Livro
em estudo: Grilhões Partidos –
Editora LEAL - 1974
Autor:
Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de Divaldo Pereira Franco
B004 – Prolusão – Grupo familial e Capítulo 1- A agressão
PROLUSÃO
4) O grupo familial
Vinculados os Espíritos no agrupamento
familial pelas necessidades da evolução em reajustamentos recíprocos, no
problema, da obsessão, os que acompanham o paciente estão fortemente ligados ao
fator predisponente, caso não hajam sido os responsáveis pelo insucesso do
passado, agora convocados à cooperação no ajustamento das contas.
Afirma-se que aqueles Espíritos que
acompanham os psicopatas sofrem, muito mais do que eles mesmos. Não é verdade.
Sofrem, sim, por necessidade evolutiva, já que têm responsabilidade no
insucesso de que ora participam, devendo, por isso, envidar esforços para a
liberação dos sofredores, libertandose, igualmente.
São comuns os abandonos a que se
relegam os alienados, quando os deixam nas Casas de Saúde, através de endereços
falsos fornecidos pelos familiares, que se precatam contra a futura recuperação
do familiar, impedindo, desse modo, o seu retorno ao lar. Não poucos os que
atiram, imediatamente, os seres, mesmo os amados, nos Sanatorios de qualquer
aparência, desejando, assim, libertar-se da carga, que supõem pesada,
incidindo, a seu turno, em responsabilidades mui graves, de que não poderão
fugir agora ou depois.
Sem dúvida, quando alguns pacientes,
especialmente nos casos de obsessão, se afastam do lar, melhoram, porque
diminuem os fatores incidentes do grupo endívidado com o dos cobradores
desencarnados, o que não impede retomem os desequilíbrios, ao voltarem ao seio
da família, que por sua vez não se renovou, nem se elevou, a fim de liberar-se
das viciações que favorecem a presença da perturbação obsessiva.
Por isso, torna-se imprescindível,
nos processos de desobsessão, seja a família do paciente alertada para as
responsabilidades que lhe dizem respeito, de modo a não transferir ao enfermo
toda a culpa ou dele não se desejar libertar, como se a Sabedoria Celeste, ao
convocar o calceta ao refazimento, estivesse laborando em erro, produzindo
sofrimento naqueles que nada teriam a ver com a problemática do que padece.
Tudo é muito sábio nos Códigos
Superiores da Vida. Ninguém os desrespeitará impunemente.
1 - A AGRESSÃO
“As imperfeições morais do obsidiado
constituem, freqüentemente, um obstáculo à sua libertação.” L.M. — Capítulo 23º
— Item 252.
Não obstante a noite coruscante de
astros estelares, o ar pesava. Era o apogeu do verão carioca. No elegante
apartamento “duplex”, em pleno coração da Avenida Atlântica, a longa
expectativa cedia lugar ao relax da satisfação. A festa fora programada nos
mínimos detalhes, há mais de um mês, com requinte e carinho. Os convites foram
dirigidos a pessoas gradas, recatadas, que evitavam o tumulto do denominado
café-society, no entanto, realmente raffinée, pertencentes aos tradicionais
clãs da família brasileira e de outras nacionalidades.
O apartamento fora decorado
especialmente para o evento e o seleto bullet seria servido por distinta Casa,
cuja tradição se firmava na excelência da qualidade dos repastos opíparos e dos
funcionários discretos. A bebida, em abundância, obedecia à exigência do
cardápio cuidadosamente selecionado.
O mestre de cerimônias e
recepcionistas de uniforme postavam-se desde a porta do elevador social, que se
abria no hall privado, segui-dos dos anfitriões em traje de gala.
A pouco e pouco, o luxo e a elegância
disputavam primazia entre as damas adereçadas por jóias de alto preço e
toilettes custosas.
Os vários grupos, unidos por
afinidades, espalhavam-se pelas diversas dependências da elegante residência,
em cujos tapetes persas desapareciam os ruídos dos movimentos incessantes.
Canapés servidos habilmente e bebidas
conduzidas por garçons distintamente enfarpelados eram distribuídos em
abundância, entusiasmando os convidados risonhos, que se disputavam chamar a
atenção, como acontecer em circunstâncias que tais.
O Coronel e senhora Constâncio
Medeiros de Santamaria exultavam, não sopitando a felicidade de conseguirem tão
seleto convívio, na oportunidade em que deveriam apresentar a filha à sociedade
do Rio de Janeiro, na data em que completava quinze anos.
Comedido e austero, o sr. Coronel
recusara o convite de renomado cronista social, que pretendia incluí-la na
lista de debutantes, com a qual anualmente provocava sensação e comentários
demorados, após o desfile nos elegantes salões de luxuoso Hotel de categoria
internacional, quando não conseguia fazê-lo em memoráveis apresentações no
Palácio do Itamarati ou noutros equivalentes.
Preferira, porém, receber alguns
amigos, como dissera, na intimidade do lar, ocasião em que desejava maior
convivência e mais demorada emoção, perfeitamente compreensíveis.
Encaminharam antes a filha a uma Casa
de Modas e boas maneiras, onde a jovem candidata recebera instrução e
orientação própria para momento de tal envergadura, naqueles dias em que
determinadas profissões, como as de mannequin, modelos para poses de
fotografias e modas, eram mal vistas pelas famílias tradicionais. Todavia,
fazia-se mister preparar a jovem para os grandes cometimentos sociais,
exatamente no momento em que se destacavam já as vantagens das citações nas
colunas especializadas dos jornais de grande circulação, como primeiro passo
para promoção entre as classes abastadas da capital do país.
A moçoila freqüentava o Curso
Clássico de excelente Colégio, onde se preparava para a Faculdade de Filosofia,
que ambicionava.
Às 21 horas e 30 minutos, notificado
pela esposa ansiosa, o sr. Coronel avisou que a filha seria trazida à sala
imensa, preparada para o desfile pessoal da jovem, enquanto um grupo de
violinistas, colocados em palco improvisado, dava início formalmente à
recepção.
Vestindo delicado longo de tulle e
mousseline franceses, esvoaçantes, como se fora uma fada mitológica, saída de
algum recanto paradisíaco, apareceu a debutante.
Delgada e jovial estampava sorriso de
júbilo nos lábios bem delineados; as faces levemente coradas contrastavam com
os olhos transparentes, azulados; e a cabeleira bem trabalhada, cingida por
delicado diadema de brilhantes, caía artisticamente sobre os ombros no vestido
branco, alvinitente.
Dir-se-ia uma visão de sonho.
A música enchia a sala de amplas
janelas abertas na direção do mar imenso, à frente, e o ruidoso aplauso dos
felizes convivas se misturavam, efusivos.
Todos eram unânimes em ressaltar a
beleza diáfana da menina-mulher, enquanto os pais exultavam incontidamente com
essa felicidade que todos perseguem, enquanto na Terra, mas que é transitória,
passando sempre breve e deixando sulcos profundos, não poucas vezes de amargura
inexplicável.
Logo após, removida a passarela, o
genitor tomou a filha pelo braço e, sob ovação generalizada, dançou a primeira
valsa.
Os violinos, artisticamente
modulados, entonteciam de emoção os dois valsantes, que, atingidos pela dúlcida
alegria do momento, voavam pela imaginação aos diversos sítios dos próprios
interesses. Ele, evocando a juventude, os sonhos da mocidade, as ambições de
militar honesto e dedicado, o primeiro amor, o matrimônio, a guerra de que
participara — sim, a guerra adveio-lhe à memória, que procurou expulsar, — a
realidade, a vida... Ela, na primavera dos dias, sentia a vida estuar e
sonhava, sonhava naquele instante, que desejava se perpetuasse por todo o
sempre, numa perene promessa de felicidade.
Outros pares se juntaram e a festa
tomou corpo entre júbilos e rios de cognac, licores finos, bebidas e acepipes
vários.
Ao momento próprio o mâitre anunciou
que a ceia estaria servida dentro de poucos, rápidos momentos.
Nesse instante, o sr. Coronel
convidou a filha a um solo ao piano, como homenagem aos convidados.
— Bravos! — gritaram todos.
Foram colocadas cadeiras em volta do
Pleyel brilhante. Após as damas tomarem lugar, acolitadas pelos cavalheiros, a
jovem Ester sentou-se e, tomada pela tranqüilidade da segurança pessoal,
começou a dedilhar suave melodia de Brahms, delicada música de câmara,
envolvente e enternecedora.
O teclado submisso fazia que o poema
dos sons cantasse festivo, dominando as atenções.
O casal de anfitriões não cabia de
felicidade, de indizível júbilo. O semblante aberto, em sorriso tranqüilo,
parecia oferecer excesso de prazer.
Àquela hora, suave brisa vinha do
mar, diminuindo o calor, até então desagradável.
De repente, tudo mudou.
Foi um impacto, qual um golpe
inusitado, aplicado à face de todos. Ester se perturbou momentaneamente, o
corpo delicado pareceu vergar sob inesperado choque elétrico. Ela se voltou, de
inopino, e fixou os olhos muito abertos, quase além das órbitas, no genitor.
Estava desfigurada: palidez marmórea cobria-lhe o semblante. Na testa maquilada
e por todo o rosto, o suor começou a porejar abundante. Ergueu-se algo
cambaleante, fez-se rígida.
O fácies era de tresloucada. As
pessoas, tomadas pela surpresa, ficaram sufocadas, inermes.
A adolescente avançou na direção do
pai aparvalhado, sem ânimo de a acudir, e, sem maior preâmbulo, acercou-se
dele, estrugindo-lhe na face ruidosa bofetada. Este se ergueu, congestionado,
ao tempo em que a filha novamente o agrediu por segunda vez.
Armou-se tremendo escândalo. Algumas
damas mais sensíveis puseram se a gritar, e o senhor Coronel, atoleimado,
revidou o golpe automaticamente, surpreendendo-se a si mesmo, ante gesto tão
infeliz. A menina, alucinada, pôsse a gritar, sendo, à força, conduzida
àalcova.
Um médico presente prontificou-se
atendê-la. Foram tomadas as primeiras providências e se lhe aplicou um sedativo
injetável de quase nenhum efeito imediato. Nova dose de calmante foi
providenciada e, enquanto a festa se desmanchava de forma dolorosa,
surpreendente, a família mergulhou em abissal mundo de aflições sem nome.
O desequilíbrio de pronto assumira
proporções alarmantes.
Agitada, Ester blasfemava,
esbordoando moralmente o genitor, mediante expressões lamentáveis. Os verbetes
infamantes escorriam-lhe dos lábios, insultuosos, ferintes, desconexos. A
presença do pai mais a exaltava, como se fora acometida de loucura total, na
qual se evidenciava rancor acentuado, de longo curso, retido a custo por muito
tempo e que espocava voluptuoso, assustador.
Somente pela madrugada, em estado de
cansaço extenuante, caiu em torpor agitado, sacudida de quando em quando por
convulsões muito dolorosas.
A estranha agressão sombreou de
pesados crepes a família surpreendida, transformando em quase tragédia os
festivos júbilos da noite requintada.
São as surpresas que convocam a
acuradas meditações e inevitáveis buscas espirituais.
Os últimos convidados desde logo se
afastaram discretos uns, tumultuados outros. Acompanhados apenas pelo médico da
família, os anfitriões se recolheram ao leito, profundamente macerados no moral
e físicamente abatidos, em desfalecimento, sem compreenderem o ocorrido.
QUESTÕES PARA ESTUDO
1 – Como último item da prolusão, há a análise do grupo
familiar. Como ele se relaciona aos casos de obsessão, especialmente naqueles
que acompanham quadros de transtornos psiquiátricos?
2 – De que modo o grupo familiar pode colaborar no
tratamento do enfermo obsessivo?
3 – Qual evento tornou a festa de 15 de Ester tão
singular?
Bom estudo a todos!!
Equipe Manoel Philomeno