quarta-feira, 17 de julho de 2013

Ser ‘um pouco psicopata’ no trabalho melhora desempenho, diz psicólogo

Ser ‘um pouco psicopata’ no trabalho melhora desempenho, diz psicólogo

Tim BowlerBBC News
 
Para muitos de nós, psicopatas são seres perigosos que, armados com facas, deveriam passar o resto de seus dias atrás das grades.
O especialista em psicologia experimental da Universidade de Oxford Kevin Dutton pensa diferente. Para ele, ao contrário do que reza o imaginário popular, podemos aprender – e muito – com eles.
"É verdade que, quando psicólogos como eu usam a palavra 'psicopata', imagens de serial killers como Ted Bundy (que estuprou e matou mais de 30 meninas e mulheres nos Estados Unidos nos anos 70) logo vêm à mente de todo mundo", diz Dutton.
No entanto, ele argumenta que todo mundo pode se beneficiar ao ser mais implacável, destemido, autoconfiante, focado, frio, charmoso ou carismático, traços que podem ser exacerbados em psicopatas.
Para Dutton, nenhuma dessas características é um problema por si só. O perigo, acrescenta ele, ocorre quando "todos esses traços ficam muito pronunciados, gerando disfunções".
"Não estou glamourizando a figura do psicopata", destaca Dutton, "porque essas pessoas acabaram com a vida de muitas outras".
Em seu novo livro, intitulado The Wisdom of Psychopats ("A Sabedoria dos Psicopatas"), ele diz que a adoção de algumas das características dos psicopatas podem nos ajudar a melhorar o nosso desempenho no trabalho.
Psicopatas, por exemplo, tendem a não adiar tarefas ou mesmo levar os problemas profissionais para o campo pessoal, "além de não exigirem tanto de si mesmo quando as coisas dão errado", afirma Dutton.
"Se alguém quer um aumento de salário, é normal ficar um pouco ansioso para pedi-lo. Em outras palavras: O que pode acontecer comigo se meu pleito não for aceito ou o que meu chefe vai pensar de mim"?
"Bem, tenha fé em seu potencial e vá adiante. Não se apegue aos seus defeitos, apenas às suas virtudes".
"Ao fazer isso, você se torna mais confiante, e tem mais chances de conseguir o que quer".

Carreira
Até a falta de empatia com os outros – comum entre alguns psicopatas – pode ser útil em algumas profissões.
"Imagine que você tenha a capacidade para ser um bom cirurgião – mas não consegue se desvencilhar emocionalmente da pessoa que você está operando", disse Dutton.
"Um cirurgião me disse certa vez que quando o médico começa a ver o paciente como um parente próximo ou um amigo, está andando numa espécie de 'corda-bamba' emocional".
"Os vitoriosos – ou os mais predispostos ao sucesso - serão aqueles que conseguem estabelecer uma distância sentimental dos seus pacientes".
Pessoas com essas características são mais adaptadas para trabalhar especialmente em cargos de chefia ou de muita importância, como CEOs, advogados ou até jornalistas.
Políticos também costumam revelar alguns traços marcantes de psicopatas.
"Políticos de sucesso precisam não ter remorso ao implementar políticas impopulares, muitas vezes, em desacordo com alguns setores da sociedade", disse Dutton.
"Se você pensar dessa forma, o político de maior sucesso é alguém que sabe dizer o que a população está pensando".
"Eles são brilhantes em se embrenhar no imaginário coletivo, são como assaltantes psicopatas".

Outro lado
No entanto, outros psicólogos estimam que a psicopatia atinja apenas 1% da população total e descrevem a visão de Dutton como "muito generalista".
"É errado descrever essas pessoas como psicopatas – isso é uma definição clínica", disse à BBC o professor Cary Cooper, da Lancaster University Management School.
"Eles não vão matar ninguém – mas indiretamente podem causar perigo às pessoas porque são tão focados no seu próprio sucesso e, ao mesmo tempo, totalmente abstraídos das necessidades dos outros".
"Trata-se, na prática, de um estilo de gerenciamento 'abrasivo', uma espécie de bullying."

Sem escrúpulos
Especialistas alertam que, embora a preocupação consigo mesmo em detrimento com os colegas possa trazer ganhos de curto prazo, tal comportamento pode criar problemas para as empresas no futuro.
"Normalmente essas pessoas têm um desempenho excelente, mas a equipe sofre muito", disse Jonny Gifford, especialista do Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD).
É importante perceber que sempre haverá pessoas que "queiram puxar o tapete" das outras dentro das organizações, disse ele. Do ponto de vista da companhia, acrescenta Gifford, o segredo é saber controlar esse tipo de comportamento, de forma que tais funcionários não coloquem em risco o ambiente de trabalho com suas ações.
Porém, para Dutton, às vezes a crueldade e a falta de compaixão é justamente o que um chefe precisa ter para controlar uma grande empresa.
"Imagine se você detém as competências financeiras e estratégias para um cargo de chefia, mas carece de crueldade suficiente para demitir funcionários que não sejam pró-ativos, ou não possui a frieza necessária para atravessar um período de maus resultados, você nunca vai chegar a nenhum posto de comando, ou vai?"
Mas para aqueles que acreditam que possam ter um chefe sem tendências psicopatas, o especialista dá um conselho.
"Se o seu chefe costuma pisar nos subordinados ou usa todos os meios possíveis para impressionar quem está acima dele, é hora de buscar um novo emprego".
Notícia publicada na BBC Brasil, em 22 de maio de 2013.

André Henrique de Siqueira* comenta
No final do século XVIII, Franz Joseph Gall, médico alemão, desenvolveu uma teoria de que o comportamento humano é determinado por vinte e sete diferentes "faculdades", cada uma localizada em uma parte específica do cérebro. Para Gall, a estrutura do crânio poderia indicar quais destas tendências foram desenvolvidas e quais foram atrofiadas. Deste modo, surgia a frenologia, um conceito popular no século XIX, de que seria possível determinar o comportamento de qualquer indivíduo em particular observando-se a sua estrutura corporal. Segundo a Teoria de Gall, das vinte e sete faculdades, três estavam ligadas ao comportamento criminoso, se fossem altamente desenvolvidas: a ganância, o que poderia levar ao roubo, o instinto de auto-defesa, o que poderia levar a brigas violentas, e o "instinto carnívoro", que poderia levar ao assassinato (TILLER, 2012). Em geral, Gall ajudou a popularizar a ideia de que muitos criminosos cometeram seus crimes como resultado de propensões inatas (Wetzell, 2000, pp 17-18, 19).
Em um magnífico levantamento sobre o compartamento psicopata, Tiller (2012) define que:
"A psicopatia é uma condição psicológica em que o indivíduo mostra uma profunda falta de empatia para com os sentimentos dos outros, a vontade de se envolver em comportamento imoral e anti-social, para os ganhos de curto prazo, e de extremo egocentrismo. Psicopatas não têm a resposta de medo vivida pela maioria de nós para as potenciais consequências negativas de comportamento criminoso ou de risco e são relativamente insensíveis ao castigo. Em geral, eles tendem a não modificar seus comportamentos egocêntricos mesmo quando aplicadas sanções penais ou sociais. Em conjunto com a sua insensível movimentação incessante de cuidar de si mesmos, os psicopatas são predadores, e qualquer um que possa alimentar a sua necessidade no momento é uma presa em potencial." (tradução livre)
É dentro deste estudo sobre uma Revisão da Psicopatia (TILLER, 2012) que podemos analisar um pouco mais detalhamente o problema. Deste elucitativo estudo, podemos destacar alguns pontos importantes, que passamos a revisar.
O conceito de psicopatia é muito diverso entre os autores. J. C. Pritchard, um médico inglês (1835), define a psicopatia como uma "insanidade moral" causada por dois tipos de insanidade: a que afeta o intelecto e a que afeta a emoção e a vontade (Tiller, 2013). Cesar Lombroso, criminologista e médico italiano (1876), em seu livro L'uomo delinquente (homem Penal), argumenta que os criminosos são caracterizados por elementos específicos no corpo - consolidadando a errônea visão da frenologia: um crânio menor com certos traços encontrados entre os animais, um corpo mais alto, orelhas em forma de alça, insensibilidade à dor, a visão aguda e canhoto (Wetzell, 2000, p. 29).
Hare (1993, p. 2) define que a psicopatia é "(...) um mistério escuro com implicações surpreendentes para a sociedade", e compreende que o problema é na realidade "uma complexa - e mal compreendida - interação entre fatores biológicos e forças sociais". (p. 174)
Na atualidade, é comum considerar a psicopatia como uma manifestação de uma Disordem de Personalidade Antisocial (do inglês Antisocial Peronality Disorder - ASPD) (GURLEY, 2009). De um modo geral, a sociopatia é caracterizada pela prevalência de ao menos três dos seguintes fatores (TILLER, 2013):
(1) a não conformidade às normas sociais com relação a comportamentos lícitos;
(2) dissimulação compulsiva, como indicado por constantes mentiras, uso habitual de pseudônimos para esconder a própria identidade, a prática de dissimulação para obter lucro ou prazer;
(3) impulsividade ou hábito de planejar o futuro;
(4) irritabilidade e agressividade constantes, indicadas por repetidos episódios de lutas corporais ou agressões;
(5) desrespeito imprudente pela segurança própria ou de terceiros;
(6) irresponsabilidade constante, indicada por falhas repetidas para manter uma conduta consistente ou honrar obrigações sociais;
(7) falta de remorso, indicada por comportamento indiferente ou pela constante racionalização em situações em que pode ter ferido, maltratado ou roubado.
De um modo geral a psicopatia pode ser caracterizada pela prevalência de dois fatores:
(a) Fator 1: uso egoísta, insensível e implacável de outros - consideradas como características afetivas e interpessoais;
(b) Fator 2: relacionamentos cronicamente instáveis e estilo de vida anti-social; desvio social - considerados como estilo de vida e comportamento anti-social.
Estudos recentes sobre a psicopatia (HARE, 2003, NEUMANN, HARE, e NEWMAN, 2007) tratam-na dentro de quatro grandes categorias, chamados fatores:
- Fator 1) A dimensão interpessoal: Os psicopatas caracterizam-se por um estilo pessoal que pretende manipular as outras pessoas para alcançarem seus interesses pessoais. Apresentam uma personalidade egocêntrica e uma grande frieza emocional denotando insensibildade às emoções alheias.
- Fator 2) A dimensão afetiva: O comportamento de indivíduos com traços psicopáticos freqüentemente sugere que eles são menos impactados por experiências emocionais do que os outros.
- Fator 3) A Dimensão Estilo de Vida: Pessoas com traços psicopáticos tendem a negligenciar seus compromissos e responsabilidades para os outros. Constumam decidir-se a mudar de parceiro ou de emprego sob a égide da impulsividade e constumam agir de maneiras que parecem destruir suas próprias prioridades.
- Fator 4) A dimensão anti-social: A atitude anti-social do psicopata não está diretamente associada com um comportamento criminoso, mas com comportamento anti-social precoce, versátil e persistente que, muitas vezes, é extremamente angustiante e frustrante para outros. De um modo geral, acredita-se que os indivíduos com características psicopáticas são mais propensos do que outros a cometer crimes, incluindo crimes violentos.
Pode-se observar que o estudo de Tiller (2012) descreve a psicopatia como um problema de ordem biológica, social e psicológica.
À luz destas considerações, é estranhável que o especialista em psicologia experimental da Universidade de Oxford, Kevin Dutton, afirme que "todo mundo pode se beneficiar ao ser mais implacável, destemido, autoconfiante, focado, frio, charmoso ou carismático, traços que podem ser exacerbados em psicopatas". (Bowler, 2013) Longe de recomendar um comportamento psicopata, o eminente psicólogo argumenta que alguns traços de personalidade, geralmente atribuídos aos psicopatas, poderiam auxiliar as pessoas a enfrentarem os desafios do dia-a-dia. Ele trata do assunto em seu livro The Widsom of Psichopath: What Saints, Spies, and Serial Killers Can Teach Us About Success - "A Sabedoria dos Psicopatas: o que santos, espiões e assasinos podem nos ensinar sobre o sucesso" - (DUTTON, 2012). A visão de Dutton é de que é preciso desenvolver uma certa dose de distanciamento. O uso do termo psicopata nem de longe está associado ao comportamento anti-social que os estudos diagnosticam. Assim, pode-se compreender o uso do termo como uma provocação da propaganda, mais do que um uso técnico. Em todo caso, está por trás da proposta uma visão estranha acerca do sucesso e que caracteriza muito bem o mito da Vitória na sociedade atual: feliz é o egoísta!
Não podemos corroborar com a visão de Dutton. O ser humano é um animal social. As mais notáveis características de nossa personalidade estão relacionadas à capacidade que desenvolvemos para compreender o próximo e compartilhar com ele as emoções e entendimentos. O novo livro de Leonard Mlodinow, famoso físico que trabalhou com Stephen Hawkings, argumenta que as mais profundas habilidades da inteligência humana foram desenvolvidas pela capacidade de perceber e interagir com os outros. (MLODNOW, 2013)
A mensagem espírita nos convida à prática da caridade, o resultado da aplicação do conceito de justiça e da sensibilidade verdadeira construída pelo amor. E a caridade é a prática da benevolência que percebe o outro, sente as suas necessidade e age em prol do bem estar comum. A mensagem cristã, consubstanciada na doutrina espírita, reflete sobre a importância de manter-se com o próximo uma relação de igualdade. Esta mensagem não é mera recomendação dogmática. É o reconhecimento de que somos o que somos dado a presença do outro. É através do próximo que nos distinguimos como nós mesmos. É pela cooperação com os outros que desenvolvemos nossas habilidades de pensar e de sentir. É através dos outros que construímos a nossa felicidade, tanto alargando o nosso entendimento como refinando a nossa sensibilidade.
Recomendar uma conduta psicopata é, de fato, o sinal de que nossa cultura social padece de uma grave doença: o egoísmo. É contra isto que o Espíritismo aplica seus intrumentos de esclarecimento e de sensibilização. A nossa felicidade não está em alcançarmos o Sucesso. Nossa felicidade esta em nós, e precisa do outro.

Referências:
- Wetzell, R. F. Inventing the criminal: A history of German criminology, 1880-1945. Chapel Hill: The University of North Carolina Press. 2000;
- Tiller, C. Review of Psychopathy. On-Line: 2012. Disponível em <http://www.positivedisintegration.com/psychopathy.htm>, acessado em 28/06/2013;
- Hare, R. D. Without conscience: The disturbing world of the psychopaths among us. New York: Pocket Books. 1993;
- Gurley, J R. A history of changes to the criminal personality in the DSM, History of Psychology, 12(4), 285-304. 2009;
- Neumann, C. S., Hare, R. D., & Newman, J. P. The super-ordinate nature of the Psychopathy Checklist-Revised. Journal of Personality Disorders, 21(2), 102-117. doi: 10.1521/pedi.2007.21.2.102. 2007;
- Bowler, T. Ser ‘um pouco psicopata’ no trabalho melhora desempenho. On-Line: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/05/130521_psicopatas_ trabalho_lgb.shtml?s>, acessado em 28/06/2013;
- DUTTON, K. The Widsom of Psihopath: What Saints, Spies, and Serial Killers Can Teach Us About Success. New York: Scientific American / Farrar, Straus and Giroux: 2012;
- Mlodinow, L. Subliminar - Como o Inconsciente Influencia Nossas Vidas. Zahar Ed: 2013.
* André Henrique de Siqueira é bacharel em ciência da computação, professor e espírita.

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