(LE, tradução J.Herculano Pires)
715. Como pode o homem conhecer o limite do necessário?
- O sensato o conhece por intuição e muitos o conhecem à custa de suas próprias experiências.
716. A Natureza não traçou o limite do necessário em nossa própria organização?
— Sim, mas o homem é insaciável. A Natureza traçou limites de suas necessidades na sua organização, mas os vícios alteraram a sua constituição e criaram para ele necessidades artificiais.
717. Que pensar dos que açambarcam os bens da Terra para se proporcionarem o supérfluo, em prejuízo dos que não têm sequer o necessário?
— Desconhecem a lei de Deus e terão de responder pelas privações que ocasionarem.
Comentário de Kardec: O limite entre o necessário e o supérfluo nada tem de absoluto. A civilização criou necessidades que não existem no estado de selvageria, e os Espíritos que ditaram esses preceitos não querem que o homem civilizado viva como selvagem. Tudo é relativo e cabe à razão colocar cada coisa em seu lugar. A civilização desenvolve o senso moral e ao mesmo tempo o sentimento de caridade que leva os homens a se apoiarem mutuamente. Os que vivem à custa das privações alheias exploram os benefícios da civilização em proveito próprio; não têm de civilizados mais do que o verniz, como há pessoas que não possuem da religião mais do que a aparência.
anotações para estudo:
a) O uso dos bens da Terra é um direito de todos os homens. É
consequência da necessidade de viver, visto que Deus não imporia um dever sem
dar o meio de cumpri-lo.
b) Os atrativos no gozo dos bens materiais são estímulos para
o homem dar cumprimento à sua missão, servindo, também, como tentação para
experimentá--lo, a fim de desenvolver-lhe a razão, que deve preservá-lo dos
excessos.
c) Comenta Kardec que o uso dos bens terrenos apenas pela sua
utilidade poderia causar indiferença, comprometendo a harmonia do Universo. Para
que isso não aconteça foi que Deus conferiu a esse uso o atrativo do prazer,
impelindo o homem ao cumprimento dos desígnios da Providência e experimentando-o
por meio da tentação que pode arrastá-lo ao abuso, fazendo-o usar a razão para
se defender.
d) A natureza traçou o necessário como limite ao gozo dos
bens materiais.
e) O próprio homem se pune ao praticar excessos no gozo dos
bens materiais, aproximando-se da morte física e moral.
f) Kardec tece comentário no sentido de que o homem que
pratica esses excessos coloca-se abaixo do bruto, abdicando da razão de que foi
dotado por Deus e conferindo preponderância à sua natureza animal sobre a
espiritual. As doenças ou a morte que resultam desse abuso são castigo à
transgressão da lei de Deus.
g) Para nos mostrar o limite das nossas necessidades, a
Natureza se utilizou da nossa própria organização física. O homem que é
ponderado conhece esse limite por intuição. Outros, porém, insaciáveis, permitem
que os vícios lhe alterem a constituição e lhe criem necessidades que não são
reais. Esses, somente conhecem esse limite por experiências, à custa do próprio
sofrimento.
h) Os que tomam para si bens terrenos com o intuito de lhes
proporcionar o supérfluo, em detrimento daqueles a quem falta o necessário,
descumprem a Lei de Deus, pelo que terão de responder pelas privações que hajam
causado.
i) Segundo Kardec, não querem os Espíritos dizer que o homem
civilizado deva viver como o selvagem, privando-se de determinados bens que não
são a esses necessários. Nada há de absoluto nessa regra e a razão é que deve
dizer o que é ou não necessário. A Civilização criou novas necessidades, o que
não justifica viverem uns à custa da privação de outros. Os que assim procedem,
nos diz o Codificador, da Civilização " ... têm apenas o verniz, como muitos há
que da religião só têm a máscara ".
Indagações para estudo:
1) Transgride a Lei Natural o homem que busca obter prazer
com o uso dos bens terrenos?
O prazer no gozo dos bens terrenos é um atrativo que Deus
colocou para estimular o homem ao cumprimento de seus deveres e, também, para
experimentá-lo, por meio da tentação. Sendo assim, vindo de Deus, a busca pela
obtenção de prazer com o uso dos bens terrenos não transgride a Lei Natural,
desde que obedecidos os limites por ela impostos.
2) Até que limite nos é dado gozar dos bens terrenos?
Podemos gozar livremente dos bens terrenos desde que não
cheguemos ao excesso.
Esse é o limite traçado pela Natureza. Aquele que procura nos
excessos o gozo dos bens terrenos contraria a Lei Natural e se aproxima das
mortes física e moral, ou seja, falece material e espiritualmente.
3) Segundo o conceito dos Espíritos, é condenável o gozo de
bens supérfluos?
É condenável, se feito com prejuízo daqueles a quem falta o
necessário. A grande questão é se estabelecer o que seja supérfluo. Ensinam os
Espíritos que a Natureza deu ao homem conhecer o limite do necessário pela sua
organização física. Nem todos, porém, o conhecem por intuição. Muitos só chegam
a conhecê-lo através de dolorosas experiências.
4) Para seguirmos o ensinamento dos Espíritos e de Allan
Kardec, como devemos, então, proceder diante dos bens terrenos?
Devemos encarar os bens terrenos colocados por Deus à nossa
disposição como estímulos ao cumprimento dos deveres que nos levam à evolução.
Todavia, é necessário que saibamos distinguir o uso do abuso. Como ensina
Kardec, nada há de absoluto no limite entre o necessário e o supérfluo. Tudo é
relativo e cabe-nos utilizar a razão para definir o que seja um e outro. Uma
norma, porém, é absoluta e não comporta exceção: não devemos fazer uso dos bens
terrenos à custa da necessidade do nosso próximo.
(estudo cvdee)
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Resumo
O homem ponderado conhece o limite do necessário por intuição, mas muitos só chegam a conhecê-lo por experiência e à sua própria custa. Sendo insaciável, os vícios lhe alteram a constituição e criam necessidades que não são reais. Os que açambarcam os bens da Terra para se proporcionarem o supérfluo, com prejuízo daqueles a quem falta o necessário, olvidam a lei de Deus e terão que responder pelas privações que houverem causado aos outros.
Comentários
Grande parte dos sofrimentos que experimentamos advém não da falta do necessário, mas porque nos lamentamos de não possuir o supérfluo. Compreender a diferença entre o que é necessário e o que é supérfluo não é matéria exclusiva dos compêndios espíritas. Leiam a respeito algumas citações de autorias variadas:
“Compra não o que consideras oportuno, mas o que te falta; o supérfluo é caro, mesmo que custe apenas um soldo.” (Catão, Citado em Sêneca, Cartas a Lucílio)
“A utilidade mede a necessidade: e como avalias o supérfluo?” (Sêneca)
“Os bens supérfluos tornam a vida supérflua.” (Píer Pasolini, Scritti Corsari)
“Sabei escusar o supérfluo, e não vos faltará o necessário.” (Marquês de Maricá, Máximas)
“Todo o Mal Provém não da Privação, mas do Supérfluo.” (Fernando Namora)
“A economia significa o poder de repelir o supérfluo no presente, com o fim de assegurar um bem futuro e sobre este aspecto representa o domínio da razão sobre o instinto animal.” (Thomas Atkinson)
“O supérfluo, com o tempo, torna-se numa coisa muito necessária.” (George Buffon)
“A lei seca da arte é esta: 'Ne quid nimis', nada além do necessário. Tudo o que é supérfluo, tudo aquilo que podemos suprimir sem alterar a essência é contrário à existência da beleza.” (Ortega y Gasset)
“A sabedoria da natureza é tal que não produz nada de supérfluo ou inútil.” (Copérnico)
Voltando ao aspecto espírita de nosso estudo, acrescentamos dois textos de Emmanuel a respeito do necessário e do supérfluo:
Supérfluo
Por toda parte na Terra, vemos o fantasma do supérfluo enterrando a alma do homem no sepulcro da provação.
Supérfluo de posses estendendo a ambição…
Supérfluo de dinheiro gerando intranqüilidade…
Supérfluo de preocupações imaginárias abafando a harmonia…
Supérfluo de indagações empanando a fé…
Supérfluo de convenções expulsando a caridade…
Supérfluo de palavras destruindo o tempo…
Supérfluo de conflitos mentais determinando o desequilíbrio…
Supérfluo de alimentação aniquilando a saúde…
Supérfluo de reclamações arrasando o trabalho…
No entanto, se o homem vivesse de acordo com as próprias necessidades, sem exigir o que ainda não merece, sem esperar o que não lhe cabe, sem perguntar fora do propósito e sem reprovar nos outros aquilo que ainda não retificou em si mesmo, decerto a existência na Terra estaria exonerada da grande maioria dos tributos que aí se pagam quase diariamente à perturbação.
Se procuras no Cristo o mentor de cada dia, soma as tuas possibilidades no bem, subtrai as próprias deficiências, multiplica os valores do próprio serviço e divide o amor para com todos, a fim de que os que te cercam aprendam com a vida o que convém realmente à própria segurança.
O problema da felicidade não está em sermos possuídos pelas posses humanas, quaisquer que elas sejam, mas em possuí-las, com prudência e serenidade, usando-as no bem para os semelhantes, que resultará sempre em nosso próprio benefício.
Alija o supérfluo de teu caminho e acomoda-te com o necessário à tua paz. Somente assim encontrarás em ti mesmo o espaço mental indispensável à comunhão clara e simples com o nosso Divino Mestre e Senhor. (Do livro Plantão da Paz, Cap. 12, psicografia de Francisco Cândido Xavier)
No bem de todos
“Sejam vossos costumes sem avareza, contentando-vos com o que tendes, porque ele disse: não te deixarei, nem te desampararei.” — PAULO (Hebreus, 13.5).
Encarna-se e reencarna-se o Espírito na Terra, a fim de aperfeiçoar-se no rumo das Estâncias Superiores do Universo.
Não te encarceres, assim, nos tormentos do supérfluo que a avareza retém, como sendo recurso indispensável à vida, na cegueira com que inventa fantasiosas necessidades.
O dono do pomar não comerá dos frutos senão a quota compatível com os recursos do estômago.
O atacadista de algodão vestirá uma camisa de cada vez.
Entretanto, o cultivador e o negociante serão abençoados nos Céus se libertam os valores que administram, em louvor do trabalho que dignifica, da educação que eleva, da beneficência que restaura ou da fraternidade que sublima.
Atendamos aos deveres que as circunstâncias nos atribuem, acalentando ideais de melhoria, mas aprendamos a contentar-nos com o que temos, sem ambicionar o que não possuímos, em matéria de aquisições passageiras, a fim de conquistarmos, sem atritos desnecessários, os talentos que nos faltam.
Ainda não se viu homem no mundo, cercado de tesouros infrutíferos, que se livrasse, tão-somente por isso, das leis que regem o sofrimento e a enfermidade, a velhice e a morte.
Respeitemos os princípios divinos do bem para todos.
Confiemos, trabalhando.
Caminhemos, servindo.
“Não te deixarei, nem te desampararei”— disse-nos o Senhor.
Sim, o Senhor jamais nos deixará, nem nos desamparará, mas, se não queremos experiências dolorosas, espera naturalmente que não nos releguemos à ilusão, nem lhe desprezemos a companhia. (Do livro Palavras de vida eterna, cap. 142, psicografia de Francisco Cândido Xavier)
Aos que quiserem aprofundar um pouco mais sobre esse assunto:
SOUZA, Juvanir Borges de. Tempo de transição. 3 ed. Rio de Janeiro: FEB, 2002. Cap. 5 (Necessário e supérfluo), p. 50.
XAVIER, Francisco Cândido & VIEIRA, Waldo. O espírito da verdade. Por diversos Espíritos. 14. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2003. Cap. 1 (Problemas do mundo - mensagem do Espírito Bezerra de Menezes), p. 15-16.
(fonte:http://estudosespiritas.webs.com/necessrioesuprfluo.htm)