Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
ANO VI JUNHO DE 1863 N o 6
Algumas Refutações
Por vezes a paixão cega, a ponto de fazer cometer singulares inconseqüências. Na passagem citada acima, o Rev. Pe. Nampon diz que “nada é mais vazio de atrativo que essas publicações, cujo sucesso fabuloso, etc.” Não percebe ele que essas duas proposições se destroem reciprocamente; uma coisa sem atrativo não poderia ter nenhum sucesso, porquanto só o terá com a condição de ter atrativo; com mais forte razão quando o sucesso é fabuloso.
Acrescenta que com o dinheiro gasto em Lyon com essas inépcias, facilmente teriam sido criados mais leitos nos hospícios de alienados daquela cidade, superlotados desde a invasão do Espiritismo. É verdade que seriam precisos trinta a quarenta mil leitos, só em Lyon, já que todos os espíritas são loucos. Por outro lado, visto que são inépcias, nenhum valor possuem. Por que, então, lhes dar as honras de tantos sermões, pastorais e brochuras? Quanto à questão do emprego de dinheiro, sabemos que em Lyon muita gente, por certo animada de maus sentimentos, havia dito que os dois milhões fornecidos por esta cidade aos cofres de São Pedro teriam dado mais pão a muitos operários infelizes durante o inverno, ao passo que a leitura dos livros espíritas lhes deu coragem e resignação para suportar sua miséria sem revolta.
O Pe. Nampon não é feliz em suas citações. Numa passagem de O Livro dos Espíritos ele nos faz dizer: “Há tanta distância entre a alma do animal e a alma do homem, quanto entre a alma do homem e a alma de Deus.” (N o 597). Nós dissemos: ...quanto entre a alma do homem e Deus, o que é muito diferente. A alma de Deus implica uma espécie de assimilação entre Deus e as criaturas corpóreas. Compreende-se a omissão de uma palavra por inadvertência ou erro tipográfico; mas não se acrescenta uma palavra sem intenção. Por que essa adição, que desnatura o sentido do pensamento, senão para dar um tom materialista aos olhos dos que se contentarem em ler a citação sem a verificar no original? Um livro que apareceu pouco antes de O Livro dos Espíritos, e que contém toda uma teoria cosmogônica, faz de Deus um ser muito diversamente material, porque composto de todos os globos do Universo, moléculas do ser universal, que tem um estômago, come e digere, e do qual os homens são o mau produto de sua digestão; contudo, nem uma palavra foi dita para o combater: todas as cóleras se concentraram sobre O Livro dos Espíritos. Será, talvez, porque em seis anos chegou à décima edição e espalhou-se em todos os países do mundo?
Não se contentam em criticar: truncam e desnaturam as máximas para aumentar o horror que deve inspirar essa abominável doutrina e nos pôr em contradição conosco mesmo. É assim que diz o Pe. Nampon, citando uma frase da introdução de O Livro dos Espíritos, página XXXIII: “Certas pessoas, dizei vós mesmos, entregando-se a esses estudos perderam a razão.” Damos assim a impressão de reconhecer que o Espiritismo conduz à loucura, ao passo que, lendo todo o parágrafo XV, a acusação cai precisamente sobre aqueles que a lançam. É assim que, tomando um trecho da frase de um autor, poderíamos levá-lo à forca. Os mais sagrados autores não escapariam a essa dissecção. É com tal sistema que certos críticos esperam mudar as tendências do Espiritismo e fazer crer que ele preconiza o aborto, o adultério, o suicídio, quando demonstra peremptoriamente a sua criminalidade e as funestas conseqüências para o futuro.
O Pe. Nampon chega mesmo a apropriar-se de citações feitas com o objetivo de refutar certas idéias. “O autor – diz ele – às vezes chama Jesus-Cristo Homem-Deus; mas alhures (O Livro dos Médiuns, página 368), num diálogo com um médium que, tomando o nome de Jesus lhe dizia: “Eu não sou Deus, mas sou seu filho”, logo replica: “Então sois Jesus? Sim – acrescenta o Pe. Nampon – Jesus é chamado Filho de Deus, mas na acepção ariana, não sendo, portanto, consubstancial com o Pai.”
Antes de mais, não era o médium que se fazia passar por Jesus, mas um Espírito, o que é muito diferente. A citação é feita precisamente para mostrar a velhacaria de certos Espíritos e prevenir os médiuns contra seus subterfúgios. Pretendeis que o Espiritismo negue a divindade do Cristo ou vistes tal proposição formulada em princípio? É, dizeis vós, a conseqüência de toda a doutrina. Ah! se entrarmos no terreno das interpretações, poderemos ir mais longe do que quereis. Se disséssemos, por exemplo, que o Cristo não tinha chegado à perfeição, que teve necessidade das provas da vida corpórea para progredir; que a sua paixão lhe tinha sido necessária para subir em glória, teríeis razão, porque dele não faríamos sequer um Espírito puro, enviado à Terra com missão divina, mas um simples mortal, a quem o sofrimento era necessário, a fim de progredir. Onde encontrais que tenhamos dito isto? Pois bem! aquilo que nunca dissemos, que jamais diremos, sois vós que dizeis.
Ultimamente temos visto, no parlatório de uma casa religiosa de Paris, a seguinte inscrição, impressa em letras grandes e afixada para a instrução de todos: “Foi preciso que o Cristo sofresse para entrar na sua glória, e não foi senão depois de ter bebido a longos sorvos na torrente da tribulação e do sofrimento que foi elevado ao mais alto dos céus.” (Salmo 109, v. 8.) É o comentário deste versículo, cujo texto é: “Ele beberá no caminho a água da torrente e é por ali que erguerá a cabeça (De torrente in via bibet: propterea exultabit caput)”
23 . Se, pois, “foi preciso que o Cristo sofresse para entrar na sua glória; se não pôde ser elevado ao mais alto dos céus senão pelas tribulações e pelo sofrimento”, é que antes nem estava na glória nem no mais alto dos céus; por conseguinte não era Deus. Seus sofrimentos, pois, não aproveitavam somente à Humanidade, desde que necessários ao seu próprio adiantamento. Dizer que o Cristo tinha necessidade de sofrer para elevar-se é dizer que não era perfeito antes de sua vinda.
23 N. do T.: O comentário referido não corresponde ao salmo citado.
Enviado por: "Joel Silva"
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