Livro em estudo: Nos Bastidores da Obsessão – Editora FEB -
1970
Autor: Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de
Divaldo Pereira Franco
A014 – Cap. 3 – Técnica de Obsessão – Primeira Parte
3 - Técnica de obsessão
Saturnino solicitou a
Ambrósio que aplicasse recursos magnéticos nos centros coronário e cerebral de
Mariana, de modo a despertar-lhe o passado adormecido nas telas da memória.
Ativados os chakras
(*), através dos passes hàbilmente aplicados, a paciente desdobrada
parcialmente pelo sono físico pareceu sofrer um delíquio para logo modificar a
expressão semelhante a alguém que acorda após demorado sono, no qual pesadelos
cruéis houvessem tomado corpo destruidor... Do mal-estar momentâneo passou a um
aspecto de desvario, através do qual as palavras fluíam ora no idioma de
Mariana ora na língua de Aldegundes para firmar-se nos vocábulos em que se
exprimia esta última. Parecendo reconhecer Guilherme, o vigoroso perseguidor,
estremeceu, olhando-o, esgazeada, como se desejasse fugir. Lentamente se lhe
transfigurou o semblante que adquiria as características fisionômicas de harleniense
do passado. Eram visíveis os sinais da loucura que dela se apossara nos últimos
dias da existência física. Do descontrole inicial passou à mortificação,
libertando-se dos braços acolhedores de dona Rosa e arrojando-se aos pés do
antigo esposo, a rogar-lhe perdão, em lancinantes, agoniados apelos.
Ouvindo-a, lúcida, na
forma antiga, Guilherme adquiriu expressão patibular e rechaçou-a, com
mordacidade.
— Eu estava
desesperada — justificou-se em pranto — quando fugi do nosso lar. Perdoa-me!
Ignoras o que padeci e ainda padeço na masmorra em que agora me movimento
(referindo-se ao corpo de Mariana)... Há uma dor inidentificável em minhalma e
uma noite sombria de horror me segue, sem trégua. Não consigo chorar, por
ignorar a razão dos sofrimentos quando os punhais invisíveis da justiça me
alcançam. Só uma revolta pesada me agrilhoa a um desejo incoercível de morrer,
de sumir, de perder a consciência para sempre...
— Isto — retrucou o
antigo companheiro — é apenas o início das penas que te aguardam. Agora, sim,
verterás o pranto da reparação que quando, saciado, eu me possa considerar
capaz de absolver-te a indignidade Sem limite. Saturnino, Ambrósio e os demais
Assessores Espirituais, embora em atitude de alerta, mergulhados em pensamentos
salutares, deixavam que as duas Entidades por momentos se reencontrassem
mediante o diálogo doloroso e azedo, que, no entanto, abriria as portas a
melhor atendimento...
— Fugi do lar e
reconheço o meu crime. Mas ignoras o castigo que experimentei, logo depois.
Nunca fui amada: nem por ti, nem por ele. Em tuas mãos, não passei de animal de
carga e objeto de vãs emoções... Nas mãos dele não fui além de um vaso de
desejos violentos. É claro que a nuvem da ilusão só mais tarde me deixou ver o
abismo... E era tarde demais. Voltei, então...
— Tiveste a desgraça
de voltar ao Haarlen? — vociferou o esposo desdenhado.
— Achaste, por acaso,
insuficiente a punição indébita que me impuseste, a ponto de retornar aos
sítios em que éramos conhecidos? Que pretendias desvairada?
— Rogar-te perdão, eu
que ainda supunha que me amavas.
— Amar-te, quando
arruinaste minha vida? Supunhas que a desonra pudesse ser lavada com lágrimas?
— Nada eu supunha.
Esperava piedade e comiseração, um pedaço das nossas terras para sucumbir entre
as tulipas que eu mesma plantara e em cujos campos conseguíramos os
inigualáveis exemplares das Gesnerianas, Clucianas, Turcisas... Dilacerada pela
saudade e pelos remorsos, acalentava como um náufrago uma tênue possibilidade
de salvação.
— Ignoravas,
certamente, que envergonhado e ferido fugi... não conseguindo morrer.
Aumentando a minha desgraça, não poucas vezes forças demoníacas me punham ao
teu e ao lado do desalmado ladrão, para me supliciarem com a visão alucinante
sem limite. Como os odeio! Como os detesto!... É impossível, infame, qualquer
tentativa de...
— Negas-me, então,
ainda hoje, a gota de misericórdia? E quem és tu, senão o responsável maior
pela minha infelicidade? Como te atreves a ferir-me com o teu escárnio, o teu
ódio? Sim, também te odeio, deixa-me dizê-lo, como te odiava antes e não o
sabia. Nunca me deste oportunidade de amar. Negociaste minha vida com os meus
pais, considerando a minha juventude e minha saúde, e ninguém, nem tu nem eles,
jamais procurou saber se eu possuía um coração ou acalentava um sonho de
menina...
E soluçando,
comovedoramente, prosseguiu:
— Amante do dinheiro,
a nada mais querias, senão qualquer coisa que se constituísse meio de possuir
mais. Fizeste de mim uma igual aos teus empregados, nas leiras sem-fim dos
bulbos, entre os canteiros de tulipas. Nelas, porém, encontrei ligeira
felicidade; nas suas pétalas descobria o milagre da vida, a beleza e a cor que
me roubavas... E depois? Mais velho do que eu quase 30 anos, eras verdugo
cruel.
— Não te justifiques,
infeliz — bradou, apoplético.
— Trar-te-ei a
verdade, agora, dizendo-te o que nunca me atrevera mostrar-te antes. Sim,
dir-te-ei. Eras e continuas ambicioso e frio. Quando demandaste Leider e depois
Amsterdão para negociar com o governo terras e terras que viriam da dessecagem
do lago, deixando-me só, entre teus empregados e teus amigos, não zelavas por
mim. Tornavas-me o fiscal dos teus bens, a serva que inspecionava os servos.
Contrataste Jacob, que chegara fazia pouco dos primeiros Geest do golfo,
acostumado aos labores no Waal (1), e que, jovem como eu, me sensibilizara o
coração em constante soledade. Relutei muito, entre a fidelidade ao teu
abandono e a solidão da felicidade.
A Entidade sofrida
não pôde continuar. As tormentosas evocações alanceavam-na.
Depois de uma pausa,
prosseguiu, ante a expectação de Guilherme, que parecia atoleimado com as
informações que lhe chegavam então.
— Fugimos para
Amsterdão; nunca, porém, fugi de mim mesma. Nos primeiros tempos, ainda
dominada pela paixão que me enceguecera, consegui sobrepujar o remorso.
Depois... Despertei abandonada seis meses após na Cidade, em miserável condição
de desprezo entre mulheres infelizes do porto. Deixara-me Jacob, que jamais me
tivera qualquer afeição, fugindo para a Bélgica, após ter-me iludido, sem
retornar jamais. Compreendes o que me aconteceu? E isto não é tudo!
Depois de deambular
na mais estúpida miséria, não suportando as humilhações que eram superiores às
minhas forças, lembrei-me dos campos floridos e da terra generosa...
Voltei e busquei-te.
Só então eu soube... Haviam-se passado apenas 5 anos! Eu nem sequer fora
reconhecida pelos antigos vizinhos, tal o meu estado.
Informada da tragédia
que eu causara, enlouqueci, e desvairada pelas ruas do Haarlen fui lançada ao
hospício, como um animal numa jaula, onde sorvi por longos anos a própria
desdita até que a morte me libertou... para dores muito maiores. Na minha
loucura eu te via agoniado, a maldizer-me, a perseguir-me. Vês, agora!?
Tudo por culpa tua,
do teu egoísmo.
— Sim, eu estava
ligado a ti sem o saber... E nunca mais encontraste Jacob? — indagou Guilherme.
— Nunca! Se eu o
encontrasse, que não faria com esse meu outro algoz!...
— Pois eu te direi:
vives novamente com ele. sua filha!
— Filha?! Deliras...
Através de qual sortilégio o inimigo poderia tomar o corpo de meu pai? Não
zombes de mim.
— Ouve, Aldegundes:
morreste e voltaste a viver, esta é a verdade.
Guilherme demonstrava
na voz todo o seu desprezo. Logo depois, prosseguiu:
— Deus, que é
justiceiro, dele fez o teu pai, unindo os dois para que eu agora me possa
vingar. Vês porque não me fugireis do guante da reparação? Mateus que é o teu
pai, pai de Mariana, em cujo corpo vives prisioneira, é o teu ex-amante e o meu
infelicitador, novamente reunidos. Agora poderei...
Nesse momento,
Saturnino pousou a destra na fronte de Mariana, dominada pelas recordações do
passado, e utilizando recursos magnéticos fê-la adormecer, pausadamente.
Guilherme, aturdido,
pôs-se a deblaterar, enquanto Ambrósio o socorria, diminuindo-lhe o campo de
ação.
(*) Chakra é uma palavra sânscrita que
significa roda... — Nota do Autor espiritual.
(1) O golfo referido é o de Zuiderzê, que
neste século foi em grande parte escoado e dessecado, transformando-se em
terras cultiváveis (Geest). Sendo quase substituido nos últimos quarenta anos
em quatro pôldres. O Waal é um dos cursos dágua do Reno, onde há uma aldeia do
mesmo nome. — Nota do Autor espiritual.
QUESTÕES
PARA ESTUDO
1 – Quem era
Mariana na experiência material anterior? Quais atitudes suas causaram a atual
perseguição espiritual?
2 – Qual a
parcela de responsabilidade de Guilherme na tragédia vivida?
3 – E quanto
a Jacob, hoje Marcelo? Por que este continua próximo a Mariana, agora na
condição de pai?
4 - Comente seu entendimento sobre o capítulo.
Bom estudo a
todos!!
Equipe Manoel Philomeno
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