sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Revista Espírita: Fenômeno de bicorporeidade

Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
PUBLICADA SOB A DIREÇÃO DE
ALLAN KARDEC
Fenômeno de bicorporeidade
Revista Espírita, dezembro de 1858
 
Um dos membros da Sociedade nos comunica uma carta de um de seus amigos, de Bolognesur-
Mer, na qual se lê a passagem seguinte. Essa carta está datada de 26 de julho de 1856.
"Meu filho, desde que o magnetizei, por ordens de nossos Espíritos, tomou-se um médium
muito raro, pelo menos foi o que me revelou em seu estado sonambúlico, no qual o colocara
a seu pedido, no dia 14 de maio último, e quatro ou cinco vezes depois.
"Para mim, está fora de dúvida que meu filho desperto conversa livremente com os Espíritos
que deseja, por intermédio de seu guia, que chama familiarmente seu amigo; que, à sua
vontade, transporta-se em Espírito para onde deseja, e disso vou citar-vos um fato, do qual
tenho as provas escritas nas mãos.
"Há justamente um mês de hoje, estávamos os dois na sala de jantar. Eu lia o curso de
magnetismo do senhor Du Potet, quando meu filho toma o livro e o folheia; chegado a um
certo lugar, seu guia lhe disse ao ouvido: Leia isso. Era a aventura de um doutor da América,
cujo Espírito visitara um amigo, a 15 ou 20 léguas dali, enquanto ele dormia. Depois de lê-lo,
meu filho disse: Bem que gostaria de fazer uma pequena viagem semelhante. - Pois bem!
Onde queres tu ir? disse-lhe seu guia. - A Londres, respondeu meu filho, ver meus amigos, e
ele designou aqueles que queria visitar.
"Amanhã é domingo, respondeu-lhe; não estás obrigado a levantar cedo para trabalhar.
Dormirás às oito horas e irás viajar a Londres até as oito e meia. Sexta-feira próxima,
receberás uma carta de teus amigos, que te censurarão por permanecer tão pouco tempo
com eles.
"Efetivamente, na manhã do dia seguinte, na hora indicada, ele adormeceu com um sono de
chumbo; às oito e meia despertou, e não se lembrava de nada; de minha parte, não disse
uma palavra, esperando a conseqüência.
"Na sexta-feira seguinte, eu trabalhava em uma de minhas máquinas e, segundo meu hábito,
fumava, porque era antes do almoço; meu filho olha a fumaça de meu cachimbo e me diz:
Olha! há uma carta em tua fumaça. - Como vês uma carta em minha fumaça? - Vais vê-la,
respondeu, pois eis o carteiro que a traz. Efetivamente, o carteiro veio entregar uma carta de
Londres, na qual os amigos de meu filho lhe fazem uma censura por ter ido nessa cidade, no
domingo precedente, e não ter ido vê-los, tendo uma pessoa de seu conhecimento o
encontrado. Tenho a carta, como disse, que prova que não inventei nada."
Contado o fato acima, um dos assistentes disse que a história narra vários fatos semelhantes.
Citou Santo Alfonso de Liguori, que foi canonizado antes do tempo previsto por haver se
mostrado, simultaneamente, em dois lugares diferentes, o que passou por um milagre.
Santo Antônio de Pádua estava na Espanha, e no momento em que pregava, seu pai (em
Pádua) ia ao suplício, acusado de uma morte. Nesse momento, Santo Antônio aparece,
demonstra a inocência de seu pai, e faz conhecer o verdadeiro criminoso, que mais tarde
sofreu o castigo. Foi constatado que Santo Antônio, no mesmo momento, pregava na
Espanha.
Santo Alfonso de Liguori, tendo sido evocado, foram lhe dirigidas as perguntas seguintes.
1. O fato pelo qual fostes canonizado é real? - R. Sim.
2. Esse fenômeno é excepcional? - R. Não; pode se apresentar em todos os indivíduos
desmaterializados.
3. Era um motivo justo para vos canonizar? - R. Sim, uma vez que, pela minha virtude, havia
me elevado a Deus; sem isso, não poderia me transportar a dois lugares ao mesmo tempo.
4. Todos os indivíduos, nos quais esses fenômenos se apresenta, merecem ser canonizados?
- R. Não, porque nem todos são igualmente virtuosos.
5. Poderíeis dar-nos a explicação desse fenômeno? - Sim; o homem, quando está
completamente desmaterializado pela sua virtude, que elevou sua alma a Deus, pode
aparecer em dois lugares ao mesmo tempo, eis como. O Espírito encarnado, sentido chegar o
sono, pode pedir a Deus para se transportar para um lugar qualquer. Seu Espírito, ou sua
alma, como quiserdes chamá-lo, abandona então seu corpo, seguido de uma parte de seu
perispírito, e deixa a matéria imunda num estado vizinho da morte. Digo vizinho da morte,
porque resta no corpo um laço que liga o perispírito e a alma à matéria, e esse laço não pode
ser definido. O corpo aparece, pois, no lugar pedido. Creio que é tudo o que desejais saber.
6. Isso não nos dá a explicação da visibilidade e da tangibilidade do perispírito. - R. Achando-se
o Espírito desligado da matéria, segundo seu grau de elevação, pode-se tomar tangível à
matéria.
7. Entretanto, certas aparições tangíveis, de mãos e de outras partes do corpo, pertencem
evidentemente a Espíritos de uma ordem inferior. - R. São os Espíritos superiores que se
servem de Espíritos inferiores para provarem a coisa.
8. O sono do corpo é indispensável para que o Espírito apareça em outros lugares? - R. A
alma pode se dividir quando se sente levada para um lugar diferente daquele onde se
encontra o corpo.
9. Um homem, estando mergulhado no sono, ao passo que seu Espírito aparece alhures, que
ocorreria se fosse despertado subitamente? - R. Isso não ocorreria porque se alguém tivesse
a intenção de despertá-lo, o Espírito reentraria no corpo, e preveria a intenção, já que o
Espírito lê no pensamento.
Tácito reporta um fato análogo:
Durante os meses que Vespasiano passou em Alexandria, para esperar o retorno periódico
dos ventos de verão e a estação na qual o mar se torna seguro, vários prodígios ocorreram,
por onde se manifestou o favor do céu e o interesse que os deuses pareciam ter por esse
príncipe....
Esses prodígios redobraram em Vespasiano o desejo de visitar a morada sagrada de deus
para consultá-lo a respeito do império. Ordenou que o templo fosse fechado a todo mundo:
tendo entrado ele mesmo todo atento ao que ia pronunciar o oráculo, percebeu, atrás de si,
um dos principais Egípcios, de nome Basilídio, que sabia estar acamado, a várias jornadas de
Alexandria. Informou-se com os sacerdotes se Basilídio viera esse dia ao templo; informou-se
com os transeuntes se o viram na cidade, enfim, enviou homens a cavalo, e se assegurou
que naquele mesmo momento, ele estava a vinte e quatro milhas de distância. Então, ele não
duvidou mais que a visão não fora sobrenatural, e o nome de Basilídio tomou o lugar do
oráculo. (TÁCITO, Histórias, liv. IV, cap. 81 e 82. Tradução de Burnouf.)
Depois que essa comunicação nos foi dada, vários fatos do mesmo gênero, cuja fonte é
autêntica, nos foram contados, e entre eles há muito recentes, que ocorreram, por assim
dizer no nosso meio, e que se apresentaram com as circunstâncias mais singulares. As
explicações, às quais deram lugar, alargaram singularmente o campo das observações
psicológicas.
A questão dos homens duplos, relegada outrora entre os contos fantásticos, parece ter,
assim, um fundo de verdade. A ela retornaremos brevemente.
 
(enviado, via email, por Joel Silva)

Nenhum comentário:

Postar um comentário