sábado, 12 de outubro de 2013

Espero Que Você Seja ...

Positivo

Joamar Zanolini Nazareth 

Sobram questionamentos sobre as dicotomias que nos cercam em grande parte de nossas opções diante à vida: o sim e o não, o certo e o errado, o bom e o mau, o dia e a noite, a luz e a escuridão, o antes e o depois, o positivo e o negativo.

Prefiro interpretar que quando nos posicionamos diante opções extremas estamos querendo reduzir a vida a mera questão de optar por um ou outro caminho.

A vida não é assim. Não apenas dois caminhos, dos quais precisamos optar por um, sob pena de estar tomando o caminho errado e irremediavelmente estarmos perdidos.

Há diversos caminhos que podemos seguir, alguns bons e outros não, e mesmo que em algum momento tomemos o caminho que não nos traga resultados bons à primeira vista, temos amplas e plenas condições de refazer a trilha, retificarmos nossa posição e seguirmos por outras melhores vias, tirando lições importantes do erro vivido.

Tudo o que vivemos é experiência. O que se nos afigura ruim no presente momento será a alavanca para alcançarmos a conquista nobre.

Nosso Criador instituiu sabiamente a essência pedagógica da vida; acertando, aprendemos. Errando, aprendemos.

Lavoisier foi refletiu apenas sobre o aspecto físico, mas também filosófico quando enxergou que na Natureza, ou seja na vida, nada se perde, e sim se transforma.

O que antes parecia negativo, com o esforço certo e o emprego da energia correta, se transformará na vitória de depois.

Por isso, ser positivo é uma questão de inteligência e lucidez.

Somos imperiosamente impulsionados, pela vida, para seguir à frente e alcançar o sim, o certo, o bom, o dia, a luz e o positivo. Afinal, somos de Deus...


(Autor: Joamar Zanolini Nazareth)

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Existe alguma relação entre alcoolismo, obsessão, reencarnação...? Qual seria?

 
- O hábito do consumo de álcool entre os seres humanos data da pré-história, tendo sido parte de rituais religiosos e festejos de todos os tipos desde os mais remotos dos tempos. Assim sendo, a história do alcoolismo – ou do abuso do álcool – e da humanidade têm caminhado lado-a-lado, o que reforça que vimos repetindo esse comportamento ao longo dos evos.
O Espírito André Luiz, na obra “Mecanismos da Mediunidade”, capítulo XII, faz um interessante paralelo entre a experiência de Ivan Pavlov, nascido em 1849, médico russo, com cachorros e como nós adquirimos reflexos ao longo da nossa história evolutiva.
Pavlov separou alguns filhotes de cães de suas mães logo que nasceram e nunca os apresentou à carne. Assim, quando ele as mostrou pela primeira vez, eles não se interessaram por ela, apesar do instinto natural da espécie. Entretanto, ele colocou a carne na boca dos animais, soando antes um sino. Os animais despertaram o prazer de comer carne. Assim, todas as vezes que se soava o sino, mesmo que a carne não viesse depois, os cachorros já salivavam.
André Luiz nos diz que “esse campo de experiência traz a estudo os reflexos congênitos ou incondicionados, quais os chamados protetores, alimentares, posturais e sexuais, detentores de vias nervosas próprias, como que hauridos da espécie, seguros e estáveis, sem necessidade do córtex, e os reflexos adquiridos, ou condicionados, que não surgem espontaneamente, mas sim conquistados pelo indivíduo, no curso da existência.” 1 (grifo nosso)
Assim, explicando o fenômeno do cão preferir a carne apenas quando a prova, André Luiz diz que “o ato de alimentar-se é um hábito estratificado na personalidade do cão, em processo evolucionista, através de reencarnações múltiplas, e o ato de ‘preferir carne’, mesmo em se tratando de alimento ancestral da espécie a que se entrosa, é um hábito que ele adquire, formando impressões novas sobre um campo de sensações já consolidadas.” 2 (grifo nosso)
Analisando essas explicações de André Luiz com a informação histórica de que o álcool acompanha as festividades e os ritos religiosos desde épocas imemoriais, temos a explicação de que o alcoolismo e a reencarnação estão intimamente ligados e, principalmente, o reforço da informação que os grupos de Alcoólicos Anônimos, sem comprovação científica que os endossasse, na década de 40, já diziam que era imprescindível “evitar o primeiro gole”.
Assim como o cão só sente o prazer do sabor da carne ao prová-la, o alcoólico em potencial só se torna alcoólico ao beber. E em bebendo, ele reacende, como nos dizeres de André Luiz, as sensações já consolidadas da preferência pela sensação de entorpecimento que o álcool traz.
Já a questão obsessão, reencarnação e alcoolismo estão extremamente interligadas, tão interligadas que o Dr. Carneiro de Campos, Espírito, cujo trabalho Manoel Philomeno de Miranda acompanhou e narrou na obra “Trilhas da Libertação”, diz que é “um tipo de obsessão muito difícil de ser atendida convenientemente, considerando-se a perfeita identificação de interesses e prazeres entre o hóspede e o seu anfitrião.” 3 (grifos do autor espiritual)
Essa perfeita identificação que o médico espiritual faz referência decorre diretamente do “reflexo condicionado” sobre o qual falamos antes.
Inácio Ferreira, médico psiquiatra espírita, quando encarnado, editou o livro “Psiquiatria em Face da Reencarnação”, onde ele traça um interessante paralelo para explicar por que o alcoolismo passa de uma encarnação para outra. Ele diz que “a lepra, a tuberculose, o câncer, os males que se estabelecem no corpo e usufruem dos seus elementos químicos, se dispersam com a transformação [pela morte], mas os vícios, como o álcool e os entorpecentes, são conservados pelo perispírito, sofrendo a intoxicação do seu ego, a intoxicação psíquica. (...) Os primeiros males desaparecem com o corpo; os segundos persistem, pois o espírito não morre – continua a sua vida como repositório dos sentimentos, dos desejos.” 4
Desta forma, não é difícil percebermos que o Espírito desencarnado, que leva consigo seus desejos e sentimentos, e sendo o alcoolismo um hábito motivado pelo reflexo condicionado que desperta uma sensação conhecida do passado, mantém esse reflexo, mantém o desejo de consumir a substância, mas agora sem o corpo para ingeri-la e acessá-la, já que ela também faz parte do mundo físico. Por isso, acopla-se a um encarnado, como que num abraço profundo, envolvente, em que seus fluidos perispirituais se interpenetram para que, desta forma, o desencarnado possa absorver as emanações do álcool e sentir o pseudo-prazer da embriaguez mais uma vez.
Essa ligação, que pode começar de forma fortuita, quando o bebedor ainda é esporádico, desenvolvendo-se para um acompanhamento diário, o que resulta, normalmente, no aumento da vontade de beber do alcoolista.
Por todo o exposto, vê-se que o alcoolismo é uma doença física, porque descamba para a dependência e porque sua retirada súbita, nos casos de dependência mais aguda, pode ocasionar a morte. Mas, principalmente, o alcoolismo é uma doença da alma, necessitando de tratamento profundo, nas esferas médica, psicológica e espiritual.
Um grande trunfo na recuperação do alcoolismo, além dos grupos de mútua ajuda (Alcoólicos Anônimos, por exemplo), é a terapêutica do passe e da água fluidificada, além da freqüência assídua às palestras espíritas, para que o pensamento, já fixado nos hábitos e nos lugares que detonam a compulsão pelo álcool (exatamente como o cachorro que salivava ao ouvir o sino que precedia à oferta de carne), possa ser redirecionado a novas maneiras de enxergar e de viver a vida.
Na questão 909 de “O Livro dos Espíritos”, Allan Kardec perguntou à Espiritualidade se poderíamos, pelos nossos próprios esforços, vencer nossas inclinações más. Os Espíritos são claros ao responderem que “sim, e às vezes com pouco esforço; o que lhe falta é a vontade.” Assim, aliando-se o pouco esforço de ficar 24 horas sem beber à vontade de se livrar deste condicionamento de tantas vidas é que ocorre a bênção da recuperação.


1 XAVIER, Francisco Cândido. Mecanismos da Mediunidade. Pelo Espírito André Luiz. FEB: 12ª ed, 1991.188p., p. 92.
2 Idem, p. 93.
3 FRANCO, Divaldo Pereira. Trilhas da Libertação. Pelo Espírito Manoel Philomeno de Miranda. FEB: 3ª ed., 1997. 328p., p. 175.
4 FERREIRA, Doutor Inácio. Psiquiatria em Face da Reencarnação. FEESP: 1988. 117p., p. 52.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Dá para viver de graça?

Dá para viver de graça?

Nossa repórter foi conhecer os adeptos do freeganismo, que catam comida no lixo para não participar do mercado de consumo
por Reportagem: Carol Pires Edição: Denis R. Burgierman
 
A primeira quarta-feira de fevereiro anoiteceu gelada, mas Gio Andollo andava pelas calçadas de Nova York sem luvas. Acompanhado de outras cinco pessoas que havia acabado de conhecer, ia abrindo grandes sacolas plásticas pretas depositadas na avenida Broadway, em Manhattan, e mexia no lixo à procura de comida. Recomenda-se luvas para quem revira lixo, ainda mais no inverno. Gio, um americano de 28 anos, branquelo, de óculos e dreadlocks, não usava porque, onde a maioria vê sujeira, ele vê desperdício.
O grupo se conheceu por meio do Meetup.com, um site de organização de encontros, onde Gio publicara, uma semana antes, um anúncio sobre o primeiro grupo de freegans do norte de Manhattan, a chamada Uptown. Freegan vem de free (grátis, livre) + vegan (quem não consome nenhum derivado de ou testado em animais). Adotando estratégias alternativas de vida, eles tentam evitar participação no sistema econômico capitalista: plantar ou resgatar desperdícios em vez de ir ao mercado, consertar em vez de jogar fora, caminhar ou usar bicicleta em vez de ter carro. Se o freeganismo fosse uma religião, comprar seria o pecado capital.
Apesar de a excursão por lixeiras ser apelidada de dumpster diving (mergulho no lixo), o grupo não chegava a entrar nos contêineres. Nessa parte de Nova York, os comerciantes deixam as sacolas na calçada. Gio explicou que os sacos deveriam ser deixados tão ou mais organizados que antes de serem desamarrados, e todos cumpriram a indicação.
Antes de abrir cada sacola, eles apalpavam o exterior para antecipar o que havia dentro. Se notavam formas arredondadas e lisas, podia ser fruta. Se houvesse um monte de formas e texturas, era provavelmente lixo comum que não merecia ser aberto. A estratégia foi bem-sucedida - nenhum saco aberto continha algo nojento ou mal-cheiroso. Talvez por causa do frio, que conserva a comida, ou talvez porque era lixo "fresco", jogado fora a cada dia por estabelecimentos comerciais, e não lixo caseiro, que passa dias decompondo antes que a lata vá para a rua.
Sair para resgatar comida no lixo é como procurar o que comer em uma floresta: é preciso conhecer por onde anda e saber onde as boas coisas estão. O conhecimento vem com a prática. Gio já sabe quais lojas desperdiçam mais, o que jogam fora e quando. A primeira parada foi a Morton Williams, uma rede de supermercado, onde eles recolheram frutas e verduras. Em seguida, cruzaram a esquina e encontraram uma caixa de papelão aberta com 22 discos de vinil antigos. A maioria era de música clássica e trilhas sonoras de filmes. Fiquei com um Concertos for Horn número 4 do Mozart.
A Absolute Bagels, na 2788 da Broadway, só vende produtos frescos, e joga fora a cada noite a sobra do dia. O grupo encontrou um saco cheio com nada além de bagels dentro - os mesmos que estavam sendo vendidos a um dólar 15 minutos antes. Nada, porém, os deixou tão animados como uma caixa cheia de donuts encontrada na frente de uma padaria. Uma mulher que pediu para ficar anônima tirou da bolsa um potinho de álcool em gel e distribuiu entre os colegas, que ali mesmo comeram os bolinhos depois de higienizar as mãos. É mais fácil evitar o sistema que recusar uma sobremesa.
Além de Gio, faziam parte do grupo o amigo com quem divide o apartamento, a mulher do álcool em gel, a estudante Lyz, e José, um equatoriano que veio para Nova York há 15 anos tratar uma doença respiratória e nunca mais voltou. Completava o grupo uma senhora mal vestida, a única que parecia estar ali mais por necessidade que por convicção. Cada um abria um saco e avisava aos demais o que havia encontrado. "Achei a mão direita de uma luva", diz Gio, "alguém quer? Às vezes é só esperar e eventualmente você encontra a esquerda. Já aconteceu comigo."
Alguns são mais exigentes que outros e preferem não levar para casa, por exemplo, uma banana que já tenha marcas de amadurecimento. Outros não se importam em pegar biscoitos com validade expirada alguns dias antes. O que ninguém quer volta para o lixo, como a luva solitária. Em duas horas, o grupo não chegou a andar 500 metros - foram da rua 116 à 110, onde fizeram a última parada no Westside Market, um supermercado. Um funcionário, imigrante russo, olhava enojado os freegans tirarem do lixo o que ele tinha acabado de botar.
O grupo voltou para casa com os discos, os bagels, molho de tomate, duas caixas cheias de água em garrafa dentro da validade, tomates, abacates, pepino, alface, manjericão, manga, limão, maçãs e as frutas que mais cedo Gio tinha dito serem suas favoritas: romãs.
Os homens foram embora de metrô e eu voltei pelo mesmo caminho da ida com as mulheres. Na esquina seguinte, encontramos duas malas abarrotadas de livros usados. Voltei para casa sem comida, mas com O Estrangeiro, do Albert Camus, e duas biografias, uma do Kafka e outra do ciclista Lance Armstrong.
A mulher anônima, branca e de olhos azuis, de mais ou menos 30 anos, contou que os avós buscavam comida no lixo durante a Grande Depressão e os pais faziam o mesmo quando viveram a filosofia de liberdade da década de 1960. Para ela, revirar lixo é uma afirmação política. Tudo que encontra vai para doação ou é colocado em sites de troca e venda, como o Craigslist ou o Freecycle.com. Já encontrou um porquinho com US$ 20 dentro e uma mochila cheia de roupas de marca com as etiquetas ainda afixadas. Com as frutas e verduras, ela prepara lanches e dá para os moradores de rua. Ela não revela o nome porque prefere não colocar a carreira em risco. É mais fácil deixar de ser reconhecida pela boa ação que tentar explicar por que passa as noites abrindo sacolas de lixo.
Gio é filho de cubanos refugiados em Miami do regime de Fidel Castro. Estudou música em Orlando, na Universidade da Flórida Central, e tinha 23 anos quando terminou a faculdade. Recém-formado, levou três baques: deu-se conta de que tinha sido ingênuo ao pensar que viveria de música, a namorada o deixou e foi atropelado de bicicleta. Das experiências, gravou as músicas do primeiro CD, Life is a bike wreck ("a vida é um acidente de bicicleta"). Gio passou aquele ano fazendo trabalho voluntário e cantando na rua por trocados. Quando juntou US$ 2 mil, mudou-se para Nova York.
O primeiro apartamento que encontrou para morar ficava no Harlem. Quatro pessoas dormiam num quarto e ele no futon da sala. Pagava US$ 375. Era 2009, o ano da crise econômica americana, e ele procurava um emprego que nunca encontrou como professor, de música ou escolar. Vivia de shows no metrô e aulas de violão. No segundo mês, o dinheiro acabou. Foi quando lembrou de uma organização que conhecia na Flórida, que achava comida no lixo e preparava pratos vegetarianos para os pobres. Pesquisou na internet e descobriu que catar lixo era parte de uma filosofia de vida que tinha até nome: freeganismo.
O freeganismo empresta ideais do comunismo e do anarquismo, tem preocupações ambientalistas e uma pitada de filosofia hedonista. É difícil calcular quantos freegans existem no mundo, porque muitos se organizam em comunidades pequenas, em grupos que não estão na internet. No Meetup.com há 15 grupos de dumpster diving ativos, com 5.207 membros no total. Há outros 12.796 esperando para que um grupo se forme em suas respectivas cidades.
Entre os freegans há exceções, variações, limitações. Alguns levam a filosofia ao limite e moram em casas invadidas como afirmação de que moradia deveria ser um direito gratuito. Sem ter de pagar aluguel, nem comida, podem deixar de trabalhar e ter o que o freeganismo defende como essencial: tempo para estar com a família e os amigos. Se o freeganismo fosse uma religião, o tempo livre seria a hóstia.
Mas há também freegans que compram bens, até mesmo carros. Para minimizar o impacto ambiental dessa escolha, dão carona e adaptam o motor para receber óleo vegetal. Quem não se sente cômodo para mergulhar numa lixeira pode manter uma horta ou seguir indo ao mercado, mas optando por feiras verdes e produtores comunitários. Existem até os meagans, os que são freegans em outros sentidos, mas comem carne. Contanto que não paguem por ela.
No mundo inteiro, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação calcula que um terço da comida produzida para consumo humano seja desperdiçada no caminho entre a produção e o consumo. São 1,3 bilhão de toneladas por ano, o suficiente para acabar com a fome no mundo. Nova York é a capital mundial do consumo e, quanto mais consumo, mais desperdício. Números de 2005 mostravam que os Estados Unidos jogam fora 245 toneladas de lixo sólido por dia - 2 quilos por habitante, o dobro da média brasileira. Em Nova York, a média é mais alta: 2,7 quilos. Só 15% são reciclados.
Nova York tem Wall Street, mas também tem, do outro lado do rio Hudson, a região mais pobre dos Estados Unidos, no Bronx. "Existe uma doença na nossa sociedade, e os sintomas são esses, pobreza, desperdício. O freeganismo é só uma das respostas", diz Gio, durante um almoço no restaurante onde trabalha das 7h às 14h lavando pratos, em Inwood, no extremo norte de Manhattan.
Aos 16 anos, na escola, Gio tinha o costume de pedir aos amigos a sobra do lanche e comia tudo em vez de deixá-los jogar fora. "Eu não sabia justificar, mas o fazia pela minha consciência". Até aí, era só uma consciência social literalmente adolescente. De lá para cá, deixou de estar apenas preocupado e passou a fazer algo a respeito. Deixou de escrever canções sobre desilusões amorosas e compôs canções de protesto. Deixou de ser qualificado demais para certos empregos e aceitou a vaga para lavar pratos.
Duas semanas depois do primeiro encontro, Gio marcou a reunião dos Uptown freegans no seu prédio, também em Inwood. Três pessoas do primeiro dia apareceram: o equatoriano José, a estudante Lyz e seu colega de apartamento. Entre os novos membros havia uma estudante de antropologia de Connecticut e a amiga dela, que só foram observar, uma estudante de jornalismo acompanhada do pai, e uma mulher da vizinhança, contrariando os conselhos do namorado.
Cada um disse seu nome, e sua fruta, verdura ou legume favoritos. Respondi manga e aspargo, as primeiras coisas que me vieram à cabeça. Na porta do primeiro mercado por onde passamos, pouco antes das 22h, eles tiraram de um contêiner cinco berinjelas em perfeito estado, 18 potes de iogurte com validade expirando naquele dia, duas caixas de biscoito água e sal com a validade vencida há dois meses, três bandejas de cogumelos, várias verduras, laranja, maçã, cenoura, alho e cinco bandejas de ovos. Para pegar os ovos inteiros, Gio e o amigo molhavam a mão na clara e na gema que escorriam dos ovos que estavam quebrados. Procurar comida no lixo é uma afirmação política, mas é, antes de tudo, a superação do nojo.
José Luis, um imigrante dominicano, funcionário responsável por fechar o mercado às 22h, olhava a cena incrédulo. Em espanhol, comentou em voz alta: "não estou acreditando nisso". Por quê?, pergunto. "Porque isso é lixo". É difícil entender por que pessoas bem vestidas comeriam comida do lixo.
Ele observou Gio e o grupo tirar as frutas e verduras do contêiner e colocá-los expostos em bandejas no chão e voltou atrás: "Na verdade, eu não tenho nojo. Essa comida aí está em perfeito estado. A gente joga fora porque os clientes já não pagam se tiver um mínimo defeito, uma pontinha da verdura já ficando escura". Depois de baixar as grades do mercado, ele voltou e completou: "Eu uma vez fiquei preso numa selva e comi até lagarto. Eu comeria isso aí também".
Na última parada, frente a outro mercado, o grupo encontrou mais verduras, várias maçãs, cebola, pimentão vermelho e várias bananas já com grandes marcas marrons, mas ainda firmes. Em 15 minutos, dois vizinhos se aproximaram. Um jovem alto e loiro, que perguntou o que o grupo estava fazendo, levou para casa as bananas. Uma dominicana que voltava do mercado com o carrinho cheio pediu as maçãs. Gio achou três cachos de aspargos e perguntou: "alguém tinha dito mais cedo que gostava de aspargos, quem foi?" Diante do meu silêncio, o menino loiro ficou com eles.
Para a mulher anônima, era mais fácil pegar comida do lixo que explicar por que o faz. Para mim, o contrário.
Matéria publicada na Revista Superinteressante, em abril de 2013.

Breno Henrique de Sousa* comenta
Não é simples refletir sobre a ideologia do freeganismo, porque o tema toca diversos aspectos da nossa sociedade e a reportagem não poderia estender-se indefinidamente explicando todos os pormenores, princípios e argumentos desse movimento. Vamos nos deter então a uma reflexão sobre os diversos aspectos relacionados com esse tema.
Consumo e desperdício são assuntos que estão no centro dessa discussão. O Espiritismo não é uma ideologia política, mas sim uma doutrina alinhada com a ética cristã que propõe a reforma íntima como forma de galgar uma condição mais feliz. Quando falamos dos exageros do consumo quase sempre culpamos o capitalismo, alguns dizem que o capitalismo é, em sua essência, selvagem e devastador. Geralmente, os que assim afirmam estão mais afeitos às ideologias comunistas e socialistas; para outros, no entanto, o problema do capitalismo é o “selvagem”, ou seja, seria possível uma sociedade baseada nas relações de consumo, mas regrada por valores humanistas onde fossem respeitados os limites da natureza e do ser humano.
Não queremos entrar no mérito dessa discussão, porque não é essa a finalidade do Espiritismo, mas seja qual for a melhor solução política, ela passa irremediavelmente pela reforma íntima do ser humano, que não é apenas vítima do sistema, ou das fatalidades históricas, mas que possui livre-arbítrio e responsabilidade sobre suas escolhas. Em todas as circunstâncias o Espiritismo condena o desperdício e afirma que a Terra nos daria o suficiente para sobreviver se soubéssemos nos contentar com o necessário. Os limites entre o necessário e o supérfluo não estão em uma linha definida, mas na necessidade relativa de cada um, porém, podemos nos desculpar ou justificar aos outros, mas ninguém engana a própria consciência. Sabemos quando estamos consumindo o desnecessário ou desperdiçando algo. O atual sistema capitalista selvagem estimula esse desperdício? Sem dúvida, e precisamos estar conscientes porque atualmente é muito fácil comprar e desperdiçar coisas. Aliás, vivemos em uma sociedade coisificada, onde as pessoas valem o que possuem e são descartadas tão rapidamente quanto os bens de consumo.
Não há falta de alimentos no mundo. O mundo passa fome pelo desperdício, pelas políticas de comércio internacional que não favorecem a distribuição dos alimentos, porque ainda é cara a produção de alimentos, pela pobreza que ainda é crônica em alguns países e pela sazonalidade de alguns produtos provenientes do campo. É um panorama complexo, mais difícil de resolver a nível mundial, mas não tão difícil de resolver a nível local quando vemos em um mesmo país toneladas de alimentos sendo desperdiçadas enquanto ao lado muitos passam fome. A pobreza para alguns é um negócio lucrativo. “Numa sociedade organizada segundo a lei do cristo ninguém deve morrer de fome.” (Questão 930 de O Livro dos Espíritos).
Seria o freeganismo uma via de libertação desse sistema? Talvez de protesto sim, mas não de libertação. Essencialmente o freeganismo depende do desperdício para sobreviver e não cria nenhuma via alternativa que preste suporte à sociedade. Nesse caso eles correm o risco de se tornar mais um peso do que uma solução. É diferente, por exemplo, do movimento agroecológico que propõe uma via alternativa para a produção e consumo de alimentos livres de agrotóxicos, promovendo a sustentabilidade econômica, ambiental e cultural das populações envolvidas, além de garantir a soberania alimentar desses povos gerando emprego e renda. A agroecologia está baseada em relações de consumo, mas em princípios como o da economia solidária, do associativismo ou do cooperativismo. Parece-me, pessoalmente, uma proposta muito mais coerente.
Esse movimento surge nos Estados Unidos que é claramente uma sociedade marcada por opostos. Em meio ao extremo do desperdício surge uma postura completamente oposta e também radical que é a de viver completamente fora do sistema, ou pelo menos a de viver a ilusão de que isso é possível. Assim também foram as reações extremas pela libertação sexual em um país marcado pelo puritanismo, ou os movimentos feministas em um país historicamente marcado pelo machismo exacerbado.
O que fariam os freegans se não houvesse desperdício? Eles seriam obrigados a trabalhar e a produzir algo de útil à sociedade. Não que não seja útil criticar uma sociedade consumista e desperdiçadora, mas é preciso trazer soluções viáveis e sustentáveis. Os povos coletores, nômades que nem plantavam nem produziam, foram as comunidades indígenas primitivas, distantes da realidade da nossa civilização. Viver como coletores pode ser uma proposta de vida romântica para alguns pequenos grupos, mas nunca algo que possa ser generalizado para toda a sociedade.
Muitos se sentem ainda escravos do sistema e sentem a necessidade de se libertar de um modelo de vida convencional e completamente dependente do modo de vida urbano/capitalista. Nada contra a busca por formas alternativas de vida, desde que elas tenham profundidade e sejam sustentáveis diante dos desafios do mundo tal qual é. O ideal seria que ninguém precisasse retirar nada do lixo, mais que isso, o ideal seria que não produzíssemos lixo, ou que pelo menos não desperdiçássemos tanto e que para o lixo fosse apenas o que de fato devesse.
 
* Breno Henrique de Sousa é paraibano de João Pessoa, graduado em Ciências Agrárias e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal da Paraíba. Ambientalista e militante do movimento espírita paraibano há mais de 10 anos, sendo articulista e expositor.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Revista Espírita: Auto-obsessão

Auto-obsessão
Estudos sobre os Possessos de Morzine
CAUSAS DA OBSESSÃO E MEIOS DE COMBATÊ-LA
As observações que fizemos sobre a epidemia que se abateu e ainda investe sobre a comuna de Morzine, na Alta Sabóia, não nos deixam dúvidas quanto à sua causa. Mas, para apoiar nossa opinião, devemos entrar em algumas explicações preliminares, que melhor ressaltarão a analogia desse mal com casos semelhantes,cuja origem não poderia ensejar dúvida a quem esteja familiarizado com os fenômenos espíritas e reconheça a ação do mundo invisível sobre a Humanidade. Para tanto se faz necessário remontar à própria fonte do fenômeno e seguir-lhe a gradação, desde os casos mais simples, explicando, ao mesmo tempo, a maneira pela qual se processa. Daí deduziremos muito melhor os meios de combater o mal. Embora já tenhamos tratado do assunto em O Livro dos Médiuns, no capítulo da obsessão, e em vários artigos desta Revista,acrescentaremos algumas considerações novas, que tornarão a coisa mais fácil de compreender.

O primeiro ponto que importa nos compenetremos, é da natureza dos Espíritos, do ponto de vista moral. Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, e não sendo bons todos os homens, não é racional admitir-se que o Espírito de um homem perverso se transforme subitamente; caso contrário não haveria necessidade de castigo na vida futura. A experiência vem confirmar a teoria ou, melhor dizendo, esta teoria é fruto da experiência. De fato, as relações com o mundo invisível nos mostram, ao lado de Espíritos sublimes em sabedoria e conhecimento, outros ignóbeis,ainda com todos os vícios e paixões da Humanidade. Depois da morte, a alma de um homem de bem será um Espírito bom. Do mesmo modo, encarnando-se, um Espírito bom será um homem de bem. Pela mesma razão, ao morrer, um homem perverso dará um Espírito perverso ao mundo invisível; e um Espírito mau, ao se encarnar, não pode transformar-se num homem virtuoso, pelo menos enquanto o Espírito não se houver depurado ou experimentado o desejo de melhorar-se. Porque, uma vez entrado na via do progresso, pouco a pouco se despoja de seus maus instintos; eleva-se gradualmente na hierarquia dos Espíritos, até atingir a perfeição, acessível a todos, porquanto não pode Deus ter criado seres eternamente votados ao mal e à infelicidade. Assim, os mundos visível e invisível se interpenetram e se alternam incessantemente, se assim nos podemos exprimir, e se alimentam mutuamente; ou, melhor dizendo, na realidade esses dois mundos não constituem senão um só, em dois estados diferentes. Esta consideração é muito importante para melhor compreender-se a solidariedade que existe entre eles.

Sendo a Terra um mundo inferior, isto é, pouco adiantado, resulta que a maioria dos Espíritos que o povoam, quer no estado errante, quer como encarnados, deve compor-se de Espíritos imperfeitos, que fazem mais mal que bem. Daí a predominância do mal na Terra. Ora, sendo a Terra, ao mesmo tempo, um mundo de expiação, é o contato do mal que torna
infelizes os homens, pois se todos os homens fossem bons, todos seriam felizes. É um estado a que ainda não alcançou nosso globo, e é para tal estado que Deus quer conduzi-lo. Todas as tribulações que os homens de bem aqui experimentam, tanto da parte dos homens, quanto da dos Espíritos, são conseqüências deste estado de inferioridade. Poder-se-ia dizer que a Terra é a Botany-Bay dos mundos: aí se encontram a selvageria primitiva e a civilização, a criminalidade e a expiação.

É preciso, pois, apresentar-se o mundo invisível como formando uma população inumerável, compacta, por assim dizer, que envolve a Terra e se agita no espaço. É uma espécie de atmosfera moral, da qual os Espíritos encarnados ocupam a parte inferior, onde se agitam como num vaso. Ora, do mesmo modo que o ar das partes baixas é pesado e insalubre, esse ar moral é também prejudicial, porque corrompido pelos miasmas dos Espíritos impuros. Para resistir a isso são necessários temperamentos morais dotados de grande vigor.

Digamos, entre parênteses, que tal estado de coisas é inerente aos mundos inferiores. Mas estes seguem a lei do progresso e, quando atingirem a idade requerida, Deus os purifica,deles expulsando os Espíritos imperfeitos, que aí não mais se reencarnam e são substituídos por outros mais adiantados, que farão reinar a felicidade, a justiça e a paz. No momento se prepara uma revolução desse gênero.

Examinemos, agora, o modo recíproco de ação dos Espíritos encarnados e desencarnados.

Sabemos que os Espíritos são revestidos de um envoltório vaporoso, formando para eles um verdadeiro corpo fluídico, ao qual damos o nome de perispírito, e cujos elementos são colhidos do fluido universal ou cósmico, princípio de todas as coisas. Quando o Espírito se une a um corpo, aí vive com seu perispírito, que serve de ligação entre o Espírito propriamente dito e a matéria corporal; é o intermediário das sensações percebidas pelo Espírito. Mas o perispírito não está confinado no corpo, como numa caixa; por sua natureza fluídica, ele irradia para o exterior e forma em torno do corpo uma espécie de atmosfera, como o vapor que dele se desprende. Mas o vapor liberado de um corpo enfermiço é igualmente insalubre, acre e nauseabundo, o que infecta o ar dos lugares onde se reúnem muitas pessoas doentes. Assim como esse vapor é impregnado das qualidades do corpo, o perispírito é impregnado de qualidades, isto é, do pensamento do Espírito, e irradia tais qualidades em torno do corpo.

Aqui um outro parêntese para responder imediatamente a uma objeção oposta por alguns à teoria dada pelo Espiritismo do estado da alma. Acusam-no de materializar a alma, ao passo que,conforme a religião, a alma é puramente imaterial. Como a maior parte das outras, esta objeção provém de um estudo incompleto e superficial. O Espiritismo jamais definiu a natureza da alma, que escapa às nossas investigações; não diz que o perispírito constitui a alma: a palavra perispírito diz positivamente o contrário, pois especifica um envoltório em torno do Espírito. Que diz a respeito O Livro dos Espíritos? “Há no homem três coisas: a alma, ou Espírito, princípio inteligente; o corpo, envoltório material; o perispírito, envoltório fluídico semimaterial, servindo de laço entre o Espírito e o corpo.”57 Do fato de a alma conservar, com a morte do corpo, o seu envoltório fluídico, não significa que tal envoltório e a alma sejam uma só e mesma coisa, do mesmo modo que o corpo não se confunde com a roupa nem a alma com o corpo. A Doutrina Espírita nada tira à imaterialidade da alma,apenas lhe dá dois invólucros, em vez de um, na vida corpórea, e só um depois da morte do corpo, o que é, não uma hipótese, mas o resultado da observação; é com o auxílio desse envoltório que melhor se compreende a sua individualidade e melhor se explica a sua ação sobre a matéria.

Voltemos ao nosso assunto.

57 N. do T.: Vide comentário de Allan Kardec à questão 135 “a” de O Livro dos Espíritos.

Por sua natureza fluídica, essencialmente móvel e elástica, se assim nos podemos exprimir, como agente direto do Espírito, o perispírito é posto em ação e projeta raios pela vontade do Espírito. Por esses raios ele serve à transmissão do pensamento, porque, de certa forma, está animado pelo pensamento do Espírito. Sendo o perispírito o laço que une o Espírito ao corpo, é por seu intermédio que o Espírito transmite aos órgãos, não a vida vegetativa, mas os movimentos que exprimem a sua vontade; é,também, por seu intermédio que as sensações do corpo são transmitidas ao Espírito. Destruído o corpo sólido pela morte, o Espírito não age mais e não percebe senão pelo seu corpo fluídico, ou perispírito, razão por que age mais facilmente e percebe melhor,já que o corpo é um entrave. Tudo isto é ainda resultado da observação.

Suponhamos agora duas pessoas próximas, cada qual envolvida – que nos permitam o neologismo – por sua atmosfera perispiritual. Esses dois fluidos põem-se em contato e se interpenetram; se forem de natureza antipática, repelem-se e os dois indivíduos sentirão uma espécie de mal-estar ao se aproximarem um do outro, sem disso se darem conta; se, ao
contrário, forem movidos por sentimentos de benevolência, terão um pensamento benevolente, que atrai. Tal a causa pela qual duas pessoas se compreendem e se adivinham sem se falarem. Um certo não sei quê por vezes nos diz que a pessoa com a qual nos defrontamos deve ser animada por tal ou qual sentimento. Ora,esse não sei quê é a expansão do fluido perispiritual da pessoa em contato com o nosso, espécie de fio elétrico condutor do pensamento. Desde logo se compreende que os Espíritos, cujo envoltório fluídico é muito mais livre do que no estado de encarnação, já não necessitam de sons articulados para se entenderem.

O fluido perispiritual do encarnado é, pois, acionado pelo Espírito. Se, por sua vontade, o Espírito, por assim dizer, dardeja raios sobre outro indivíduo, os raios o penetram. Daí a ação magnética mais ou menos poderosa, conforme a vontade; mais ou menos benfazeja, conforme sejam os raios de natureza melhor ou pior, mais ou menos vivificante. Porque podem, por sua ação, penetrar os órgãos e, em certos casos, restabelecer o estado normal.
Sabe-se da importância das qualidades morais do magnetizador.

Aquilo que pode fazer o Espírito encarnado,dardejando seu próprio fluido sobre uma pessoa, um Espírito desencarnado também o pode, visto ter o mesmo fluido, ou seja,pode magnetizar. Conforme seja bom ou mau o fluido, sua ação será benéfica ou prejudicial.

Assim, facilmente nos damos conta da natureza das impressões que recebemos, de acordo com o meio onde nos encontramos. Se uma assembléia for composta de pessoas animadas de maus sentimentos, o ar ambiente será saturado com o fluido impregnado de seus sentimentos. Daí, para as almas boas,um mal-estar moral análogo ao mal-estar físico causado pelas emanações mefíticas: a alma fica asfixiada. Se, ao contrário, as pessoas tiverem intenções puras, encontramo-nos em sua atmosfera como se estivéssemos num ar vivificante e salubre. Naturalmente o efeito será o mesmo num ambiente repleto de Espíritos, conforme sejam bons ou maus.

Isto bem compreendido, chegamos sem dificuldade à ação material dos Espíritos errantes sobre os encarnados e, daí, à explicação da mediunidade.

Quando um Espírito quer agir sobre uma pessoa, dela se aproxima e a envolve, por assim dizer, com o seu perispírito, como num manto; os fluidos se interpenetram, os dois pensamentos e as duas vontades se confundem e, então, o Espírito pode servir-se daquele corpo como se fora o seu próprio, fazê-lo agir à sua vontade, falar, escrever, desenhar, etc. Tais são os médiuns. Se o Espírito for bom, sua ação será suave, benéfica, e só fará boas coisas; caso seja mau, fará maldades; se for perverso e mau, ele o constrange como se o imobilizasse numa camisa-de-força,até paralisar a vontade e a própria razão, que abafa com seus fluidos, como se apaga o fogo sob um lençol d'água. Faz com que pense, fale e aja por ele, induzindo-o contra a vontade a praticar atos extravagantes ou ridículos; numa palavra, magnetiza-o e o faz entrar numa espécie de catalepsia moral, de modo que o indivíduo se torna um instrumento cego de sua vontade. Tal é a causa da obsessão, da fascinação e da subjugação, que se apresentam em diversos graus de intensidade. O paroxismo da subjugação é vulgarmente chamado possessão. É de notar-se que, neste estado, muitas vezes o indivíduo tem consciência do ridículo daquilo que faz, mas é constrangido a fazê-lo, como se um homem mais vigoroso que ele fizesse com que movesse, contra a vontade, os braços, as pernas, a língua. Eis um curioso exemplo.

Numa pequena reunião em Bordeaux, em meio a uma evocação, o médium, um jovem de caráter suave e de perfeita urbanidade, de repente começa a bater na mesa, levanta-se com olhar ameaçador, mostrando os punhos aos assistentes, proferindo as mais grosseiras injúrias e querendo atirar-lhes um tinteiro. A cena, tanto mais chocante quanto inesperada, durou cerca de dez minutos, depois do que o moço retomou sua calma habitual,desculpou-se do que se havia passado, dizendo saber perfeitamente que fizera e dissera coisas inconvenientes, mas que não pudera impedir. Tomando conhecimento do fato, pedimos explicação numa sessão da Sociedade de Paris, sendo-nos respondido que o Espírito que o havia provocado era mais leviano do que mau e que simplesmente quisera divertir-se com o pavor dos assistentes. O fato não mais se repetiu e o médium continuou a receber excelentes comunicações, o que vem provar a veracidade da explicação. É bom dizer o que provavelmente tenha excitado a verve daquele Espírito farsista. Um antigo maestro do teatro de Bordeaux, o Sr.Beck, tinha experimentado, durante vários anos antes de morrer, um fenômeno singular. Todas as noites, ao sair do teatro, parecialhe que um homem lhe saltava às costas, escarranchava-se nas suas espáduas e se mantinha agarrado até que chegasse à porta de sua casa. Aí o suposto indivíduo descia e o Sr. Beck se via livre. Nessa
reunião quiseram evocar o Sr. Beck e pedir-lhe uma explicação. Foi então que o Espírito intrujão julgou por bem substituí-lo, fazendo o médium representar uma cena diabólica, certamente por nele ter encontrado as necessárias disposições fluídicas para o secundar.

O que não passou de acidental naquela circunstância,por vezes toma um caráter permanente, quando o Espírito é mau, porque para ele o indivíduo se torna uma verdadeira vítima, à qual ele pode dar a aparência de verdadeira loucura. Dizemos aparência, porquanto a loucura propriamente dita sempre resulta de uma alteração dos órgãos cerebrais, ao passo que, neste caso, os órgãos estão de tal modo intactos quanto os do rapaz de quem acabamos de falar. Não há, pois, loucura real, mas aparente, contra a qual os recursos da terapêutica são impotentes, como o prova a experiência. Ainda mais: eles podem produzir o que não existe. As casas de alienados contam muitos doentes desse gênero, aos quais o contato com outros alienados só poderá ser muito prejudicial, porque este estado denota sempre uma certa fraqueza moral. Ao lado de todas as variedades de loucura patológica, convém, pois, acrescentar a loucura obsessiva, que requer meios especiais. Mas como poderá um médico materialista estabelecer essa diferença, ou mesmo admiti-la?

Bravo! – irão exclamar os nossos adversários. Não se pode demonstrar melhor os perigos do Espiritismo e temos muita razão de proibi-lo. Um instante! O que dissemos prova precisamente a sua utilidade.

Credes que os Espíritos maus, que pululam no meio da Humanidade, esperaram ser chamados para exercerem sua influência perniciosa? Desde que os Espíritos existiram em todos os tempos, em todos os tempos representaram o mesmo papel, porque esse papel está na Natureza; e a prova disso está no grande número de pessoas obsidiadas, ou possessas, se quiserdes, antes que se pensasse nos Espíritos ou, atualmente, sem que jamais se tivesse ouvido falar de Espiritismo e de médiuns. A ação dos Espíritos, bons ou maus, é, pois, espontânea; a dos maus produz uma porção de perturbações na economia moral e mesmo física que, por ignorância da verdadeira causa, são atribuídas a causas erradas. Os Espíritos maus são inimigos invisíveis tanto mais perigosos quanto não se suspeitava de sua ação. Pondo-os a descoberto, o Espiritismo vem revelar uma nova causa de certos males da Humanidade. Conhecida a causa, não se buscará mais combater o mal por meios que, doravante, sabemos inúteis; procurar-se-ão outros mais eficazes. Ora, o que levou à descoberta desta causa? A mediunidade. Foi pela mediunidade que esses inimigos ocultos traíram sua presença; ela fez para ela o que fez o microscópio para os infinitamente pequenos: revelou todo um mundo. O Espiritismo não atraiu os Espíritos maus; ele os revelou e forneceu os meios de lhes paralisar a ação e, conseqüentemente, de os afastar. Não trouxe, pois, o mal, pois este sempre existiu; ao contrário, trouxe o remédio ao mal, mostrando-lhe as causas. Uma vez reconhecida a ação do mundo invisível, ter-se-á a chave de uma multidão de fenômenos incompreendidos e a Ciência, enriquecida com esta nova lei, verá desdobrarem-se novos horizontes à sua frente. Quando lá chegará? Quando não mais professar o materialismo, pois o materialismo detém o seu avanço e lhe opõe uma barreira intransponível.

Antes de falar do remédio, expliquemos um fato que confunde muitos espíritas, sobretudo nos casos de obsessão simples, isto é, naqueles muito freqüentes, em que o médium não se pode desembaraçar de um Espírito mau, que por ele se comunica obstinadamente, pela escrita ou pela audição; aquele, não menos freqüente, em que, por meio de uma boa comunicação, vem um Espírito imiscuir-se para dizer coisas más. Pergunta-se, então,se os Espíritos maus são mais poderosos que os bons.

Reportemo-nos ao que dissemos inicialmente, quanto à maneira por que age o Espírito e imaginemos um médium envolvido e penetrado pelo fluido perispiritual de um Espírito mau. Para que o do bom possa atuar sobre o médium, é necessário que penetre esse envoltório e já se sabe que dificilmente a luz penetra um nevoeiro espesso. Conforme o grau da obsessão, o nevoeiro será permanente, tenaz ou intermitente e, por conseguinte, mais ou menos fácil de dissipar.

O Sr. Superchi, nosso correspondente em Parma,enviou-nos dois desenhos feitos por um médium vidente, representando perfeitamente a situação. Num deles vê-se a mão do médium envolta numa nuvem escura – imagem do fluido perispiritual dos Espíritos maus – atravessada por um raio luminoso que lhe clareava a mão; é o bom fluido que a dirige e se opõe à ação do mau. No outro, a mão está na sombra; a luz está em volta do nevoeiro, que não pode penetrar. Aquilo que o desenho restringe à mão do médium deve ser entendido como envolvendo todo o seu corpo.

Resta sempre a questão de saber se o Espírito bom é menos poderoso que o mau. Não é o Espírito bom que é mais fraco e, sim, o médium, que não é bastante forte para livrar-se do manto que sobre si foi lançado e se desembaraçar da opressão dos braços que o enlaçam, nos quais, é bom que se diga, por vezes se compraz. Compreende-se que, neste caso, o Espírito bom não possa triunfar, pois o outro é preferido. Admitamos, agora, o desejo de desvencilhar-se desse envoltório fluídico, de que o seu se acha penetrado, como uma roupa penetrada de umidade: não bastará o desejo e nem sempre a vontade é suficiente.

Trata-se de lutar contra um adversário. Ora, quando dois homens lutam corpo a corpo, é o de músculos mais fortes que vencerá o outro. Com um Espírito deve-se lutar, não corpo a corpo,mas de Espírito a Espírito; e é ainda o mais forte que vencerá. Aqui a força está na autoridade que se pode exercer sobre o Espírito e tal autoridade está subordinada à superioridade moral. Esta é como o Sol: dissipa o nevoeiro pela força de seus raios. Esforçar-se por ser bom; tornar-se melhor se já se é bom; purificar-se de suas imperfeições; numa palavra, elevar-se moralmente o mais possível,tal é o meio de adquirir o poder de dominar os Espíritos inferiores, para os afastar. Do contrário zombarão de vossas ordens. (O Livro dos Médiuns, nos 252 e 279).

Todavia – indagarão – por que os Espíritos protetores não lhes ordenam que se retirem? Certamente o podem e o fazem algumas vezes; mas, permitindo a luta, também deixam o mérito da vitória. Se deixam se debatendo pessoas merecedoras de certa consideração, é para provar sua perseverança e fazer que adquiram mais força no bem; para elas é uma espécie de ginástica moral.

Eis a resposta que demos a um coronel do estadomaior austríaco, na Hungria, o Sr. P..., que nos consultava sobre uma afecção atribuída aos Espíritos maus, desculpando-se por nos intitular de amigo, embora só de nome nos conhecesse:

“O Espiritismo é o laço fraterno por excelência e tendes razão de pensar que os que partilham essa crença devem, mesmo sem se conhecerem, tratar-se como amigos. Agradeço-vos por terdes tido de mim uma boa opinião e me dardes esse título.

“Sinto-me contente por encontrar em vós um adepto sincero e devotado dessa consoladora doutrina. Mas, por isso mesmo que é consoladora, deve dar força moral e resignação para suportar as provas da vida que, no mais das vezes, são expiações. Disto a Revista Espírita vos fornece numerosos exemplos.

“No que respeita à moléstia que sofreis, não vejo prova evidente da influência de Espíritos maus, que vos obsidiariam. No entanto, admitamo-la como hipótese. Só uma força moral poderia opor-se a outra força moral e esta não pode vir senão de vós. Contra um Espírito é necessário lutar de Espírito a Espírito, e é o mais forte que vencerá. Em casos semelhantes é preciso esforçarse para adquirir a maior soma possível de superioridade pela vontade, pela energia e pelas qualidades morais, para ter o direito de lhe dizer: Vade retro! Assim, pois, se estiverdes neste caso, não será com o sabre de coronel que o vencereis, mas com a espada do anjo, isto é, a virtude e a prece. A espécie de pavor e angústia que experimentais nesses momentos é um sinal de fraqueza, que o Espírito aproveita. Dominai o medo e com a vontade triunfareis; dominai-o resolutamente, como o fazeis perante o inimigo e credeme vosso mui dedicado e afeiçoado,

A. K.”

É possível que certas pessoas preferissem uma receita mais fácil para expulsar os Espíritos maus: algumas palavras a dizer, ou sinais a fazer, por exemplo, o que seria mais cômodo do que corrigir os próprios defeitos. Lamentamos bastante, mas não conhecemos processo mais eficaz para vencer um inimigo do que ser mais forte que ele. Quando estamos doentes, temos de nos resignar a tomar remédios, por mais amargos que sejam. Mas, também,quando tivemos a coragem de tomá-los, como nos sentimos bem e ficamos fortes! Devemos, pois, persuadir-nos de que, para alcançar tal objetivo, não há palavras sacramentais, nem fórmulas, nem talismãs, nem sinais materiais quaisquer. Os Espíritos maus se riem e muitas vezes se deleitam em indicar alguns, cuidando sempre de dizer que são infalíveis, para melhor captar a confiança daqueles de que querem abusar, porque estes, então, confiantes na virtude do processo, se entregam sem temor.

Antes de esperar dominar o Espírito mau, é preciso dominar-se a si mesmo. De todos os meios para adquirir a força de o conseguir, o mais eficaz é a vontade, secundada pela prece,entendida a prece de coração e não de palavras, nas quais a boca participa mais que o pensamento. É necessário pedir ao seu anjo-da-guarda e aos Espíritos bons que o assistam na luta. Mas não basta lhes pedir que expulsem o Espírito mau; é preciso lembrar-se da máxima: Ajuda-te, e o céu te ajudará e, sobretudo, pedir-lhes a força que nos falta para vencer nossas más inclinações. Para nós tais inclinações são piores que os Espíritos maus, pois são elas que os atraem, como a corrupção atrai as aves de rapina. Orando também pelo Espírito obsessor estamos lhe retribuindo o mal com o bem e nos mostrando melhor que ele, o que já é uma superioridade. Com perseverança, na maioria dos casos acabamos por conduzi-lo a melhores sentimentos e, de perseguidor que era, o transformamos num ser reconhecido. Em resumo, a prece fervorosa e os esforços sérios por melhorar-se são os únicos meios de afastar os Espíritos maus, que reconhecem como senhores aqueles que praticam o bem, ao passo que as fórmulas os fazem rir. A cólera e a impaciência os excitam. É preciso cansá-los,mostrando mais paciência que eles.

Acontece, porém, que em alguns casos a subjugação chega a ponto de paralisar a vontade do obsidiado, não se lhe podendo esperar nenhum concurso sério. É principalmente então que a intervenção de um terceiro se torna necessária, seja pela prece, seja pela ação magnética. Mas o poder dessa intervenção também depende do ascendente moral que o interventor possa ter sobre os Espíritos, porquanto, se não valerem mais, sua ação será estéril. Neste caso a ação magnética terá por efeito penetrar o fluido do obsidiado por um fluido melhor e liberar o fluido do Espírito mau. Ao operar, deve o magnetizador ter o duplo objetivo de opor uma força moral a outra força moral e produzir sobre o paciente uma espécie de reação química, para nos servirmos de uma comparação material, expulsando um fluido por outro fluido. Por aí, não só opera um desprendimento salutar, mas dá força aos órgãos enfraquecidos por uma longa e por vezes vigorosa opressão. Aliás, compreende-se que o poder da ação fluídica não só está na razão da energia da vontade, mas, sobretudo, da qualidade do fluido introduzido e, conforme dissemos, tal qualidade depende da instrução e das qualidades morais do magnetizador. Daí se segue que um magnetizador comum, que agisse maquinalmente para magnetizar pura e simplesmente, produziria pouco ou nenhum efeito. É absolutamente necessário um magnetizador espírita, que age com conhecimento de causa, com a intenção de produzir, não o sonambulismo ou uma cura orgânica, mas os efeitos que acabamos de descrever. Além disso, é evidente que uma ação magnética dirigida nesse sentido não deixa de ser útil nos casos de obsessão ordinária, porque, então, se o magnetizador for secundado pela vontade do obsidiado, em vez de um só o Espírito será combatido por dois adversários.

É preciso dizer, também, que muitas vezes responsabilizamos os Espíritos estranhos por malefícios de que não são responsáveis. Certos estados mórbidos e certas aberrações, atribuídos a uma causa oculta, em geral são devidos exclusivamente ao Espírito do indivíduo. As contrariedades que ordinariamente concentramos em nós mesmos, sobretudo as decepções amorosas, têm levado ao cometimento de muitos atos excêntricos, atribuídos por engano à obsessão. Muitas vezes a criatura é o seu próprio obsessor.

Acrescentemos, enfim, que certas obsessões tenazes,principalmente de pessoas de mérito, por vezes fazem parte das provas a que se acham submetidas. “Por vezes, acontece mesmo que a obsessão, quando simples, seja uma tarefa imposta ao obsidiado, que deve trabalhar pela melhoria do obsessor, como um pai por um filho vicioso.”

Remetemos o leitor, para mais detalhes, a O Livro dos Médiuns.

Resta-nos falar da obsessão coletiva ou epidêmica e, em particular, da de Morzine; mas isto exige considerações de certa extensão para mostrar, pelos fatos, sua similitude com as obsessões individuais. E a prova disto nós a encontramos em nossas próprias observações e nas que são consignadas nos relatórios dos médicos. Além disso, resta-nos examinar o efeito dos meios empregados e, em seguida, a ação do exorcismo e as condições nas quais este pode ser eficaz ou nulo. A amplitude desta segunda parte obriga-nos a fazê-la objeto de um artigo especial, a ser publicado no próximo número.
R.E. , dezembro de 1862, p. 485

(fonte: Site da FEB)