quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Artigo : O "Ficar"

O "ficar"

 
    De tempos em tempos, surgem determinados modismos: elementos materiais (roupas, acessórios, tatuagens, adereços, alimentos, bebidas, lugares), ou, facetas do comportamento humano que desabrocham, contagiando toda uma geração.
 
 

    A bola da vez é o "ficar", uma espécie de envolvimento afetivo sem maiores consequências e/ou responsabilidades. Para uns, é acompanhado de carícias mais íntimas e, até, de experiências sexuais. Para outros, nem tanto...
 

    O elemento mais característico, todavia, é a experimentação. Ouvi, há poucos dias, num ambiente público, duas garotas – que não deviam ter mais do que quatorze anos – comentarem entre si sobre os garotos com quem tinham "ficado" no último final de semana, numa festinha. Conversa vai, conversa vem, e uma delas ponderou: "Pois é, sabe aquele moreninho crespinho que estava comigo quando te vi?" E a outra: "O fulano?" E a primeira: "Ih, sei lá! Nem perguntei o nome dele..."
 

    Retrato desta geração... No intuito de viverem o seu tempo, os jovens – sempre revolucionários e mutantes – lançam-se, muitas vezes, com o frescor de uma suave brisa em seus rostos, em direção ao abismo...
 

Com a justificativa íntima (às vezes, explicitada) de quererem conhecer muitas pessoas antes de se "amarrarem" a alguém (com ânimo definitivo), numa relação chamada estável ou duradoura, os jovens – cada vez mais em tenra idade – acabam banalizando os sentimentos, as descobertas, as vivências, tão necessárias quanto valiosas. Olvidam seus próprios e reais quereres, porque " quem prova só por provar , quer provar sempre e, desta forma, não sabe como e quando decidir pelo melhor".
 

    Não estamos, aqui, reacionariamente desejando que o jovem não se envolva afetivamente, esperando a idade adulta para encontrar a sua "cara metade". De jeito nenhum. Aliás, cada um de nós – que já passou ou está passando por momentos de auto-conhecimento na área dos sentimentos e sensações (podemos, até, dizer que sempre estamos vivenciando isto) – percebe as mudanças que o interesse por outrem provoca em sua vida (íntima e social). Com isso, lançamo- nos na roda-viva dos relacionamentos, conhecendo novas pessoas, estreitando laços e encontrando aquele (aquela) que nos encanta, que nos completa, que nos seduz.
 

    Mas, sair por aí, "ficando" com todo e qualquer um, já é uma exacerbação dos sentidos. Não pode ser encarado como conduta natural, dentro da normalidade bio-psíquica. Isto já é – perdoem-nos a franqueza – promiscuidade. Sim, porque o que importa para quem assim age é conhecer este, aquele, e mais um, e mais outro... indefinidamente. O garoto ou a garota se comprazem em dizer (para si mesmo e/ou para os colegas), que já "ficou" com fulana, beltrana, sicrana... E, quando vai um pouquinho mais além – e, neste aspecto, o apelo da sensualidade leva às experiências sexuais cada vez mais precoces – vangloria-se da conquista, entusiasma-se com a vivência, mas, como não respeita o sentimento dos outros, assim como nem os seus próprios, segue adiante, programando quem será o(a) próximo(a) e em que ponto a relação será melhor, ou, digamos, diferente...
 

    Não queremos parecer extra-temporais, admitindo criar um universo paralelo onde os jovens tenham um comportamento "impecável", pois em assim sendo, estaríamos plasmando um mundo de gradação perfeita (celeste ou divino), ou estaríamos vivendo fora de nossa época. No entanto, em se falando de jovens espíritas – haja vista o manancial de conhec imento disponível, mormente a nível de ciência das leis divinas que regem os seres – admissível se torna esperar uma conduta mais "equilibrada" – tanto no âmbito dos pensamentos, como no de palavras, mas, acima de tudo, no de atitudes.
 

    O jovem espírita tem de ser diferente! Afinal, sabe qual é o objetivo desta existência, tem em evidência o código moral trazido pelo Cristo – entendendo que o respeito pelo semelhante é a chave da sua própria felicidade – e precisa aproveitar esta feliz oportunidade encarnatória para credenciar-se a construir tudo de bom que lhe seja possível, ao passo em que irá reparar os erros pretéritos.
 

    Que este jovem, então, conheça outros jovens, vivenciando os sentimentos, descobrindo a si mesmo e ao outro, dividindo bons e maus momentos, conhecendo como o outro é, o que ele gosta, quais suas virtudes e defeitos e até onde é possível caminhar conjunta e construtivamente, pois tudo isto é – mais que um direito – um dever perante sua própria consciência espiritual.
 

    Assim sendo, passará por revezes e desilusões amorosas; criará expectativas em relação ao outro, que se verão frustradas, talvez, num passo adiante; alimentará sentimentos que julga eternos, mas que se desmancham quando, no dia seguinte, esbarrar num desconhecido – ou, nem tanto – que lhe provocará uma revolução interior, capaz de lhe fazer novas (e eternas) juras de amor; se acomodará, também, por já ter descoberto aquele a quem ama, deixando, às vezes, de ser romântico, prestativo, e, por isso mesmo, será substituído, no coração do outro, por uma nova paixão; verá ruir seus sonhos e castelos de areia, ao descobrir que aquele com quem convive não é aquele semi-deus ou aquele anjo que pensava existir ao seu lado; e.. . tantas outras amargas descobertas...
 

    Mas, também, vivenciará o prazer dos pequenos momentos, do convívio harmonioso das idéias e das palavras; da satisfação de fazer o outro feliz; de se ver pensando nele(a) o tempo todo; de preocupar- se com o outro; de querer estar mais perto, sempre; de encontrar alguém lhe esperando; de dividir os bons, mas, também, os maus momentos, os desabafos, as teimosias, de ter consolo, palavras amigas, de orientação, apoio, bemquerência...
 

    Isto, meus amigos, só pode ser conseguido com cumplicidade. Que começa, como já dissemos, no respeito mútuo, de saber o que o outro realmente quer conosco, o que espera de nós, e como agiríamos nós se estivéssemos no lugar dele.. . Isto, aquele Amigo já nos disse: "fazei aos outros o que quereríeis que vos fizessem".
 
    Tal só é possível quando há convivência, que não se resume a uns poucos (e tórridos) instantes...
 
    Todavia, algum jovem mais afoito até pode ponderar: "Mas, eu quero "ficar" e ele (ela) também quer, isto é, nós dois sabemos o que queremos... Ninguém vai se machucar!". Pergunto: "Será?" E se você, jovem, mesmo antecipadamente desejando apenas "fic ar", descobrir que ele (ela) é o seu complemento, para tornar a brincadeira séria? Gostará de ser "descartado" dali há alguns minutos?
 
    Pense.. .
 
    Não estamos querendo viver o seu momento por você! Apenas queremos – eu e você que lê este texto, sobretudo você adolescente – a sua, a nossa felicidade, sem roubar os seus desejos, sem vilipendiar a sua consciência, sem prescrever bulas orientativas que soem como ameaças ou determinações imperiosas. Não! Desejamos – isto sim – conhecer-nos o máximo possível e, em nos conhecendo, conhecermos o outro, o mundo, para dar passos seguros e certos em direção à Vida.
 

    Se você entendeu a mensagem, substitua o "ficar" pelo gostar, pelo curtir, pelo namorar, outro verto tão gostoso e saudável, mas tão em desuso nos dias de hoje, quando muito poucos querem saber de compromisso, de respeito aos sentimentos do outro, porque querem "aproveitar a vida". Se soubessem, entretanto, que quem namora sério aproveita – e como – a vida, certamente mudariam de opinião.
 
    Ou você ainda não experimentou?

(Autor:  Marcelo Henrique. É  Diretor de Política e Metodologias de Comunicação da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (ABRADE) e Coordenador de Grupos de Juventude e Mocidade Espíritas)

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