sábado, 12 de novembro de 2016

A Proclamação da República do Brasil e o Espiritismo

A Proclamação da República do Brasil e o Espiritismo
 

Temos neste dia 15 de novembro, o feriado cívico comemorativo da Proclamação da República do Brasil, ocorrida em 1889, quando um levante político-militar instaurou o novo sistema de governo nacional na forma de república federativa presidencialista em substituição ao modelo de monarquia constitucional parlamentarista, mantido pelo Império do Brasil, que tinha como seu monarca D. Pedro II.

Monumento ao líder republicano brasileiro Benjamin Constant
no Campo de Santana (Praça da República no Rio de Janeiro)
Liderados pelo Marechal Deodoro da Fonseca, um grupo militar tomou o Campo de Santana (Praça da República), no Rio de Janeiro, então capital do Império, anunciando a destituição do trono do Imperador e o início do Governo Provisório Republicano, para o qual Deodoro da Fonseca ocuparia a Presidência da República, tendo como vice o Marechal Floriano Peixoto, e Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Quintino Bocaiuva, Rui Barbosa, Campos Sales, Aristides Lobo, Demétrio Ribeiro e o almirante Eduardo Wandenkolk como seus ministros.

"Proclamação da República", 1893, óleo sobre tela de Benedito Calixto
A queda do Império e a instauração da República ocorreram por diversos fatores. Para começar, havia um descontentamento geral com o governo imperial, especialmente pela gritante divergência social, em que se tinha um povo massacrado pela baixa qualidade de vida e os revoltantes privilégios cedidos pela corte a alguns nobres em nome da soberania nacional.

Mas havia mais: o episódio histórico conhecido como "Questão Religiosa" (entre católicos e maçons) já preconizava a queda de D. Pedro II e seus protegidos, incluindo a Igreja Católica. Nos anos 1870 a Maçonaria ganhava força no meio militar e acadêmico, apavorando o clero católico. Os maçons defendiam novos valores morais e sociais, dentro os quais a tolerância religiosa a outras denominações que não àquela que seguia o Papa de Roma. Eles também patrocinariam o movimento pela libertação dos escravos negros — que viria a ocorrer em 1888.

Foi bem nessa época conturbada da História do Brasil que por aqui aportou o Espiritismo, cuja doutrina vinha ao encontro dos grandes apelos nacionais: reprogramação de valores, como liberdade, justiça e tolerância religiosa. Não por acaso, as ideias espíritas floresceram primordialmente no meio militar e acadêmico — e, portanto, o seio da Maçonaria. Porém, o que a historiografia regular não conta é que a influência da Doutrina Espírita nas campanhas abolicionistas e republicanas foi muito mais forte do que se pode imaginar.


Os nossos livros escolares atuais ignoram o fato de que as ideias kardecistas dariam aos abolicionistas e republicanos uma motivação por demais relevantes, em vista do bem comum nacional, haja vista as degradantes condições de vida das massas — especialmente no caso dos escravos. Além disso, a doutrina codificada por Kardec vinha satisfazer racionalmente o eco misterioso ressoado pelos fenômenos espirituais que se espalhavam nas terras tupiniquins. Manifestações mediúnicas de toda ordem tomavam conta dos noticiários e rodas de conversas.


A historiadora Mary Del Priore descreve em minúcias em seu livro "Do Outro Lado: A História do Sobrenatural e do Espiritismo" (ver resenha aqui) como a versão brasileira das Mesas Girantes se introduziu rapidamente na nossa cultura local e ainda como foi marcante o papel de ativistas espíritas nos acontecimentos políticos e sociais daquela passagem de Império para República. Dentre esses ativistas espíritas, ela destaca personagens como Quintino Bocaiuva (ministro do Governo Provisório Republicano), Ewerton Quadros (um dos fundadores da Federação Espírita Brasileira), Saldanha Marinho (influente advogado, político e grão-mestre maçom), o barão de Porto-Alegre e o Dr. Bezerra de Menezes.

"Se a sociedade da segunda metade do século XIX se queria racional e embalada pelo sonho do progresso em todos os domínios, o sentido do maravilhoso e do sobrenatural continuava, porém, a latejar. No Brasil, mais ainda. O legado das religiões afro e o universo mítico que já envolvia o imaginário dos brasileiros representavam a união entre a modernidade europeia e científica, e a secularização. Os efeitos da ciência moderna estariam em união com a experiência religiosa." (Do Outro Lado: A História do Sobrenatural e do Espiritismo, Mary Del Priore: cap. 4: Os inimigos do além.

Aqueles extraordinários acontecimentos assustavam o povo em geral e ao mesmo os enchia de esperança: enfim, seria os céus protestando contra as injustiças em favor do clamor popular? Não, era mais uma etapa da evolução espiritual da Humanidade se descortinando; era a espiritualidade nos convidando a avançar para a Nova Era. Assim, o Espiritismo vinha contribuir com as reformas de nossa nação.

D. Pedro II,
o imperador destituído do trono

Indiretamente, Allan Kardec e o Espiritismo foram umas das alavancas renovadoras do progresso brasileiro. É bem verdade que a Lei Áurea não foi um primor de programa social, uma vez que os negros alforriados não receberam a assistência necessária para que se integrassem adequadamente ao restante da sociedade. Também a República que sucedeu ao reinado de D. Pedro II não trouxe a tão almejada igualdade social. Contudo, foram dois passos para o progresso, quando já não se fazia sustentável as antigas posições.

Não se pode desprezar a concepção de que, com relação ao processo de transição de governo brasileiro naquele final de século XIX, a influência espírita tenha sido também benéfica para a conservação da tranquilidade geral. Sem provocar derramamento de sangue e sem maiores transtornos, o imperador D. Pedro II aceitou resignado a sua destituição.
De fato, faz parta da essência da Revelação Espírita as transformações sociais e políticas. A evolução dos povos e promoção do bem-estar das nações são consequências naturais que se espera desde quando as pessoas operam em si as reformulações morais. Não dizemos isso em função das transformações regimentais, ou seja, não cabe a Doutrina Espírita levantar a bandeira de um regime de governo ou ideologia política, mas sim erguer alto e firme a bandeira dos princípios éticos — sobretudo a da Caridade —, pois que, onde houver consciências evoluídas, quaisquer que sejam os regimes, haverá progresso; do contrário, onde houver mentes ignorantes e corrompidas, nenhuma instituição conseguirá promover a paz, por mais justas e sábias que sejam suas leis, porque os usurpadores sempre encontrarão uma maneira de burlar a ordem.

Que mais este feriado cívico nos inspire o devido amor à nossa Pátria e ao pensamento estadista, de convicção altruísta, em prol do bem-estar comum, sem perdermos de vista os planos da espiritualidade para fazer do Brasil o coração do mundo e a Pátria do Evangelho, conforme a mensagem de Humberto de campos, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier (ver aqui). E nós, brasileiros e espíritas, mais do que qualquer um, devemos sempre ter em mente a imensa responsabilidade que temos perante essa expectativa dos Espíritos guardiões de nossa Humanidade. Eduquemo-nos para essa honrosa convocação e cuidemos de nosso Brasil.
 

REVISTA ESPIRITA n. 8 - agosto 1863 - PERGUNTAS E PROBLEMAS: Mistificações

REVISTA ESPIRITA
JORNAL DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS
6a ANO NO. 8 AGOSTO 1863
 
PERGUNTAS E PROBLEMAS.
 
Mistificações.

 

Uma carta de Locarno contém a seguinte passagem:
 
".... Para mim a dúvida seria impossível, uma vez que tenho uma filha, muito bom médium, e que meu próprio filho escreve; mas, ai! teve tão cruéis mistificações, que seu desencorajamento me ganhou um pouco, sem, no entanto, abalar nossa crença tão pura e tão consoladora, apesar dos desgostos que se sente quando se vê enganado por respostas falazes. Por que, pois, Deus permite que aqueles que têm boas intenções sejam assim enganados por aqueles que deveriam esclarecê-los?..."
 
Resposta. - O mundo corpóreo se derrama pelo mundo espírita pela morte, e o mundo espírita se derrama no mundo corpóreo pela encarnação, e disso resulta que a população normal do espaço que cerca a Terra se compõe de Espíritos provindos da Humanidade terrestre; essa Humanidade, sendo uma das mais imperfeitas, não pode dar senão produtos imperfeitos; é a razão pela qual os maus Espíritos pululam ao seu redor. Pela mesma razão, nos mundos mais avançados, naqueles onde o bem reina sem partilha, não há senão bons Espíritos. Estando isto admitido, compreender-se-á que a ingerência tão freqüente dos maus Espíritos nas relações medianímicas é inerente à inferioridade de nosso globo; aqui corre-se o risco de ser vítima dos Espíritos enganadores, como num país de ladrões corre-se o risco de ser roubado. Não se poderia também perguntar por que Deus permite que as pessoas honestas sejam despojados pelos gatunos, vítimas da malevolência, alvo de todas as espécies de misérias? Perguntai antes por que estais sobre essa Terra, e vos será respondido que é porque não merecestes uma morada melhor, salvo os Espíritos que aqui estão em missão; é preciso, pois, sofrer-lhes as conseqüências e fazer seus esforços para dela sair o mais cedo possível. À espera disso, é preciso se esforçar por se preservar dos ataques dos maus Espíritos, o que não se chega senão fechando-lhes todas as saídas que poderiam lhes dar acesso em nossa alma, impondo-se-lhes pela superioridade moral, a coragem, a perseverança e uma fé inabalável na proteção de Deus e dos bons Espíritos, no futuro que é tudo, ao passo que o presente não é nada. Mas como ninguém é perfeito sobre a Terra, ninguém pode se gabar, sem orgulho, de estar ao abrigo de suas malícias de maneira absoluta. A pureza das intenções é muito, sem dúvida; é o caminho que conduz à perfeição, mas não é a perfeição, e pode aí ter ainda, no fundo da alma, algum velho fermento; é porque não há um único médium que não haja sido mais ou menos enganado.
A simples razão nos diz que os bons Espíritos não podem fazer senão o bem, de outro modo não seriam bons, e que o mal não pode vir senão dos Espíritos imperfeitos; portanto, as mistificações não podem ser senão o fato de Espíritos levianos ou mentirosos que abusam da credulidade, e freqüentemente exploram o orgulho, a vaidade ou outras paixões. Essas mistificações têm por objetivo pôr à prova a perseverança, a firmeza na fé, e de exercer o julgamento. Se os bons Espíritos as permitem, em certas ocasiões, isso não é por impossibilidade de sua parte, mas para nos deixar o mérito da luta: sendo a mais proveitosa a experiência que se adquire às próprias custas; se a coragem dobra, é uma prova da fraqueza que nos deixa à mercê dos maus Espíritos. Os bons Espíritos velam sobre nós, nos assistem e nos ajudam, mas com a condição de que nos ajudaremos a nós mesmos. O homem está sobre a Terra para a luta, e lhe é preciso vencer para dela sair, senão ele aqui fica.
Infinito e indefinido.
Escrevem-nos de São Petersburgo, a primeiro de julho de 1863:
"... Em O Livro dos Espíritos, livro l, capítulo 1o, no 2, anotei esta proposição: Tudo o que é desconhecido é infinito. Parece-me que muitas coisas nos são desconhecidas sem por isso serem infinitas.      Encontrando-se essa palavra em todas as edições, pedi sua explicação ao meu guia, que me respondeu: "A palavra infinito é aqui um erro; é preciso indefinido." Que pensar disso?...
Resposta. Essas duas palavras, embora sinônimas pelo sentido geral, têm cada uma acepção especial. A Academia as definiu assim:
Indefinido, cujo fim, os limites não podem ser determinados. Tempo indefinido. Número indefinido. Linha indefinida. Espaço indefinido.
Infinito, que não tem começo nem fim, que é sem marco e sem limites. O espaço é infinito. Deus é infinito. A misericórdia de Deus é infinita. Diz-se, por extensão, daquilo em que não se podem assinalar os marcos, o termo, e, por exagero, tanto no sentido físico quanto no sentido moral, de tudo o que é muito considerável em seu gênero. Diz-se particularmente por inumerável. Uma duração Infinita. A beatitude infinita dos eleitos. Dos astros colocados a uma distância infinita. Eu vos sei de uma vontade infinita. Uma infinita variedade de objetos. As penas infinitas. Há um número infinito de autores que escreveram sobre este assunto.
Resulta daí que a palavra indefinido tem o sentido mais particular, e a palavra infinito um sentido mais geral; que o primeiro se diz antes em relação às coisas materiais e o segundo das coisas abstratas: é mais vago do que o outro. O sentido mais geral da palavra infinito permite aplicá-la em certos casos ao que não é senão indefinido, ao passo que o inverso não poderia ocorrer. Diz-se igualmente: uma duração infinita e uma duração indefinida; não se poderia dizer: Deus é indefinido, sua misericórdia é indefinida.
Sob esse ponto de vista, o emprego da palavra infinito na frase precitada não é, pois, abusivo, e não é um erro. Dizemos, além disso, que a palavra indefinido não daria a mesma idéia. Do momento que uma coisa é desconhecida, ela tem para o pensamento o vago do infinito, senão absoluto, pelo menos relativo. Por exemplo, não sabeis o que vos acontecerá amanhã: vosso pensamento erra no infinito; são os acontecimentos que são indefinidos; não sabeis o quanto há de estrelas: é um número indefinido, mas é também o infinito para a imaginação. No caso do qual se trata, convém, pois, empregar a palavra que generalize o pensamento, de preferência à que lhe daria um sentido restrito.

Enviado por: "Joel Silva"

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Reflexão - Na hora de competir

NA HORA DE COMPETIR

“Nada faças por partidarismo ou vã glória, mas por humildade.” 
(Paulo, Filipenses 2:3)

       É claro que quem entra numa competição, seja esportiva, seja mesmo uma prova, está disposto a vencer e ser recompensado, honrado com o título ou prêmio que lhe compete, por merecimento.
       Porém, nas competições da vida, nem sempre é sensato querer ser o vencedor.
       Às vezes é mais vantajoso perder, ou não competir.
       Vencer a competição por um cargo ou posição em qualquer setor é o mesmo que assumir os compromissos de atender aos encargos que eles exigem.
       Portanto, acumula responsabilidades.
       Por isso, antes de entrarmos numa competição, é bom analisar se estamos ou não em condições de arcar com as responsabilidades.
       É necessário estarmos bem conscientes das atribuições.
       Analise, detalhe por detalhe.
       Qual a finalidade do cargo? É útil?
       Que benefícios traz aos que dele dependem?
       De alguma forma, leva a algum progresso material ou espiritual?
       Para cumprir com êxito essa finalidade, o que exige do seu responsável?
       Faça agora a autoanálise:
       Você, particularmente, está convicto de que a finalidade é útil?
       Você tem os requisitos necessários para cumpri-lo?
       Você está disposto a realizar ou continuar o trabalho e melhorá-lo?
       Você acha que é capaz de cumprir com êxito?
       Observe se não está competindo com alguém mais capaz do que você.
       Esse alguém pode ser mais útil, levar maior progresso, mais benefícios que você.
       Lembre-se de que se você conscientemente tirar a oportunidade de alguém que faria mais do que você pode fazer, a diferença vai pesar sobre sua responsabilidade. Você responderá pela deficiência no desempenho.
       Não é o cargo que irá lhe dar mérito, mas sim o trabalho eficiente e sincero que você realizar.
       Mesmo assim, você acha que compensa competir?
       Passe então a olhar os sus adversários com fraternidade.
       Não esqueça que sem a proteção de Deu não fazemos nada, mesmo sendo competentes.
       Assuma então a disputa, consciente de que, para vencer, não se valerá de nenhum recurso menos digno. Esteja certo de que vai contar com seu próprio esforço e capacidade.
       Se vencer, não esqueça de agradecer a Deus e proponha a cumprir seus encargos com humildade e honestidade.
       Lembre-se de que o cargo não pode ser motivo de vaidade ou de orgulho, mas sim de responsabilidades.
       Una-se a Deus e aos que querem colaborar e não menospreze os perdedores.
       Pense que você poderia estar no lugar deles.
       Como vencedor, procure realizar o melhor trabalho possível.

(De “Na hora exata – uma lição para cada situação”, de Maria Cotroni Valenti, inspirado pelo Espírito O Amigo)

Livro em estudo: Nos Bastidores da Obsessão - A022 – Cap. 8 – Processos Obsessivos – Segunda Parte

Livro em estudo: Nos Bastidores da Obsessão – Editora FEB - 1970
Autor: Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de Divaldo Pereira Franco
A022 – Cap. 8 – Processos Obsessivos – Segunda Parte

 

Ora, com o andamento das operações de socorro ao lar da família Soares, o irmão Teofrastus fora infor­mado por comparsas seus, ali residentes, dos rumos que tomavam os processos de dominação, que até então re­pousavam em suas ávidas e duras mãos.
Em face disso, o irmão Saturnino programara novo encontro espiritual, através do médium Morais, no qual se tentaria uma entrevista com o antigo mago de Ruão, que teria atividades em pauta para a madrugada do dia imediato, no Anfiteatro já nosso conhecido.
À hora aprazada, em desdobramento parcial pelo sono, encontramo-nos no recinto das tarefas mediúnicas da nossa Casa de oração, conduzidos que fôramos pelo irmão Ambrósio, lá defrontando os demais membros das tarefas em curso, com exceção do irmão Guilherme, que fora recolhido, dias antes, a local próprio de repouso e refazimento espiritual.
Após comovida oração proferida pelo irmão Satur­nino, este explicou os objetivos da reunião, que deve­riam colimar num encontro pessoal com o irmão Teo­frastus, e cuja orientação seria ministrada pelo Benfei­tor Glaucus, responsável pela empresa que se nos afigurava de grande porte, em considerando a necessidade de nos adentrarmos, novamente, no Anfiteatro para, após as exibições dolorosas, mantermos entrevista com o gê­nio das sombras.
A caravana estava constituída pelo irmão Glaucus, Saturnino, Ambrósio — mensageiros adestrados em ta­refa de tal envergadura — e por nós outros, desdobrados parcialmente pelo sono: Petitinga, o médium Mo­rais e nós.
Tomando o veículo que nos conduziu à região em que se encontra localizado o cenário das ocorrências infe­lizes, acercamo-nos de pequeno grupo agitado que dis­cutia, em altas vozes.
Indigitado obsessor informava:
Hoje teremos um espetáculo formidando. Fui in­formado, desde as vésperas, por diligente amigo intei­rado das ocorrências daqui, e eu não podia faltar. Ne­cessito de aprender e utilizar os recursos da técnica mo­derna para fazer justiça...
Estrídula gargalhada ressoou, sarcástica.
Outro infeliz perseguidor, que assinalava no facies macilento e desfigurado a condição íntima, grunhiu:
O caso de hoje, como outros anteriores, pertence à força da justiça. Entre nós, a lei tem função puni­tiva. Nada de correção, nem piedade. Quem fere será ferido, e acabou-se.
Uma senhora que se caracterizava pelo desleixo da aparência, com fundas olheiras, narinas arfantes e lá­bios finos, contraídos, de semblante patibular, arengou:
Eu conheço pessoalmente o infrator que hoje começará a experimentar o rigor da justiça... Estou ansiosa. Não percamos tempo. Entremos!
Em ruidosa zombaria, rumaram na direção da porta principal e desapareceram entre a multidão agitada.
O que merece registro é que todos se referem à Justiça. Esquecidos da própria condição, tornaram-se juizes dos outros, esfaimados como se encontram de equilíbrio. Enlouquecidos nos desvarios da vindita, es­tribam-se no falso conceito da (justiça com as próprias mãos», derrapando em crimes hediondos que os surpre­enderão mais adiante, recebendo-os nas malhas da ine­xorável lei da evolução. O momento, no entanto, não comportava considerações de tal natureza. Gentilmente advertidos por Saturnino, reunimo-nos em prece e, absor­vendo as energias deletérias com que modificaríamos a «psicosfera espiritual», algo arquejantes sob o império das emanações de baixo teor vibratório, respirando a custo, com a aparência algo desfigurada para não cha­mar a atenção, acercamo-nos em grupo, da entrada, atra­vessando o torniquete em que se encontrava instalado o «psicovibrômetro».
O  ambiente interno, insuportável, estava carregado de fumo e vapores nauseantes, asfixiantes. Luzes pesa­das caíam em tons fortes projetadas na direção do cen­tro em que se dariam os espetáculos. A multidão de ga­lhofeiros era considerável. Doestos e expressões vulga­res explodiam em atroada forte de todas as direções. Alguns encarnados, amedrontados uns, voluptuosos ou­tros, participavam das galerias atulhadas.
O irmão Saturnino, sempre gentil, explicou-nos ser necessário considerar que ali se encontravam muitos es­píritos encarnados, espontaneamente presentes, partici­pantes habituais que se fizeram de espetáculos daquele vulto. Espíritos aclimatados às regiões inferiores donde procediam, antes da reencarnação, no corpo carnal en­contraram elementos grosseiros para se refestelarem, mantendo a sintonia com os que ficaram na retaguarda. Outros, menos avisados, se mancomunaram com as men­tes infelizes que pululam em toda parte, e nas horas de vigília se nutrem dos pensamentos deprimentes e opres­sivos derivados dos prazeres animalizantes em que se de­moram, ali se reunindo nas breves horas de parcial des­prendimento pelo sono, para darem curso aos apetites mais brutais. Sexólatras inveterados, perturbados das funções genésicas, alcoólatras, morfinômanos, cocainô­manos, opiômanos e outros que possuem os centros da razão anestesiados pela monoidéia do gozo, em perfeita comunhão: assimilando e eliminando as vibrações vicia­das das construções mentais constantes de que se fa­zem objeto permanente (*)•
Com intervalos regulares, soaram os sinais prenun­ciadores do início da função execranda.
Com estrépito quase ensurdecedor, as sirenes anun­ciaram a aparição do Dr. Teofrastus.
Alguns clarins de sons agudos foram ouvidos e sinistro séquito, carre­gando o palanquim em que se encontrava o arguto obses­sor, deu entrada em cena. Gritos e aplausos atordoan­tes encheram o amplo recinto. Impassível, como um po­deroso rei da impiedade que visitasse larga colônia de súditos infelizes ou escravos repelentes, após o circuito em que a ovação parecia também apupos, a estranha mole que o acompanhava, em que apareciam alabardei­ros sinistramente vestidos, parou, e o mago, tomando atitude estudada, abandonou a ridícula rede adornada e com olhar brilhante de águia relanceou a visão por todos os recantos, desafiadoramente, sentando-se em ca­deira de alto espaldar, como se fora um trono, em posição central, donde poderia dirigir o cerimonial.
Silêncio tumular se abateu sobre o anfiteatro.
Ridículo mestre de cerimônias, mais parecido aos antigos bufos das cortes, de rosto duro e encovado, to­mou de pequeno microfone e começou a falar.
A voz roufenha era um arremedo de discurso lau­datório à figura do Dr. Teofrastus.
Este é o nosso representante da Justiça — disse entre outras considerações — nos círculos em que nos encontramos. É claro que ele não detém toda a justiça. É serventuário zeloso dos bens da vida, que não podem ser dilapidados impunemente pelos defraudadores, da
verdade.
Fez pequena pausa de efeito. As palavras justiça e verdade soavam ali muito estranhamente. Pareciam pro­feridas com o objetivo único de criarem pânico nas men­tes desavisadas, colhidas pela consciência íntima, que realmente ninguém consegue anestesiar indefinidamente.
            Não somos impiedosos como afirmam muitos —prosseguiu com entonação de ira e maldade. Somos somente a consciência externa dos que escondem a cons­ciência pessoal e fraudam, esquivando-se, depois, ao acerto de contas de que ninguém se eximirá. Não condenamos quem quer que seja. Despertamos cada deve­dor para a autopunição. Não violentamos a liberdade de ninguém, nem constrangemos Espírito algum a tomar parte em nossos atos. Todos os que aqui nos encontra­mos usamos as duas alternativas normais: sintonia por afinidade de gostos — que nos congregam numa pode­rosa confraria em que uns justiçam e outros são justi­çados, e sintonia pelo medo — que requisita o material necessário para resgate dos crimes praticados, através dos processos compatíveis de que as Leis utilizam nos­sas possibilidades de punidores que nos fizemos, tam­bém espontaneamente.
«Isto posto, temos as mãos lavadas de qualquer culpa e segurança íntima de que não somos benignos com uns e severos com outros. Cada um aqui recebe conforme o seu merecimento. Dispomos de meios de tudo saber e temos uma legião de informantes que fiscalizam os que se demoram no corpo, conquanto ligados à nossa Colô­nia, para que, quando aqui trazidos, quer na roupagem física ou não, possam ouvir de testemunhas devidamente adestradas o relato das Suas desditas, como se a pró­pria consciência neles resolvesse falar.
«Dr. Teofrastus é, pois, a chibata da lei. Prepa­rai-vos!
«Consciências infelizes e corações empedernidos, es­perai!
«Temos tempo. Dispomos do milagre da supervi­vência. A morte é isto: o que cada um fez, como viveu, conforme preferiu agir. Suportai agora o resultado das vossas atitudes. »
Silenciando a voz estranha, uma quietude cruel se abateu sobre o recinto. Mesmo alguns dentre os Espí­ritos obsessores mais cínicos apresentavam no semblante estarrecido o estupor e o receio. Afinal ali estavam somente consciências ultrajadas, e as expressões vigoro­sas verdade e justiça, conquanto desvitalizadas da sua grandiosa significação, para eles representavam o inva­riável ajuste de contas de que ninguém se furtaria.
A um sinal adrede combinado, o Dr. Teofrastus ergueu pesado cetro e o bateu violentamente no palan­que que o sustinha.
O mestre de cerimônias bradou:
—  Tragam o primeiro caso.
Rebuscando entre tiras de papel que mantinha nas mãos, destacou uma e leu:
—  José Marcondes Effendi, 21 anos, domiciliado na Terra.
Dois ajudantes de enfermagem apareceram trazendo uma maca na qual, em sono profundo, aparecia um es­pírito reencarnado, desdobrado em corpo espiritual, que foi colocado na mesa cirúrgica situada no centro do proscênio.
Todos estávamos de olhos fixos no que ocorria.
O  locutor novamente chamou:
—  Apresente-se a testemunha.
Do grupo que cercava o Dr. Teofrastus, destacou-se horrenda figura, de aspecto repelente, que se acercou do paciente em repouso agitado.
—  Pode falar! — impôs o sinistro apresentador do espetáculo.
Tomando do microfone para se fazer ouvido e pigar­reando asquerosamente, o mísero sofredor narrou:
—  Estive na Terra há aproximadamente 60 anos, donde fui expulso por homicídio vergonhoso... Era ra­dicado no Rio de Janeiro, nos últimos dias do Segundo Império, fazendo parte da média burguesia. Acredita­va-me feliz na vida conjugal, quando, por insistência da esposa, buscara recreação, em férias de dezembro, em Petrópolis, fugindo à canícula do Rio, hábito, aliás, que se repetia cada ano. Não imaginava que a compa­nheira, de quase 15 anos de vida em comum, ligara-se a aventuras extraconjugais com um dos meus emprega­dos, que servia numa das lojas de tecidos de minha propriedade. Não tendo filhos, por minha morte todos os meus bens recairiam nas mãos da viúva.
Embargado, senão pela emoção, porém pela ira re­pentina que o dominava, fez uma pausa, que foi inter­rompida por estímulos coléricos das galerias:
—  Prossegue! Narra! Nada de medo! Desejamos saber tudo...
—  Instalado na serra petropolitana entre amigos folgazões, que se beneficiavam do excelente clima, fui assassinado cruelmente, sem piedade, pela esposa e o amante, que ela emboscara na intimidade da alcova, cinco dias após ali nos termos alojado. Logo depois, ofe­recendo ensejo para que o criminoso se evadisse, ela encenou um roubo de jóias e outros valores, do que resultara o hediondo crime... Hábil na arte da dissi­mulação, fez-se acreditar; e o homicídio passou impune. Embora aberto inquérito que se arrastou tristemente entre as autoridades competentes, sem testemunhas nem novos fatos que viessem justificar suspeitas, o caso foi encerrado e a sepultura silenciou sobre a tragédia pas­sional.
Novo choque da turba desesperada:
Que aconteceu? — gritavam, em coro, as vozes desenfreadas.
Ao despertar do lado de cá, experimentando as cruezas da imortalidade, dominado por incoercível ódio, ardendo de desejos de vingança, retornei ao lar — não posso atinar com o tempo que houvera transcorrido —e, então, o meu horror não teve limite. A traidora, pas­sado um regular período de luto, consorciara-se com o meu assassino, entrando ambos na posse dos meus bens, fruindo o resultado do crime feroz...
Transfigurado de dor e revolta, esbravejando com expressões das mais chocantes, o narrador, de olhar des­vairado, prosseguiu:
—  O desespero foi-me fulminante. Tive a impres­são de morrer outra vez. Uma angústia bestial feriu-me, e a dor que sentia no peito varado pelo estilete com que me destruíram o corpo foi acrescentada à de um ftár­tico que me queimava e requeimava, até que, louco, perdi a noção de tempo, de lugar, de tudo... Refossilei em regiões indescritíveis, por quantos anos não poderia di­zê-lo com segurança, sem refrigério, sem socorro... Há poucos anos senti uma força que me arrancou do inferno em que me demorava e sübitamente recobrei alguma lucidez, descobrindo-me diante de um jovem de 10 anos apro­ximadamente, por quem de imediato nutri incomparável horror. Elos poderosos me atavam ao estranho corpo juvenil, e, vinculado ao lar em que ele vivia, comecei a compreender que aquele corpo, por sortilégio demoníaco que me escapava, ocultava a adúltera, agora revestida de forma nova, como que mascarada para continuar a fugir à sanção que merecia...
«Eu ignorava totalmente a lei de «vinda-ida-e-volta» (1) em que os criminosos são obrigados a percorrer ou­tra vez os sítios malsinados pela sua conduta vergonhosa, mas sentia que, perseverando ali, mais cedo ou mais tar­de surpreenderia a verdade. Foi o que fiz. Comecei a acompanhar aquele ser, que me inspirava a mais cho­cante revolta. Paulatinamente me fui afinando com ele e tão constante me fiz na eficiente fiscalização que um dia, em que o sono o dominou, percebi que ela, a hor­renda assassina, abandonava o corpo dele. Vendo-me, re­conheceu-me, e voltou a refugiar-se nas carnes novas, que foram sacudidas por vigoroso choque, produzindo nele o despertar apavorado. Não mais arredei pé. »
A recordação entrecortada de soluços e descontro­les produziu violenta crise na entidade, que continuou estimulada pelo auditório ávido do desfecho. Recom­pondo-se, após olhar a figura impassível do Chefe, pros­seguiu:
No lar em que ele se ocultava travei conheci­mento com um membro desta Colônia, que ali também residia, e vim aqui trazido para uma entrevista com o Dr. Teofrastus.
Ante a citação do nome do mago, os ouvintes em desatrelada balbúrdia aplaudiram com palmas, assobios e gritos ensurdecedores. A sirene soou impondo silên­cio e a narração continuou:
Ouvido atentamente pelo Chefe, ele recomendou-me uma vingança de longo curso.
Foi visitar pessoalmente a minha inimiga e após demorado exame chegou à conclusão de que poderíamos produzir muito em nome da justiça a meu benefício, O corpo era moço, mas o espírito que o animava era o da assassina, que mere­cia severa punição. Identificando nela (em corpo de ho­mem, embora) as tendências guardadas da vida ante­rior, em que as dissipações atingiram o auge — o es­poso depois de expropriar-lhe os bens, evadiu-se para a África, deixando-a na mais chocante miséria, o que a levou a uma vida boêmia, aniquilando o corpo em imun­dos catres de perversão moral, vitimada pela tuberculo­se que contraíra ao peso de excessos de toda a natureza, fácil seria perturbar-lhe os centros genésicos, através da perversão da mente inquieta, em processo de hipnose profunda, praticada por técnicos do nosso lado.
Gargalhadas estentóricas estouraram de todos os lados.
—  Viva a justiça! — Gritaram. — Muito bem! Adiante!
—  Em pleno amadurecimento das faculdades sexuais, sob a rigorosa assistência de um hipnotizador destacado pelo Dr. Teofrastus, foi fácil modificar-lhe o interesse e inclinar-lhe a libido em sentido oposto ao da lei na­tural, já que o seu corpo era masculino, produzindo irreparável distonia nos centros da emoção. Daí por dian­te associei-me à sua organização física e psíquica, expe­rimentando as sensações que lhe eram agradáveis e cria­mos um condicionamento em que os nossos interesses agora passaram a ser comuns. Tão fortemente me li­guei à sua vida, que o ódio se converteu em estímulo de gozo, imanando-nos em processo de vampirização em que me locupleto e através do qual a destruo, atirando-a cada vez em charco mais vil, até que o suicídio seja sua única solução...
O   auditório vibrava. Os espetáculos romanos do passado não poderiam ser mais chocantes. Era difícil saber-se se aqueles eram espíritos que habitaram corpos humanos ou primitivos seres que apenas experimen­taram o trânsito do instinto para os albores da inteligência, através de formas humanas...
Na pausa que se fez natural, Saturnino, visivelmente comovido, comentou:
—  Justiça em nós mesmos! O erro acompanha sem­pre o desrespeitador da lei, enquanto ele não se modi­fica para a verdade e não se submete espontaneamente à reparação. Acreditam esses infelizes irmãos que o po­der lhes está nas mãos, teimando por ignorar que a lei que lhes concede ensejo para tais proezas não lhes per­mite o uso desregrado da impiedade nem da suprema humilhação, olvidando conscientemente a aproximação do momento deles próprios, em situação possívelmente muito mais dolorosa...
Silenciou, pois que a narrativa entre ovações e achincalhes tinha curso.
Depois de alguns anos de convivência entre ela e mim — continuou a entidade —, percebi que curiosa tristeza a malsinava. Sentia-se dominada por mim e co­meçou a registrar-me a presença. Agora, após concluir o curso médio e iniciar-se na Universidade com maior compreensão dos problemas humanos, sabendo do dra­ma íntimo, resolveu procurar um psicanalista de renome. Submetida a diversos testes e sessões especializadas, o facultativo, que é dócil à minha sugestão — merece esclarecer que a este tempo já me enfronhara devidamente nas técnicas da sugestão, nos diversos processos hipnológicos de que me utilizo com frequência para colimar os meus desejos — e que ignora, totalmente, na sua soberbia intelectual as realidades deste lado, utili­zando-se de expressões muito em moda, por mim inspi­radas, sugeriu que o essencial na vida é a pessoa reali­zar-se como achar conveniente, e que tudo o mais são tabus que devem ser quebrados, em prol da felicidade de cada um...
Pressionando o especialista com hábil sugestão, consegui que ele a estimulasse ao prossegui­mento habitual dos seus atos, o que não me foi difícil.
Novas gargalhadas espocaram, acompanhadas dos mais chocantes verbetes da infelicidade humana.
Muito estimulado pelo consenso geral, o Espírito in­feliz culminou:
Quando já me supunha dono absoluto da situa­ção, alguém aconselhou-a a procurar sessões espíritas, pois que isto bem poderia ser uma obsessão. Esse al­guém é um certo pregador do Espiritismo, nesta cidade, que se propôs ajudá-la com passes e outros recursos que ignoro.
O quê? — bradou o auditório. — Onde já se viu? E a justiça? O Espiritismo é o maior inimigo da nossa Organização. Fora com o. Espiritismo; reajamos à intrujice...
Novamente o silvo das cigarras impôs silêncio.
O  narrador prosseguiu:
Atônita começou a frequentar algumas sessões e eu me senti repentinamente sem possibilidades de do­miná-la como fazia até então. Sabendo-a sem resistên­cia para o que já lhe constituía um hábito, comecei a su­gestioná-la de longe. A infeliz, no entanto, ao invés de receber as minhas impressões, fez-se beata, começou a orar. Recorri então ao Dr. Teofrastus que, muito sá­bio, lhe deu assistência especializada e conseguiu induzi-la a novos compromissos, obrigando-a a reincidir, o que me ofereceu ensejo de trazê-la aqui hoje.
Saturnino, vigilante, elucidou:
Em qualquer problema de desobsessão, a parte mais importante e difícil pertence ao paciente, que afi­nal de contas é o endividado. A este compete o difícil recurso da insistência no bem, perseverando no dever e fugindo a qualquer custo aos velhos cultos do «eu» enfermo, aos hábitos infelizes, mediante os quais volta a sintonizar com os seus perseguidores que, embora momentaneamente afastados, não estão convencidos da necessidade de os libertar. Oração, portanto, mas vigilân­cia, também, conforme a recomendação de Jesus. A prece oferece o tônico da resistência, e a vigilância o vi­gor da dignidade. Armas para quaisquer situações são o escudo e a armadura do cristão...
O meu desejo é continuar a dominá-la — con­tinuou arengando — e, nesse sentido, nosso Chefe se pro­pôs submetê-la a uma intervenção cirúrgica, processo eficiente contra o qual os espíritas nada poderão fazer, no sentido de libertá-la.
A um sinal do Dr. Teofrastus, o Espírito silenciou.
O  antigo mago de Ruão levantou-se, acolitado por dois assessores, e examinou a entidade, cujo desequilí­brio e invigilância, quanto ao culto das responsabilidades, a levara àquela dolorosa situação.
Enquanto isso ocorria, Saturnino esclareceu:
Não duvidemos do concurso do Alto. Jesus vela! A vítima de si mesma, que os nossos olhos contemplam, não está à mercê de tão sinistros algozes, abandonada. Entidades vigilantes socorrê-la-ão logo mais. O Espiri­tismo possui antídotos para todas as surtidas das men­tes radicadas no mal, desde que os que buscam a linfa soberana e refrescante da fé restaurada, desejem assu­mir consigo mesmos os compromissos de perseverarem nos deveres superiores, a benefício pessoal. Oremos e confiemos!
Iremos fazer uma implantação — disse em tom de inesquecível indiferença o Dr. Teofrastus — de pequena célula fotoelétrica gravada, de material especial, nos centros da memória do paciente. Operando sutilmente o perispírito, faremos que a nossa voz lhe repita insis­tentemente a mesma ordem: «Você vai enlouquecer! Suicide-se! Somos obrigados a utilizar os mais avançados recursos, desde que estes nos ajudem a colimar os nos­sos fins. Este é um dos muitos processos de que nos po­demos utilizar em nossas tarefas...
Estarrecidos, vimos o cruel verdugo movimentar-se na região cerebral do perispírito do jovem adormecido, com diversos instrumentos cirúrgicos, e, embora não pu­déssemos lograr todos os detalhes, o silêncio no recinto denotava a gravidade do momento.
Transcorridos uns dez minutos, a cirurgia foi dada por concluída e o paciente foi removido.
Quantas indagações me fervilhavam na mente! A hora, porém, não comportava quaisquer esclarecimentos. Era momento significativo na história de nossa vida es­piritual e o ambiente abafado, negativo, asfixiava-nos a todos. O Dr. Teofrastus retornou ao palanque e desfi­laram mais alguns casos. Logo depois, o espetáculo foi encerrado.
A grande mole de entidades começou a debandar. Os alto-falantes declararam que a partir daquele instante o Chefe concederia entrevistas.
Era chegado o momento.
- Mantenhamos serenidade e sigamos nosso irmão Glaucus — falou, sintético, Saturnino.
O Benfeitor desceu das galerias, acompanhado pelo grupo, e aproxi­mou-se do palco central em que estava o Dr. Teo­frastus.
 
 
(*)   Hoje, com a facilidade do uso desenfreado de estupe­facientes, barbitúricos vários e outros alucinógenos, em que expressiva quantidade de mentes se perturbam, nos estados ca­racterísticos do “transe”, esses espíritos adensam recintos como o a que nos referimos, tornando-se escravos de outras mentes viciadas que se locupletam nas suas emanações morbíficas. —Nota do Autor espiritual.
 
(1)   A entidade se refere à lei da reencarnação. Nota do Autor espiritual.
 
 
QUESTÕES PARA ESTUDO E DIÁLOGO VIRTUAL
1)     Como podemos entender a “Justiça pelas próprias mãos” de acordo com a lição deste capítulo?
2)     Um espírito encarnado poderia estar naquela região inferior em que Teofastrus habitava? Justifique.
3)     Em ‘O Livro dos Espíritos’ aprendemos que os Espíritos não tem sexo, ou seja, podem reencarnar tanto em um corpo masculino, como em um corpo feminino pois precisam evoluir em tudo. “O que o guia na escolha são as provas por que haja de passar.(LE 202)
Nesta história, temos o relato de um Espírito que fora uma mulher em uma encarnação, mas reencarnou em seguida no corpo de um homem.
De que forma os espíritos obsessores influenciaram sua escolha sexual?
 
4)     Por que os obsessores buscaram impedir o acesso deste rapaz ao Centro Espírita? De que forma eles conseguiram este afastamento?
 
 
* Para apoio ao tema:
O Livro dos Espíritos
 
202. Quando errante, que prefere o Espírito: encarnar no corpo de um homem, ou no de uma mulher?
Isso pouco lhe importa. O que o guia na escolha são as provas por que haja de passar.”
 Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo. Visto que lhes cumpre progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social, lhes proporciona provações e deveres especiais e, com isso, ensejo de ganharem experiência.
Aquele que só como homem encarnasse só saberia o que sabem os homens.

 
Um abraço a todos!
Equipe Manoel Philomeno