verificar
que alguns vergalhões lhe intumesciam a pele delicada e marcavam a face em
congestão.
Logo retornava ao desequilíbrio, ao
sarcasmo, e as ofensas se sucediam mordazes como se as Fúrias a estivessem
cavalgando.
O clínico, facultativo de larga
experiência, durante a primeira crise ocorrida à noite, elucidara que, se
houvesse recidiva, seria de todo conveniente convidar um especialista em
doenças nervosas, pois tudo indicava tratar-se de uma crise histeropata, com
agravantes para um longo curso. Aquele, dissera, era o período da transição, em
que se fixam os caracteres da personalidade e nos quais desbordam as expressões
da sexualidade, em maior intensidade. E, como bom discípulo das doutrinas
freudianas, teceu considerações sobre a libido e sua ação enérgica nas
engrenagens da emotividade.
Os pais, alarmados, não sabiam
exatamente como proceder. Convidado, porém, o médico da família, este confirmou
literalmente a diagnose do colega: tratava-se de um problema histérico com
alarmantes sinais tendentes a complicações mais graves, O psiquiatra se fazia
necessário.
Indicada eminente autoridade em
Psiquiatria, o tratamento teve início no próprio lar, sem que diminuíssem os
sintomas do desequilíbrio ou se modificasse o quadro patológico como de
desejar.
O estado da enferma se tornava cada
vez pior, enquanto se lhe minavam as resistências físicas, pois que recusava
qualquer alimentação, sistematicamente, sendo necessário aplicar-lhe
indispensáveis medicações tônicas, de sustentação orgânica, à força.
Transcorridos três dias sob carinhosa
assistência especializada e familial, sem que qualquer resultado fosse
lobrigado, o psiquiatra aconselhou internamento em Casa de Saúde relevante,
onde poderia aplicar técnicas próprias, a par de isolamento do grupo doméstico,
em que, certamente, estavam as causas inconscientes dos traumas e distonias que
a impediam retornar ao campo da lucidez.
Inconsoláveis, os pais, aflitos,
aquiesceram. Sob forte sedativo, Ester deu entrada no Sanatório, localizado em
recanto bucólico e praieiro do Rio de Janeiro, onde as perspectivas de
recuperação da saúde pareciam auspiciosas.
Sem embargo, a utilização dos melhores
recursos da moderna Psiquiatria, a jovem paciente reagia negativamente em
alucinação demorada, irreversível.
Dia a dia registravam-se distúrbios
novos e, no monólogo da distonia, não cessava de referir-se à vingança, à
imperiosa necessidade de lavar a desonra com o sangue da imolação de uma
vítima, à justiça demorada mas sempre oportuna, ao desforço pessoal.
Um mês transcorrido e a psicopata era
frangalhos.
O tratamento a que sempre resistia se
lhe oferecia um aspecto de vitalidade superficial já que com o corpo volumoso,
graças às drogas que lhe eram ministradas, a realidade expressava a insânia que
dela se apossara totalmente. Não mais voltara à lucidez, por mais amplas fossem
as tentativas experimentadas. A técnica do eletrochoque não produziu, na primeira
série, qualquer resultado. Pelo contrário, fê-la hebetada, o que poderia
parecer um recuo da loucura, quando, em verdade, ante a impossibilidade de
reações nervosas, em face das pesadas cargas assimiladas, frenava,
temporariamente, o desalinho psíquico.
Os genitores desesperados não sabiam
para que apelar.
Sem formação religiosa segura,
acostumados à tradição e ao convencionalismo da fé, entregaram-se a orações
formuladas por palavras que redundavam em exorbitantes exigências à Divindade,
sem que conseguissem lenir o coração na prece confortadora, no intercâmbio
salutar com as Fontes Geradoras da Vida. Objetivando apenas a cura da filha,
mediante o concurso da oração, de que se utilizavam, como alguém que, através
da prece, paga um imposto a Deus e de tal mister desagradável se desobriga.
Infelizmente, não possuíam o hábito superior do dulçuroso convívio da
meditação, em que se haurem expressões de vida e paz indispensáveis ao
equilíbrio no carro somático, retornando das experiências e vilegiaturas
religiosas com o espírito ressequido e o sentimento revoltado. Surda mágoa
contra tudo e todos aumentava-lhes o aniquilamento íntimo. Feridos no orgulho e
esma gados na suscetibilidade a que se dão apreço na Terra das frivolidades,
passaram a experimentar sentimentos controvertidos em relação à própria filha,
motivo da aflição que os compungia.
Enquanto o tempo se dobava, uma
aceitação mórbida, parasitária, indolente, foi criando situação apática no lar,
como já ocorria entre os facultativos que assistiam a jovem, no Sanatório. Dos
cuidados iniciais, insistentes e imediatos, a uma tácita compreensão de que
tudo se estava a fazer, veio o diagnóstico alarmante, irreversível:
Esquizofrenia!
A simples palavra ainda hoje
constitui aparvalhante libelo.
*
Não obstante as excelentes
experiências realizadas pelo eminente psiquiatra americano, dr. Sakel, em
Viena, nos idos de 1933, cujos resultados apresentou a três de novembro daquele
ano, através da convulsoterapia em que aplicara o metrazol, depois a insulina,
abrindo as portas ao eletrochoque, a partir de 1937, após um Congresso
Psiquiátrico em Roma, ocasião em que os preeminentes drs. Bini, Kalinowski e
Cerlletti chegaram à conclusão da excelência do método do choque controlável,
capaz de produzir anoxemia sem qualquer perturbação para o aparelho
circulatório, particularmente a bomba cardíaca, do que resultaram admiráveis
contribuições à saúde de diversos psicopatas esquizóides. A distonia
esquizofrênica, porém, prossegue, sendo dos mais complexos quadros da patologia
mental, revelando-se nas quatro fases cíclicas e graves do Autismo, Hebefrenia,
Catatonia e Paranóia...
Assim, a loucura, apesar das
avançadas conquistas Psiquiátricas e Psicoanalíticas, continua desafiador
enigma para as mais cultivadas inteligências. Classificada na sua patologia
clínica e mapeada carinhosamente, os métodos exitosos nuns pacientes redundam
perniciosos noutros ou absolutamente inócuos, inexpressivos. Isto, porque, a
terapia aplicada, apesar de dirigida ao espírito (psiquê), não é conduzida, em
verdade, às fontes geratrizes da loucura: o espírito reencarnado e aqueles
Espíritos infelizes que o martirizam, no caso das obsessões.
Fixados, no entanto, aos princípios
materialistas que esposam, muitos cultores da Ciência fecham, propositadamente,
os ouvidos e os olhos às experiências valiosas que ocorrem a cada instante fora
dos seus limites, como a desdenhar de tudo que lhes não traga a chancela
vaidosa da Academia, que não poucas vezes se utilizou do resultado dos fatos
observados fora dos seus muros e fronteiras, para elaborar as bases de muitas
das afirmações que ora são aceitas por legítimas.
A psicoterapia e os métodos
admiráveis psicoanalíticos, como as orientações psicológicas hão logrado, como
seria de esperar, resultados favoráveis algumas vezes, especialmente quando as
causas da loucura, do desequilíbrio psíquico ou emocional são individuais ou
gerais (conforme a classificação de alguns expoentes da doutrina psiquiátrica),
psíquicas e físicas.
Nestas últimas, se examinadas sob o
ponto de vista da importância endógena ou exógena (no caso do abuso do fumo,
barbitúricos, alucinógenos, álcool e outros), como das infecções e
traumatismos, possivelmente se conseguem expressivos êxitos na aplicação
clássica do tratamento.
Merece, porém, considerar, o a que
denominamos de causas cármicas, aquelas que precedem à vida atual e que vêm
impressas no psicossoma (ou perispírito) do enfermo, vinculado pelos débitos
transatos àqueles a quem usurpou, abusou, prejudicou e que, ainda que mortos,
não se aniquilaram na vida, havendo apenas perdido a forma tangível, sempre
transitória e renovável.
Na atualidade, graças ao empenho do
Espiritismo, a alma humana, o Espírito, já não pertence à velha conceituação de
“sombra trágica”, de Homero ou “o enigmático e transcendente hóspede da
glândula pineal”, de Descartes, antes é um ser perfeitamente identificável, com
características e constituição própria, que se movimenta à vontade, edificador
do seu destino, graças às realizações em que se empenha. Conseqüentemente, a
vida espiritual deixou de ser imaginária, concepção ingênua dos antigos
pensadores éticos que recorriam ao fantasioso para traduzir o que não
conseguiam compreender.
Estruturada em realidades que escapam
às denominações convencionais, a vida prossegue em mundos que se interpenetram
ao mundo físico, ou se desdobram além da esfera meramente humana, ou se fixam a
outros centros de força de atração, no Sistema Solar e fora dele, a
multiplicar-se pelas incontáveis galáxias do Universo. E o ser, na sua viagem
incessante, evolute de experiência a experiência, de mundo a mundo, de esfera a
esfera, até libertar-se das baixas faixas da sensação, donde proveio, na busca
da angelitude a que aspira.
Ante a terapêutica da Psiquiatria
Moderna, que desdenha a contribuição dos conceitos filosóficos e religiosos,
merece evoquemos o pensamento do dr. Felipe Pinel, o eminente mestre e diretor
de L’Hospice de la Bicêtre, a cuja audácia muito deve a ciência psiquiátrica:
“L’hygiene remonte jusqu’au temps des plus anciens philosophes” (*“A higiene
remonta exatamente aos tempos dos mais antigos filósofos.”) Isto, porque, da
observação empírica à racional, nasceram as experiências de laboratório que, a
princípio estribada em conceitos ético-filosóficos, resultantes do acúmulo dos
fatos, passou ao campo científico como estruturação da realidade.
Entretanto, aferrados ao ceticismo,
esses estudiosos da Ciência, mesmo diante dos fatos relevantes, permanecem
fixados aos conceitos em que se comprazem, sem avançar, realizando conotações,
comparações com outros resultados procedentes de outros campos.
Não há muito, por exemplo, o dr.
Wilde Penfield, no Instituto Neurológico de Montreal, realizando uma cirurgia
cerebral com anestesia local, percebeu que, estimulando eletricamente
determinados centros do encéfalo, fazia que a paciente recordasse lembranças
mortas, como se as estivesse vivendo outra vez.
Ao invés de logicar face à
possibilidade de estar diante dos depósitos da memória que o Espírito guarda,
consubstanciou a velha teoria de que aquela retém as lembranças por um
mecanismo de impulsos elétricos encarregados de registrar todas as
ocorrências... Como mais tarde outros pesquisadores encontrassem compostos
químicos nas células dos nervos encarregadas de tal mister, conceberam a teoria
de que tais arquivamentos são fruto da presença desses compostos, já que os
modestos impulsos elétricos, que se descarregam com facilidade, não poderiam
possuir durabilidade para conservar evocações de longa distância desde o tempo
em que as mesmas ocorreram. E ninguém verificou a possibilidade das lembranças
de outras vidas, igualmente impressas no cérebro, hoje largamente evocadas
através da hipnose provocada como da recordação espontânea, testadas em
diversos laboratórios de Parapsicologia.
Dia surgirá, porém, em que a Doutrina
Espírita, conforme no-la apresentou Allan Kardec, se adentrará pelos
Sanatórios, Frenocômios, Casas de Saúde e Universidades, libertando da
ignorância os que jazem nos elos estreitos da escravidão de uma ou de outra
natureza. À semelhança do dr. Pinel, que libertou das algemas os pacientes de Bicêtre,
em 1793, e logo depois Esquirol que fez o mesmo, ensejando uma nova era à
terapia psiquiátrica, o Espiritismo, também, a seu turno, penetrará nos velhos
arcabouços e nas catedrais da cultura e de lá arrancará os padecentes algemados
à loucura, à obsessão, projetando luz meridiana e pujante, sugerindo e
aplicando a terapêutica espiritual de que todos precisamos para elucidar o
próprio ser atribulado nos diversos departamentos da vida por onde jornadeia.
QUESTÕES PARA ESTUDO
1 – Quais foram as consequências para Ester depois do
terrível evento no seu aniversário?
2 – O autor critica a postura excessivamente materialista
da Ciência Médica. Por quê? Em que esta postura prejudica a compreensão da
problemática dos transtornos psiquiátricos?
3 – Como a perspectiva espírita poderia ter auxiliado no
caso Ester e como ela poderá auxiliar a medicina do futuro?
Bom estudo a todos!!
Equipe Manoel Philomeno
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