sábado, 6 de abril de 2013

Hackers de DNA

Uma geração de jovens pesquisadores que manipulam material genético começa a criar organismos vivos ainda não encontrados na natureza. Em universidades, laboratórios e até em casa eles atuam numa área chamada biologia sintética

Paula Rothman
Info Exame

Numa tarde de dezembro, um grupo de estudantes da USP discutia uma maneira de evitar ressaca. Não, não era um papo de bar. Reunidos na biblioteca do campus da Universidade de São Paulo, os 17 alunos travavam um debate acadêmico. "Podemos usar um fungo para identificar bebidas adulteradas", disse Pedro Henrique Medeiros, 24 anos, formado em biologia e aluno do segundo ano de farmácia. O tal fungo, uma levedura, é um organismo bastante curioso.
Ele poderia brilhar em amarelo fosforescente quando a vodca, por exemplo, apresentasse alto teor de metanol, um álcool mais barato e responsável por grande parte das dores de cabeça de quem exagera na dose. É a solução perfeita, por exemplo, para testes rápidos de qualidade na balada. Só tem um detalhe: esse fungo não existe. Pelo menos, não ainda.
Criar organismos que não são encontrados na natureza é o objetivo de Medeiros e de seus colegas do Clube de Biologia Sintética da USP. Há cerca de um ano, eles se encontram semanalmente para estudar e tentar colocar em prática ideias como a da levedura. "Poderíamos utilizar partes de um vaga-lume para obter a coloração amarelada sempre que ela entrar em contato com o metanol", afirma o biólogo Medeiros. As partes do vaga-lume a que se refere não são as asas ou as patas, mas os genes do inseto. Nos projetos do clube, os alunos alteram o DNA de seres vivos inserindo trechos que permitem a esses organismos realizar tarefas que antes não poderiam fazer. Assim como hackers que escrevem linhas de código no computador, esses pesquisadores conseguem programar seres vivos.
"Podemos desenhar novas formas de vida da mesma maneira que um designer projeta um objeto", disse a INFO George Church, professor de genética na Faculdade de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, e um dos pioneiros dessa área, conhecida como biologia sintética ou synbio. O termo começou a ser usado há pouco mais de dez anos para tentar definir uma variação da engenharia genética focada em facilitar a construção de novas moléculas de DNA.
O material genético é uma espécie de receita de bolo dentro das células dos seres vivos. Cada pedacinho, ou gene, é responsável por uma parte do funcionamento do sistema. "O que fazemos é catalogar esses trechos em um formato específico que pode ser utilizado em qualquer experimento", afirma Marie-Anne Van Sluys, doutora em microbiologia e professora do Departamento de Botânica da USP.
Chamados de biobricks, ou tijolos biológicos, esses pacotes de informação ficam armazenados em grandes bancos de dados digitais. Basta acessar um deles, por exemplo, para descobrir qual gene específico produz a cor amarela no vaga-lume e se ele tem chances de funcionar na levedura. "É como brincar de Lego usando partes que já existem na natureza para fazer novas combinações", diz Marie-Anne, que apoia o Clube de Biologia Sintética e cede seu laboratório para os experimentos.

IMPRESSORA DE DNA
O clube surgiu há pouco mais de um ano por iniciativa dos próprios alunos, que queriam participar do iGEM, a maior competição mundial de synbio. Organizada pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos, essa competição contou com 191 inscritos no ano passado. "Em 2012, nós fomos os únicos representantes do país", diz Andrés Ochoa, um dos diretores do grupo. Para isso, os estudantes recorreram a um site de financiamento coletivo, o RocketHub, e levantaram 3 mil dólares para pagar a inscrição e as camisetas do time. A USP ajudou com as passagens aéreas para a etapa eliminatória, realizada em outubro, na Colômbia. "Em 2013 queremos chegar à final. É por isso que estamos nos reunindo desde já para ter ideias de projetos", afirma Ochoa.
Nos encontros, os alunos se alternam apresentando opções. Uma delas é a detecção de bebidas adulteradas. Aluno do segundo ano de química, Otto Heringer, 22 anos, foi um dos principais idealizadores do clube. "O que me atraiu na biologia sintética foi a mistura de várias disciplinas", diz. O próprio grupo é um reflexo dessa característica da synbio. Além de biologia, farmácia e química, há alunos da oceanografia, ciências moleculares, engenharia e física biológica.
Qualquer que seja o projeto escolhido para a competição de 2013, os estudantes sabem que podem contar com os biobricks já catalogados para pôr em prática suas ideias. A enorme quantidade de informação acumulada nas últimas décadas de pesquisas em engenharia genética é uma das principais bases da biologia sintética. Mas outros avanços tecnológicos também foram cruciais para o desenvolvimento da área. "Hoje é possível sintetizar DNA usando máquinas que funcionam como uma impressora", diz George Church, de Harvard. "A tecnologia está se tornando cada vez mais rápida e barata." Com isso, começaram a surgir empresas especializadas em vender material genético.
Basta enviar a combinação desejada que elas associam os componentes químicos e devolvem genes ou sequências prontos para uso. Com matéria-prima disponível e cada vez mais barata, a manipulação de material genético deixa de ser privilégio dos grandes laboratórios e universidades. A popularização da tecnologia tem efeitos já conhecidos. Na década de 1970, as garagens do Vale do Silício foram o palco de grandes inovações na área de computação. Algo similar começa a acontecer com a biotecnologia.

FEITO EM CASA
Cathal Garvey é um irlandês que costuma encomendar DNA pela internet. Os pedidos são entregues sem problema na porta de sua casa em Cork, uma cidade de menos de 130 mil habitantes no sul da Irlanda. Há cerca de um ano, ele deixou seu emprego em um laboratório local e passou a fazer pesquisas por conta própria. "Queria estudar coisas de que gosto, e não apenas o que dá dinheiro para a empresa", disse Garvey a INFO. Para isso, juntou alguns itens de cozinha, comprou peças pela internet e criou seu próprio laboratório caseiro. Uma panela de pressão, por exemplo, funciona como um esterilizador.
"Qualquer coisa que fique dentro dela por 15 minutos está limpa", diz Garvey. Uma grande embalagem térmica de isopor com aquecedor e termostato acoplados virou uma estufa. A geladeira pode ser usada para resfriar os materiais biológicos, desde que o jantar da família não divida espaço com as amostras. Frascos e tubos de vidro foram comprados online, assim como uma das centrífugas. A outra, ele mesmo construiu imprimindo algumas partes em uma impressora 3D.
Um tutorial pode ser encontrado no canal que ele possui no YouTube (onetruecathal). "O objetivo é ajudar aqueles que, assim como eu, estão fazendo isso que chamamos de biohacking por conta própria", diz Garvey.
Quem não tem a sorte de ter uma área livre em casa pode procurar espaços coletivos, cada vez mais comuns nos Estados Unidos e na Europa. O Genspace, em Nova York, por exemplo, reúne artistas e pesquisadores amadores e profissionais interessados em biotecnologia. Foi em um fórum de discussão na internet que a americana Ellen Jorgensen conheceu os outros cinco fundadores do Genspace. Aos 52 anos, e após mais de 25 trabalhando com biologia molecular para a indústria, Ellen decidiu se dedicar a um novo projeto. "Começamos as reuniões em 2009, na casa de um colega, forrando pisos e móveis com plástico para evitar contaminação", afirma. Em alguns meses, o grupo conseguiu uma sala em um galpão que cede espaços gratuitos para projetos educativos e artísticos. O vizinho de porta é um arquiteto que recolhe objetos de prédios demolidos e ajudou a mobiliar o laboratório. As banquetas, por exemplo, vieram de uma antiga lanchonete. Os equipamentos foram comprados no eBay ou doados.
O Genspace funciona como um hub que concentra negócios. Atualmente são 12 sócios que pagam uma mensalidade de 100 dólares. Ela dá direito a usar o espaço e a alguns reagentes necessários nos experimentos. Também há aulas e palestras avulsas que custam até 300 dólares e atraem centenas de pessoas todos os anos. "Um dos eventos mais populares é o Biohacker Boot Camp, um intensivão de como construir seu laboratório caseiro", diz Ellen.
Metade dos frequentadores do laboratório é formada por artistas e designers que usam a biotecnologia em seus projetos. Um grupo de garotas, por exemplo, coleta fios de cabelo em lugares públicos e tenta desenhar o rosto dos donos a partir de características que conseguem extrair do DNA. Isso não é biologia sintética, mas é um trabalho com material genético que dificilmente poderia ser feito sem um local como o Genspace. "Esses ambientes são ótimos para trocar ideias", diz Marcelo Rodrigues, engenheiro elétrico criador do Lab de Garagem.
A casa, em São Paulo, é uma espécie de incubadora de projetos e clube dos amantes de eletrônica. Desde 2010, o Lab de Garagem vende equipamentos e orienta quem quiser criar, por exemplo, uma cafeteria que tuíta quando o café está pronto. Agora, Rodrigues quer focar na biologia. No ano passado, visitou o BioCurious, na Califórnia. "Busco parceiros para montar estruturas de trabalho como as que vi nos Estados Unidos", diz Rodrigues.
O movimento "faça você mesmo" está em alta na biotecnologia, mas não são só os hackers independentes que investem nele. Pesquisadores em laboratórios de ponta trabalham para aumentar a produção de alimentos, de combustível limpo ou até mesmo combater o vírus da aids sem medicamentos. Uma das empresas com a qual George Church está envolvido patenteou uma espécie de bactéria modificada que usa CO2, água e luz solar para produzir um combustível tão eficiente quanto o diesel, mas sem petróleo.
"Com tempo, dinheiro e os avanços tecnológicos, não acho que existam limites para o que se pode fazer com engenharia biológica", diz Church. A tecnologia é sofisticada e envolve aspectos éticos.
De olho no potencial das pesquisas, grandes empresas já se aproximaram dos espaços coletivos de biohacking. "Tenho reuniões com algumas das maiores companhias dos Estados Unidos e todas elas querem saber o que estamos desenvolvendo", diz Ellen. O irlandês Cathal Garvey conseguiu investimento de um fundo de venture capital para suas pesquisas. No Brasil, os garotos do Clube de Biologia Sintética da USP começaram a trocar figurinhas com Marcelo Rodrigues, do Lab de Garagem. Quem sabe não surge daí um hub de empreendedorismo em biotecnologia?
Mas, para os não-iniciados, como aproveitar esse tipo de pesquisa? Ellen Jorgensen dá alguns exemplos práticos: descobrir qual cão da vizinhança está deixando "presentes" em sua calçada, como fez recentemente um jornalista americano cansado de recolher cocô na porta. Jogando bolas de tênis a cada cão da rua, ele obteve amostras de DNA que cruzou com o material ofensivo para descobrir o autor da sujeira. Outro exemplo? Checar se o seu cereal orgânico contém material geneticamente modificado. Ou ainda criar uma levedura para detectar poluentes. Para quem não acredita no potencial desse novo tipo de hacker, vale lembrar o que a última geração de jovens pioneiros da programação conquistou.
Notícia publicada no Planeta Sustentável, em janeiro de 2013.

Breno Henrique de Sousa* comenta
O futuro já chegou
O que essas notícias tecnológicas tem a ver com o Espiritismo? A primeira constatação é a de que, conforme afirma o Espiritismo, o progresso é positivo e é uma consequência natural, ao contrário de algumas visões pessimistas que desenham um futuro apocalíptico. Algumas pessoas podem pensar que essas coisas são o “sinal dos tempos”, uma expressão popular que pressagia o fim do mundo porque o homem está “brincado de ser Deus” e isso seria um sinal de que o fim está próximo.
Ora! Chega a ser infantil esse tipo de coisa. Afinal, sempre ouvimos isso diante de qualquer descoberta inovadora, diante de qualquer novo avanço. Na verdade não é de Deus que temos medo, temos medo de que as novas mudanças e descobertas cheguem para destruir nossas velhas visões de mundo às quais estamos arraigados. Bradamos uma espécie de ameaça divina na tentativa inglória de afastar o progresso, enquanto ignoramos que o progresso faz parte dos desígnios divinos para a humanidade.
Nunca é demais afirmar que não estamos livres dos impositivos éticos, das responsabilidades sociais e possíveis consequências negativas de qualquer avanço científico. Precisamos nos precaver, porque nem tudo o que vem em nome do progresso é bom, saudável, seguro e amistoso. Sobretudo quando os avanços visam ganhos financeiros, costuma-se desrespeitar as normas de segurança adequadas, pondo em risco a vida dos consumidores e o equilíbrio do meio ambiente. Porém, a solução para isso não é uma negação do progresso que é inevitável. Discursos radicais só surtem efeito pontual e muito pouco afeta a marcha inexorável do progresso.
No panorama apresentado pela reportagem em destaque, assim como em todas as coisas, podemos destacar riscos e oportunidades. Grupos de jovens pesquisadores espalhados pelo mundo, fazendo manipulações genéticas de todos os tipos, jovens que ainda não têm consciência dos impositivos éticos e das consequências de suas atitudes, jovens com ideologias das mais diversas (como ideologias religiosas, radicais ou ambição financeira), apenas empolgados com o “ir mais longe”, “fazer o que ninguém fez”, “descobrir o que ninguém descobriu”, “fazer para ver no que vai dar”; fazendo as suas pesquisas em casa ou na garagem, sem supervisão de instituições competentes, isso pode resultar em armas biológicas, desastres ambientais, contaminações e epidemias, isso porque estou atenuando as possibilidades. A reportagem compara essa situação com aqueles jovens que criaram em garagens softwares revolucionários como o Windows e redes sociais como o Facebook, mas manipular material genético não é o mesmo que criar softwares, e envolve riscos antes não implicados, e não se trata de uma expectativa pessimista ou irreal, qualquer pessoa que tem conhecimentos na área biológica e infectológica sabe que são possibilidades que devem ser consideradas e discutidas.
Por outro lado, a popularização do conhecimento científico permitirá avanços mais rápidos e mais rapidamente disponibilizados para a população em geral. As descobertas provenientes desses grupos não estarão submetidas as patentes das grandes indústrias farmacêuticas, a tecnologia estará mais rapidamente disponível para todas as camadas sociais, pelo menos, mais rapidamente do que o atual modelo que centraliza na indústria e nas grandes instituições de pesquisa toda a inovação tecnológica. Outras vantagens dessa situação são a mudança no perfil dos profissionais da área científica e na formação acadêmica desses profissionais.
Hoje, o cientista ainda é uma criatura quase mítica e sobre-humana, própria dos filmes de ficção científica. Ser cientista parece tornar-se parte de um olimpo de poucas mentes privilegiadas no mundo, mas, quem faz ciência, sabe que isso está longe de ser verdade, ainda mais, não é preciso uma formação acadêmica para fazer ciência ou inovações tecnológicas, aliás, boa parte dos grandes inventores do mundo não tinham formação específica para criar seus inventos, eram apenas autodidatas.
Estamos caminhando para uma sociedade de autodidatas, de gênios que surgem em todas as esquinas do mundo, porque se estão nivelando as possibilidades de acesso à informação através da Internet. Hoje, qualquer um que tenha acesso a rede mundial de computadores pode conseguir informação da mais alta qualidade e atualidade, usada pelos mais renomados institutos de ensino e pesquisa do mundo.
As universidades terão de se adequar a essa nova realidade. Até aos dias atuais as empresas exigem um profissional com um diploma de uma instituição reconhecida, isso sempre foi necessário para garantir a qualidade do profissional, porém, esse sistema também supervalorizou os diplomas e certificados, de maneira que hoje muitas instituições de ensino são apenas fábricas de diplomas. A cada dia as pessoas juntam mais certificados e diplomas em currículos quilométricos, e a cada dia surgem exemplos de incompetência entre os profissionais mais certificados.
Agora caminhamos para uma realidade onde gradativamente valoriza-se mais as competências e habilidades que o profissional é capaz de demonstrar, do que simplesmente apresentar diplomas e certificados. Acredito que chegaremos a um dia, daqui a alguns anos talvez, onde esse sistema de ensino universitário estará obsoleto e o mercado estará cada vez mais ocupado por profissionais autodidatas ou com formações menos clássicas, no lugar daqueles que tendo apenas diplomas, não conseguem demonstrar habilidades específicas.
Essas associações com espaços dedicados à inventividade serão as faculdades e universidades do futuro, deixando para trás o paradigma superado das formações tradicionais centradas na memorização e acumulação de conteúdo teórico descontextualizado da realidade. A universidade até fala em contextualização do ensino, discute-se currículo e futuro das profissões, mas na prática, ainda estão bem longe, e as instituições que não tomarem o bonde do progresso serão relegadas ao ostracismo e a decadência.
Essas são conjunturas do mundo. Qualquer que seja a escolha dos homens, o progresso será estabelecido, não importa a ordem dos fatores, o produto do progresso é inexorável. Cabe a nós, através do nosso livre-arbítrio, escolher os melhores caminhos, a estrada da responsabilidade e do bem. Somos chamados pelas leis divinas a sermos artífices do progresso humano, porém, mais importante que o progresso tecnológico, é o progresso moral de nossa sociedade, estabelecendo o amor como o núcleo das instituições humanas. Sem a fonte do amor, todas as edificações são vazias e perecíveis.
* Breno Henrique de Sousa é paraibano de João Pessoa, graduado em Ciências Agrárias e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal da Paraíba. Ambientalista e militante do movimento espírita paraibano há mais de 10 anos, sendo articulista e expositor.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Revista Espírita: Mobiliário de além-túmulo


Extraímos a passagem seguinte de uma carta que nos foi endereçada do departamento do Jura, por um dos correspondentes da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas:
"... Eu vos disse, Senhor, que a nossa antiga habitação era amada pelos Espíritos. No mês de outubro último (1858), a senhora condessa de C., amiga íntima de minha filha, veio passar alguns dias em nosso solar com seu filhinho, de oito anos de idade. Deitou-se a criança no mesmo apartamento de sua mãe; a porta que dava de seu quarto para o de minha filha foi deixada aberta para poder prolongar as horas do dia e conversar. A criança não dormia, e dizia à sua mãe: "Que faz, pois, esse homem sentado ao pé de vossa cama? Ele fuma um grande cachimbo; vede como ele enche vosso quarto de fumaça; portanto, mandai-o embora; ele sacode vossas cortinas." Essa visão durou toda a noite; a mãe não pôde fazer a criança calar, e ninguém pôde fechar os olhos. Essa circunstância não espantou nem a minha filha e nem a mim, que sabemos o que ocorre nas manifestações espíritas; quanto à sua mãe, ela acreditava que seu filho sonhava acordado, ou se divertia.
"Eis um outro fato, que me é pessoal, e que me ocorreu nesse mesmo apartamento, no mês de maio de 1858; foi a aparição do Espírito de um vivo, que ficou muito espantado depois de ter me visitado; eis em que circunstância: Eu estava muito doente e não dormia há muito tempo, quando vi, às dez horas da noite, um amigo de minha família sentado perto da minha cama. Testemunhei-lhe minha surpresa pela sua visita a essa hora. Ele me disse: Não faleis, vim velar-vos; não faleis, é necessário que possais dormir;" e estendeu a sua mão sobre a minha fronte. Várias vezes reabri os olhos para ver se estava ali ainda, e cada vez me fazia sinal para fechá-los e calar-me. Ele rolava sua tabaqueira em seus dedos e, de tempo em tempo, tomava uma pitada, como tinha hábito de fazê-lo. Adormeci, enfim, e no meu despertar a visão havia desaparecido. Diferentes circunstâncias me deram a prova de que, no momento dessa visita inesperada eu estava perfeitamente desperto e que isso não fora um sonho. Em sua primeira visita, apressei-me em agradecer-lhe; ele levava a mesma tabaqueira, e escutando-me, tinha o mesmo sorriso de bondade que eu notara nele enquanto me velava. Como ele me afirmou que não viera, o que de resto não tive dificuldade em crer, porque não houvera nenhum motivo que pudesse convidá-lo a vir em semelhante hora e a passar a noite junto a mim, compreendi que só seu Espírito não se dera conta da visita, enquanto seu corpo repousava tranqüilamente em sua casa."
Os fatos de aparição são de tal modo numerosos, que nos seria impossível registrar todos aqueles que conhecemos e dos quais temos fontes perfeitamente autênticas. De resto, hoje quando esses fatos são explicados, quando se dá conta exatamente do modo que se produzem, sabe-se que entram nas leis da Natureza e, desde então, nada têm mais de maravilhosos. Já demos deles a teoria completa, não faremos senão lembrá-la, em poucas palavras, para compreensão do que vai seguir-se.
Sabe-se que além do envoltório exterior, o Espírito tem um segundo, semi-material, que chamamos perispírito. A morte não é senão a destruição do primeiro. O Espírito, em seu estado errante, conserva o perispírito que constitui uma espécie de corpo etéreo, invisível para nós no estado normal. Os Espíritos povoam o espaço, e se, num momento dado, o véu que no-los oculta viesse a se levantar, veríamos uma inumerável população se agitar ao nosso redor e percorrer os ares; vê-la-íamos, sem cessar, aos nossos lados observando-nos e, freqüentemente, misturando-se às nossas ocupações e aos nossos prazeres, segundo o seu caráter. A invisibilidade não é uma propriedade absoluta dos Espíritos; a miúdo, se nos mostram sob a aparência que tiveram em sua vida, e existem poucas pessoas que, evocando suas lembranças, não têm o conhecimento de algum fato desse gênero. A teoria dessas aparições é muito simples e se explica por uma comparação que nos é muito familiar, a do vapor que, quanto está muito rarefeito, é completamente invisível; um primeiro grau de condensação torna-o enevoado; quanto mais condensado passa ao estado líquido, depois ao estado sólido. Opera-se alguma coisa análoga pela vontade do Espírito na substância do perispírito; isso não é, de resto, como dissemos, senão uma comparação e não uma assimilação que pretendêssemos estabelecer; servimo-nos do exemplo do vapor pata mostrar as mudanças de aspecto que pode sofrer um corpo invisível, mas com isso não inferimos que haja no perispírito uma condensação, no sentido próprio da palavra. Opera-se, em sua contextura, uma modificação molecular que o torna visível e mesmo tangível, e pode dar-lhe, até um certo ponto, as propriedades dos corpos sólidos. Sabemos que corpos perfeitamente transparentes tornam-se opacos por uma simples mudança na posição das moléculas, ou pela adição de um outro corpo igualmente transparente. Não sabemos exatamente como opera o Espírito para tornar visível seu corpo etéreo; a maioria mesmo, entre eles, disso não se dá conta, mas, pelos exemplos que citamos, concebemos sua possibilidade física, e isso basta para tirar, desse fenômeno, o que haja de sobrenatural à primeira vista. O Espírito pode, pois, operá-lo, seja por uma simples modificação íntima, seja assimilando uma porção de fluido estranho que muda momentaneamente o aspecto de seu perispírito; essa última hipótese é mesmo a que ressalta das explicações que nos foram dadas, e que relatamos ao tratar desse assunto. (Maio, junho e dezembro.)


terça-feira, 2 de abril de 2013

O Poder da prece

 
Álvaro Vanucci

(Físico, Professor, Membro do Conselho Deliberativo da ABRAPE)

http://www.promaster.com.br/abrape


O Passe Espiritual constitui-se em uma prática importante no meio espírita, envolvendo o necessitado, o médium passista (medianeiro e co-participante do processo) e o(s) espírito(s) assessor(es). Basicamente, o passe envolve uma troca de fluidos (geralmente do médium e do plano espiritual para o enfermo), e não possui qualquer tipo de contra indicação, sendo sempre valioso nos diversos tipos de enfermidades e distúrbios, podendo ser aplicado em qualquer pessoa e de qualquer idade.

No entanto, todos nós sabemos que, para ser ministrado com a maior eficiência possível, alguns requisitos básicos devem ser satisfeitos. Do médium passista, requer-se hábitos sadios e atitudes cotidianas exemplares, baseadas na simplicidade, humildade e controle emocional. Do enfermo, que se coloque em posição mental de querer efetivamente receber a ajuda de que veio em busca - ".... foi tua fé que te salvou", como sempre dizia Jesus.

Mas as perguntas básicas que podemos formular são: Por quais mecanismos se processa o passe? Por quê a necessidade da oração durante o passe? É necessário o uso de gestos específicos ou vestimentas especiais para se ministrar o passe? Respostas a estas e outras perguntas do gênero, podem ser encontradas no livro de André Luís, "Mecanismos da Mediunidade", psicografado pelo Chico Xavier.

De acordo com André Luís, o cérebro pode ser considerado como potente emissor e receptor de ondas mentais, ao mesmo tempo. A frequência destas ondas mentais caracteriza o nível moral/espiritual de cada criatura e também se reflete na sua aura. Basicamente, a aura corresponde a correntes atômicas sutis do pensamento, que possui frequência e cor peculiares, e quanto mais nobres forem os ideais e mais correta a conduta moral, maior será a frequência das ondas emitidas.

De forma geral, para que haja a perfeita interação (e consequente troca de pensamentos, fluidos e energia) entre duas criaturas, é necessário que elas estejam "sintonizadas" uma com a outra, isto é, que seus estados íntimos, ao menos naquele instante, estejam vibrando na mesma faixa de frequência. Durante uma manifestação mediúnica qualquer da qual participa um mensageiro das altas esferas, por exemplo, ele irá se esforçar por diminuir o seu padrão vibratório ao mesmo tempo que solicitará ao médium um certo esforço no sentido de elevar sua freqüência mental intrínseca, o que será conseguido se ele se mantiver em concentração e em oração fervorosa. Se o médium possuir de fato o desejo de servir, então ele conseguirá, através da oração sincera, elevar seu padrão vibratório e o intercâmbio transcorrerá com facilidade e segurança. Caso o médium não realize este esforço, a comunicação torna-se tanto mais difícil quanto maior for o grau de desatenção do médium.

 Nunca devemos nos esquecer que esta influenciação que recebemos das diversas entidades espirituais é sempre determinada pela configuração do padrão vibratório que dispomos no momento, reflexo imediato dos pensamentos e/ou sentimentos que nos assenhoram o íntimo. Considerando que chegam até nós tanto os pensamentos elevados (emitidos por espíritos protetores e mensageiros do bem) como também os pensamentos perniciosos (emitidos por entidades inconseqüentes e zombeteiras), passaremos naturalmente a "dar ouvidos" (sintonizar) àqueles que possuem a mesma frequência que os nossos. Daí a atração que se exerce sobre semelhantes. No fundo, nós é que escolhemos os espíritos que nos acompanham, segundo nosso modo de ser e pensar.

Desta forma, durante o passe espiritual, é fundamental que o médium se coloque em condições de sintonia perfeita com o(s) espírito(s) benfeitor(es) que o acompanha na tarefa. Além disto, o médium e sua equipe devem procurar meios de incentivar aquele que está recebendo o passe a elevar, por sua vez, sua própria condição vibratória, uma vez que processo de socorro pelo passe é tanto mais eficiente quanto maior for a sintonia e confiança daquele que lhe recolhe os benefícios. Por exemplo, se tiver sido recebido anteriormente com gestos de atenção e carinho, o enfermo tende a acolher as sugestões emitidas, passando a emitir pensamentos relacionados com o bem estar que procura. Durante o passe em si, o médium estará também projetando o seu próprio fluxo energético sobre a epífise do necessitado, provocando nele o estado de atenção. Suas palavras de consolo têm, então, forte poder indutivo sobre o enfermo, fazendo com que ele passe a emitir ondas mentais renovadas, de refazimento, e que passam a agir tanto quanto possível sobre as células do veículo fisiopsicossomático de forma restaurativa, inclusive as dos tecidos celulares afetados.

 Como vemos, a eficácia do passe depende quase que exclusivamente de processos mentais que envolvem três partes: o espírito auxiliar, o médium e o enfermo. Se qualquer um deles jaz desatento ao trabalho, com a mente voltada para objetivos estranhos à tarefa em andamento, o intercâmbio de fluidos torna-se difícil, com resultados aquém do desejável.

 Em decorrência desta análise, concluímos que a utilização de roupas específicas ou gesticulações padronizadas, são totalmente dispensáveis, já que são os sentimentos nobres e a vontade de servir que determinam o grau de sintonia com as esferas superiores e perfeito êxito da tarefa.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Revista Espírita: O negro Pai César.


Pai César, homem livre de cor, morto em 8 de fevereiro de 1859, coma idade de 138 anos, perto de Covington, nos Estados Unidos. Era nascido na África e foi conduzido à Lousiana com a idade de cerca de 15 anos. Os restos mortais desse patriarca da raça negra foram acompanhados, ao campo de repouso, por um certo número de habitantes de Covington, e uma multidão de pessoas de cor.

Sociedade, 25 de março de 1859.

1. (A São Luís) Poderíeis nos dizer se podemos chamar o Pai César, de quem acabamos de falar? - R. Sim, eu o ajudarei a vos responder.
Nota. Esse início faz pressagiar o estado do Espírito que se desejava interrogar.

2. Evocação. - R. Que quereis de mim, e o que pode um pobre Espírito como eu em uma reunião como a vossa?

3. Sois mais feliz agora do que quando vivo? - R. Sim, porque minha condição não era boa na Terra.

4. Entretanto, éreis livre; em que sois mais feliz agora? - R. Porque meu Espírito não é mais negro.
Nota. Essa resposta é mais sensata do que parece à primeira vista. Seguramente, o Espírito jamais é negro; ele quis dizer que, como Espírito, não tem mais as humilhações das quais é alvo a raça negra.

5. Vivestes muito tempo; isso aproveitou para o vosso adiantamento? - R. Eu me desgostei na Terra, e não sofri bastante, em uma certa idade, para ter a felicidade de avançar.

6. Em que empregais vosso tempo agora? - R. Procuro esclarecer-me e em que corpo poderei fazê-lo.

7. Que pensáveis dos Brancos, quando vivo? - R. Eram bons, mas orgulhosos de uma brancura da qual não eram a causa.
8. Consideráveis a brancura como uma superioridade? - R. Sim, uma vez que eu era desprezado como negro.

9. (A São Luís). A raça negra é verdadeiramente uma raça inferior? - R. A raça negra desaparecerá da Terra. Ela foi feita para uma latitude diferente da vossa.

10. (A Pai César). Dissestes que procuráveis o corpo pelo qual poderíeis avançar; escolhereis um corpo branco ou um corpo negro? - R. Um branco, porque o desprezo me faria mal.

11. Vivestes realmente a idade que se vos atribui: 138 anos? -R. Não contei bem, pela razão que dissestes.
Nota. Vem-se de fazer a observação de que os negros, não tendo estado civil, sua idade não é julgada senão aproximadamente, sobretudo quando nasceram na África.

12. (A São Luís). Os Brancos se reencarnam, algumas vezes, em corpos negros? - R. Sim, quando, por exemplo, um senhor maltratou um escravo, ele pode pedir para si, por expiação, viver num corpo de negro para sofrer, a seu turno, todos os sofrimentos que fez sentir e, por esse meio, avançar e alcançar o perdão de Deus.

Fonte: www.espirito.org.br