Atualidade do Espiritismo
Martins
Peralva
Deus quer que o homem pense nele, mas não
quer que só nele pense, pois que lhe impôs deveres a cumprir na Terra. (“0
Livro dos Espíritos”, capítulo II da parte III.)
Os Espíritos encarregados da Codificação
doutrinária forneceram a Allan Kardec preciosas instruções sobre o tema “Vida
Contemplativa”, instruções que o sábio lionês inseriu no livro básico do
Espiritismo.
É certo que o homem tem, de modo mais ou
menos geral, relativa inclinação para o misticismo, excluídas, evidentemente,
as tradicionais exceções da regra.
E, essa tendência, ainda bem generalizada em
nosso tempo e em todos os climas e latitudes, tem feito que muitas criaturas,
de ambos os sexos, se consagrem a uma vida em excesso contemplativa,
desperdiçando, assim, valiosa cota de tempo, o que equivale dizer: enterrando,
lamentavelmente, os talentos que a Divina Bondade lhes confiara através da
existência física.
Este despretensioso artigo tem o objetivo de
acentuar a manifesta atualidade do ensino espírita em face do momentoso tema
“adoração a Deus”, embora devamos ressaltar que essa atualidade também se
observa no que diz respeito a outros ângulos do conhecimento humano.
O Espiritismo não é, nem poderia ser contra a
adoração ao Criador do Universo, embora defina e conceitue essa adoração em
termos bem diversos dos adotados por outras respeitáveis correntes religiosas.
Para a Doutrina dos Espíritos, a adoração
consiste, em princípio, “na elevação do pensamento a Deus”.
Disseram, ainda, as Entidades Superiores,
responsáveis pela Codificação, que “a adoração está na lei natural; pois
resulta de um sentimento inato no homem”.
Mas — reflitamos bem —, entre admitir,
filosoficamente, como natural e justa, a adoração a Deus, e transformá-la em
comportamento apático, formalista, convencional, do qual não participem a alma
e o coração, e em virtude da qual se arrisque o homem ou a mulher a tornar-se
inútil, à margem da dinâmica da vida, há, por certo, uma grande distância.
“A adoração verdadeira é do coração” —acentuaram os Espíritos, esclarecendo a Allan Kardec.
Adorar a Deus, em termos espíritas, significa
amá-Lo com fervor e sinceridade; converter o próprio coração num santuário de
compreensão e bondade; transformar a alma numa forja viva de ações práticas que
resultem no bem e na felicidade do próximo.
A prática da caridade, que procede do mais
profundo do ser, é o ato adorativo mais agradável a Deus.
Os Instrutores Espirituais, sem qualquer
desapreço à adoração através da prece, costumam lembrar, com muita frequência,
a “oração do trabalho” — isto é, o ato pelo qual o homem, pelo trabalho em
favor do seu semelhante e que reverte, inevitavelmente, em seu próprio
benefício, movimenta os seus recursos interiores, dinamizando a vida no sentido
do esclarecimento e do progresso.
O que as Entidades Amigas desaconselham,
sumariamente, sem o menor subterfúgio, é a vida simplesmente contemplativa.
Divergem elas dessa vida inoperante,
extática, na qual foge a criatura humana das lutas redentoras, necessárias ao
processo de despertamento e consolidação dos valores morais e espirituais.
Quando Allan Kardec perguntou se têm, perante
Deus, algum mérito os que se consagram à vida contemplativa, responderam eles,
taxativa e claramente:
“Não, porquanto, se é certo que não fazem
o mal, também o é que não fazem o bem e são inúteis. Demais, não fazer o bem já
é um mal. Deus quer que. o homem pense nele, mas não quer que só nele pense,
pois que lhe impôs deveres a cumprir na Terra. Quem passa todo o tempo na
meditação e na contemplação nada faz de meritório aos olhos de Deus, porque
vive uma vida toda pessoal e inútil à Humanidade e Deus lhe pedirá contas do
bem que não houver feito.”
É oportuno lembrar que a Doutrina Espírita
tem mais de um século, eis que o seu primeiro livro, o básico, o filosófico,
foi editado, precisamente, em 18 de Abril de 1857.
Essa questão, pois, de imprimir à religião um
sentido dinâmico, uma feição operosa, não é nova para os Espíritas, os quais,
de modo geral, aliam, às suas tarefas de interpretação evangélica ou
doutrinária, serviços assistenciais que, na verdade, constituem legítimo ato de
adoração a Deus pelo trabalho
As correntes religiosas que, na época
presente, sentem o imperativo de participação nos problemas humanos, no que
toca à solidariedade, simplesmente executam aquilo que a Codificação preconiza
há mais de um século.
O que se procura fazer hoje, nos quadros
religiosos alheios ao Espiritismo, com a finalidade de dinamizar igrejas e
templos, constitui fato remoto para a comunidade espírita-cristã.
É mensagem bem antiga, dos idos de 1857.
Os pioneiros da Doutrina no Brasil deram
exemplo dessa fecunda atividade, onde o impositivo maior sempre foi o amor ao
próximo, exemplificando, assim, a verdadeira adoração a Deus.
A medicação aos enfermos.
O passe magnético no recinto dos centros espintas
ou nas visitas domiciliares.
As excursões a morros e favelas, conduzindo o
pão e a roupa, o alívio e o reconforto, foram uma constante na vida dos que
vanguardearam o movimento espírita na “Pátria do Evangelho”.
Asilos e orfanatos, hospitais e creches falaram
ontem e falam hoje dessa compreensão que o Espiritismo transmitiu à mentalidade
e à consciência de seus adeptos, de que “Deus quer que o homem pense nele, mas
não quer que só nele pense, pois que lhe impôs deveres a cumprir na Terra”.
A inclinação geral dos espiritistas, sempre
sob o estímulo e a orientação dos Instrutores Espirituais, continua sendo no
sentido de que a nossas instituições não sejam somente o templo que esclarece e
consola, nos domínios da fé, mas também, escola, orfanato, hospital.
No livro “Missionários da Luz” (autor, André
Luiz, médium Francisco Cândido Xavier, edição da FEB), Alexandre, respeitável
Mensageiro Espiritual, informa que, no futuro da Humanidade, os templos
materiais do Cristianismo estarão transformados em igrejas-escolas; igrejas-orfanatos,
igrejas-hospitais, onde não somente o sacerdote da fé veicule a palavra de
interpretação, mas onde a criança encontre arrimo e esclarecimento, o jovem a
preparação necessária para as realizações dignas do caráter e do sentimento, o
doente o remédio salutar, o ignorante a luz, o velho o amparo e a esperança. O
Espiritismo evangélico é também o restaurador das antigas igrejas apostólicas,
amorosas e trabalhadoras. Seus intérpretes fiéis serão auxiliares preciosos na
transformação dos parlamentos teológicos em academias de espiritualidade, das
catedrais de pedra em lares acolhedores de Jesus”.
A atualidade dos ensinos espíritas, no que
concerne à adoração a Deus, assunto objeto deste artigo, é patente.
Não perderemos por esperar, a fim de
verificarmos, inclusive no que toca a problemas científicos, que tudo quanto o
Espiritismo proclamou no século XIX será comprovado e aceito no século XX por
esta mesma Ciência que, ontem, preconceituosa e dogmática, tentava ironizar a
Nova Revelação.
O Espiritismo não tem pressa em que lhe sejam
reconhecidos os fundamentos, consciente, como está, de sua natureza divina.
Se a Doutrina Espírita teve opositores entre
cientistas e religiosos, contou, por outro lado, com dezenas de homens
ilustres, eminentes sábios que lhe estudaram as leis supranormais e
proclamaram, alto e bom som, como exatos e verdadeiros, os seus princípios,
através de pronunciamentos que marcaram época entre os legítimos valores
culturais da velha Europa.
O Espiritismo continuará, pois, onde sempre
esteve — altaneiro em sua humilde soberania.
Nós, os espiritistas, esperaremos que os
homens de pensamento, penetrando nos vastos e imensuráveis oceanos da
Codificação Kardequiana, se decidam, por eles próprios e pela evidência dos
fatos, aceitarem-na, espontaneamente, numa atitude que os engrandeça e
glorifique, ao invés de humilhá-los.
Aqueles que nunca duvidaram da Filosofia
Espírita rejubilam-se, naturalmente, quando observam que, tal qual se verificou
com relação ao Cristianismo, do qual “nem um til foi tirado ou nele posto”,
também o Espiritismo, à medida que a Ciência avança e as Religiões evoluem, se
afirma, no tempo e no espaço, por doutrina invulnerável em seus fundamentos e
capaz de, sob o crivo da razão e da lógica, impor-se ao consenso universal.
É profundamente confortadora a observação de
que, entre o Cristianismo de Jesus e o Espiritismo de Allan Kardec, seu
Codificador, existe mais este admirável ponto de concordância: ambos desafiam o
tempo e cumprem, junto ao espírito humano, sua redentora missão.
(Reformador
de fevereiro de 1964)
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