quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Pais vegetarianos são processados após morte de bebê por raquitismo agudo

Pais vegetarianos são processados após morte de bebê por raquitismo agudo

Os pais vegetarianos de um bebê de cinco meses que morreu de raquitismo agudo estão respondendo à acusação de homicídio em um tribunal em Londres.

Nkosiyapha Kunene, de 36 anos, e Virginia Kunene, 32, nasceram no Zimbábue e moravam no sudeste de Londres. O filho deles, Ndingeko Kunene, morreu no dia 14 de junho de 2012.

Eles se declararam culpados da acusação de homicídio culposo - quando não há a intenção de matar.

Segundo o jornal britânico Daily Telegraph, acredita-se que o casal seguia uma dieta ovo-lacto-vegetariana. - que permite o consumo de leite e ovos, mas não de carnes.

"Devido à dieta (que Virginia Kunene) seguiu, a criança ficou doente", disse o promotor do caso, Richard Whittam, acrescentando que este foi um "caso trágico".

Não foram revelados detalhes sobre a alimentação dada ao bebê.

O juiz, Rabinder Singh, afirmou que está "analisando todas as opções" antes de proferir a sentença.

"A gravidade do crime pelo qual a vida de um bebê foi perdida é clara para todos", disse ele em uma audiência na segunda-feira.

Os dois estão respondendo ao julgamento sob liberdade condicional.

O raquitismo é uma doença que afeta o desenvolvimento dos ossos, deixando-os fracos, e é causada por uma deficiência de vitamina D e cálcio.

A causa da doença é uma dieta pobre em nutrientes ou alguma outra doença que afete como as vitaminas e minerais são absorvidos pelo corpo.

O raquitismo costumava ser comum no passado, mas a doença quase desapareceu nos países ocidentais devido à adição de vitamina D a alimentos como cereais e margarina.

Qualquer criança pode sofrer de raquitismo, mas crianças de pele escura (já que é necessária uma quantidade maior de luz solar para conseguir vitamina D) e crianças prematuras são mais suscetíveis à doença.

Notícia publicada na BBC Brasil, em 28 de janeiro de 2014.

Raphael Vivacqua Carneiro* comenta

Este caso enseja muitas reflexões e atenção de todos, pelos fatores que levaram ao seu trágico desfecho. Nenhum sofrimento deve ser em vão; tudo deve gerar aprendizado aos homens, para que o mal não se repita e a luz prevaleça.

O casal Kunene é adepto fervoroso da Igreja Adventista do Sétimo Dia, cujas crenças incluem a adoção da alimentação mais saudável possível e a abstenção dos alimentos considerados “imundos” pelas Escrituras. A igreja possui 150 anos de existência e 18 milhões de adeptos, sendo a maioria praticante da dieta ovo-lacto-vegetariana.

Não há correlação entre a ocorrência de casos de raquitismo e a prática da dieta ovo-lacto-vegetariana, por uma razão simples: a causa mais comum de raquitismo é a deficiência grave de vitamina D, a qual auxilia a absorção de cálcio pelo organismo. A gema de ovo e os laticínios são fontes ricas de vitamina D; além disso, os laticínios e certos vegetais são fontes ricas de cálcio. É lógico, portanto, que uma dieta à base de vegetais, ovos, leite e derivados não poderia ser causa de raquitismo.

O bebê Kunene faleceu aos cinco meses de vida e era alimentado com leite materno; os nutrientes que ingeria eram provenientes do organismo da sua mãe. Ela seguia uma dieta “vegana”, mais rigorosa do que a ovo-lacto-vegetariana, e possuía deficiência de vitamina D em seu organismo. Essa deficiência não foi diagnosticada a tempo de evitar o drama.

A dieta vegana é constituída apenas por alimentos de origem vegetal; não admite ovos, nem laticínios, nem mesmo mel de abelha. Esta dieta vem ganhando popularidade; estima-se que o número de veganos nos Estados Unidos seja de 1% da população, ou seja, três milhões de pessoas. A dieta é viável em todas as fases da vida, embora exija um bom planejamento para assegurar as fontes de nutrientes importantes, como as vitaminas D e B12, ferro e ômega 3. Um dos recursos utilizados é o consumo de alimentos com suplementos nutricionais, como, por exemplo, margarinas e cereais enriquecidos com vitamina D. Pelo que se deduz, Virginia Kunene não possuía um planejamento alimentar eficiente.

O fato que mais chocou a opinião pública e influenciou o julgamento do caso Kunene foi o comportamento dos pais. Desde o seu nascimento, o bebê Kunene apresentou problemas médicos. Mesmo assim, a mãe não compareceu ao check-up médico marcado para ocorrer dois meses após o parto. Aos três meses de vida, o casal sabia que o filho não estava bem, mas preferiu apenas rezar pela sua saúde, em vez de buscar tratamento médico. No dia fatídico, o pai, que é enfermeiro de profissão, notou que o filho estava passando mal e, mais uma vez, recusou-se a chamar o socorro médico. Em vez disso, apenas orou. Ele acreditava que recorrer aos médicos seria um pecado, uma demonstração de pouca fé, uma vez que a vida ou a morte do seu filho seria determinada pela vontade de Deus.

Diante de tal negligência movida pelo fanatismo religioso, a justiça britânica condenou o casal a três anos de prisão, por crime de homicídio culposo. O juiz declarou que o direito de alguém seguir uma religião não pode sobrepujar o direito à vida, principalmente a de uma criancinha indefesa.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia declarou que a visão religiosa dos Kunene é muito extrema e não reflete a doutrina pregada pela instituição. Eles não estavam praticando a alimentação recomendada pelos adventistas. Além disso, a igreja sempre aconselha os seus membros a buscarem conselhos médicos. Afirma ainda que as pesquisas dos institutos de saúde pública norte-americanos constataram que os adventistas constituem um dos grupos de pessoas de maior longevidade, o que confirma os benefícios da dieta vegetariana.

O que diz o Espiritismo sobre todo este caso? No que se refere à alimentação, a Doutrina Espírita é bem flexível, ao afirmar que a lei divina prescreve que o homem se alimente conforme exija o seu organismo, para que mantenha as suas forças e a sua saúde, e possa cumprir a lei do trabalho. É permitido ao homem alimentar-se de tudo o que não lhe prejudique a saúde.

Entretanto, outros autores espirituais posteriormente aprofundaram o pensamento acerca deste tema. Tudo nos é lícito; porém nem tudo nos convém. O Espírito André Luiz, na obra “Missionários da Luz”, reproduz uma fala do seu instrutor Alexandre, em que critica o hábito de consumo de carne a pretexto de buscar recursos proteicos. Segundo ele, os homens esquecem-se de que a sua inteligência, tão fértil na descoberta de comodidade e conforto, teria recursos de encontrar novos elementos e meios de incentivar os suprimentos proteicos ao organismo, sem recorrer às indústrias da morte dos animais. Afirma ainda que tempos virão em que o estábulo, assim como o lar, será também sagrado. Na obra “O Consolador”, o Espírito Emmanuel, mentor de Chico Xavier, afirma que a ingestão de vísceras dos animais é um erro de enormes consequências. Segundo ele, haverá novos tempos, em que os homens poderão dispensar da alimentação os despojos sangrentos de seus irmãos inferiores. Na obra “Cartas e Crônicas”, o Espírito Irmão X, pseudônimo de Humberto de Campos, recomenda diminuirmos a volúpia de comer a carne dos animais. Segundo o autor, o “cemitério da barriga” é um tormento, após a transição para além-túmulo.

No que se refere à prática da oração, a Doutrina Espírita é muito favorável. A prece é considerada a manifestação de uma lei natural, um sentimento inato, que aproxima a criatura ao Criador pela elevação do pensamento, com o propósito de louvar, pedir e agradecer. A prece torna melhor o homem, porque aquele que ora com fervor e fé se faz mais forte contra as tentações e se predispõe a receber o socorro dos bons Espíritos.

A aceitação dos desígnios de Deus também é uma conduta espírita. Chegado o momento da morte, a ele não podemos nos furtar. Entretanto, jamais devemos descuidar de tomar as precauções para evitar as ameaças à vida. Segundo ensinam os Espíritos benfeitores, frequentemente as precauções que tomamos são justamente sugeridas por eles, com a finalidade de evitar a morte que nos ameaça. É um dos meios empregados pela Providência divina para que a morte não ocorra.

Na página inicial da obra “O Evangelho segundo o Espiritismo”, Allan Kardec estampou a máxima que talvez represente o aspecto mais libertador da Doutrina Espírita: “Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente a razão, em todas as épocas da Humanidade”. A dieta alimentar escolhida pela família Kunene e a sua manifestação de fé por meio da oração e da resignação não merecem qualquer ressalva, do ponto de vista espírita. O aspecto mais importante deste episódio, contra o qual todos devemos nos precaver, é a fé cega, reflexo da ignorância e do fanatismo religioso.

A fé cega aceita, sem verificação, tanto o verdadeiro como o falso, e a cada passo se choca com a evidência e a razão. Levada ao excesso, produz o fanatismo. Assentada no erro, cedo ou tarde desmorona. Ainda existem homens que resistem à divina lei do progresso. Serão arrastados pela força dos acontecimentos. Apesar de encararem as coisas de pontos de vista distintos, Ciência e Religião não se repelem mutuamente; ao contrário, complementam-se.

* Raphael Vivacqua Carneiro é engenheiro e mestre em informática. É palestrante espírita e dirigente de grupo mediúnico em Vitória, Espírito Santo. É um dos fundadores do Espiritismo.net.

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