segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Livro em estudo: Grilhões Partidos - B011 – Capítulo 8 – Intervenção Superior, Primeira Parte

Livro em estudo: Grilhões Partidos – Editora LEAL - 1974
Autor: Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de Divaldo Pereira Franco

B011 – Capítulo 8 – Intervenção Superior, Primeira Parte

Capítulo 8
Intervenção Superior

Que remédio, então, prescrever aos atacados de obsessões cruéis e de cruciantes males? Um meio há infalível: a fé, o apelo ao Céu. Se, na maior acerbidade dos vossos sofrimentos, entoardes hinos ao Senhor, o anjo, à vossa cabeceira, com a mão vos apontará o sinal da salvação e o lugar que um dia ocupareis”. “O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO” — Capítulo 5º — Item 19.
Embora o retraimento forçado a que se impuseram o Coronel e sra. Santamaria, algumas vezes sentiam-se obrigados a quebrar tal insulamento, por impositivos superiores, de que não se podiam furtar. O sorriso não lhes aflorava aos lábios e, ressequidos interiormente, conservavam estranha quão injustificável mágoa contra a sociedade, a vida, a Divindade... Consideravam se dilapidados nos bens da existência e, face à impossibilidade do desforço, com que muitos supõem aliviar-se, descarregando os instintos e paixões insanos, recolheram-se ao ostracismo, à mudez... Concomitantemente, os cônjuges distanciavam-se a pouco e pouco, um do outro, não mais encontrando estímulos na convivência doméstica. Certo é que se transferiam a responsabilidade pelo insucesso psíquico da filha, que supunham vítima inerme dos caprichosos genes e cromossomos portadores da inarmonia mental que nela eclodira pelo acaso infeliz.
Celebrava-se, então, expressiva comemoração da República, evocando se, na “Semana da Pátria”, o Dia da Independência, no qual país se liberara do jugo ancestral, a fim de atender à sua destínação histórica. Dentre as celebrações em pauta, fora programado um banquete reunindo os heróis da última guerra, em requintado Clube Social. A recepção, em traje a rigor, objetivava, também, maior intercâmbio entre velhos amigos, muitos dos quais fruindo o justo prêmio da reforma, foram trasladados para a Reserva. Desse modo, fora impossível evadirem-se ao compromisso relevante.
No dia aprazado, o Coronel despertou mais indisposto do que habitualmente, nos meses derradeiros. Fora acometido reiteradas vezes durante a noite, por singular pesadelo, do qual despertava estafado, sôfrego, para novamente recair no mesmo dédalo onírico, em que se fazia personagem de articulações nefandas e crimes inumanos. Experimentava a sensação de mergulhar em cenário sombrio e macabro por alguns momentos, recobrando a custo a lucidez, para se repetir a infame sortida aos mesmos sítios e sofrer asfixia, náuseas, horror.
Eram lugares lôbregos... Via-se, agitado, caminhando sobre lajedos irregulares, enquanto maquinava sórdida vindita... Respirava ódio... A estranha personagem, que via e sabia-se ser ele próprio, envergava sotaina negra que lhe atrapalhava o passo, obrigando-o erguê-la, a fim de saltar os esgotos abertos, exalando putrefação nas ruelas mergulhadas em sombras... A agitação do sacerdote agitava-o... Repentinamente sentia-se em presídio, subterrâneo, úmido, com vaza fétida a escorrer, onde alguns homens e mulheres sofriam ritual nefando de torturas covardes, irracionais. Seus corpos alquebrados, alguns partidos com fraturas expostas, em feridas pútridas, tudo resultado da roda infame, blasfemavam... Algumas mulheres desvairadas altercavam, misturadas aos despojos orgânicos... À sua chegada recuavam em ríctus e esgares superlativos, enunciando seu nome entre exclamações injuriosas, detestáveis, enquanto se referiam, também, a outra pessoa, sua comparsa, de que se diziam vítimas... A visão tormentosa, mortificava-o... De inopino, não suportando o sonho macabro, logrou desalgemar-se do torpor que o vencia, levantando-se banhado por álgidos suores. Não retornou ao leito.
Todo o dia foi-lhe desagradável. Não esquecia as cenas truanescas, os rostos, congestionados uns pelo ódio, patibulares outros, sem expres são, e mesmo após o almoço, tentando a sesta, não conseguiu o repouso que lhe fazia falta.
A noite cálida e estrelada parecia uma taça emborcada, cheia de brilhantes ornando a cidade colorida e luminosa.
A partir das vinte e uma horas os convidados deram entrada na sala de recepção do Clube, e os júbilos espocavam em todos os semblantes. Canapés e aperitivos entretinham os convidados, enquanto aguardavam a lauta refeição.
O Coronel Constâncio reviu amigos queridos, recordou emoções esquecidas, no entanto, vivas, e por momentos olvidou as amargas desditas que o exulceravam. Companheiros de armas, colegas da Escola, formavam um préstito de alegrias que o revigoravam.
De surpresa em surpresa, defrontou-se com antigo e dileto amigo, que servia a Pátria no Exterior e agora se encontrava de retorno. À efusão dos abraços e sorrisos, passaram às recordações, quando o Coronel Epaminondas Sobreira, indagou, interessado:
— Não voltei a ter notícias de Ester. Como passa, desde aquele dorido incidente?
— Sem esperanças! — Retrucou o antigo “cabo de guerra” empalidecendo e umedecendo os olhos. — Minha desventurada filha está louca, irrecuperável, sobrevivendo por milagre, pois, sequer, não teve, ainda, o lenitivo da morte...
— Perdoe-me! — Justificou-se o amigo. — Sei quanto deve dilacerar-lhe a alma... Eu lá estava naquela noite.
— São anos de lágrimas, suores, intranqüilidade...
Segurando o braço do interlocutor propôs, emocionado:
— Sentemo-nos no jardim, a distância... Estou muito emotivo desde aquele dia.
O Coronel Epaminondas sentiu o contato da mão gelada e o leve tremor que sacudia o amigo sofredor.
— Não falemos sobre isso. — Sugeriu, delicado. — Eu sei o quão lhe é mortificante.
— De fato — redarguiu o outro, — no entanto, eu, que tenho preferido o cárcere do silêncio durante todo esse tempo infinito transcorrido, sinto que me fará bem falar com você.
Em caramanchão próximo à piscina que refletia a noite coruscante, o sofrido genitor descerrou os painéis mais íntimos do coração duramente lanhado. Seus sonhos destroçados e suas esperanças desfeitas! E o amor à filha! Sabê-la transformada num animal irreconhecível e aprisionada em camisa-de-força, a fim de diminuir-lhe a fúria, oh! tudo isso constituía carga superlativa à sua devoção paterna.
À medida, porém, que exteriorizava a profunda agonia ao amigo, atento, que participava do drama, comovido, teve a impressão de que desoprimia o peito, a alma, como se desarticulasse anéis constritores que o despedaçavam por dentro.
— Você tem orado? — Inquiriu o ouvinte. — A oração produz milagres de renovação e paz, modificando paisagens sombrias e fortalecendo o homem.
— Não, não mais tenho orado. — Retorquiu, quase irado, traindo a revolta em que descambara. — Perdi a fé... A princípio, tentei iludir-me, rogando a Deus, aos santos, recorrendo à Igreja... Tudo inútil! Hoje sou uma nau sem leme, sem destino, à deriva.
Pranto copioso jorrava-lhe pela face fortemente assinalada pela fúria do desespero sem refrigério.
— Mas a função da prece — elucidou, sensibilizado, — não é somente a de requerimento, petição. Também lenitivo, renovação. Nem sempre traz o objetivo de atenuar a dor, mas compreendê-la, conseqüentemente, lenindo a alma. Além disso, é veículo, interfônio para a comunhão com Deus... Gostaria de conversar demorada-mente com você. Poderia receber-me ou visitar-me, quando?
— Infelizmente — explicou, titubeante, — não mais tenho um lar para oferecê-lo aos amigos... Quero dizer: o apartamento é o mesmo, porém, triste, sem vida... Não saímos, minha esposa e eu.
— Faço questão — interrompeu-o, com uma leve palmada no ombro — que você e Margarida venham jantar conosco, no próximo sábado. Informalmente, como dois amigos, dois irmãos. Mercedes, a quem comunicarei logo, agora, ficará exultante. Creio que sabe como nos são queridos, você e a esposa.
Continuo residindo na mesma casa no Leblon. Estamos a sós. Os filhos já casados. Beatriz está em França com o esposo e Giórgio em São Paulo. Sou avô de dois anjos celestes, sabia? Combinado. Aguardá-los-emos, às 20 horas.
O Coronel Santamaria fitou o companheiro transformado em cireneu e não saberia explicar as emoções, a paz, a súbita satisfação que experimentava.
Qual estivesse magnetizado, respondeu, maquinalmente, sorrindo:
— Combinado.
— Unamo-nos aos grupos que já devem procurar-nos.
— Sim, sim, esquecera-me; apressemo-nos.
O braço do Coronel Epaminondas, passando pelas costas do colega, apoiava-se ao ombro do outro lado. Eram dois irmãos que se reuniam na família da amizade superior.
Adentraram-se pelo salão festivo e perderam-se nas confabulações, brindes e algazarra que a todos empolgavam.
Sem poder-se explicar o sentimento de renovação que o surpreendera, o pai de Ester retornou ao lar como se estivesse revigorado. Ante as duras penas que vivia, também o organismo passara a dar mostras de cansaço, repontando, já, os sinais do desgaste que o fazia preocupado.. Conversou com a esposa, narrando-lhe o bom estado de espírito do colega e quanto lhe fora oportuna a conversação, mais valiosa do que o banquete, em si mesmo. Cientificada, a senhora, de pronto concordou, nascendo-lhe, também, agradável pressentimento em torno do futuro reencontro. Ela, igualmente, dialogara com dona Mercedes, que se interessara pelo destino da sua filha. A simpática senhora, apesar da balbúrdia, na sala, manteve-se atenta, carinhosamente interessada e repetia: — “Mas, nem tudo está perdido. Ë uma pena, tudo isto!”
Dizia-o com sentimento, como a lamentar a impossibilidade de fazer alguma coisa que considerava importante, porém, inconveniente. Prometera-lhe uma visita para colóquio mais amplo e cuidadoso. Prometia examinar o problema com profundidade...
Foi, portanto, em clima de esperanças felizes que os Santamarias na noite acordada rumaram, confiantes, na direção da residência dos Sobreiras.

QUESTÕES PARA ESTUDO

1 – Segundo o Espiritismo, como se podem explicar os sonhos?

2 – Por que o Coronel Epaminondas recomendava a prece para o amigo Coronel Santamaria? Como a prece pode nos auxiliar nos momentos dolorosos?

Bom estudo a todos!!

Equipe Manoel Philomeno

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