Voltemos ao nosso assunto: as considerações gerais sobre a mediunidade
curadora.
Dissemos, e nunca seria demais repetir, que há uma diferença radical entre os
médiuns curadores e os que obtêm prescrições médicas da parte dos Espíritos.
Estes em nada diferem dos médiuns escreventes ordinários, a não ser pela
especialidade das comunicações. Os primeiros curam só pela ação fluídica em mais
ou menos tempo, às vezes instantaneamente, sem o emprego de qualquer remédio. O
poder curativo está todo inteiro no fluido depurado a que servem de condutores.
A teoria deste fenômeno foi suficientemente explicada para provar que entra na
ordem das leis naturais e que nada há de miraculoso. É o produto de uma aptidão
especial, tão independente da vontade quanto todas as outras faculdades
mediúnicas; não é um talento que se possa adquirir. Não se faz um médium curador
como se faz um médico. A aptidão para curar é inerente ao médium, mas o
exercício da faculdade só tem lugar com o concurso dos Espíritos. De onde se
segue que se os Espíritos não querem, ou não querem mais servir-se dele, é como
um instrumento sem músico, e nada obtém. Pode, pois, perder instantaneamente a
sua faculdade, o que exclui a possibilidade de transformá-la em profissão.
Um outro ponto a considerar é que sendo esta faculdade fundada em leis
naturais, tem limites traçados pelas mesmas. Compreende-se que a ação fluídica
possa dar a sensibilidade a um órgão existente, fazer dissolver e desaparecer um
obstáculo ao movimento e à percepção, cicatrizar uma ferida, porque então o
fluido se torna um verdadeiro agente terapêutico. Mas é evidente que não pode
remediar a ausência ou a destruição de um órgão, o que seria um verdadeiro
milagre. Assim, a vista poderá ser restaurada a um cego por amaurose, oftalmia,
belida ou catarata, mas não a quem tivesse os olhos estalados. Há, pois, doenças
fundamentalmente incuráveis, e seria ilusão crer que a mediunidade curadora vá
livrar a humanidade de todas as suas enfermidades.
Além disso, há que levar em conta a variedade de nuanças apresentadas por
esta faculdade, que está longe de ser uniforme em todos os que a possuem. Ela se
apresenta sob aspectos muito diversos. Em razão do grau de desenvolvimento do
poder, a ação é mais ou menos rápida, extensa ou circunscrita. Tal médium
triunfa sobre certas moléstias em certas pessoas e, em dadas circunstâncias e
falha completamente em casos aparentemente idênticos. Parece mesmo que em alguns
a faculdade curadora se estende aos animais.
Opera-se neste fenômeno uma verdadeira reação química, análoga à produzida
por certos medicamentos. Atuando o fluido como agente terapêutico, sua ação
varia conforme as propriedades que recebe das qualidades do fluido pessoal do
médium. Ora, devido ao temperamento e à constituição deste último, o fluido está
impregnado de elementos diversos, que lhe dão propriedades especiais. Pode ser,
para nos servirmos de comparações materiais, mais ou menos carregado de
eletricidade animal, de princípios ácidos ou alcalinos, ferruginosos,
sulfurosos, dissolventes, adstringentes, cáusticos, etc. Daí resulta uma ação
diferente, conforme a natureza da desordem orgânica. Esta ação pode ser, pois,
enérgica, muito poderosa em certos casos e nula em outros. É assim que os
médiuns curadores podem ter especialidades: este curará as dores ou endireitará
um membro, mas não dará a vista a um cego, e reciprocamente. Só a experiência
pode dar a conhecer a especialidade e a extensão da aptidão. Mas, em princípio,
pode dizer-se que não há médiuns curadores universais, por isso que não há
homens perfeitos na Terra, e cujo poder seja ilimitado.
A ação é completamente diferente na obsessão e a faculdade de curar não
implica a de libertar os obsedados. O fluido curador age, de certo modo,
materialmente sobre os órgãos afetados, ao passo que na obsessão deve agir
moralmente sobre o Espírito obsessor; é preciso ter autoridade sobre ele, para o
fazer largar a presa. São, pois duas aptidões distintas, que nem sempre se
encontram na mesma pessoa. O concurso do fluido curador torna-se necessário
quando, o que é bastante freqüente, a obsessão se complica com afecções
orgânicas. Pode, pois, haver médium curadores impotentes para a obsessão, e
reciprocamente.
A mediunidade curadora não vem suplantar a medicina e os médicos. Vem
simplesmente provar a estes últimos que há coisas que eles não sabem e os
convidar a estudá-las. Que a natureza tem leis e recursos que eles ignoram; que
o elemento espiritual, que eles desconhecem, não é uma quimera, e que, quando o
levarem em conta, abrirão novos horizontes à Ciência e terão mais êxitos do que
agora.
Se esta faculdade fosse privilégio de um indivíduo, passaria inapercebida.
Considerá-la-iam como uma exceção, um efeito do acaso - esta suprema explicação
que nada explica - e a má-vontade facilmente poderia abafar a verdade. Mas
quando se vêem os fatos se multiplicando, é-se forçado a reconhecer que não se
podem produzir senão em virtude de uma lei. Que se homens ignorantes triunfam
onde os cientistas falham, é que estes não sabem tudo. Isto em nada prejudica a
Ciência, que será sempre a alavanca e a resultante do progresso intelectual. O
amor-próprio dos que a circunscrevem nos limites de seu saber e da materialidade
apenas pode sofrer com isto.
De todas as faculdades mediúnicas, a curadora vulgarizada é a que está
chamada a produzir mais sensação, porque há, por toda a parte, doentes em grande
número, e não é a curiosidade que os atrai, mas a necessidade imperiosa de
alívio. Mais que qualquer outra, ela triunfará sobre a incredulidade, tanto
quanto sobre o fanatismo, que vê em toda a parte a intervenção do diabo. A
multiplicidade dos fatos forçosamente conduzirá ao estudo da causa natural! e,
daí, á destruição das idéias supersticiosas de feitiçaria, do poder oculto, dos
amuletos, etc. Se considerar o efeito produzido nos arredores do campo de
Châlons por um só indivíduo, a multidão de pessoas sofredoras vindas de dez
léguas de em torno, pode julgar-se o que isto seria se dez, vinte, cem
indivíduos aparecessem nas mesmas condições, quer na França, quer em países
estrangeiros. Se disserdes a esses doentes que são joguetes de uma ilusão, eles
vos responderão mostrando a perna restaurada; que são vítimas de charlatães?
Dirão que nada negaram e que não lhes renderam nenhuma droga. Que abusaram de
sua confiança? Dirão que nada lhes prometeram.
É também a faculdade que mais escapa à acusação de charlatanice e de fraude.
Desafia a troça, pois nada há de visível num doente curado que a Ciência havia
abandonado. O charlatanismo pode simular mais ou menos grosseiramente a maioria
dos efeitos mediúnicos, e a incredulidade nele procura sempre os seus cordões.
Mas onde encontrará os fios da mediunidade curadora? Podem ser dados golpes de
habilidade para os efeitos mediúnicos e os efeitos mais reais, aos olhos de
certa gente, podem passar por golpes hábeis, mas que daria quem tomasse
indumento da qualidade de médium curador? De duas, uma: cura ou não cura. Não há
simulacro que possa fornecer uma cura.
Além disso, a mediunidade escapa completamente à lei sobre o exercício legal
da medicina desde que não prescreve qualquer tratamento. Com que penalidade
poderiam ferir aquele que cura só por sua influência, secundada pela prece que,
ademais, nada pede como preço de seus serviços? Ora, a prece não é urna
substância farmacêutica. É, em vossa opinião, uma tolice. Seja. Mas se a cura
está no fim desta tolice, que direis vós? Uma tolice que cura vale bem os
remédios que não curam. Puderam proibir o Sr. Jacob de receber os doentes no
campo e de ir- à casa deles e se ele se submeteu, dizendo que não retomaria o
exercício de sua faculdade senão quando a interdição fosse levantada
oficialmente, é porque, sendo militar, quis mostrar-se escrupuloso observador da
disciplina, por mais dura que fosse. Nisto agiu sabiamente porque provou que o
Espiritismo não conduz à insubordinação. Mas há aqui um caso excepcional. Desde
que esta faculdade não é privilégio de um indivíduo, por que meio poderiam
impedi-la de se propagar? Se propaga, bom grado, mau grado, terão que aceitá-la
com todas as suas conseqüências.
Dependendo a mediunidade curadora de uma disposição orgânica, muitas pessoas
a possuem, ao menos em germe, que fica em estado latente, por falta de exercício
e de desenvolvimento. É uma faculdade que, com razão, muitos ambicionam e se
todos os que desejam possui-la a pedissem com fervor e perseverança pela prece,
e com um objetivo exclusivamente humanitário, é provável que desse concurso
sairia mais de um verdadeiro médium curador.
Não é de admirar ver pessoas que, a princípio dela não parecem dignas e são
favorecidas com esse dom precioso. É que a assistência dos bons Espíritos é
conquistada a todo o mundo, para a todos abrir a via do bem. Mas cessa se não
souber tornar-se digno dela, melhorando-se. Dá-se aqui como com os dons da
fortuna, que nem sempre vêm ao mais merecedor. É, então, uma prova pelo uso que
faz. Felizes os que dela saem vitoriosos.
Pela natureza de seus efeitos, a mediunidade curadora exige imperiosamente o
concurso de Espíritos depurados, que não poderiam ser substituídos por Espíritos
inferiores, ao passo que há efeitos mediúnicos para cuja produção a elevação dos
Espíritos não é uma condição necessária e que, por esta razão, são obtidos mais
ou menos em qualquer circunstância. Certos Espíritos até, menos escrupulosos que
outros quanto a estas condições, preferem os médiuns em quem encontram simpatia.
Mas pela obra se conhece o operário.
Há, pois, para o médium curador a necessidade absoluta de se conciliar o
concurso dos Espíritos superiores, se quiser conservar e desenvolver sua
faculdade, senão, em vez de crescer ela declina e desaparece pelo afastamento
dos bons Espíritos. A primeira condição para isto é trabalhar em sua própria
depuração, a fim de não alterar os fluidos salutares que está encarregado de
transmitir. Esta condição não poderia ser executada sem o mais completo
desinteresse material e moral. O primeiro é o mais fácil; o segundo é o mais
raro, porque o orgulho e o egoísmo são os sentimentos mais difíceis de extirpar
e porque várias causas contribuem para os superexcitar nos médiuns. Desde que um
deles se revela com faculdades transcendentes - falamos aqui dos médiuns em
geral, escreventes, videntes e outros - é procurado, adulado e mais de um
sucumbe a essa tentação da vaidade. Em breve, esquecendo que sem os Espíritos
nada seria, considera-se como indispensável e único interprete da verdade;
deprime os outros médiuns e se julga acima de conselhos. O médium que assim se
acha está perdido, porque os Espíritos se encarregam de lhe provar que podem ser
dispensados, fazendo surgir outros médiuns melhor assistidos. Comparando a série
das comunicações de um mesmo médium, facilmente pode julgar-se se ele cresce ou
se degenera. Ah! Quantos temos visto, de todos os gêneros, cair triste e
deploravelmente no terreno escorregadio do orgulho e da vaidade! Pode, pois,
esperar-se ver surgir uma multidão de médiuns curadores. No número, vários
ficarão frutos secos e eclipsar-se-ão depois de ter lançado um brilho
passageiro, ao passo que outros continuarão a elevar-se.
Eis um exemplo disto, há uns seis meses assinalado por um de nossos
correspondentes. Num departamento do sul, um médium, que se havia revelado como
curador, tinha operado várias curas notáveis e sobre ele repousavam grandes
esperanças. Sua faculdade apresentava particularidades que deram, num grupo, a
idéia de fazer um estudo a respeito. Eis a resposta que obtiveram dos Espíritos,
e que nos foi transmitida na ocasião. Ela pode servir de instrução a todos.
"X... realmente possui a faculdade de médium curador notavelmente
desenvolvida. Infelizmente, como muitos outros, ele exagera muito o seu alcance.
É um excelente rapaz, cheio de boas intenções, mas que um orgulho desmesurado e
uma visão extremamente curta dos homens e das coisas farão periclitar
prontamente. Seu poder fluídico, que é considerável, bem utilizado e ajudado
pela influência moral, poderá produzir excelentes resultados. Sabeis por que
muitos de seus doentes só experimentam um bem-estar momentâneo, que desaparece
quando ele lá não mais está? É que ele age por sua presença somente, mas nada
deixa ao espírito para triunfar dos sofrimentos do corpo.
"Quando parte, nada resta dele, nem mesmo o pensamento que segue o doente, no
qual não pensa mais, ao passo que a ação mental poderia, em sua ausência,
continuar a ação direta. Ele acredita em seu poder fluídico, que é real, mas
cuja ação não é persistente, porque não é corroborada pela influência moral.
Quando consegue êxito, fica mais satisfeito por ser notado do que por ter
curado. E, contudo, é sinceramente desinteressado, pois coraria se recebesse a
menor remuneração. Posto não seja rico, jamais pensou em fazer disto um recurso.
O que deseja é fazer falar de si. Falta-lhe também, a afabilidade de coração,
que atrai. Os que vêm a ele são chocados por suas maneiras, que não fazem nascer
simpatia, do que resulta uma falta de harmonia que prejudica a assimilação dos
fluidos. Longe de acalmar e apaziguar as más paixões, ele as excita, julgando
fazer o que é necessário para as destruir, e isto pela falta de raciocínio. É um
instrumento desafinado; por vezes dá sons harmoniosos e bons, mas o conjunto só
pode ser mau, ou pelo menos improdutivo. Não é tão útil à causa quanto o poderia
ser. As mais das vezes a prejudica porque, por seu caráter, faz apreciar muito
mal os resultados. É desses que pregam com violência uma doutrina de doçura e de
paz.
P. - Então pensais que perderá seu poder curador?
R. - Estou persuadido disto, a menos que ele fizesse uma volta séria sobre si
mesmo, o que, infelizmente, não o creio capaz. Os conselhos seriam supérfluos,
porque ele se persuade saber mais que todo o mundo. Talvez tivesse o ar de os
escutar, mas não os seguiria. Assim, perde duplamente o benefício de uma
excelente faculdade."
O acontecimento justificou a previsão. Soubemos depois que esse médium,
depois de uma série de choques que seu amor-próprio teve que sofrer, tinha
renunciado a novas tentativas de curas.
O poder de curar independe da vontade do médium: é um fato adquirido pela
experiência. O que depende dele são as qualidades que podem tornar esse poder
frutuoso e durável. Essas qualidades são sobretudo o devotamento, a abnegação e
a humildade; o egoísmo, o orgulho e a cupidez são pontos de parada, contra os
quais se quebra a mais bela faculdade.
O verdadeiro médium curador, o que compreende a santidade de sua missão, é
movido pelo único desejo do bem. Não vê no dom que possui senão um meio de
tornar-se útil aos seus semelhantes, e não um degrau para elevar-se acima dos
outros e pôr-se em evidência. É humilde de coração, isto é, nele a humildade e a
modéstia são sinceras, reais, sem segunda intenção, e não em palavras que
desmentem, muitas vezes, os próprios atos. A humildade por vezes é um manto, sob
o qual se abriga o orgulho, mas que não iludiria a ninguém. Nem procura o
brilho, nem o renome, nem o ruído de seu nome, nem a satisfação de sua vaidade.
Não há, em suas maneiras, nem jactância, nem bazófia; não exibe as curas que
realiza, ao passo que o orgulhoso as enumera com complacência, muitas vezes as
amplia, e acaba por se persuadir que fez tudo o que diz.
Feliz pelo bem que faz, não o é menos pelo que outros podem fazer; não se
julgando o primeiro nem o único capaz, não inveja nem deprime nenhum médium. Os
que possuem a mesma faculdade são para ele irmãos que concorrem para o mesmo
objetivo: ele diz que quanto mais os houver, maior será o bem.
Sua confiança em suas próprias forças não vai até a presunção de se julgar
infalível e, ainda menos, universal. Sabe que outros podem tanto ou mais que
ele. Sua fé é mais em Deus do que em si mesmo, pois sabe que tudo pode por Ele,
e nada sem Ele. Eis porque nada promete senão sob a reserva da permissão de
Deus.
A influência material junto à influência moral, auxiliar poderoso, que dobra
a sua força. Por sua palavra benevolente, encoraja, levanta o moral, faz nascer
a esperança e a confiança em Deus. Já é uma parte da cura, porque é uma
consolação que dispõe a receber o eflúvio benéfico ou, melhor dito, o pensamento
benevolente já é um eflúvio salutar. Sem a influência moral, o médium tem por si
apenas a ação fluídica, materia1 e, de certo modo, brutal, insuficiente em
muitos casos.
Enfim, para aquele que possui as qualidades de coração, o doente é atraído
por uma simpatia que predispõe à assimilação dos fluidos, ao passo que o
orgulho, a falta de benevolência chocam e fazem experimentar um sentimento de
repulsa, que paralisa essa assimilação.
Tal é o médium curador amado pelos bons Espíritos. Tal é, também, a medida
que pode servir para julgar o valor intrínseco dos que se revelarem e a extensão
dos serviços que poderão prestar à causa do Espiritismo. Desnecessário que só é
entrado nestas condições e que aquele que não reunisse todas as qualidades não
possa momentaneamente prestar serviços parciais que seria erro repelir. O mal é
para ele, porque quanto mais se afasta do tipo, menos pode esperar ver sua
faculdade desenvolver-se e mais se aproxima do declínio. Os bons Espíritos só se
ligam aos que se mostram dignos de sua proteção, e a queda do orgulhoso, mais
cedo ou mais tarde, é a sua punição. O desinteresse é incompleto sem o
desinteresse moral.
Revista Espírita, novembro de 1866.
Nenhum comentário:
Postar um comentário