sexta-feira, 10 de outubro de 2014

SRA. VIÚVA FOULON

R.E. , março de 1865, p. 108 

Em sua seção de artigos necrológicos, de 13 de fevereiro de 1865, o jornal Siècle publicou a nota seguinte, também reproduzida pelo jornal do Havre e pelo de Antibes:

“Uma artista querida e estimada no Havre, a viúva Foulon, hábil miniaturista, faleceu em Antibes no dia 3 de fevereiro, onde tinha ido buscar, num clima mais suave, o restabelecimento da saúde, alterada pelo trabalho e pela idade.”

12 N. do T.: O Céu e o Inferno.

Tendo conhecido pessoalmente e muito intimamente a Sra. Foulon, sentimo-nos felizes por poder completar a justa, mas muito breve notícia acima. Nisto cumprimos um dever de amizade e, ao mesmo tempo, prestamos uma merecida homenagem a virtudes ignoradas e a um salutar exemplo para todo o mundo e para os espíritas em particular, que aqui colherão preciosos ensinamentos.

Como artista, a Sra. Foulon tinha um talento notável. Suas obras, justamente apreciadas em muitas exposições, lhe valeram numerosas recompensas honoríficas. Eis aí um mérito, sem dúvida, mas que nada tem de excepcional. O que, sobretudo, a fazia amada e estimada, o que torna sua memória cara a todos os que a conheceram, é a amenidade de seu caráter; são suas qualidades privadas, cuja extensão só podiam apreciar os que conheciam sua vida íntima. Porque, como todos aqueles nos quais é inato o sentimento do bem, ela não os ostentava e nem mesmo os suspeitava. Se há alguém sobre quem o egoísmo não tinha domínio, era ela, sem dúvida; talvez jamais o sentimento de abnegação pessoal fosse levado mais longe; sempre pronta a sacrificar o repouso, a saúde e os interesses por aqueles a quem podia ser útil, sua vida foi uma longa série de dedicações, assim como não foi, desde a juventude, senão um longo rosário de rudes e cruéis provas, diante das quais sua coragem, sua resignação e sua perseverança jamais faliram. Reveses de fortuna só lhe deixaram o talento como único recurso; foi somente com os pincéis, dando lições ou fazendo retratos, que educou uma numerosa família e assegurou honrosa posição a todos os seus filhos. É preciso ter conhecido sua vida íntima para saber tudo o que suportou de fadigas e privações, todas as dificuldades contra as quais teve de lutar para atingir o seu objetivo. Mas, ah! sua vista, fatigada pelo trabalho cativante da miniatura, extinguia-se dia a dia; mais algum tempo e a cegueira, já muito avançada, teria sido completa.

Quando a Sra. Foulon tomou conhecimento da Doutrina Espírita, alguns anos atrás, para ela foi como um rastro de luz. Pareceu-lhe que um véu se levantava sobre algo que não lhe era desconhecido, mas de que tinha apenas vaga intuição. Então o estudou com ardor, mas, ao mesmo tempo, com essa lucidez de espírito, essa justeza de apreciação, que era peculiar à sua alta inteligência. É preciso conhecer todas as perplexidades de sua vida,perplexidades que tinham sempre por móvel, não ela própria, mas os seres que lhe eram caros, para compreender todas as consolações que ela hauriu nesta sublime revelação, que lhe dava uma fé inabalável no futuro e lhe mostrava o nada das coisas terrenas. Sem o respeito devido às coisas íntimas, quão grandiosos ensinamentos saíram do último período dessa vida tão fecunda em emoções! Por isso, não lhe faltou a assistência dos Espíritos bons. As instruções e os ensinamentos que eles tiveram o prazer de prodigalizar a essa alma de escol formam uma coletânea das mais edificantes, mas toda íntima, da qual tivemos, mais de uma vez, a felicidade de ser o agente provocador. Assim, sua morte foi digna de sua vida. Ela viu sua chegada sem nenhum temor penoso: para ela era a libertação dos laços terrenos que devia abrir-lhe essa vida espiritual bem-aventurada, com a qual se havia identificado pelo estudo do Espiritismo.

Morreu com calma, porque tinha consciência de ter cumprido a missão que havia aceitado ao vir à Terra, de ter cumprido escrupulosamente seus deveres de esposa e de mãe de família. Porque também tinha, durante a vida, abjurado todo ressentimento contra aqueles dos quais podia lastimar-se e que a tinham pago com ingratidão; que sempre tinha pago o mal com o bem, perdoando-os ao deixar a vida, confiando na bondade e na justiça de Deus. Enfim, morreu com a serenidade que dá uma consciência pura, e a certeza de estar menos separada de seus filhos que durante a vida corporal, já que poderá, doravante, estar com eles em Espírito, seja qual for o ponto do globo em que se achem,ajudá-los com seus conselhos e os cobrir com a sua proteção. Agora, qual a sua sorte no mundo em que se encontra? Os espíritas já o pressentem. Mas deixemos que ela mesma relate as suas impressões.

Como se viu, ela morreu em 3 de fevereiro; recebemos a notícia no dia 6 e nosso primeiro desejo foi o de nos entretermos com ela, se fosse possível. No momento estávamos acometido de grave moléstia, o que explica algumas de suas palavras. É de notar que o médium não a conhecia e ignorava as particularidades de sua vida, da qual ela fala espontaneamente. Eis sua primeira comunicação, dada em 6 de fevereiro:

(6 de fevereiro de 1865 – Médium: Sra. Cazemajour)13

Estava certa de que teríeis a idéia de me evocar logo depois da minha morte e estava pronta a vos responder, pois não conheci a perturbação. Só os que têm medo são envolvidos por suas espessas trevas.

Pois bem, meu amigo, agora estou feliz. Estes pobres olhos que se haviam enfraquecido e só me deixavam a lembrança dos prismas que tinham colorido minha juventude com seu brilho cintilante, abriram-se aqui e reencontram os esplêndidos horizontes que alguns de vossos grandes artistas idealizam em suas vagas reproduções, mas cuja realidade majestosa, severa e, contudo, cheia de encantos, é moldada na mais completa realidade.

Apenas há três dias estou morta, e sinto que sou artista. Minhas aspirações para o ideal da beleza na arte mais não eram que a intuição de uma faculdade que eu tinha estudado e adquirido em outras existências e que se desenvolveram na última. Mas, que devo fazer para reproduzir uma obra-prima digna da cena que comove o espírito, quando se chega na região da luz? Pincéis! pincéis! Provarei ao mundo que a arte espírita é o coroamento da arte pagã,da arte cristã que periclita, e que só ao Espiritismo está reservada a glória de fazê-la reviver em todo o seu brilho no vosso mundo deserdado. 13 N. do T.: 5 de fevereiro, conforme o original. A data certa, porém, é 6 de fevereiro, como consta acima.

Basta para a artista. É a vez da amiga.

Por que, boa amiga (Sra. Allan Kardec), vos afetar assim pela minha morte? Sobretudo vós, que conheceis as decepções e as amarguras de minha vida, deveríeis, ao contrário alegrar-vos por ver que agora não mais devo beber a taça amarga das dores terrenas, que esvaziei até o fim. Crede-me: os mortos são mais felizes que os vivos; pranteá-los é duvidar da veracidade do Espiritismo. Tende certeza de que me vereis novamente; parti primeiro, porque minha tarefa na Terra havia terminado; cada um tem a sua a cumprir aí e, quando a vossa estiver acabada, vireis repousar um pouco junto a mim, para recomeçar em seguida, se necessário, levando-se em conta que não está na Natureza ficar inativo. Cada um tem suas tendências e a elas obedece; é uma lei suprema que prova o poder do livre-arbítrio. Assim, boa amiga, indulgência e caridade, pois todos necessitamos,reciprocamente, seja no mundo visível, seja no invisível. Com esta divisa, tudo vai bem.

Não me mandastes parar. Sabeis que converso longamente pela primeira vez! Mas eu vos deixo; é a vez do meu excelente amigo, Sr. Kardec. Quero agradecer-lhe as afetuosas palavras que ele houve por bem dirigir à amiga que o precedeu no túmulo; porque nós quase partimos juntos para o mundo onde me encontro, meu amigo! (Tínhamos adoecido no dia 31 de janeiro). Que teria dito a bem-amada companheira dos vossos dias, se os Espíritos bons nisto não tivessem posto boa ordem? então ela teria chorado e gemido! eu o compreendo. Mas,também, é preciso que ela vele para que não vos exponhais novamente ao perigo, antes que tenhais acabado o vosso trabalho de iniciação espírita, sem o que vos arriscais a chegar cedo demais entre nós e, como Moisés, só ver a Terra Prometida de longe. Mantende-vos em guarda, pois é uma amiga que vos previne.

Agora me vou. Volto para junto de meus caros filhos; depois vou ver, além dos mares, se minha ovelha viajante finalmente chegou ao porto, ou se é joguete da tempestade. Que os Espíritos bons a protejam; vou juntar-me a eles para isto. Voltarei a conversar convosco, pois, como lembrais, sou uma faladora infatigável. Adeus, pois, bons e caros amigos. Até breve.

Viúva Foulon

Observação – A ovelha viajante é uma de suas filhas, que reside na América e que acabava de fazer longa e penosa viagem.

Não se teme a morte senão pela incerteza do que se passa nesse momento supremo e pelo que será de nós no além. Nem sempre a crença vaga na vida futura é suficiente para acalmar o temor do desconhecido. Todas as comunicações que têm por objetivo iniciar-nos nos detalhes e nas impressões da passagem tendem a dissipar esse medo, ao nos familiarizarem e identificarem com a transição que em nós se opera. Deste ponto de vista, as da Sra. Foulon e as do Dr. Demeure, que vêm a seguir, são eminentemente instrutivas. Sendo a situação dos Espíritos depois da morte essencialmente variável, conforme a diversidade das
aptidões, das qualidades e do caráter de cada um, somente pela multiplicidade dos exemplos é que se pode chegar a conhecer o estado real do mundo invisível.

(8 de fevereiro de 1865)

Espontânea – Eis-me aqui entre vós, bem mais cedo do que pensava e felicíssima por vos rever, sobretudo agora que estais melhor e que em breve, assim espero, estareis completamente restabelecido. Mas quero que me dirijais as perguntas que vos interessam; responderei melhor. Sem isto, arrisco-me a falar convosco sem uma seqüência lógica, e é necessário que falemos de coisas puramente sérias. Não é, meu bom mestre espírita?

P. – Cara Sra. Foulon, estou muito contente com a comunicação que destes outro dia, e com a promessa de continuar nossas conversas. Eu vos reconheci perfeitamente na comunicação; ali faláveis de coisas ignoradas do médium, e que não podiam vir senão de vós; depois, vossa linguagem afetuosa a nosso respeito é bem a de vossa alma amorosa. Mas há em vossa linguagem uma segurança, um aprumo, uma firmeza que não conhecia em vossa vida. Sabeis que a este respeito eu me permiti mais de uma admoestação em certas circunstâncias.
Resp. – É verdade. Mas desde que me vi gravemente  doente, recobrei a firmeza de espírito, perdida pelos desgostos e vicissitudes que, por vezes me tinham tornado medrosa quando encarnada. Disse de mim para mim: Tu és espírita; esquece a Terra; prepara-te para a transformação de teu ser e antevê, pelo pensamento a senda luminosa que tua alma deve seguir, ao deixar o corpo, e que a conduzirá, feliz e liberta, às esferas celestes onde viverás doravante.

Dir-me-eis que era um tanto presunçoso de minha parte contar com a felicidade perfeita ao deixar a Terra; mas eu tinha sofrido tanto que devia ter expiado minhas faltas desta existência e das precedentes. Esta intuição não me havia enganado; foi ela que me deu coragem, calma e firmeza nos últimos instantes. Essa firmeza naturalmente aumentou quando vi, depois de morta,a realização das minhas esperanças.
P. – Tende a bondade de descrever agora vossa passagem, o despertar e as primeiras impressões sentidas.
Resp. – Sofri, mas meu Espírito foi mais forte do que o sofrimento material, que o desprendimento o fazia experimentar. Encontrei-me, após o supremo suspiro, em estado de síncope, sem a menor consciência de minha situação, não pensando em nada, e numa vaga sonolência, que não era o sono do corpo nem o despertar da alma. Fiquei assim bastante tempo; depois, como se saísse de um longo desfalecimento, despertei pouco a pouco entre irmãos que não conhecia. Eles me prodigalizaram cuidados e carícias; mostraram-me um ponto no espaço que parecia uma estrela brilhante e me disseram: “É para lá que virás conosco; não pertences mais à Terra.” Então recobrei a memória; apoiei-me neles e, como um grupo gracioso que se lança para esferas desconhecidas, mas com a certeza de lá encontrar a felicidade... subimos, subimos, e a estrela crescia. Era um mundo feliz, um mundo superior, onde vossa boa amiga vai, enfim, encontrar o repouso. Quero dizer o repouso em relação às fadigas corporais que suportei e às vicissitudes da vida terrena, mas não a indolência do Espírito, porque a atividade do Espírito é um prazer.

P. – Deixastes definitivamente a Terra?
Resp. – Deixo aqui muitos seres que me são caros para abandoná-la definitivamente. A ela voltarei, portanto, mas como Espírito, pois tenho uma missão a cumprir junto aos meus netos. Aliás, sabeis perfeitamente que nenhum obstáculo se opõe a que os Espíritos que estacionam nos mundos superiores à Terra venham visitá-la.

P. – Parece que a posição em que estais pode enfraquecer vossas relações com os que deixastes aqui.
Resp. – Não, meu amigo; o amor aproxima as almas. Crede-me, pode-se estar na Terra mais próximo dos que atingiram a perfeição do que daqueles que a inferioridade e o egoísmo fazem rodopiar em torno da esfera terrestre. A caridade e o amor são dois motores de poderosa atração. São o laço que cimenta a união das almas ligadas uma a outra, laços persistentes, apesar da distância e dos lugares. Só há distâncias para os corpos materiais; ela não existe para os Espíritos.

P. – Conforme o que dissestes na comunicação anterior,sobre os vossos instintos de artista e o desenvolvimento da arte espírita, eu pensava que, numa nova existência, seríeis um dos primeiros intérpretes.
Resp. – Não. É como guia e Espírito protetor que devo dar provas ao mundo da possibilidade de fazer obras-primas na arte espírita. As crianças serão médiuns pintores e, na idade em que não se fazem senão esboços informes, elas pintarão, não as coisas da Terra, mas coisas dos mundos onde a arte atingiu toda a sua perfeição.

P. – Que idéia fazeis agora de meus trabalhos relativos ao Espiritismo?
Resp. – Acho que tendes encargo de almas e que o fardo é difícil de carregar; mas vejo o objetivo e sei que o atingireis. Ajudar-vos-ei, se possível, com meus conselhos de Espírito, a fim de que possais superar as dificuldades que vos serão suscitadas, induzindo-vos a tomar certas medidas adequadas a ativar, enquanto viverdes, o movimento renovador ao qual o Espiritismo conduz. Vosso amigo Demeure, unido ao Espírito de Verdade, vos prestará um concurso mais útil ainda; ele é mais sábio e mais sério do que eu; mas, como sei que a assistência dos Espíritos bons vos fortalece e sustenta em vosso labor, crede que o meu vos será assegurado sempre e em toda parte.

P. – Poder-se-ia deduzir de algumas de vossas palavras que não me dareis uma cooperação muito ativa à obra do Espiritismo.
Resp. – Enganai-vos. Mas eu vejo tantos outros Espíritos mais capazes do que eu para tratar desta importante questão, que um invencível sentimento de timidez me impede, agora, de vos responder conforme o vosso desejo. Talvez isto aconteça; terei mais coragem e ousadia, mas antes é preciso que os conheça melhor. Morri há somente quatro dias; ainda estou sob o encanto do deslumbramento que me rodeia. Não compreendeis, meu amigo? Não consigo expressar as novas sensações que experimento. Tive de violentar-me para subtrair-me da fascinação que sobre o meu ser exercem as maravilhas que admiro. Não posso senão bendizer e adorar a Deus em suas obras. Mas isto passará: os Espíritos me asseguram que logo estarei acostumada com todas essas magnificências, e que então poderei, com minha lucidez de Espírito, tratar todas as questões relativas à renovação terrestre. Depois pensai, sobretudo neste momento, que tenho uma família para consolar. O entusiasmo invadiu-me a alma, e espero que tenha passado um pouco para vos entreter com o Espiritismo sério, e não com o Espiritismo poético, que não é bom para os homens: não o compreenderiam.

Adeus; até breve. De vossa boa amiga, que vos ama e sempre vos amará, pois é a vós, mestre, que ela deve a única consolação durável e verdadeira que experimentou na Terra.

Viúva Foulon

Observação – Todo espírita sério e esclarecido facilmente tirará destas comunicações os ensinamentos que delas ressaltam. Só chamaremos a atenção para dois pontos. O primeiro é que este exemplo mostra a possibilidade de não mais se encarnar na Terra e passar daqui a um mundo superior, sem ser por isto separado dos seres afeiçoados que aqui deixamos. Aqueles, pois, que temem a reencarnação, por causa das misérias da vida podem destas se libertar, fazendo o que é preciso, isto é, trabalhando pelo seu melhoramento. Quem não quiser vegetar nas classes inferiores,deve instruir-se e trabalhar para subir de grau.

O segundo ponto é a confirmação desta verdade: depois da morte estamos menos separados dos seres que nos são caros do que durante a vida. Há alguns dias apenas a Sra. Foulon, retida pela idade e pela enfermidade numa pequena cidade do sul,não tinha a seu lado senão uma parte da família. Como a maioria dos filhos e dos amigos estava longe, obstáculos materiais se opunham a que os pudesse ver tão freqüentemente quanto uns e outros o teriam desejado. O grande afastamento tornava mesmo a correspondência rara e difícil para alguns. Tão-logo desembaraçada de seu pesado envoltório vai ao encontro de cada um e,sem afadigar-se, transpõe distâncias com a rapidez da eletricidade, os vê, assiste às suas reuniões íntimas, envolve-os com a sua proteção e pode, através da mediunidade, entreter-se com eles a cada instante, como quando viva. E dizer que a este pensamento consolador há gente que prefira uma separação indefinida!

Nota – Recebemos muito tarde para poder reproduzir o interessante e minucioso artigo necrológico, publicado no Journal du Havre de 10 de fevereiro. Infelizmente, nosso número já estava composto e completo, pronto para ser impresso.

O DOUTOR DEMEURE

Morto em Albi (Tarn), em 26 de janeiro de 1865

Mais uma alma de escol acaba de deixar a Terra! O Sr.Demeure era um médico homeopata muito distinto em Albi. Seu caráter, tanto quanto o seu saber, tinham lhe granjeado a estima e a veneração de seus concidadãos. Só o conhecemos por meio de sua correspondência e da de seus amigos, mas bastou para nos revelar toda a grandeza e toda a nobreza de seus sentimentos. Sua bondade e sua caridade eram inesgotáveis e, malgrado a idade avançada, nenhuma fadiga o impedia de ir socorrer os pobres doentes. O preço das visitas era a menor de suas preocupações; preocupava-se mais com os desgraçados do que com aqueles que sabia que podiam pagar, porque, como dizia, em sua falta estes últimos sempre poderiam arranjar outro médico. Aos primeiros,não somente dava os remédios gratuitamente, mas muitas vezes provia às suas necessidades materiais, o que, algumas vezes, é o mais útil dos medicamentos. Pode dizer-se que era o Cura d’Ars da Medicina.

O Sr. Demeure havia abraçado com ardor a Doutrina Espírita, na qual encontrara a chave dos mais graves problemas, cuja solução pedira em vão à Ciência e a todas as filosofias. Seu Espírito profundo e investigador fê-lo compreender imediatamente todo o seu alcance, de tal modo que se tornou um de seus mais zelosos propagadores. Embora jamais nos tivéssemos visto, dizia-nos em uma de suas cartas que estava convicto de que não éramos estranho um ao outro e que havia relações anteriores entre nós. Sua prontidão em vir até nós assim que morreu, sua solicitude por nós e os cuidados que nos dispensou na circunstância em que nos achávamos no momento, o papel que parece chamado a desempenhar, parecem confirmar esta previsão, que ainda não pudemos verificar.
Soubemos de sua morte em 30 de janeiro, e nosso primeiro pensamento foi o de nos entretermos com ele. Eis a comunicação que nos deu naquela mesma noite, através da Sra. Cazemajour, médium:

“Eis-me aqui. Ainda em vida prometi a mim mesmo,desde que estivesse morto, que viria, se possível, apertar a mão do meu caro mestre e amigo Allan Kardec.

“A morte havia dado à minha alma esse pesado sono,que se chama letargia; mas o pensamento velava. Sacudi esse torpor funesto, que prolonga a perturbação que segue a morte, despertei e, de um salto, fiz a viagem.

“Como estou feliz! Já não sou velho nem enfermo; meu corpo era apenas um disfarce imposto; sou jovem e belo, belo dessa eterna juventude dos Espíritos, cujas rugas não mais sulcam o rosto, cujos cabelos não embranquecem sob a ação do tempo. Sou leve como o pássaro que em vôo rápido atravessa o horizonte de vosso céu nebuloso; admiro, contemplo, bendigo, amo e me inclino, átomo que sou, ante a grandeza, a sabedoria, a ciência de nosso Criador, ante a grandeza das maravilhas que me cercam.

“Estava junto de vós, caro e venerado amigo, quando o Sr. Sabò falou em fazer a minha evocação, e eu o segui.

“Sou feliz; estou na glória! Oh! quem poderia jamais descrever as esplêndidas belezas da terra dos eleitos: os céus, os mundos, os sóis, seu papel no grande concerto da harmonia universal? Pois bem! eu tentarei, meu mestre; vou fazer o seu estudo e virei depor junto a vós a homenagem de meus trabalhos de Espírito, que antecipadamente vos dedico. Até logo.”

Demeure

Observação – As duas comunicações seguintes, dadas em 1o e 2 de fevereiro, são relativas à doença que nos acometeu subitamente em 31 de janeiro. Embora sejam pessoais, nós as publicamos porque provam que o Dr. Demeure é tão bom como Espírito quanto o era como homem e porque oferecem, além disso,um ensinamento. É um testemunho de gratidão, que devemos à solicitude de que fomos objeto de sua parte, nessa circunstância:

“Meu bom amigo, tende confiança em nós e muita coragem. Esta crise, não obstante fatigante e dolorosa, não será longa e, com os cuidados prescritos, podereis, conforme os vossos desejos, completar a obra, de que a vossa existência foi o principal objetivo. No entanto, sou aquele que está sempre junto de vós, com o Espírito de Verdade, que me permite tomar a palavra em seu nome, como o último de vossos amigos vindos entre os Espíritos! Eles me fazem as honras das boas-vindas. Caro mestre, como estou feliz por ter morrido a tempo para estar com eles neste momento! Se tivesse morrido mais cedo, talvez vos pudesse ter evitado esta crise que eu não previa; havia pouquíssimo tempo que estava desencarnado para me ocupar de outra coisa que não fosse o espiritual. Mas agora velarei por vós. Caro mestre, é vosso irmão e amigo que é feliz de ser Espírito para estar junto de vós e vos prodigalizar cuidados na vossa moléstia. ‘Ajuda-te, e o céu te ajudará.’ Ajudai, pois, os Espíritos bons nos cuidados que vos dispensam, submetendo-vos estritamente às suas prescrições.

“Faz muito calor aqui; este carvão é fatigante. Enquanto estiverdes doente, não o queimeis; ele continua a aumentar a vossa opressão; os gases que dele se desprendem são deletérios.”

Vosso amigo, Demeure

“Sou eu, Demeure, o amigo do Sr. Kardec. Venho dizer-lhe que estava ao seu lado quando lhe ocorreu o acidente, que poderia ter sido funesto sem uma intervenção eficaz, para a qual tive a felicidade de contribuir. Segundo minhas próprias observações e informações que colhi em boa fonte, para mim é evidente que, quanto mais cedo se der a sua desencarnação, tanto mais cedo se dará a sua reencarnação, a fim de poder completar a sua obra. Contudo, é preciso que ele dê, antes de partir, uma última demão nas obras que devem completar a teoria doutrinária, da qual é o iniciador; e ele se tornará culpado de homicídio voluntário se, por excesso de trabalho, contribuir para a falência de sua organização, que o ameaça de uma súbita partida para os nossos mundos. Não se deve ter receio em dizer-lhe toda a verdade, para que se guarde e siga rigorosamente as nossas prescrições.”

Demeure

A comunicação seguinte foi recebida em Montauban,em 1o de fevereiro, no círculo dos amigos espíritas que ele tinha naquela cidade:

“Antoine Demeure. Não estou morto para vós, meus bons amigos, mas para os que, como vós, não conhecem esta santa doutrina, que reúne os que se amaram na Terra e que tiveram os mesmos pensamentos e os mesmos sentimentos de amor e caridade.

“Sou feliz; mais feliz do que podia esperar, porquanto gozo de rara lucidez entre os Espíritos desprendidos da matéria há tão pouco tempo. Tende coragem, meus bons amigos; doravante estarei junto a vós e não deixarei de vos instruir sobre muitas coisas que ignoramos quando ligados à nossa pobre matéria, que nos oculta tantas magnificências e tantos prazeres. Orai pelos que estão privados dessa felicidade, pois não sabem o mal que fazem a si mesmos.

“Hoje não me delongarei muito, mas vos direi que não me acho completamente estranho neste mundo dos invisíveis. A mim parece que sempre o habitei. Aqui estou feliz, porque vejo os meus amigos e posso comunicar-me com eles sempre que o deseje.

“Não choreis, meus amigos; faríeis que lamentasse vos haver conhecido. Deixai correr o tempo e Deus vos conduzirá à esta morada, onde todos devemos nos reunir. Boa-noite, meus amigos: que Deus vos console; aqui estou junto a vós.”

Demeure

Observação – A situação do Sr. Demeure, como Espírito,é bem a que podia deixar pressentir sua vida tão dignamente e tão utilmente realizada. Mas um outro fato não menos instrutivo ressalta de suas comunicações: é a atividade que ele demonstra, quase imediatamente depois da morte, para ser útil. Por sua alta inteligência e por suas qualidades morais, pertence à ordem dos Espíritos muito adiantados; ele é muito feliz, mas sua felicidade não está na inação. Há poucos dias, cuidava dos doentes como médico e, apenas desencarnado, desvela-se em ir cuidá-los como Espírito. Algumas pessoas perguntarão: Que se ganha em estar no outro mundo, se ali não se goza de repouso? A isto lhes perguntaremos, para começar, se nada significa não mais ter preocupações, nem necessidades, nem as enfermidades da vida, ser livre e poder, sem afadigar-se, percorrer o espaço com a rapidez do pensamento, ir ver os amigos a qualquer hora, seja qual for a distância em que se encontrem? Depois acrescentamos: Quando estiverdes no outro mundo, nada vos forçará a fazer seja o que for; sereis perfeitamente livres para ficar numa ociosidade beata, tanto tempo quanto quiserdes; mas logo vos cansareis dessa ociosidade egoísta e pedireis uma ocupação. Então vos será respondido: Se vos aborreceis por nada fazerdes, buscai vós mesmos algo fazer; as ocasiões de ser útil não faltam no mundo dos Espíritos, como não faltam entre os homens. É assim que a atividade espiritual não é um constrangimento; é uma necessidade, uma satisfação para os Espíritos que procuram as ocupações segundo seus gostos e aptidões, e escolhem de preferência as que possam ajudar o seu adiantamento.

As Muitas Faces Da Pena De Morte

muitasfacesAs Muitas Faces Da Pena De Morte

Marcus Braga

A pena de morte ou pena capital, uma das facetas da mobilização espírita em defesa da vida, é entendida como uma modalidade de pena, no campo jurídico, que se caracteriza pela desencarnação compulsória do condenado, apresentando-se como penalidade irreversível.

Presente em vários momentos da história da humanidade e no momento atual em vários países, tem a pena de morte a sua aplicação por métodos modernos, como a injeção letal, e por meio de mecanismos bizarros, como o pisoteamento por elefantes, em casuísticas que variam não só pelo grau de espetáculo, mas também pelo requinte de crueldade e pela dor causada na execução, suscitando discussões adicionais no campo dos direitos humanos.

Os crimes que motivam a condenação a pena de morte no mundo e na história também variam em grande espectro. De crimes hediondos, como homicídio e estupro, até questões ideológicas e comportamentais, como adultério, homossexualismo, corrupção, negação da religião oficial e ainda, insubordinação; estas tipologias penais compõe os motivos que levam a sociedade a decretar a morte de um dos seus, sugerindo pela natureza dos crimes que a pena de morte serve também de instrumento de dominação e atemorização da população, diante do poder autoritário.

Praticamente abolida na Europa e na Oceania, tem seus maiores índices de execução na China, Irã e Arábia saudita, resistindo com pujança em governos de matriz democrática, como os Estados Unidos e o Japão. Apesar desse quadro, percebe-se no mundo um claro declínio dessa modalidade de pena, no campo legal e prático, seja pela pressão de grupos de direitos humanos, seja pela sua baixa efetividade na inibição de delitos e ainda, pela possibilidade de condenação irreversível de um inocente, o que na prática já ocorreu mais de uma vez.

No Brasil, a última execução por pena de morte ocorreu em 1876. No período republicano, a exceção da Constituição Federal de 1937, a pena de morte somente se apresenta para aplicação em tempos de guerra, para crimes militares, previsto ainda a possibilidade de indulto. Na prática, nossos tribunais não condenam ninguém a morte desde 1876.

Apesar de arroubos midiáticos, a vedação da pena de morte figura como cláusula pétrea na Constituição Federal de 1988, o que impossibilitaria a sua implantação em nosso ordenamento por alterações legais ou constitucionais, federais ou regionais, o que tranquiliza todos aqueles que marcham contra essa prática abjeta, sintonizados com os movimentos mundiais, que encaminham esta para uma futura extinção. 

O espiritismo condena a pena de morte, de forma veemente, em especial pelo contido nas perguntas 760 a 765(1), do qual destacamos o trecho: “Sem dúvida, o progresso social ainda muito deixa a desejar. Mas, seria injusto para com a sociedade moderna quem não visse um progresso nas restrições postas à pena de morte, no seio dos povos mais adiantados, e à natureza dos crimes a que a sua aplicação se acha limitada. Se compararmos as garantias de que, entre esses mesmos povos, a justiça procura cercar o acusado, a humanidade de que usa para com ele, mesmo quando o reconhece culpado, com o que se praticava em tempos que ainda não vão muito longe, não poderemos negar o avanço do gênero humano na senda do progresso.”

Entretanto, apesar de distantes da pena de morte no plano jurídico-político, não temos muito o que nos gabar no Brasil... A pena de morte formal, por mais contraditório que isso possa parecer, tem um aspecto positivo, de prever um processo legal, métodos sem crueldade, a possibilidade de indulto, o contraditório e a ampla defesa, no escopo de direitos e garantias que consagram o direito penal, via de regra.

Infelizmente, em nosso país, a pena de morte se apresenta com outras faces, distante do modelo formal, em práticas que guardam o mesmo espírito de vingança, de exclusão do plano terreno, de espetacularização da dor, com um barbarismo mais acentuado e com um caráter clandestino.

Figuram em nossas páginas de jornal a casuística de grupos de extermínio, execuções de população de rua, homicídios por forças policiais, penas capitais por determinação de traficantes de drogas, matadores de aluguel, e por fim, com mais destaque recentemente, o linchamento de criminosos de pequeno potencial ofensivo por populares. Um rol de práticas mais abjetas que a pena de morte formal, beirando a barbárie, e que são objeto de adesão popular, na exaltação pelas redes sociais.

A pena de morte, seu espírito, se apresenta em múltiplas faces na nossa sociedade, radicada em uma cultura de violência e de desrespeito aos direitos humanos. Cabe a nós, espíritas, que seguimos os exemplos morais do Cristo, um condenado à pena capital no madeiro, e refletir sobre isso tudo e de como devemos nos posicionar.

Refletir nos cabe, em especial no que dizem as obras espíritas respeitáveis, que indicam que a morte não resolve o problema da alma comprometida com a sombra, que a Lei é de amor e que a raiz das questões criminológicas repousa no aspecto social, psicológico e educativo. Esse desespero descompensado está longe de ser justiça ou solução na doutrina da vida eterna e de penas transitórias.

Pesquisa da Revista Isto É de 2008 com os jovens aponta que 47% dos espíritas nessa faixa etária é favorável a pena de morte. Mais do que espanto, devemos refletir sobre essa nossa busca por soluções imediatistas para os nossos problemas crônicos e verificar que a pena de morte não jaz sepultada como ideia ou prática, merecendo espaço amplo de debate e discussão em nossas casas espíritas, na palestra, no livro e no grupo de estudo.

Uma defesa da vida ampla, que se posicione de forma integral, enxergando o homem em suas múltiplas dimensões, para além de discussões legislativas, atuando sobre o mundo concreto, é o que carecemos. O amanhã regenerativo que desejamos começa nessas singelas lutas, ainda distantes de serem vencidas, não pela falta de leis, mas pela nossa imperfeição latente.

Referências:

1 - Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, perg. 760 a 765.

9 de setembro 2014

Marcus Braga

* Publicado originalmente na revista "Espiritismo - O Grande Consolador"

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Questões e Problemas Propostos aos Vários Grupos Espíritas

R.E. , janeiro de 1862, p. 37
 
1o – Formação da Terra

Existem dois sistemas sobre a origem e a formação da Terra. Segundo a opinião mais comum, a que parece geralmente adotada pela Ciência, seria o produto da condensação gradual da matéria cósmica sobre um ponto determinado do espaço. O mesmo teria ocorrido com os demais planetas.

Conforme outro sistema, preconizado nos últimos tempos e segundo a revelação de um Espírito, a Terra teria sido formada pela incrustação de quatro satélites de um antigo planeta desaparecido. Tal adjunção teria resultado da própria vontade da alma desses planetas. Um quinto satélite, nossa Lua, ter-se-ia recusado, em virtude de seu livre-arbítrio, a essa associação. Os vazios deixados entre eles pela ausência da Lua teriam formado as cavidades preenchidas pelos mares. Cada um desses planetas teria 7 N. do T.: Aqui Allan Kardec já começa a esboçar algumas teorias que,desenvolvidas posteriormente, passarão a integrar o último livro da Codificação Espírita. (Vide A Gênese, capítulo VIII). 8 Nota da Editora: Ver “Nota Explicativa”, p. 529. trazido consigo seres catalépticos – homens, animais e plantas – que lhe eram peculiares.

Saídos de sua letargia, depois de operada a adjunção e restabelecido o equilíbrio, esses seres teriam povoado o globo atual. Tal seria a origem das raças-mãe do homem da Terra: a raça negra na África, a amarela na Ásia, a vermelha na América e a branca na Europa.

Qual destes dois sistemas pode ser considerado como expressão da verdade?

A propósito deste assunto, bem como dos outros,solicitamos uma solução explícita e racional.

Observação – É verdade que esta e outras questões se afastam do ponto de vista moral, que é a meta essencial do Espiritismo. Eis por que seria um equívoco fazê-las objeto de preocupações constantes. Sabemos, aliás, no que respeita ao princípio das coisas, que os Espíritos, por não saberem tudo, só dizem o que sabem ou o que pensam saber. Mas como há pessoas que poderiam tirar da divergência desses sistemas uma indução contra a unidade do Espiritismo, precisamente porque são formulados pelos Espíritos, é útil poder comparar as razões pró e contra, no interesse da própria doutrina, e apoiar no assentimento da maioria o julgamento que se pode fazer do valor de certas comunicações.

2o – Alma da Terra

Encontramos a seguinte proposição numa brochura intitulada Resumo da Religião Harmônica.

“Deus criou o homem, a mulher e todos os mais belos e melhores seres, mas concedeu a todos os astros o poder de criar seres de ordem inferior, a fim de completar o seu mobiliário, quer pela combinação de seu próprio fluido fecundante, conhecido em nosso globo pelo nome de aurora boreal, quer com a combinação desse fluido com o de outros astros. Ora, a alma do globo terrestre, desfrutando, como as almas humanas, de seu livre-arbítrio, isto é,da faculdade de escolher o caminho do bem ou do mal, deixou-se arrastar por este último. Daí as criações imperfeitas e más, tais os animais ferozes e venenosos e os vegetais peçonhentos. Mas a Humanidade fará desaparecer esses seres nocivos quando, ao se pôr de acordo com a alma da Terra para marchar pelo caminho do bem, ocupar-se de maneira mais inteligente da gestão do globo terrestre, no qual será criado um mobiliário mais perfeito.”

O que há de verdadeiro nesta proposição, e o que se deve entender por alma da Terra?

3o – Sede da alma humana

Lê-se na mesma obra a passagem seguinte, citada como extrato de A Chave da Vida, página 751:

“A alma é de natureza luminosa, divina. Tem a forma do ser humano que anima. Reside num espaço situado na substância cerebral mediana, que reúne os dois lobos do cérebro por sua base. No homem harmonioso e na unidade, a alma, diamante resplandecente, é cingida por uma branca coroa luminosa: a coroa da harmonia.”

O que há de verdadeiro nesta proposição?

4o – Morada das Almas

Na mesma obra:

“Enquanto habitam as regiões planetárias, os Espíritos são obrigados a reencarnar para progredirem. Desde que chegam às regiões solares, não mais necessitam da reencarnação e progridem indo habitar outros sóis de ordem superior, de onde passam às regiões celestes. A Via-Láctea, de luz tão suave, é a morada dos anjos ou Espíritos superiores.”

Isto é verdade?

5o – Manifestação dos Espíritos

Conforme a doutrina ensinada por um Espírito,nenhum Espírito humano pode manifestar-se ou comunicar-se com os homens, nem servir de intermediário entre Deus e a Humanidade, considerando-se que sendo Deus onipotente e onipresente, não necessita de auxiliares para a execução de sua vontade, pois tudo faz por si mesmo. Em todas as comunicações ditas espíritas, só Deus se manifesta, tomando a forma nas aparições, e a linguagem nas comunicações escritas, dos Espíritos que evocamos e aos quais julgamos falar. Em conseqüência,estando morto o homem, não poderá mais haver relações entre ele e os que ficaram na Terra, até que, por uma série de reencarnações sucessivas, durante as quais progridem, tenham atingido o mesmo grau de adiantamento no mundo dos Espíritos. Como só Deus pode manifestar-se, segue-se que as comunicações grosseiras, triviais, blasfematórias e mentirosas também são dadas por Ele – mas como prova – do mesmo modo que as dá boas, a fim de instruir. Naturalmente o Espírito que ditou esta teoria faz-se passar pelo próprio Deus, formulando, sob esse nome, uma extensa doutrina filosófica, social e religiosa.

Que se deve pensar de tal sistema, de suas conseqüências e da natureza do Espírito que o ensina?

6o – Anjos rebeldes, anjos decaídos e paraíso perdido Que pensar da teoria formulada a respeito disto, no artigo acima publicado pelo Sr. Allan Kardec?


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

E, aí! Já leu?!

Leis morais na atualidade (A)

  • Autor: Christiano Torchi
  • Edição: 1ª edição
  • Editora: FEB
Sinopse: A terceira parte de O livro dos espíritos, organizada sistematicamente por Allan Kardec, apresenta o conjunto de leis que conduzem o homem no caminho da evolução rumo a Deus. As intituladas leis morais concentram a essência do que é necessário para a educação das almas sedentas de luz e consolo.Este livro de Christiano Torchi tem o propósito de tratar, de forma clara e objetiva, das leis que perpassam por todos os segmentos da vida do homem, de forma individual, e que têm re­flexo direto em sua vivência na sociedade atual. Com a compreensão destas leis e da profunda in­fluência na evolução espiritual, o amor, a justiça e a caridade conduzirão a sociedade à formação de uma família, onde o trabalho, a igualdade, a solidariedade, a liberdade, os compromissos morais e a busca da perfeição serão reais representações da vontade do Cristo entre todos nós.

E, aí! Já viu?!

Os Outros

titulo original:(The Others)

lançamento:2001 (EUA)

atores: Nicole Kidman, Christopher Eccleston , Fionnula Flanagan , Elaine Cassidy , Eric Sykes

duração:114 min

gênero: Suspense

 



Sinopse: Nicole Kidman está no papel de Grace, uma mulher que, nos anos 40, mora com seus filhos num isolado casarão na costa inglesa enquanto seu marido está na guerra. As crianças sofrem de uma rara doença, em razão da qual não podem receber diretamente a luz do dia e que faz com que vivam isoladas. Três novos empregados são contratados para substituir os anteriores, que desapareceram misteriosamente, e precisam aprender regras importantes: a casa tem de estar sempre na penumbra, nunca se deve abrir uma porta antes de fechar a anterior. Mas estas regras são
quebradas, ao mesmo tempo em que eventos assustadores e sobrenaturais começam a acontecer. Inicialmente, Grace se mostra relutante em acreditar nas visões assustadoras narradas pela filha, mas logo começa também a sentir a presença de intrusos em sua casa. Para descobrir a verdade, Grace deve deixar todos seus medos e crenças de lado e entrar no mundo intangível do sobrenatural.

> Filme que retrata muito bem a doutrina espírita, mostrando de qual forma os mundos podem interagir.

Assista aqui: http://www.saudadeeadeus.com.br/filme18.htm

 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

AUTOAJUDA LEVA À ERRADICAÇÃO DO EGOÍSMO

AUTOAJUDA LEVA À ERRADICAÇÃO DO EGOÍSMO

Egoísta é aquele ser que tudo quer para si. Ao contrário do pensamento comum, o egoísta não é a pessoa que só gosta de si. Tanto não gosta de si, que não se acredita capaz de prover as próprias necessidades, que para obter coisas na vida precisa usar de artifícios.

Uma pessoa que se põe no centro do mundo, que vive esperando e cobrando dos outros coisas e comportamentos que a beneficiem, que não se abastece, que teme dispor do que tem a não ser em favor de si mesma, mas vive de chopinhar colegas ou familiares com ameaças ou truques no relacionamento, é uma pessoa egoísta.

Existe uma ideia correndo por aí, de que as pessoas egoístas deviam cuidar menos de si mesmas e aderir a grupos com objetivos sociais relevantes.

Contudo, o egoísta é alguém que precisa aprender a suprir-se, antes de aprender a fazer pelos outros.

Afinal, uma pessoa que não se abastece emocional e financeiramente é um peso para qualquer grupo. Um egoísta, como indivíduo que não se sustenta, é um indivíduo bastante prejudicial em qualquer coletividade, pois só quando cuido de minhas necessidades, tenho condições de contribuir com o coletivo. Ao contrário, quando alguém não se abastece emocional e financeiramente, o comum é se unir ao grupo para que o grupo para que o grupo o complete, e não para realmente se dar a um objetivo maior. O mais indicado, nestas situações, seria buscar grupos terapêuticos, onde o objetivo é sentir-se melhor consigo e descobrir os próprios recursos. Resolver-se, antes de querer resolver os problemas do mundo.

Um dado interessante sobre o egoísmo é que chamar alguém de egoísta é confessar-se egoísta. Às vezes, parece um pouco forçado dizer que se vejo egoísmo no outro, é porque ele está em mim. Mas um dia, pensando a respeito, eu percebi que em todas as situações em que estive diretamente envolvida e que eu considerei alguém egoísta, no fundo, eu estava brava porque era eu que queria estar sendo beneficiada, mas quem estava se beneficiando era o outro.

Todos nós temos germes de egoísmo, que encontram condições propícias para se desenvolver num meio educacional inadequado. Nós estamos criando condições para o crescimento do egoísmo quando, em crianças, impedimos que aprendam o prazer de ser responsáveis por si mesmas e de fazer as coisas por si mesmas. Nossas atitudes mais comuns:

— não permitir que a criança faça algo como arrumar sua cama ou amarrar seus sapatos (porque estamos com pressa, ou porque não vai ficar do jeito que o consideramos satisfatório);

— fazer por ela, “mimar”;

— criticar tudo o que ela faz.

Com adultos, funciona do mesmo jeito. É assim que estragamos maridos, esposas, amigos...

Eliminamos o egoísmo assumindo o comando de nossas vidas, encontrando forças dentro de nós para superar dificuldades, parando de aguardar que os outros façam por nós. E essa é a base da autoajuda.

(Foelker, Rita. Força interior)

(Texto enviado pelo Cristiano de Almeida)

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Bolívia cria lei que considera a “Mãe Terra” um sistema vivente

Bolívia cria lei que considera a “Mãe Terra” um sistema vivente

João Baptista Pimentel Neto

O Presidente da Bolívia, Evo Morales, promulgou uma lei que cria a Defensoria da Mãe Terra, que detalha como se deve viver em harmonia e equilíbrio com a natureza.

A Lei Marco da Mãe Terra e Desenvolvimento Integral cria a Defensoria da Mãe Terra, a qual tem a obrigação de proteger os direitos da Terra, embora todas as autoridades do Estado devam fazê-lo. A lei não esclarece quando começará a funcionar essa Defensoria.

A norma também inclui o conceito de “justiça climática” para reconhecer o direito de reclamar um desenvolvimento integral do povo boliviano e das pessoas afetadas pela mudança climática.

Além disso, cria um Fundo Pluri-nacional da Mãe Terra e outro de Justiça Climática para conseguir e administrar recursos econômicos estatais e estrangeiros para impulsionar ações de mitigação da mudança climática.

Também estabelece que as “terras da Nação serão dotadas, distribuídas e redistribuídas de maneira equitativa com prioridade para as mulheres, povos indígenas originários, camponeses, comunidades interculturais e afro-bolivianas que não as possuam.

Propõe-se a eliminação da concentração da propriedade da terra ou latifúndio e outros componentes da Mãe Terra em mãos de proprietários agrários.

Também estabelece a regulação e o controle da “estrangeirização na propriedade”, bem como o acesso e aproveitamento dos componentes da Mãe Terra, e considera que as atividades econômicas como o mineira e a petroleira devem ser contempladas nessa lei.

Aqueles que causarem danos de forma acidental ou premeditada à Mãe Terra ou a seus “sistemas de vida” devem garantir a reabilitação das áreas, sem deixar de se submeter a outras responsabilidades legais.

A nova lei declara que os delitos relacionados com a Mãe Terra são “imprescritíveis”, que não será aplicado a eles o benefício da suspensão condicional da pena e que os reincidentes terão sanções mais graves.

Há dois anos, Morales já tinha promulgado uma lei que concede “direitos” à Mãe Terra ou Pachamama como se fosse uma pessoa, entre eles o direito à vida, à diversidade, à água, ao ar limpo, ao equilíbrio, à restauração e a viver livre de contaminação.

A Bolívia se opôs abertamente aos acordos que foram tomados durante a cúpula climática das Nações Unidas  celebrada em Cancún, no México, em dezembro de 2010, pois considerou que não eram contundentes para frear os danos da mudança climática. Pedia que os países desenvolvidos se comprometessem a reduzir a emissão de gases de efeito estufa em 50% antes de 2020.

Notícia publicada na Revista Diálogos do Sul, em 7 de julho de 2014.

Breno Henrique de Sousa* comenta

Qualquer pessoa bem informada sabe que é preocupante a situação do meio ambiente em nosso planeta. Se os especialistas discutem sobre a dimensão dos danos ambientais, se uns são mais pessimistas e outros mais otimistas, ninguém pode negar que as atividades humanas causam impactos sobre o meio ambiente e cabe ao poder público tomar as medidas necessárias para a proteção da biosfera. Porém, se os governos se cercam de mecanismos legais de proteção ao meio ambiente que quase sempre se restringem a medidas punitivas, é preciso investir prioritariamente em medidas educativas e é papel do estado também educar para o meio ambiente.

Sobre esse tema, as Nações Unidas promoveu em 1977 em Tbilisi na Geórgia uma conferência mundial sobre Educação Ambiental. As 41 proposições da Conferência de Tbilisi inspiraram diversas políticas públicas em diversos países no mundo, inclusive no Brasil, para a criação de planos nacionais de Educação Ambiental. Educar é um trabalho mais árduo, que exige constância e persistência, do que punir. Certamente que as leis e as punições são necessárias, mas o que se observa, às vezes, nas democracias mais frágeis são medidas apaixonadas ou populistas tomadas por seu impacto eleitoral ou por corresponder a expectativas de ideologias de esquerda ou de direita. As notícias recentes que nos chegam a respeito da Bolívia refletem uma democracia jovem, de instituições ainda frágeis e de ações populistas por parte de seus governantes.

Não tenho conhecimento profundo sobre essa lei boliviana que protege a mãe terra. Mas mesmo que tivesse, meu juízo seria sempre parcial como o de qualquer pessoa. Apenas por ostentar o tema da defesa ambiental não podemos dizer se uma lei é boa ou ruim. Imaginem, por exemplo, uma lei que para evitar o roubo de galinhas condenasse os ladrões de galinha à morte, certamente não seria uma boa lei, apesar do bom intuito de inibir os roubos. Isso seria uma punição desproporcional e injusta. Precisaríamos analisar os termos, sanções e punições impostas por essa lei para dizer se ela de fato é boa, justa e equânime. O fato é que as leis humanas atendem as demandas atuais do interesse comum ou aos interesses de grupos dominantes, de uma forma ou de outra as leis humanas são sempre transitórias e a lei divina, essa sim é permanente e imutável.

O Espiritismo defende a preservação da Natureza desde o seu surgimento. Em “O Livro dos Espíritos” na sua parte terceira, capítulo V (Lei de Conservação), Allan Kardec pergunta aos espíritos: 705. Por que nem sempre a terra produz bastante para fornecer ao homem o necessário? “É que, ingrato, o homem a despreza! Ela, no entanto, é excelente mãe. Muitas vezes, também, ele acusa a Natureza do que só é resultado da sua imperícia ou da sua imprevidência. A terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se. Se o que ela produz não lhe basta a todas as necessidades, é que ela emprega no supérfluo o que poderia ser aplicado no necessário. Olha o árabe no deserto. Acha sempre de que viver, porque não cria para si necessidades factícias. Desde que haja desperdiçado a metade dos produtos em satisfazer a fantasias, que motivos tem o homem para se espantar de nada encontrar no dia seguinte e para se queixar de estar desprovido de tudo, quando chegam os dias de penúria? Em verdade vos digo, imprevidente não é a Natureza, é o homem, que não sabe regrar o seu viver.

A natureza nos dá sempre o de que necessitamos, mas o ser humano que cria necessidades fictícias destrói a natureza para satisfazer o supérfluo. Nesse capítulo os espíritos nos dão uma verdadeira aula de ecologia e de como viver em harmonia com o meio ambiente. A terra deve ser mesmo tratada como uma mãe generosa, entretanto, mais do que por força de decreto devemos ser educados e conscientizados. Quando o ser humano não é educado, nenhuma lei será capaz de impor aquilo que deve ser compreendido e sentido.

* Breno Henrique de Sousa é paraibano de João Pessoa, graduado em Ciências Agrárias e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal da Paraíba. Ambientalista e militante do movimento espírita paraibano há mais de 10 anos, sendo articulista e expositor.

domingo, 5 de outubro de 2014

Por que é tão difícil crer?

Por que é tão difícil crer?

Breno Henrique de Sousa

Este texto é dedicado a um grupo especial de pessoas que têm vontade de possuir alguma crença espiritualista, mas que não encontraram razões convincentes que fundamentem sua crença. São aquelas pessoas mais questionadoras, que não têm preconceitos nem repudiam a ideia de “crer”, mas que não encontraram um caminho possível para esta crença. Nestas pessoas pesa-lhes a descrença, como um fardo de desencanto e pessimismo, ou sentem-se aprisionadas no cárcere do ceticismo.
Este não é um texto para ateus convictos. Não pretendo convencer àqueles que se acham possuidores da razão, nem tenho a pretensão de solucionar tão difícil dilema. Eu encontrei o meu caminho para a crença sem abdicar da razão, mas antes é preciso também criticar e reconhecer os limites disto que chamamos de razão e dos valores vigentes no atual contexto social. Quem sabe alguém possa encontrar nestas palavras, reflexões que lhes ajudem a rever seus conceitos de fé e ceticismo.
É preciso refletir primeiramente sobre a forma que somos ensinados a questionar as coisas.
Todo questionamento é construído sobre um paradigma específico. Um paradigma é um conjunto de ideias e pressupostos que formam uma visão de mundo. Vejamos a figura abaixo:

Nesta figura um engenheiro hidráulico e um biólogo observam, sob suas perspectivas, um rio ou córrego. As perguntas que o engenheiro fizer só permitem respostas que refletem o paradigma do engenheiro. O mesmo serve para o biólogo. As perguntas já possuem, disfarçadamente, uma visão de mundo que impede outro nível de percepção. Não podemos refletir sobre crença e descrença, sem antes refletir sobre os valores que nos influenciam e a partir de que ponto de vista estes valores nos levam a formular nossos questionamentos. De outra maneira estaremos em um labirinto sem saída. É como usar um copo d’água para abrir uma fechadura ao invés de uma chave. Se você nunca viu uma chave e tudo que conhece é um copo d’água, vai tentar de alguma maneira abrir a porta com o copo d’água. Vai imaginar todas as possibilidades possíveis, quem sabe vai derramar a água na fechadura, quebrar o copo, tentar muitas posições e esquisitices. Você sabe que existem pessoas que passaram para o outro lado da porta, não consegue imaginar o que pode estar errado, porque você até hoje acreditava que o copo d’água era a solução para todos os problemas, nem sequer imaginava que pudesse existir algo mais no mundo que um copo d’água e nem lhe passa pela cabeça questionar se o copo d’água é o instrumento certo para abrir a porta, afinal, o copo lhe serviu por toda a vida e aparentemente foi capaz de resolver todos os seus problemas passados. Tamanha é a ilusão e confiança que temos no copo d’água que nem sequer enxergamos a chave que está pendurada na nossa frente. Se você não questiona os seus instrumentos de busca pela verdade, provavelmente cairá neste labirinto, pois muitos instrumentos são limitados ou estão viciados por preconceitos.
Frequentemente, descrentes são pessoas com copos d’água à frente da porta da crença, tentando abri-la inutilmente. Normalmente se cansam e perdem a esperança. Vão embora tristes, acreditando que não há como abrir a porta. Alguns não se acham capazes de abri-la, outros deixam de acreditar que ela se abra. Quanto mais as pessoas estão mergulhadas em um paradigma, mas dificilmente enxergarão esta distorção porque tudo o que vivenciaram em suas vidas foi concebido através de seus paradigmas. São capazes das mais ousadas peripécias com o copo d’água, de realizar feitos geniais, mas são complemente incapazes de enxergar a chave.
Existe uma piada que ilustra bem esta situação:

Em um elevador há um ascensorista que se chama João e tem 60 kg e 35 anos. No térreo sobe uma mulher que se chama Maria,  tem 65 kg e 40 anos; no primeiro andar sobem dois irmãos que se chamam André e José com 70 e 75 kg e 45 e 50 anos, respectivamente. Então, como se chama o elevador? Diante deste enigma, um matemático pode fazer equações inimagináveis para resolver a solução. Criar um método matemático que nenhum comum mortal seja capaz de entender. Mas a resposta é simples. “O elevador se chama apertando o botão”.

Outra piada que me foi enviada pela internet ilustra bem a situação:

Um paciente vai num consultório psicológico e diz pro doutor:

— Toda vez que estou na cama, acho que tem alguém embaixo. Aí eu vou embaixo da cama e acho que tem alguém em cima. Pra baixo, pra cima, pra baixo, pra cima. Estou ficando maluco!
— Deixe-me tratar de você durante dois anos, diz o psicólogo.
— Venha três vezes por semana, e eu curo este problema.
— E quanto o senhor cobra? - pergunta o paciente.
— R$ 120,00 por sessão - responde o psicólogo.
— Bem, eu vou pensar - conclui o sujeito.
Passados seis meses, eles se encontram na rua.
— Por que você não me procurou mais? - pergunta o psicólogo.
— A 120 paus a consulta, três vezes por semana, dois anos = R$ 37.440,00, ia ficar caro demais, ai um sujeito num bar me curou por 10 reais.
— Ah é? Como? - pergunta o psicólogo.
O sujeito responde:
— Por R$ 10,00 ele cortou os pés da cama...

Assim como o sujeito do bar, é comum as pessoas mais simples enxergarem melhor a solução. A crença de que um alto nível de especialização, formação acadêmica ou técnica é a garantia de maior capacidade de solução para todo tipo de problema, é um preconceito que dificilmente é percebido. Tenho um amigo que diz que chegou a uma idade que não quer aprender mais nada e sim desaprender. Eu não entendi e ele explicou. Às vezes, nossa cabeça está tão cheia de conceitos e preconceitos que dificilmente enxergamos a realidade. É preciso desaprender tudo aquilo que nos impede enxergar a chave para abrir a porta e o excesso de informação nem sempre é a solução para perceber a saída.
Sempre que aceitamos ou rejeitamos uma ideia, a grande maioria das vezes, fazemos isso pelo sentimento de familiaridade ou estranheza que esta ideia nos causa. Antes de um julgamento racional, há um julgamento emocional sobre a ideia. Este julgamento emocional sabotará o julgamento racional, que não é imparcial como queremos acreditar que seja. Ou seja, a primeira reação diante de uma ideia estranha é repudia-la, não importa o quanto ela seja racional ou plausível, ela é repudiada simplesmente porque parece nova e inusitada.
Em uma sociedade voltada para os valores do consumo, que é hedonista, imediatista; vivendo dentro do paradigma materialista – reducionista; no ambiente enlouquecedor das nossas cidades que só nos permitem preocupar-nos com questões imediatas relacionadas com a própria sobrevivência física; nesta sociedade, a cada dia perde espaço em nossas mentes a construção de valores espiritualistas. Não é então espantoso que uma pessoa que vive imersa nesta realidade, observe com muita estranheza qualquer ideia como a vida após a morte. Porém o observador tende a acreditar que é a ideia que é estranha, e não percebe que este sentimento de estranheza é devido ao paradigma que foi educado e influi sobre sua percepção.
Contam, em outra piada, que um grupo de amigos resolveu aprontar uma brincadeira com um bêbado da cidade. Passaram fezes de galinha no seu bigode enquanto ele dormia. Quando acordou, o homem sentia um odor estranho, saiu andando por toda a cidade e depois de algum tempo concluiu que o mundo todo fedia. Comumente, diante de ideias novas, nos comportamos como o bêbado do bigode sujo. Achamos que o problema está na ideia em si, mas na verdade é o nosso filtro e percepção que está contaminado pelo paradigma predominante.
Este impacto inicial que as ideias diferentes nos provocam, resultam no afastamento da maioria das pessoas que rapidamente concluem que o assunto é absurdo e não merece nenhuma apreciação séria. Às vezes, mesmo abundando evidencias e sinais que deveriam despertar o interesse do bom observador, este se recusa a admitir esta possibilidade. É o caso, por exemplo, de Sigmund Freud que rejeitava complemente qualquer fenômeno paranormal, mesmo tendo presenciado um fenômeno paranormal na presença de Carl Gustav Jung. Freud seguiu recusando mesmo diante da evidência. Jung seguiu seu próprio caminho e mergulhou a fundo no assunto.
Lembra quando Pasteur falou de pequenos seres invisíveis ao olho nu que provocavam a decomposição da matéria orgânica? Ele foi sumariamente ridicularizado. Como é possível que isto exista se ninguém descobriu antes? Que ideia mais absurda acreditar que existam seres tão pequenos. Quem sabe então dizer que a Terra é redonda? Então, a experiência nos diz que o fato de uma ideia parecer incomum ou despertar a sensação de estranheza ou de absurdo, não é absolutamente uma razão para rejeitá-la.
O conhecimento é a única maneira de nos libertarmos destes preconceitos. Quando buscamos a fundo investigar a questão, quando buscamos observar deste outro paradigma, quando somos capazes de duvidar dos nossos instrumentos e de nossa própria capacidade de análise, quando reconhecemos que somos culturalmente influenciados, então começamos a abrir nossas mentes para a construção de uma crença que não renega a razão.
Crença ou descrença são construções culturais, independentemente de haver uma predisposição natural para crer, é fato que a sociedade globalizada e centrada nos valores de consumo favorece amplamente mais a descrença que a crença. Os meios de comunicação estão viciados neste sentido, tudo o que nos chega é através do filtro seletivo do paradigma reducionista materialista e se somos pessoas com formação acadêmica superior, este filtro atua de forma ainda mais intensa.

Eu poderia começar este texto falando das inúmeras pesquisas que apontam para a sobrevivência disto que chamamos individualidade ou consciência depois da morte do corpo. São inúmeras evidências, fontes distintas, de diversas épocas, realizadas por pessoas crentes e descrentes, realizadas às vezes por homens de ciência. Talvez, citar todas estas fontes diminuiria a sensação de que estas coisas não são assim tão absurdas, que existe gente séria e preparada se dedicando a estes temas. Mas isso não valeria de nada, se antes não formos capazes de superar o preconceito pelo novo, de identificar as influências culturais que sofremos e de sermos capazes de duvidar do que já parece estabelecido.
A descrença é uma forma de crença. O descrente crê que nada existe. Qualquer forma de crença está emocionalmente influenciada, até porque pensamos que esta crença é criação nossa, produto exclusivo de nossa capacidade, de nossas reflexões. Então uma crença é uma afirmação de nossa capacidade, de nosso poder de discernimento e  isso mexe com nosso orgulho, com nossa vaidade. Quando alguém diz que sua crença está equivocada, é como se esse alguém dissesse que tem maior capacidade de discernimento que você, é como admitir que você se enganou onde outro foi capaz de acertar. Esse é um exercício que exige muita humildade por isso grande parte dos convictos (convictos crentes ou descrentes) são, na verdade orgulhosos, com excesso de auto-confiança, porque não reconhecem que tudo que somos levados a crer está sob influências sutis e imperceptíveis.
A esta altura o leitor deve estar esperando alguma solução mágica que o passe da condição de descrente para crente. Quem sabe um conjunto de provas secretas que satisfaçam seu nível de exigência racional ou uma explanação exaustiva de provas irrefutáveis que fossem capazes de calar aos materialistas. Eu posso afirmar que o volume de informações disponíveis sobre este assunto é tão amplo e profundo que podem servir para fundamentar qualquer crença. Mas, já temos dito que a evidência não é suficiente para fundamentar a crença. Existem pessoas que se recusam a acreditar como Freud, tamanho é o apego às suas convicções, seu orgulho e estranheza diante do novo. Antes temos que reconhecer as fragilidades do nosso ponto de vista, caso contrário, não importa as provas contundentes, pois estaremos sempre impermeáveis a qualquer tipo de crença. Também é preciso esclarecer alguns pontos com relação às informações que servem para fundamentar as descrenças.
O materialismo é um ponto de vista metafísico (conjunto de proposições relativas às características e componentes mais gerais da realidade) assim como o espiritualismo, e não a expressão da verdade absoluta como muitos acreditam. Trata-se de um sistema de crença, muitas vezes extrapolado de suas reais funções. A ciência moderna é predominantemente influenciada pelo paradigma materialista. Vejamos o que nos diz, por exemplo Ian G. Barbour:

“A maior parte do livro (e série de TV) de Carl Sagan, Cosmos, é dedicado a uma fascinante apresentação das descobertas da astronomia moderna – mas, nos intervalos, Sagan insere seus comentários filosóficos pessoais. Afirma que o universo é eterno, ou que sua origem é simplesmente incognoscível. Ataca, em diversos pontos, as ideias cristãs de Deus, argumentando que as proposições místicas e autoritárias ameaçam a supremacia do método científico, que, segundo ele, é “universalmente aplicável”. A Natureza (que ele grafa com inicial maiúscula, no livro) substitui Deus como objeto de veneração. Sagan expressa grande reverência pela beleza, vastidão e coesão interna do cosmos. Na série de TV, ele aparece sentado diante de um painel de instrumentos com os quais nos mostra as maravilhas do Universo. É uma nova espécie de sumo sacerdote, que não apenas revela os mistérios para nós como também nos diz como viver. Podemos agradecer a Sagan por sua habilidade pedagógica de trazer descobertas da astronomia, para um público mais amplo, e por sua grande sensibilidade ética e profunda preocupação com a paz mundial e com a preservação do meio ambiente. Mas talvez devêssemos questionar sua fé ilimitada no método científico, no qual, diz ele, precisamos confiar para ingressarmos na era da paz e da justiça.
(...) Boa parte do recente livro de Sagan O Mundo Assombrado pelos Demônios, é dedicada à refutação da pseudociência, especialmente da astrologia e dos supostos visitantes alienígenas e objetos voadores não identificados (OVINs). Vários capítulos, porém, foram feitos para atacar a religião, em geral sob suas formas populares e supersticiosas. Sagan apresenta longos relatos de crenças em demônios e bruxas dos séculos passados e em curandeiros e médiuns hoje em dia. Mas, com exceção de um breve comentário, em momento algum ele leva em consideração os trabalhos teológicos bem informados, de base universitária, que talvez sejam equivalentes intelectuais dos cientistas que ele admira. Sagan claramente vê a ciência e a religião como inimigas, e deposita sua fé e esperança na primeira. (Quando a Ciência Encontra a Religião, Cultrix, 2004)."

Neste caso observamos um claro exemplo de quando a concepção materialista apropria-se da ciência para imiscuir suas ideias. Normalmente toma-se uma descoberta científica real e comprovada e dela tira-se conclusões especulativas e pessoais que servem para embasar a crença materialista. Usar a ciência para dizer que Deus não existe é uma extrapolação absurda e sem fundamento. É preciso estar atento a certas informações veiculadas na mídia, ou a opinião materialista e reducionista de determinado número de cientistas, que não estão devidamente fundamentadas, ou são distorcidas pela mídia ou que representam a opinião de um pesquisador ou de um grupo específico de cientistas, mas que não representa a opinião da ciência como um todo. Certas expressões, por exemplo, como “gene egoísta” e “gene da violência” são metáforas enganosas, porque, há uma base genética para o comportamento, mas não para comportamentos específicos, assim como há uma base genética para a linguagem e não para linguagens específicas, ou uma base genética da capacidade de raciocínio, mas não para argumentos racionais específicos.
Além destas extrapolações comuns, existe um complô ou pacto de silencio sobre as pesquisas científicas sérias que contribuem ou são compatíveis com a crença em alguma forma de espiritualidade. As pesquisas e pesquisadores que apontam nesta direção nunca são mencionados nas universidades e academias, salvo uma pequeníssima exceção, a maioria das pessoas que tem uma formação acadêmica qualquer, desconhece qualquer tipo de literatura ou trabalho sério de investigação científica sobre a espiritualidade humana ou sobre os fenômenos espiritualistas, a não ser quando estes experimentos são delineados dentro dos moldes reducionistas e servem apenas para combater qualquer ideia desta natureza.
Quem quer que se dê conta desta realidade, sem muito esforço poderá descobrir inúmeros trabalhos sérios e bem fundamentados, feitos por cientistas renomados que demonstram, por exemplo, a eficácia da prece na cura física e a sobrevivência da alma após a morte do corpo físico. Porém, como todos somos acomodados, é mais fácil deixar-nos levar pelo paradigma predominante, este que a sociedade, os nossos ídolos com pés de barro e a nossa mídia está acostumada a apresentar. Quem quiser construir uma crença mais sólida e racionalmente embasada, terá que sair de sua zona de conforto, questionar o Status quo, buscar as informações ocultadas e legítimas que fundamentarão a edificação de sua crença e isso não é uma tarefa fácil nos dias atuais. A crença mais depurada e racional é uma construção que precisa ser desenvolvida e fortalecida tanto quanto foi desenvolvida a crença no materialismo. À medida que nos deparamos com a seriedade destes temas, e ultrapassamos o mar de superstições que existe em torno da espiritualidade, poderemos vislumbrar algo sólido e real para nossas vidas.
Não se trata simplesmente de privilegiar a crença sobre a descrença, trata-se de termos a consciência crítica de que não estamos em território neutro e que desde que nascemos somos influenciados por valores materialistas e essa influência aumenta com a modernidade, com o avanço do paradigma materialista em um mundo a cada dia mais urbanizado e desconectado da natureza e dos valores tradicionais. Em uma sociedade em que o ter ocupa o espaço do ser, torna-se cada vez mais difícil alimentar qualquer forma de transcendentalidade. Vejo, por exemplo, que meus amigos dos países de primeiro mundo são extremamente mais impermeáveis a qualquer tipo de crença que os meus amigos dos países menos desenvolvidos.
A maioria das pessoas acredita que isso se dá pela superioridade da cultura destes países, que nós somos tupiniquins atrasados que acreditam em Deus e em bobagens deste tipo. Muitos de nós, inclusive aceita passivamente este raciocínio colonialista e engole esta ideia. O que acontece é que estas sociedades são consideradas de “primeiro mundo” justamente por haverem desenvolvido os valores de uma sociedade de consumo, valores que quase sempre nos cegam a qualquer forma de conhecimento espiritual. Não se dão conta que, apesar disso, existem entre eles os que acreditam em valores espirituais e estes estão entre os nomes mais respeitáveis. Além disso, os que vivem no “terceiro mundo”, não são ignorantes que acreditam em coisas espirituais. Muitas vezes, tratam-se de pesquisadores com formação superior, em universidades que não deixam nada a desejar às do primeiro mundo, mas que viveram suas vidas em uma cultura menos corrompida pelos valores materialistas, muitas vezes no meio da superstição, é verdade, mas a familiaridade com as coisas espirituais, o fato de não as ver como coisas absurdas, não os fazem rejeitar a espiritualidade de maneira preconceituosa. Mais uma vez voltamos à piada do psicólogo e do sujeito que achava que tinha alguém debaixo da sua cama. Tamanha era a especialização do psicólogo que ele jamais pensaria em simplesmente resolver o problema cortando os pés da cama. Como dissemos, quanto mais mergulhados em um paradigma, mais dificilmente enxergamos outras possibilidades, ainda que sejamos muito hábeis dentro de um determinado sistema de conhecimento. Justamente por isso temos dificuldade de perceber as coisas sob outras perspectivas. As pessoas não explicam também, porque justamente nos países mais desenvolvidos, urbanizados e economicamente estáveis é que se encontram os maiores índices de depressão e suicídio. Alguma coisa se perdeu no meio do caminho e precisa ser resgatada. Temos de reconhecer o valor e as conquistas da ciência e da civilização moderna, não pretendemos voltar às cavernas, mas precisamos estar cientes das suas limitações, sobretudo no que se refere a atender e compreender os anseios humanos mais profundos.
Não foi à toa que Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, declarou o materialismo como o grande inimigo da humanidade. Em um belíssimo texto intitulado: “As cinco alternativas da humanidade” no livro Obras Póstumas, Kardec ressalta as opções metafísicas de crença que dispomos, demonstrando a solidez do Espiritismo diante das demais. O materialismo destrói a esperança no futuro, traz em si mesmo o veneno de sua própria destruição. Trata-se de uma terra inócua para os anseios humanos mais profundos, que esvazia a vida de propósito. O materialismo se disfarça de muitas maneiras, desde a militância ateísta até a indiferença, futilidade e superficialidade da nossa sociedade de consumo, mas é sempre o mesmo materialismo. Porém, a necessidade de sobrevivência e de realização de seus anseios abstratos, faz o homem perpetuar e aperfeiçoar a crença em uma vida mais ampla e rica de possibilidades. Livrando-se da ganga das superstições, de mãos dadas com a ciência e com a razão, construiremos uma nova era do espírito.

Breno Henrique de Sousa

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