Operário sobrevive após ter cérebro
atravessado por um vergalhão de 2m de comprimento
Ele, que trabalhava em uma obra em Botafogo, foi operado por cinco horas e não apresenta sequelas
MARIA ELISA ALVES
RIO - Um operário da construção civil, de 24 anos,
foi atingido na cabeça por um vergalhão que despencou do quinto andar do prédio
em que ele trabalhava, uma obra em Botafogo, e sobreviveu. O pedaço de ferro, de
dois metros de comprimento, atravessou, na manhã de quarta-feira, o capacete de
Eduardo Leite, perfurou o cérebro e saiu pela região entre os olhos, acima do
nariz. O impacto foi de 300 quilos. Os bombeiros cortaram uma parte do vergalhão
no local do acidente e levaram o ferido para o Hospital Municipal Miguel Couto,
na Gávea, onde a vítima, para espanto de todos, chegou falando normalmente.
Eduardo foi submetido a uma cirurgia de cinco horas e não apresenta nenhum tipo
de sequela.
— A equipe é muito bem treinada, e o anjo da
guarda dele também estava de plantão — disse o médico Ruy Monteiro, chefe da
Neurocirurgia do hospital, e que participou da cirurgia.
Segundo o diretor do Miguel Couto, Luiz Alexandre
Essinger, o paciente está no Centro de Tratamento Intensivo (CTI), e respira sem
a ajuda de aparelhos. Ontem, 24 horas após a cirurgia, almoçou normalmente e
recebeu visitas da família.
— Não sabemos como o cérebro vai reagir daqui em
diante. Vamos descobrir nos próximos dias. O cérebro é a parte do corpo mais
difícil de prever — diz Essinger.
O vergalhão atingiu a parte do cérebro responsável
pelas emoções. Eduardo poderia ter ficado sem memória, ou desorientado. Mas nada
disso aconteceu:
— Ele está lúcido e consciente — diz o diretor do
Miguel Couto.
Segundo Essinger, o paciente, depois de tanto
azar, deu sorte. Se o vergalhão tivesse caído três centímetros para o lado,
teria atingido a parte do cérebro responsável pela parte motora:
— Por três centímetros, ele estaria sem mexer os
braços e as pernas. Se fosse apenas mais um centímetro para a direita, ele teria
perdido um olho.
Risco de infecção
Segundo Essinger, o risco agora é que o paciente
contraia uma infecção:
— Quando o vergalhão entrou no cérebro, levou
também muita poeira, sujeira. Estamos medicando o paciente com antibióticos e,
se tudo der certo, ele poderá ter alta em uma semana — disse
Essinger.
Para evitar contaminar o cérebro com secreções dos
seios da face, típicas de quem tem sinusite, por exemplo, o vergalhão foi puxado
para baixo durante a cirurgia.
Membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, o
médico Miguel Giudicissi Filho elogiou a atuação da equipe médica e explicou que
somente após exames de médio e longo prazos será possível indicar o tipo de
sequela do paciente. Segundo ele, não existe área do cérebro que seja afetada
sem produzir algum dano, mas ele pode ser imperceptível:
— Os médicos mostraram habilidade e treino.
Precisamos esperar novos exames, pode ser que a sequela seja pequena ou numa
área não importante para o paciente.
Os médicos que salvaram a vida do paciente
O plantão de 12 horas estava apenas começando
quando o neurocirurgião Ivan Sant’Ana, que estava na emergência do Hospital
Miguel Couto, foi avisado que um homem com um vergalhão atravessado na cabeça
tinha acabado de chegar. Com 35 anos de experiência, o médico, que trabalha
também no Hospital do Andaraí, mandou chamar o chefe da neurocirurgia, Ruy
Monteiro, e, em pouco tempo, começou a planejar, junto de Ruy, a cirurgia para a
retirada do ferro. Ontem, nem mesmo ele acreditava no resultado tão bom, o
paciente sobreviveu e não apresenta sequelas.
— Minha esposa disse que o “Homem” deu outra
chance a ele. Casos assim não são comuns mesmo.
Ivan disse que não ficou nervoso com o tamanho da
responsabilidade:
— Depois de 35 anos de neurocirurgia, você sabe
dos riscos e se prepara. Não fica nervoso. Mas tem uma certa apreensão. O ferro
passou bem perto de estruturas nobres do cérebro.
O cirurgião passou cinco horas operando o
trabalhador. Ele disse que o momento mais delicado da cirurgia foi o da retirada
do vergalhão:
— Nós escovamos o couro cabeludo do paciente e o
pedaço de ferro que estava na entrada do ferimento para evitar que qualquer
poeira entrasse e causasse uma infecção no cérebro. Depois, fomos retirando
lentamente. Retirava um pouco, avaliava, retirava um pouco mais. Depois que o
ferro saiu, lavamos o cérebro com muito soro e cauterizamos as áreas onde havia
sangramento. O perigo agora é ele contrair uma infecção. O paciente está tomando
muito antibiótico para evitar isso.
Quando o paciente chegou, curiosos tiraram fotos
da vítima, ainda com o ferro na cabeça. O chefe da neurocirurgia, Ruy Monteiro,
disse que o caso, apesar de inusitado, não surpreendeu tanto assim a
equipe:
— Para a gente que trabalha em emergência, não é
fácil levar um susto não. Mas, com certeza, esse caso não é habitual.
Há 19 anos no Miguel Couto, quatro deles como
chefe da neurocirurgia, Ruy Monteiro, que também atua na rede privada, disse que
a cirurgia foi feita pouco tempo após a chegada do paciente. E atribui o
resultado à habilidade da equipe.
— É muito importante ter uma equipe preparada para
qualquer situação. Já tratamos de uma machadada na testa, mas o paciente estava
sem o machado. Estamos sempre prontos para o que for.
Breno Henrique de Sousa* comenta
Por alguns centímetros
A separação entre a vida e a morte pode ser de
alguns centímetros de distância ou alguns segundos que nos permitem escapar de
um acidente. A morte parece uma constante que nos cerca, da qual sempre tentamos
escapar, mas que um dia, fatalmente, nos pega.
Temos um dia certo para morrer ou estamos nas mãos
da sorte? Será que tudo que nos separa da morte são os centímetros e os
segundos? Essa perspectiva parece assustadora. A fragilidade da vida é
assustadora desde que encaremos a vida do ponto de vista materialista e a morte
como sendo a aniquilação. Esta perspectiva pode ser um dos fundamentos para
medos patológicos como o pânico e o desespero.
Tudo é diferente quando enxergamos a vida através
do olhar espírita. A fragilidade e a precariedade da vida se transformam em uma
lição de desapego nos fazendo refletir que a qualquer momento, por mais que
desfrutemos de boa saúde, podemos ser chamados ao “outro lado da vida”, deixando
para trás todas as coisas que julgávamos importantes.
A iminência da morte nos demonstra o caráter
provisório da vida. Ela é passageira. Em breve partiremos e a grande questão é:
o que levamos para a outra vida? E o que deixamos de bom? É certo que em breve
também voltaremos em um novo corpo para prosseguir nossa caminhada de
aperfeiçoamento.
Para o Espiritismo, quando reencarnamos, temos uma
programação que define em linhas gerais nossa existência. É planejado que gênero
de vida teremos, fatos importantes, uma estimativa de tempo de vida física. Este
planejamento desenrola-se naturalmente e somos levados intuitivamente e pelas
circunstâncias que se nos apresentam “casualmente” para dar cumprimento ao
mesmo. São estes “acasos” da vida, que na verdade não são nada casuais, que nos
afastam alguns centímetros ou segundos da morte, que não deve chegar antes da
hora planejada. Pelo livre-arbítrio, pode o homem alterar o curso planejado para
sua existência. Pode alterar para melhor, superando as expectativas, ou para
pior, por exemplo, interrompendo prematuramente sua vida pelo suicídio. Mas,
mesmo entre aqueles que tentam o suicídio, existem os que falham em sua
tentativa e escapam por razões misteriosas.
Deus, muitas vezes, permite que cheguemos à beira
do abismo como uma lição para valorarmos a vida, para termos ciência de sua
fragilidade e importância. Quantos não dizem depois de escapar da morte: “nasci
de novo”, sendo renovados pela experiência e, muitas vezes, mudando sua
perspectiva diante da vida. Hoje mesmo, vi na TV outra notícia de outro
operário, também no Rio de Janeiro, que teve o pescoço atravessado por um
vergalhão. Esse caso é menos impressionante do que o primeiro que teve o cérebro
atravessado, mas, igualmente, por alguns centímetros, ele poderia ter perdido a
vida. Alguns centímetros é a diferença entre uma bala perdida e uma bala que
passa de raspão.
A vida física é precária e frágil, perene é apenas
a vida espiritual que deve ser buscada com mais interesse. Estamos a apenas
alguns centímetros de perder tudo o que faz parte da vida material, que se
renova constantemente. Deus nos dá lições de desapego demonstrando-nos quais
devem ser as maiores prioridades da existência.
* Breno Henrique de Sousa é paraibano de João Pessoa, graduado em
Ciências Agrárias e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade
Federal da Paraíba. Ambientalista e militante do movimento espírita paraibano há
mais de 10 anos, sendo articulista e expositor.
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