Livro em estudo: Grilhões Partidos – Editora LEAL - 1974
Autor: Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia
de Divaldo Pereira Franco
B011 – Capítulo 8 – Intervenção
Superior, Primeira Parte
Capítulo 8
Intervenção Superior
“Que remédio, então, prescrever aos
atacados de obsessões cruéis e de cruciantes males? Um meio há infalível: a fé,
o apelo ao Céu. Se, na maior acerbidade dos vossos sofrimentos, entoardes hinos
ao Senhor, o anjo, à vossa cabeceira, com a mão vos apontará o sinal da
salvação e o lugar que um dia ocupareis”. “O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO” —
Capítulo 5º — Item 19.
Embora o retraimento forçado a que se
impuseram o Coronel e sra. Santamaria, algumas vezes sentiam-se obrigados a
quebrar tal insulamento, por impositivos superiores, de que não se podiam
furtar. O sorriso não lhes aflorava aos lábios e, ressequidos interiormente,
conservavam estranha quão injustificável mágoa contra a sociedade, a vida, a
Divindade... Consideravam se dilapidados nos bens da existência e, face à
impossibilidade do desforço, com que muitos supõem aliviar-se, descarregando os
instintos e paixões insanos, recolheram-se ao ostracismo, à mudez...
Concomitantemente, os cônjuges distanciavam-se a pouco e pouco, um do outro,
não mais encontrando estímulos na convivência doméstica. Certo é que se
transferiam a responsabilidade pelo insucesso psíquico da filha, que supunham
vítima inerme dos caprichosos genes e cromossomos portadores da inarmonia
mental que nela eclodira pelo acaso infeliz.
Celebrava-se, então, expressiva
comemoração da República, evocando se, na “Semana da Pátria”, o Dia da
Independência, no qual país se liberara do jugo ancestral, a fim de atender à
sua destínação histórica. Dentre as celebrações em pauta, fora programado um
banquete reunindo os heróis da última guerra, em requintado Clube Social. A
recepção, em traje a rigor, objetivava, também, maior intercâmbio entre velhos
amigos, muitos dos quais fruindo o justo prêmio da reforma, foram trasladados
para a Reserva. Desse modo, fora impossível evadirem-se ao compromisso
relevante.
No dia aprazado, o Coronel despertou
mais indisposto do que habitualmente, nos meses derradeiros. Fora acometido
reiteradas vezes durante a noite, por singular pesadelo, do qual despertava
estafado, sôfrego, para novamente recair no mesmo dédalo onírico, em que se
fazia personagem de articulações nefandas e crimes inumanos. Experimentava a
sensação de mergulhar em cenário sombrio e macabro por alguns momentos,
recobrando a custo a lucidez, para se repetir a infame sortida aos mesmos
sítios e sofrer asfixia, náuseas, horror.
Eram lugares lôbregos... Via-se,
agitado, caminhando sobre lajedos irregulares, enquanto maquinava sórdida
vindita... Respirava ódio... A estranha personagem, que via e sabia-se ser ele
próprio, envergava sotaina negra que lhe atrapalhava o passo, obrigando-o
erguê-la, a fim de saltar os esgotos abertos, exalando putrefação nas ruelas
mergulhadas em sombras... A agitação do sacerdote agitava-o... Repentinamente
sentia-se em presídio, subterrâneo, úmido, com vaza fétida a escorrer, onde
alguns homens e mulheres sofriam ritual nefando de torturas covardes,
irracionais. Seus corpos alquebrados, alguns partidos com
fraturas expostas, em feridas pútridas, tudo resultado da roda infame,
blasfemavam... Algumas mulheres desvairadas altercavam, misturadas aos despojos
orgânicos... À sua chegada recuavam em ríctus e esgares superlativos,
enunciando seu nome entre exclamações injuriosas, detestáveis, enquanto se
referiam, também, a outra pessoa, sua comparsa, de que se diziam vítimas... A
visão tormentosa, mortificava-o... De inopino, não suportando o sonho macabro,
logrou desalgemar-se do torpor que o vencia, levantando-se banhado por álgidos
suores. Não retornou ao leito.
Todo o dia foi-lhe desagradável. Não
esquecia as cenas truanescas, os rostos, congestionados uns pelo ódio,
patibulares outros, sem expres são, e mesmo após o almoço, tentando a sesta,
não conseguiu o repouso que lhe fazia falta.
A noite cálida e estrelada parecia
uma taça emborcada, cheia de brilhantes ornando a cidade colorida e luminosa.
A partir das vinte e uma horas os
convidados deram entrada na sala de recepção do Clube, e os júbilos espocavam
em todos os semblantes. Canapés e aperitivos entretinham os convidados, enquanto
aguardavam a lauta refeição.
O Coronel Constâncio reviu amigos
queridos, recordou emoções esquecidas, no entanto, vivas, e por momentos
olvidou as amargas desditas que o exulceravam. Companheiros de armas, colegas
da Escola, formavam um préstito de alegrias que o revigoravam.
De surpresa em surpresa, defrontou-se
com antigo e dileto amigo, que servia a Pátria no Exterior e agora se
encontrava de retorno. À efusão dos abraços e sorrisos, passaram às
recordações, quando o Coronel Epaminondas Sobreira, indagou, interessado:
— Não voltei a ter notícias de Ester.
Como passa, desde aquele dorido incidente?
— Sem esperanças! — Retrucou o antigo
“cabo de guerra” empalidecendo e umedecendo os olhos. — Minha desventurada
filha está louca, irrecuperável, sobrevivendo por milagre, pois, sequer, não
teve, ainda, o lenitivo da morte...
— Perdoe-me! — Justificou-se o amigo. —
Sei quanto deve dilacerar-lhe a alma... Eu lá estava naquela noite.
— São anos de lágrimas, suores,
intranqüilidade...
Segurando o braço do interlocutor
propôs, emocionado:
— Sentemo-nos no jardim, a distância...
Estou muito emotivo desde aquele dia.
O Coronel Epaminondas sentiu o
contato da mão gelada e o leve tremor que sacudia o amigo sofredor.
— Não falemos sobre isso. — Sugeriu,
delicado. — Eu sei o quão lhe é mortificante.
— De fato — redarguiu o outro, — no
entanto, eu, que tenho preferido o cárcere do silêncio durante todo esse tempo
infinito transcorrido, sinto que me fará bem falar com você.
Em caramanchão próximo à piscina que
refletia a noite coruscante, o sofrido genitor descerrou os painéis mais
íntimos do coração duramente lanhado. Seus sonhos destroçados e suas esperanças
desfeitas! E o amor à filha! Sabê-la transformada num animal irreconhecível e
aprisionada em camisa-de-força, a fim de diminuir-lhe a fúria, oh! tudo isso
constituía carga superlativa à sua devoção paterna.
À medida, porém, que exteriorizava a
profunda agonia ao amigo, atento, que participava do drama, comovido, teve a
impressão de que desoprimia o peito, a alma, como se desarticulasse anéis
constritores que o despedaçavam por dentro.
— Você tem orado? — Inquiriu o ouvinte.
— A oração produz milagres de renovação e paz, modificando paisagens sombrias e
fortalecendo o homem.
— Não, não mais tenho orado. —
Retorquiu, quase irado, traindo a revolta em que descambara. — Perdi a fé... A
princípio, tentei iludir-me, rogando a Deus, aos santos, recorrendo à Igreja...
Tudo inútil! Hoje sou uma nau sem leme, sem destino, à deriva.
Pranto copioso jorrava-lhe pela face
fortemente assinalada pela fúria do desespero sem refrigério.
— Mas a função da prece — elucidou,
sensibilizado, — não é somente a de requerimento, petição. Também lenitivo,
renovação. Nem sempre traz o objetivo de atenuar a dor, mas compreendê-la, conseqüentemente,
lenindo a alma. Além disso, é veículo, interfônio para a comunhão com Deus...
Gostaria de conversar demorada-mente com você. Poderia receber-me ou
visitar-me, quando?
— Infelizmente — explicou, titubeante,
— não mais tenho um lar para oferecê-lo aos amigos... Quero dizer: o
apartamento é o mesmo, porém, triste, sem vida... Não saímos, minha esposa e
eu.
— Faço questão — interrompeu-o, com uma
leve palmada no ombro — que você e Margarida venham jantar conosco, no próximo
sábado. Informalmente, como dois amigos, dois irmãos. Mercedes, a quem
comunicarei logo, agora, ficará exultante. Creio que sabe como nos são
queridos, você e a esposa.
Continuo residindo na mesma casa no
Leblon. Estamos a sós. Os filhos já casados. Beatriz está em França com o
esposo e Giórgio em São Paulo. Sou avô de dois anjos celestes, sabia?
Combinado. Aguardá-los-emos, às 20 horas.
O Coronel Santamaria fitou o
companheiro transformado em cireneu e não saberia explicar as emoções, a paz, a
súbita satisfação que experimentava.
Qual estivesse magnetizado,
respondeu, maquinalmente, sorrindo:
— Combinado.
— Unamo-nos aos grupos que já devem
procurar-nos.
— Sim, sim, esquecera-me;
apressemo-nos.
O braço do Coronel Epaminondas,
passando pelas costas do colega, apoiava-se ao ombro do outro lado. Eram dois
irmãos que se reuniam na família da amizade superior.
Adentraram-se pelo salão festivo e
perderam-se nas confabulações, brindes e algazarra que a todos empolgavam.
Sem poder-se explicar o sentimento de
renovação que o surpreendera, o pai de Ester retornou ao lar como se estivesse
revigorado. Ante as duras penas que vivia, também o organismo passara a dar
mostras de cansaço, repontando, já, os sinais do desgaste que o fazia
preocupado.. Conversou com a esposa, narrando-lhe o bom estado de espírito do
colega e quanto lhe fora oportuna a conversação, mais valiosa do que o
banquete, em si mesmo. Cientificada, a senhora, de pronto concordou,
nascendo-lhe, também, agradável pressentimento em torno do futuro reencontro.
Ela, igualmente, dialogara com dona Mercedes, que se interessara pelo destino
da sua filha. A simpática senhora, apesar da balbúrdia, na sala, manteve-se
atenta, carinhosamente interessada e repetia: — “Mas, nem tudo está perdido. Ë
uma pena, tudo isto!”
Dizia-o com sentimento, como a
lamentar a impossibilidade de fazer alguma coisa que considerava importante,
porém, inconveniente. Prometera-lhe uma visita para colóquio mais amplo e
cuidadoso. Prometia examinar o problema com profundidade...
Foi, portanto, em clima de esperanças
felizes que os Santamarias na noite acordada rumaram, confiantes, na direção da
residência dos Sobreiras.
QUESTÕES PARA ESTUDO
1 – Segundo o Espiritismo, como se podem explicar os
sonhos?
2 – Por que o Coronel Epaminondas recomendava a prece para
o amigo Coronel Santamaria? Como a prece pode nos auxiliar nos momentos
dolorosos?
Bom estudo a todos!!
Equipe Manoel Philomeno
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