Os fluidos espirituais representam um importante papel em todos os fenômenos
espíritas, ou melhor, são o princípio mesmo desses fenômenos. Até agora se
estava limitado a dizer que tal efeito é o resultado de uma ação fluídica, mas
esse dado geral, suficiente no início, não o é mais quando se quer investigar os
detalhes. Sabiamente os Espíritos limitaram seu ensinamento no princípio. Mais
tarde, chamaram a atenção para a grave questão dos fluidos, e não foi num centro
único que a abordaram: foi mais ou menos em todos.
Mas os Espíritos não nos vem trazer esta ciência, como nenhuma outra, já
pronta: eles nos põem no caminho, fornecem-nos os materiais e a nós cabe
estudá-los, observá-los, analisá-los, coordená-los e os pôr em obra. Foi o que
fizeram para a constituição da doutrina e agiram assim em relação aos fluidos.
Em milhares de lugares diversos e do nosso conhecimento, esboçaram o seu estudo.
Em toda parte encontramos alguns fatos, algumas explicações, uma teoria parcial,
uma idéia, mas em parte alguma um completo trabalho de conjunto. Por que isto?
Impossibilidade da parte deles? Certo que não, porque o que teriam podido fazer
como homens, com mais forte razão podê-lo-ão como Espíritos. Mas, como dissemos,
é que por coisa alguma eles vem libertar-nos do trabalho da inteligência, sem o
qual as nossas forças, ficando inativas, estiolar-se-iam, porque acharíamos mais
cômodo que eles trabalhassem por nós.
Assim, o trabalho foi deixado ao homem, mas a sua inteligência, a sua vida, o
seu tempo sendo limitados, a nenhum é dado elaborar tudo o que é necessário para
a constituição de uma ciência. Eis porque não há uma só que, em todas as suas
peças seja obra de um só homem; nenhuma descoberta que o seu primeiro inventor
tenha levado à perfeição. A cada edifício intelectual vários homens e diversas
gerações trouxeram seu contingente de pesquisas e de observações.
Assim também com a questão que nos ocupa, cujas diversas partes foram
tratadas separadamente, depois coligidas num corpo metódico, quando puderam ser
reunidos materiais suficientes. Esta parte da ciência espírita mostra, desde já,
que não é uma concepção individual sistemática, de um homem ou de um Espírito,
mas o produto de observações múltiplas, que tiram sua autoridade da concordância
entre elas existente.
Pelo motivo que acabamos de exprimir, não poderíamos pretender que esta seja
a última palavra. Como temos dito, os Espíritos graduam os seus ensinos e os
proporcionam à soma e à maturidade das idéias adquiridas. Não se poderia, pois,
duvidar que, mais tarde, elas pusessem novas observações sobre a via. Mas desde
agora há elementos suficientes para formar um corpo que, ulteriormente e
gradualmente, será completado.
O encadeamento dos fatos nos obriga a tomar nosso ponto de partida de mais
alto, a fim de proceder do conhecido para o desconhecido.
Tudo se liga na obra da criação. Outrora consideravam-se os três reinos como
inteiramente independentes entre si e teriam rido de quem pretendesse encontrar
uma correlação entre o mineral e o vegetal, entre o vegetal e o animal. Urna
observação atenta fez desaparecer a solução de continuidade, e provou que todos
os corpos formam uma cadeia ininterrupta. De tal sorte que os três reinos não
subsistem, na realidade, senão pelos caracteres gerais mais marcados. Mas nos
seus limites respectivos eles se confundem, a ponto de se hesitar em saber onde
um termina e o outro começa, e em qual certos seres devem ser colocados. Tais
são, por exemplo, os zoofitas, ou animais plantas, assim chamados porque tem, ao
mesmo tempo de animal e de planta.
O mesmo acontece no que concerne à composição dos corpos. Durante muito tempo
os quatro elementos serviram de base às ciências naturais: caíram ante as
descobertas da química moderna, que reconheceu um número indeterminado de corpos
simples. A química nos mostra todos os corpos da natureza formados desse
elementos combinados em diversas proporções. É da infinita variedade dessas
proporções que nascem as inumeráveis propriedades dos diferentes corpos. É
assim, por exemplo, que uma molécula de gás oxigênio e duas de gás hidrogênio,
combinadas, formam água. Na sua transformação em água, o oxigênio e o hidrogênio
perdem suas qualidades próprias. A bem dizer, não há mais oxigênio, nem
hidrogênio, mas água. Decompondo a água, encontram-se novamente os dois gases,
nas mesmas proporções. Se, em lugar de uma molécula de oxigênio, houver duas,
isto é, duas de cada gás, não será mais água, mas um líquido muito corrosivo.
Bastou, pois, uma simples mudança na proporção de um dos elementos para
transformar uma substância salutar em outra venenosa.
Por uma operação inversa, se os elementos de uma substância deletéria, como,
por exemplo, o arsênico, forem simplesmente combinados em outras proporções, sem
adição ou subtração de nenhuma outra substância, ela tornar-se-á inofensiva, ou
mesmo salutar. Há mais: várias moléculas reunidas de um mesmo elemento, gozarão
de propriedades diferentes, conforme o modo de agregação e as condições do meio
onde se encontram. A ozona, recentemente descoberta no ar atmosférico, é um
exemplo. Reconheceu-se que essa substância não passa de oxigênio, um dos
principais constituintes do ar, num estado particular, que lhe dá propriedades
distintas das do oxigênio propriamente dito. O ar não deixa de ser formado de
oxigênio e de azoto, mas suas qualidades variam conforme contenha maior ou menor
quantidade de oxigênio no estado de ozona.
Estas observações, que parecem estranhas ao nosso assunto, não obstante a ele
se ligam de maneira direta, como se verá mais tarde. Elas são, além disso,
essenciais como pontos de comparação.
Essas composições e decomposições se obtêm artificialmente e em pequenas
doses nos laboratórios, mas se operam em grande e espontaneamente no grande
laboratório da natureza. Sob a influência do calor, da luz, da eletricidade, da
humanidade, um corpo se decompõe, seus elementos se separam, outras combinações
se operam e novos corpos se formam. Assim, a mesma molécula de oxigênio, por
exemplo, que faz parte do nosso corpo, após a destruição deste, entra na
composição de um mineral, de uma planta, ou de um corpo animado. Em nosso corpo
atual acham-se, pois, as mesmas parcelas de matéria, que foram partes
constituintes de uma multidão de outros corpos.
Citemos um exemplo para tornar a coisa mais clara.
Um pequeno grão é posto na terra, nasce, cresce e torna-se uma grande árvore
que, anualmente, dá folhas, flores e frutos. Quer dizer que a árvore se achava
inteirinha no grão? Certamente que não, porque ela contém uma quantidade de
matéria muito mais considerável. Então de onde lhe veio essa matéria? Dos
líquidos, dos sais, dos gases que a planta tirou da terra e do ar, que
infiltraram em sua haste e, pouco a pouco, alimentaram o volume. Mas nem na
terra nem no ar encontram-se madeira, folhas, flores e frutos. É que esses
mesmos líquidos, sais e gases, no ato de absorção, se decompuseram, seus
elementos sofreram novas combinações, que os transformaram em seiva, lenho,
casca, folhas, flores, frutos, essências voláteis, etc. Estas mesmas partes, por
sua vez, vão destruir-se, decompor-se, seus elementos, misturar-se de novo na
terra e no ar; recompor as substâncias necessárias à frutificação, ser
reabsorvidos, decompostos e, mais uma vez, transformados em seiva, lenho, casca,
etc.
Numa palavra, a matéria não sofre aumento nem diminuição. Transforma-se e,
por força dessas transformações sucessivas, a proporção das diversas substâncias
é sempre em quantidade suficiente para as necessidades da natureza. Suponhamos,
por exemplo, que uma dada quantidade de água seja decomposta, no fenômeno da
vegetação, para fornecer o oxigênio e o hidrogênio necessários á formação das
diversas partes da planta; é uma quantidade de água que existe a menos na massa;
mas essas partes da planta, quando de sua decomposição, vão tornar livres o
oxigênio e o hidrogênio que elas encerravam, e esses gases, combinando-se entre
si, vão formar uma nova quantidade de água equivalente à que havia desaparecido.
Um fato que é oportuno assinalar aqui, é que o homem, que pode operar
artificialmente as composições e decomposições que se operam espontaneamente na
natureza, é impotente para reconstituir o menor corpo organizado, ainda que
fosse uma palha de erva ou uma folha morta. Depois de ter decomposto um mineral,
pode recompô-lo em todas as suas peças, como era antes. Mas quando separou os
elementos de uma parcela de matéria vegetal ou animal, não pode reconstituí-la
e, com mais forte razão, dar-lhe a vida. Seu poder pára na matéria inerte: o
princípio de vida está na mão de Deus.
A maioria dos corpos simples são chamados ponderáveis, porque é possível
achar o seu peso, e este está na razão da soma de moléculas contidas num dado
volume. Outros são ditos imponderáveis, porque para nós não tem peso e, seja
qual for a quantidade em que se acumulem num outro corpo, não aumentam o peso
deste. Tais são: o calórico, a luz, a eletricidade, o fluido magnético ou do
ímã. Este último não passa de uma variedade da eletricidade. Posto que
imponderáveis, nem por isto esses fluidos deixam de ter um grande poder. O
calórico divide os corpos mais duros, os reduz a vapor, dá aos líquidos
evaporados uma irresistível força de expansão. O choque elétrico quebra árvores
e pedras, curva barras de ferro, funde os metais, atira longe enormes massas. O
magnetismo dá ao ferro um poder de atração capaz de sustentar pesos
consideráveis. A luz não possui esse gênero de força, mas exerce uma ação
química sobre a maioria dos corpos, e sob sua influência operam-se
incessantemente composições e decomposições. Sem a luz os vegetais e os animais
se estiolam, os frutos não têm sabor nem colorido.
Todos os corpos da natureza, minerais, vegetais, animais, animados ou
inanimados, sólidos, líquidos ou gasosos, são formados dos mesmos elementos,
combinados de maneira a produzir a infinita variedade dos diferentes corpos.
Hoje a Ciência vai mais longe. Suas investigações pouco a pouco a conduzem à
grande lei da unidade. Agora é geralmente admitido que os corpos reputados
simples não passam de modificações, de transformações de um elemento único,
princípio universal designado sob os nomes de éter, fluido cósmico ou fluido
universal. De tal sorte que, segundo o modo de agregação das moléculas desse
fluido, e sob a influência de circunstâncias particulares, adquire propriedades
especiais, que constituem os corpos simples.
Estes, combinados entre si em diversas proporções, formam, como dissemos, a
inumerável variedade de corpos compostos. Segundo esta opinião, o calórico, a
luz, a eletricidade e o magnetismo não passariam de modificações do fluido
primitivo universal. Assim esse fluido que, segundo toda probabilidade, é
imponderável seria ao mesmo tempo o princípio dos fluidos imponderáveis e dos
corpos ponderáveis.
A química nos faz penetrar na constituição íntima dos corpos, mas,
experimentalmente. não vai além dos corpos considerados simples. Seus meios de
análise são impotentes para isolar o elemento primitivo e determinar a sua
essência. Ora, entre esse elemento em sua pureza absoluta e o ponto onde pára as
investigações da Ciência, o intervalo é imenso. Raciocinando por analogia,
chega-se a esta conclusão que entre esse dois pontos extremos, esse fluido deve
sofrer modificações que escapam aos nossos instrumentos e aos nossos sentidos
materiais. É nesse campo novo, até aqui fechado à exploração, que vamos tentar
penetrar.