quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Notícia: "Obsessão de adolescentes endivida os pais."

Zulmira Furbino.

-

Relbert da Silva Camilo, de 13 anos, veste camiseta Diesel, tênis Adidas e bermuda de “surfista”, como ele próprio define. Ao lado do pai, o copeiro Wellington José Camilo, o menino age como uma metralhadora de pedidos. Neste Natal, quer ganhar de presente um Playstation 2, que custa entre R$ 500 e R$ 600. Há duas semanas, ganhou um tênis de skatista, mas avisa que precisa de outro, para completar sua coleção (a meta é chegar a três pares do calçado). Quer também uma bicicleta nova e um boné, embora já tenha três guardados em casa. Ah! E também um celular.

A família de Relbert é integrante de um motor indispensável para o crescimento do mercado interno brasileiro: a base da pirâmide social, que deverá movimentar este ano R$ 760 bilhões, montante maior do que o Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina, Paraguai e Uruguai juntos. Mas há um lado oculto e perverso nessa inclusão de consumo. No centro da roda da fortuna, as crianças das classes de menor renda estão sendo induzidas a se transformar num batalhão de futuros consumidores compulsivos. E, no limite, chegam a roubar e a se prostituir para conseguir comprar objetos sociais como celulares e roupas de marca.

Esse mercado não se resume apenas às crianças da classe C, que respondem por 25% dos consumidores infantis brasileiros, de 0 a 14 anos. Também estão incluídos nele meninos e meninas das classes D e E, onde estão 67% das crianças de 0 a 4 anos, 66% das que têm entre 5 e 9 anos e 63% das com idade entre 10 e 14 anos. É exatamente aí que entram Relbert e sua família, formada pelo pai, mãe e três irmãs. Com rendimento mensal aproximado de R$ 1,5 mil, os Camilos, que formam uma família bem estruturada, enfrentam dificuldades para atender os desejos do filho, embora se esforcem para dar a ele o que há de melhor. “Gosto das coisas e quero comprar porque acho bonito. São coisas que vejo na televisão, com os colegas ou nas lojas”, justifica o menino. “É superdifícil lidar com os pedidos dele. Não temos condições financeiras de dar tudo de uma vez. Vamos dando conforme é possível”, devolve o pai, Wellington, que faz questão de ressaltar que o filho é bom aluno e até por isso merece ser presenteado.


A face mais perniciosa dessa história é que, além de encarnar o papel dos futuros consumistas do Brasil, parte do público infanto-juvenil acaba caindo na marginalidade para ter acesso aos seus objetos de desejo. Pesquisa realizada pela WCF Brasil (Childhood), organização internacional que trabalha pela proteção da infância e adolescência e contra a violência sexual, com participantes entre 10 e 18 anos e renda familiar que varia entre R$ 112 e R$ 1.015, aponta para o preocupante avanço da relação entre consumo e violência sexual. Segundo o levantamento, a relação dos envolvidos na exploração sexual com a questão econômica está muito mais ligada à lógica consumista do que à da sobrevivência. A maioria (65%) usa o dinheiro para comprar bens de consumo – roupas e tênis de marca, aparelhos de celular. São poucos os que sustentam a família. Outro dado que chama a atenção é o de que muitas das vítimas não estão em situação de miséria a ponto de trocar sexo por comida.

O mesmo delírio de consumo que empurra as crianças para a prostituição também as leva para o tráfico de drogas e à prática de furtos. A pediatra e psiquiatra da infância e adolescência Marília de Freitas Maakaroun é diretora da Fundação Libanesa de Minas Gerais (Fuliban), onde atende crianças e jovens carentes. Ela explica que a globalização igualou todo mundo nos desejos, mas a sociedade de consumo está a meio caminho dos direitos iguais. “As pessoas têm salários diferentes, mas a TV mostra o que há de mais caro”, diz. Essa exposição aos objetos de consumo, idealizados pela publicidade, acaba contribuindo para causar problemas psiquiátricos em crianças e jovens. “O desejo exacerbado por algum objeto de consumo pode levar as crianças a furtar. O grande dilema delas é querer o que todos querem, mas não ter acesso aos seus desejos”, analisa.

Fonte: http://www.uai.com.br/htmls/app/noticia173/2009/11/29/noticia_economia,i=137867/OBSESSAO+DE+ADOLESCENTES+ENDIVIDA+OS+PAIS.shtml

******

COMENTÁRIO

A sofisticada tecnologia dos tempos modernos produz bens de consumo cada vez mais fascinantes que ficam ao alcance da gula que não conseguimos suster. As televisões, ruas, rádios e a Internet estão atafulhadas de anúncios publicitários que pretendem influenciar o consumidor a comprar mais, colocando-o como um refém dos seus desejos fictícios. O modelo capitalista em que vivemos assenta na ideia de um crescimento económico contínuo. Só poderá haver crescimento económico se houver um crescente aumento do consumo. Só poderá haver um crescente aumento do consumo se as necessidades dos consumidores nunca estiverem satisfeitas. Ou seja: este é um modelo económico que só funciona através da criação ilusória de novos desejos, gerando descontentamento e promovendo a competição e a rivalidade. As crianças e os jovens são os grupos mais vulneráveis a esta manipulação artificial do apetite consumista, procurando que os ténis, o telemóvel, as roupas de marca ou o “ipod” os ajudem na sua ânsia de afirmação pessoal e social. O marketing pessoal começa e, muitas vezes, termina nestes produtos que são associados a indicadores de status e poder. Mas eles são apenas uma máscara caiada que oculta a verdadeira essência do ser humano, permitindo que a aparência e a inércia dominem sobre o auto-conhecimento e o árduo trabalho de renovação interior.

Se para a juventude esta situação é grave, podendo corromper a sua personalidade, conduta moral e os seus comportamentos futuros, a notícia alerta-nos para outros impactos que este consumismo juvenil desenfreado provoca: A deterioração das condições económicas das famílias.

Numa sociedade em que o estilo de vida fácil, descontraído, luxuoso e fútil entra nos lares sem o conseguirmos impedir, muitos pais em condições financeiras difíceis, vêm-se confrontados com as chantagens emocionais dos filhos, que os culpam por não poderem ter bens materiais suficientes para serem felizes. Inferiorizados por uma vida que nunca lhes deu valor, martirizados pela culpa, amando os seus filhos de todo o coração e querendo que eles possuam tudo aquilo que eles não tiveram, muitos pais escolhem o endividamento através de créditos bancários que sabem que não conseguirão suportar. É compreensível a dor destes pais que não podem dar aos seus filhos o que desejariam, mas é preciso refrear o ímpeto de lhes proporcionar tudo aquilo que eles pretendem. Hoje em dia vemos pais que não ousam confrontar os filhos, nem impor-lhes frustrações. O trabalho de educação a realizar pelos pais é muito mais complexo do que proporcionar aos seus filhos apenas o bem-estar material. As formas de expressão do amor não se resumem apenas no “sim”, permitindo, autorizando, concordando, aceitando tudo o que os filhos pretendem por medo que eles se sintam desiludidos ou inferiorizados. Dizer “não”, embora seja doloroso na maioria das vezes, é uma forma de amar, de educar, ainda que provoque revolta e frustração em quem o recebe. Durante toda a sua vida, as crianças e os jovens vão ter que conviver com momentos de frustração e de fracasso. É necessário criar hábitos que lhes permitam aprender a conviver com essa dor, fugindo à armadilha da satisfação fácil e descartável dos diversos prazeres materiais. Se isso não acontecer, eles só conhecerão o princípio do prazer associado à satisfação dos seus desejos imediatos, e quando forem confrontados com a crua realidade, esta acabará por parecer-lhes demasiado dolorosa, mesmo que seja uma mera insignificância. Os vícios, a sugestão da criminalidade e o comércio sexual acabam por surgir naturalmente, aparentando serem vias fáceis para contornar as dificuldades imediatas e os desejos insatisfeitos, mas acabam por arrastar os jovens para uma marginalização e um ciclo vicioso do qual é muito complicado saírem.

O materialismo é um cancro que é necessário erradicar da nossa sociedade. Como escreveu Allan Kardec no livro “O que é o Espiritismo”: “Combatendo o materialismo, nós atacamos, não os indivíduos, mas uma doutrina que, se é inofensiva para a sociedade quando se encerra no foro íntimo da consciência de pessoas esclarecidas, é uma calamidade social, se ela se generaliza.”

Precisamos substituir a rivalidade pela cooperação. O individualismo pela solidariedade. O progresso sem barreiras pela preocupação com a harmonia do nosso Planeta. Se conseguirmos fazer isto, escapamos à influência da cobiça, da inveja e da ganância, libertamo-nos das garras daquele mundo que nos quer escravizar pelo desejo de ter e passamos a manifestar a nossa verdadeira essência espiritual. Não existe maior felicidade do que fazer alguém feliz, que arrancar um sorriso a uma cara tristonha, que nos sentirmos parte de um processo de transformação que retirou alguém do sofrimento. A nossa essência espiritual não se satisfaz com aquilo que tem ou que poderá vir a ter, pois sabe que isso é apenas uma contingência desta vida física que poderá ser modificada numa outra. Ela rejubila com aquilo que sente, rejubila com aquilo que é… através do prazer de ser.

(Comentário por: Carlos Miguel Pereira é trabalhador do Centro Espírita Caridade por Amor (CECA), na cidade do Porto, e colaborador regular do Espiritismo.net )