Com paralisia, jovem vai a faculdade com o
pai e se forma em jornalismo
Marco Aurelio, com paralisa cerebral,
frequentava a faculdade com o pai até se formar em
jornalismo.
Marco Aurelio e Claudio nasceram com doenças
graves e, segundo os médicos, teriam poucas chances de sobreviver e chegar à
vida adulta. Mas, contrariando todas as expectativas, com muita garra e a total
ajuda da família, os dois conseguiram chegar lá. A reportagem é de Marcelo
Canellas.
Dois bebês lindos e rechonchudos. Mas o de Vera a
deixava intrigada.
“A gente pegava no colo e ele era bem molinho, com
a cabeça caidinha. E com o tempo a gente foi percebendo que ele não adquiria
firmeza!, conta Vera Lúcia Condez, mãe de Marco Aurélio.
O de Eliza lhe tirava o sono. “Logo depois de
alguns meses eu percebi que ele não tinha os movimentos como o meu filho mais
velho. Ele não erguia os bracinhos”, lembra Eliza Arnold, mãe do
Cláudio.
Um diagnóstico assustador. Sabia que era paralisia
cerebral. Mas o que é isso? Uma sombria expectativa de vida. “Não chegaria aos
7, que não havia registros de crianças com 14 anos”, conta.
Com sérias limitações físicas, os dois garotos
mantiveram a inteligência intacta e ativa, estimulada pelos pais. Contra todas
as previsões, o paulistano Marco Aurélio Condez, com paralisia cerebral, se
formou em jornalismo aos 26 anos.
O psicólogo gaúcho Cláudio Dusik, com amiotrofia
espinal muscular, gravíssima doença degenerativa, acaba de concluir a
pós-graduação, aos 36.
Como Marco Aurélio conseguiu? “Ele é o cara”, diz
a mãe.
Como foi possível a façanha de Cláudio?
“O Cláudio é um milagre vivo. Ele é o meu anjo,
anjo dos irmãos e de todas as pessoas que passarem por ele”, diz a
irmã.
Uma das irmãs nasceu com a mesma enfermidade.
Horário de expediente na Secretaria de Educação de Esteio, na região
metropolitana de Porto Alegre.
O responsável pelos programas de aprendizagem das
escolas municipais apronta mais uma.
“Ele é muito profissional, excelente colega de
trabalho, mas é danado. Ele apronta. Ele adora fazer uma folia”, afirma Flávia
de Oliveira Ribeiro, funcionária pública.
“Ela morre de ciúme de mim porque eu sou a
preferida”, brinca Nathalia Schuck, funcionária publica.
“Jéssica ciumenta. Porque eu tenho um pouquinho de
ciúme dele”, diz Jessica Kauer, auxiliar de Cláudio.
Doses diárias de bom humor e otimismo contagiando
a repartição.
“Sempre que eu penso, assim: poxa, mas tá difícil,
né? Mas pro Claudinho... Então, vamos lá. Se ele pode, a gente também pode”, diz
Silvia Heissler, diretora pedagógica.
Não pense que foi fácil ter essa postura diante da
vida.
“Sabe quando tu brinca com as crianças? Sabe o que
tu vai ser quando crescer? Ah, vou ser professor, vou ser médico, vou ser
bombeiro. Se alguém me perguntasse: ah, claudinho, o que vais ser quando
crescer? Eu ia dizer: vou ser anjo”, conta o psicólogo.
A mãe dele, orientada por médicos e psicólogos,
preparava a família toda para a morte do garoto. “Dizia pra ele também: ‘ó, meu
filho, o papai do céu vai te levar antes de nós’”, conta a mãe.
Na escola, depois de ver Cláudio voltar de uma
internação, uma coleguinha interpelou a mãe dele: “Ele voltou do céu? É anjo?”,
diz a mãe.
A insistência da mãe em mantê-lo na escola o
salvou do desânimo.
“A escola me ensinou o desejo de vida. E o desejo
de vida quando a gente aprende nunca mais esquece”, diz Claudio.
E a vida que há no conhecimento levou o menino
pobre a enfrentar as provas da faculdade paga. “Quanto mais difícil, nota maior
ele tirava. Então, devido a esse esforço, ele ganharia uma bolsa 100%”, conta
Elisa.
Formou-se em psicologia, rejeitando o conformismo.
“Isso permitiu eu conhecer a vida como ela é, com as suas venturas, com as suas
desventuras; com as suas alegrias, com suas tristezas. Como é a vida de todo
mundo”, conta.
E todo mundo foi aprendendo com ele. “Um passinho
de cada vez, foi isso que eu aprendi muito com ele. E quem quer, arruma um
jeito. Quem não quer, arruma uma desculpa”, diz Jessica.
Talvez o passo mais largo da surpreendente
trajetória do Cláudio tenha sido dado na Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Não só porque ele concluiu o mestrado em educação, mas também porque o
diploma de mestre veio de uma área do conhecimento inteiramente nova para
ele.
Mergulhado em compêndios de informática, Cláudio
desenvolveu um teclado virtual que permite a pessoas com deficiência digitar com
rapidez.
“Eu coloquei as letras do alfabeto. Só que o
diferencial é que ao lado de cada letra, tem as famílias silábicas. então, por
exemplo, se eu for digitar Fantástico, basta apertar. Eu vou clicando. muito
rápido” explica Cláudio Luciano Dusik, psicólogo.
“Dá uma economia de tempo nos toques. Então a
pessoa leva menos tempo pra digitar um texto, na medida em que ela tem sílabas,
letras agrupadas”, afirma Lucia Maria Costi Santarosa, orientadora de
Cláudio.
A orientadora do mestrado se deu conta de que
tinha um aluno brilhante: “É uma pessoa que não tem medo de desafios. Eu acho
que o Cláudio não tem limites”.
Tirou nota máxima na defesa do trabalho, e
surpreendeu a banca ao abrir mão de ganhar dinheiro com o invento.
“Ele vai disponibilizar esse software
gratuitamente pra todas as pessoas que necessitarem, ou que poderiam usar,
porque hoje não conseguem escrever a não ser com o apoio do computador e dessa
tecnologia assistida”, conta a orientadora.
O software já está à disposição no site da
universidade. Entre os interessados, um jornalista recém formado de São Paulo.
Marco Aurélio pena com programas de computador. O pai o ajuda a
redigir.
Quando passou no vestibular, alguém teria de
ajudá-lo nas tarefas da faculdade. Quem seria?
“A principio eu relutei um pouco. Depois eu falei
pra ela e disse: vamos lá, vai. Eu vou”, conta Manuel Joaquim Condez, pai de
Marco Aurélio.
Pai e filho iniciavam uma rotina que duraria
quatro anos. “A parte de higiene era comigo. Banho, depois pegava o carro às
cinco e pouco da tarde e ia para a universidade”, conta o pai.
O compromisso de pai como uma das pontas de uma
dupla.
Fantástico - O senhor assistiu a
todas as aulas?
Manuel - Todas.
Fantástico - E fez todos os
trabalhos?
Manuel - todos os
trabalhos.
Fantástico - Junto com
ele?
Manuel - Junto com
ele.
Fantástico - E todas as
provas?
Manuel - Todas as provas também.
Que a prova era feita comigo, eu e ele, e mais uma pessoa da
faculdade.
Bancário aposentado, há 40 anos longe da
universidade, Manuel virou aprendiz do próprio filho.
Manuel - Tinha matéria que ele
pegava mais que eu.
Fantástico - Ah, é? Ele tinha que
explicar para o senhor?
Manuel - Tinha que explicar, não.
Eu não entendia até o final do curso. E ele entendia de pronto.
E, de peito inflado, foi testemunha das vitórias
do rapaz diante dos colegas.
“A princípio eles olhavam assim: mas, pô, o que
que esse cara tá aqui, desse jeito, será que ele é normal? Só que quando ele
começava a responder as coisas que o professor perguntava, o pessoal ficava tudo
assim: pô, o cara manja”, conta o pai.
No dia da colação de grau, o diploma do filho
virou homenagem pública ao pai.
“Foi meio que barra pesada, porque eu não esperava
que a meninada fosse me... Sei lá. Eu não esperava que fosse daquela proporção”,
diz o pai.
Aos que dizem que ele perdeu quatro anos de
desfrute da aposentadoria: “Eu não podia deixar... Aí não é papel de um
pai”.
O jornalista diplomado não se sente bem como
entrevistado. Melhor seria se fosse o entrevistador contratado de algum
jornal.
“Eu quero ser famoso pelo trabalho, não pela minha condição, não
pelas minhas limitações físicas”, afirma Marco Aurélio Condez,
jornalista.
Quem duvidaria de alguém que chegou aonde
chegou?
“Eu acho que ele é um guerreiro”, diz o
pai.
A proeza de Marco Aurélio e Cláudio: levar à
frente o que todo ser humano tem dentro de si.
“Nossa capacidade de passar por situações
difíceis, mas erguer a cabeça e arregaçar as mangas e fazer tudo de novo se for
preciso”, diz Marcos.
Matéria publicada na página do Fantástico, em 14 de abril de 2013.
Humberto Souza de
Arruda* comenta
Quando imaginamos um cenário onde existe uma
pessoa que tenha diversas dificuldades físicas, e mais de um jornalista,
comumente já associamos que sairá desta união uma matéria desenvolvida por esta
equipe de jornalismo sobre a superação de um deficiente físico em vencer
obstáculos e conseguir realizar um sonho.
Mas, na matéria acima, vemos que, na verdade, é um
jornalista apenas entrevistando duas pessoas portadoras de doenças graves, mas
também com grandes superações. Entre outras coisas, conseguindo o sonho de se
manterem vivos.
Como, logo cedo, ambas as crianças receberam o
diagnóstico médico que não chegariam à idade adulta, seria mais comum que os
pais acatassem esta informação, assim como as crianças também. Graças à
insistência dos pais em mantê-los com a inteligência ativa, tiveram a
oportunidade de também lutarem para esta superação.
Em O Livro dos Espíritos, quando Allan
Kardec, na questão que recebeu o número 150, indagou se a alma após a morte
conservava a sua individualidade, os Espíritos Superiores responderam: “Sim;
jamais a perde. Que seria ela se não a conservasse?” Observando esta
individualidade é que podemos entender a idade espiritual, assim como a
maturidade espiritual de cada indivíduo. Mesmo privado temporariamente de
condições físicas para se manifestar livremente, seja por doenças ou momento de
formação completa do corpo, o Espírito encarnado dispõe de sua maturidade
espiritual, resultante do aprendizado de outras existências, para cumprir bem o
seu papel nesta existência. Às vezes, se destacando de outros de mesma idade em
atual existência terrena.
Onde, desta forma, podemos melhor entender o fato
de outros indivíduos de situação como a dos relatados pela matéria não terem a
mesma conquista. Ainda que tenham pais com a mesma dedicação como os do Marco
Aurélio e do Cláudio. Como é o caso da irmã do Cláudio, que também sofre uma
limitação física. Onde acrescentamos, principalmente, a vontade Divina, que
realmente sabe o que é melhor para nós, dando à maturidade espiritual
necessidade e merecimento.
No mundo de provas e expiações em que nós vivemos,
a necessidade e o merecimento serão fatores determinantes para ajudar na
definição da natureza das provas e/ou expiações que vivenciaremos para o nosso
adiantamento.
E a vivência de uma deficiência grave, como a que
estes rapazes passam, é uma provação (ou expiação) para todos os familiares.
“A família, em razão disso, é o grupo de espíritos normalmente necessitados,
desajustados, em compromisso inadiável para a reparação, graças à contingência
reencarnatória.” (Do livro SOS Família, de Joanna de Ângelis, pela
psicografia de Divaldo Franco.)
A dedicação que os pais tiveram e ainda têm com
estes rapazes, para ajudarem com estas dificuldades, é uma prova de grande
afinidade, comprometimento com a função de pais e acima de tudo a vontade de
aproveitarem esta oportunidade ímpar de caridade apresentada por
merecimento.
Definir como grandiosos estes quatro anos de
acompanhamento do filho à faculdade, seria equivocadamente uma diminuição dos
anos de dedicação ao filho na educação e preparação para a faculdade, assim como
os anos futuros que ainda necessitarão de dedicação destes pais que humildimente
dizem que seus filhos são guerreiros.
Também são guerreiros estes rapazes. Mas, como em
uma das definições constante no dicionário Houaiss, adotemos esta: “que ou
aquele que se empenha intensamente para conseguir o que quer; batalhador,
lutador”. São lutadores contra a enfermidade sem perder a
sanidade.
Em um seminário sobre curar e curar-se, realizado
em Belo Horizonte, o médium e orador espírita Divaldo Franco disse, entre outras
coisas, que “curar não é tão importante, é importante manter-se
saudável”. Sabemos que a enfermidade que os rapazes estão vivenciando nesta
existência ainda não tem cura, mas eles não estão deixando a oportunidade que
lhes foi dada, passar sem aproveitamento.
* Humberto Souza de Arruda é evangelizador, voluntário em Serviço
de Promoção Social Espírita (SAPSE) e colaborador do Espiritismo.net.