Até agora só se tinham idéias muito
incompletas sobre o mundo espiritual ou invisível. Imaginavam-se os Espíritos
como seres fora da humanidade. Os anjos também eram criaturas à parte, de uma
natureza mais perfeita. Quanto ao estado das almas após a morte, os
conhecimentos não eram mais positivos. A opinião mais geral deles fazia seres
abstratos, dispersos na imensidade e não tendo mais relações com os vivos, a não
ser que, segundo a doutrina da Igreja, estivessem na beatitude do céu ou nas
trevas do inferno. Além disso, as observações da Ciência, não parando na matéria
tangível, resulta entre o mundo corporal e o mundo espiritual, um abismo que
parecia excluir toda reaproximação. É este abismo que novas observações e o
estudo de fenômenos ainda pouco conhecidos vem encher, ao menos em parte.
Para começar o Espiritismo nos ensina que os Espíritos são as
almas dos homens que viveram na Terra, que progridem sem cessar, e que os anjos
são essas mesmas almas ou Espíritos chegados a um estado de perfeição que os
aproxima da Divindade.
Em segundo lugar, ensina-nos que as almas passam
alternativamente do estado de encarnação ao de erraticidade, que neste último
estado elas constituem a população invisível do globo, ao qual ficam ligadas,
até que aí tenham adquirido o desenvolvimento intelectual e moral que comporta a
natureza deste globo, depois do que o deixam, passando a um mundo mais
adiantado.
Pela morte do corpo, a humanidade corporal fornece almas ou
Espíritos ao mundo espiritual. Pelos nascimentos, o mundo espiritual alimenta o
mundo corporal. Há, pois, transmutação ou deversão incessante de um no outro.
Esta relação constante os torna solidários, pois são os mesmos seres que entram
no nosso mundo e dele saem alternativamente. Eis um primeiro traço de união, um
ponto de contato, que já diminui a distância que parecia separar o mundo visível
do mundo invisível.
A natureza íntima da alma, isto é, do princípio inteligente,
fonte do pensamento, escapa completamente às nossas investigações. Mas sabe-se
agora que a alma é revestida de um envoltório ou corpo fluídico, que dela faz,
após a morte do corpo material, como antes, um ser distinto, circunscrito e
individual. A alma é o princípio inteligente considerado isoladamente. É a força
atuante e pensante, que não podemos conceber isolada da matéria senão como uma
abstração. Revestida de seu envoltório fluídico, ou perispírito, a alma
constitui o ser chamado Espírito, como quando está revestida do envoltório
corporal, constitui o homem. Ora, posto que no estado de Espírito goze de
propriedades e de faculdades especiais, não cessou de pertencer à humanidade. Os
Espíritos são, pois, seres semelhantes a nós, pois cada um de nós torna-se
Espírito após a morte do corpo, e cada Espírito torna-se homem pelo nascimento.
Esse envoltório não é a alma, pois não pensa: é apenas uma
vestimenta. Sem a alma, o perispírito, assim como o corpo, é uma matéria inerte
privada de vida e de sensações. Dizemos matéria, porque, com efeito, o
perispírito, posto que de uma natureza etérea e sutil, não é menos matéria com
os fluidos imponderáveis e, demais, matéria da mesma natureza e da mesma origem
que a mais grosseira matéria tangível, como logo veremos.
A alma não reveste o perispírito apenas no estado de Espírito;
é inseparável desse envoltório, que a segue na encarnação, como na erraticidade.
Na encarnação, é o laço que a une ao envoltório corporal, o intermediário com
cujo auxílio age sobre os órgãos e percebe as sensações das coisas exteriores.
Durante a vida, o fluido perispiritual identifica-se com o corpo, cujas partes
todas penetra; com a morte, dele se desprende; privado da vida, o corpo se
dissolve, mas o perispírito, sempre unido à alma, isto é, ao princípio
vivificante, não perece. Apenas a alma, em vez de dois envoltórios, conserva
apenas um: o mais leve, o que está mais em harmonia com o seu estado espiritual.
Posto que esses princípios sejam elementares para os
Espíritas, era útil lembrá-los para a compreensão das explicações subseqüentes e
a ligação das idéias.
Algumas pessoas contestaram a utilidade do invólucro
perispiritual da alma e, em conseqüência, a sua existência. Dizem que a alma não
precisa de intermediário para agir sobre o corpo; e, uma vez separada do corpo,
ele é um acessório supérfluo.
A isto respondemos, para começar, que o perispírito não é uma
criação imaginária, uma hipótese inventada para chegar a uma solução; sua
existência é um fato constatado pela observação. Quanto à sua utilidade, durante
a vida ou após a morte, é preciso admitir que, desde que existe, é que serve
para alguma coisa. Os que contestam a sua utilidade são como um indivíduo que,
não compreendendo as funções de certas engrenagens num mecanismo, concluíssem
que elas só servem para desnecessariamente complicar a máquina. Não vê que se a
menor peça fosse suprimida, tudo seria desorganizado. Quantas coisas, no grande
mecanismo da natureza, parecem inúteis aos olhos do ignorante e, mesmo, de
certos cientistas, que de boa fé julgam que se tivessem sido encarregados da
construção do Universo, o teriam feito melhor!
O perispírito é uma das mais importantes engrenagens da
economia. A Ciência o observou nalguns de seus efeitos e, seguidamente, tem sido
designado como fluido vital, fluido ou influxo nervoso, fluido magnético,
eletricidade animal, etc., sem se dar precisa conta de sua natureza e de suas
propriedades, e, ainda menos, de sua origem. Como envoltório do Espírito após a
morte, foi suspeitado desde a mais alta antigüidade. Todas as teogonias atribuem
aos seres do mundo invisível um corpo fluídico. São Paulo diz em termos precisos
que nós renascemos com um corpo espiritual (I Cor. XV: 35-44 e 50)
Dá-se o mesmo com todas as grandes verdades baseadas nas leis
da natureza, e das quais, em todas as épocas, os homens tiveram a intuição. É
assim que, desde antes de nossa era, notáveis filósofos tinham suspeitado da
redondeza da Terra e seu movimento de rotação, o que nada tira ao mérito de
Copérnico e de Galileu, mesmo supondo que estes últimos tenham aproveitado as
idéias de seus predecessores. Graças a seus trabalhos, o que não passava de
opinião individual, uma teoria incompleta e sem provas, desconhecida das massas,
tornou-se uma verdade científica, prática e popular.
A doutrina do perispírito está no mesmo caso. O Espiritismo
não foi o primeiro a descobri-lo. Mas, assim como Copérnico para o movimento da
Terra, ele o estudou, demonstrou, analisou, definiu e dele tirou fecundos
resultados. Sem os estudos modernos mais completos, esta grande verdade, como
muitas outras ainda estaria no estado de letra morta.
O perispírito é o traço de união que liga o mundo espiritual
ao mundo corporal. O Espiritismo no-los mostra em relação tão íntima e tão
constante, que de um ao outro a transição é quase insensível. Ora, assim como na
natureza o reino vegetal se liga ao reino animal por seres semivegetais ou
semi-animais, o estado corporal se liga ao estado espiritual não só pelo
princípio inteligente, que é o mesmo, mas ainda pelo envoltório fluídico, ao
mesmo tempo semimatéria e semi-espiritual, desse mesmo princípio. Durante a vida
terrena, o ser corporal e o ser espiritual estão confundidos e agem de acordo; a
morte do corpo apenas os separa. A ligação destes dois estados é tal, reagem um
sobre o outro com tanta força, que dia virá em que será reconhecido que o estudo
da história natural do homem não seria completo sem o do envoltório
perispiritual, isto é, sem por um pé no domínio do mundo invisível.
Tal aproximação é ainda maior quando se observa a origem, a
natureza, a formação e as propriedades do perispírito, operação que decorre
naturalmente do estudo dos fluidos.
É sabido que todos os animais tem como princípios
constituintes o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono, combinados em
diferentes proporções. Ora, como dissemos, esses mesmos corpos simples tem um
princípio único, que é o fluido cósmico universal. Por suas diversas combinações
eles formam todas as variedades de substâncias que compõem o corpo humano, o
único de que aqui falamos, posto seja o mesmo em relação aos animais e às
plantas. Disto resulta que o corpo humano, na realidade, não passa de uma
espécie de concentração, de condensação ou , se quiser, da solidificação do gás
carbônico. Com efeito, suponhamos a desagregação completa de todas as moléculas
do corpo, reencontraremos o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono; em
outros termos, o corpo será volatilizado. Os quatro elementos, voltando ao seu
estado primitivo por uma nova e mais completa decomposição, se os nossos meios
de análise o permitissem, dariam o fluido cósmico. Esse fluido, sendo o
princípio de toda a matéria, é ele mesmo matéria, posto que num completo estado
de eterização.
Um fenômeno análogo se passa na formação do corpo fluídico, ou
perispírito: é, igualmente, uma condensação do fluído cósmico em redor do foco
de inteligência, ou alma. Mas aqui a transformação molecular opera-se
diferentemente, porque o fluido conserva sua imponderabilidade e suas qualidades
etéreas. O corpo perispiritual e o corpo humano tem, pois, sua fonte no mesmo
fluido; um e outro são matéria, posto sob dois estados diferentes. Assim,
tivemos razão de dizer que o perispírito é da mesma natureza e da mesma origem
que a mais grosseira matéria. Como se vê, nada há de sobrenatural, desde que se
liga, por seu princípio, às coisas da natureza, das quais ele mesmo não passa de
uma variedade.
Sendo o fluido universal o princípio de todos os corpos da
natureza, animados e inanimados e, por conseqüência, da terra, das pedras.
Moisés estava certo quando disse: "Deus formou o corpo do homem do limo da
terra." Isto não quer dizer que Deus tomou terra, a petrificou e com ela modelou
o corpo do homem, como se modela uma estátua com barro, como acreditaram os que
tomam ao pé da letra as palavras bíblicas, mas que o corpo era formado dos
mesmos princípios ou elementos que o limo da terra, ou que tinham servido para
formam o limo da terra.
Moisés acrescenta: "E lhe deu uma alma vivente, feita à sua
semelhança" faz , assim, uma distinção entre alma e corpo; indica que ela é de
natureza diferente, que não é matéria, mas espiritual e imaterial como Deus.
Diz: uma alma vivente, para especificar que nela só está o princípio de vida, ao
passo que o corpo, formado de matéria, por si mesmo não vive. As palavras: à sua
semelhança implicam uma similitude e não uma identidade. Se Moisés tivesse
olhado a alma como uma porção da Divindade, teria dito: Deus o anima dando-lhe
uma alma tirada da sua própria substância, como disse que o corpo tinha sido
tirado da terra.
Estas reflexões são uma resposta às pessoas que acusam o
Espiritismo de materializar a alma, porque lhe dá um envoltório semimaterial.
No estado normal, o perispírito é invisível aos nossos olhos e
impalpável ao nosso tato, como o são uma infinidade de fluidos e de gases.
Contudo, a invisibilidade, a impalpabilidade, e mesmo a imponderabilidade do
fluido perispiritual não são absolutas. Eis por que dizemos no estado normal. Em
certos casos, ele sofre, talvez, uma condensação maior, ou uma modificação
molecular de natureza especial, que o torna momentaneamente visível ou tangível.
É assim que se produzem as aparições. Sem que haja aparição, muitas pessoas
sentem a impressão fluídica dos Espíritos pela sensação do tato, o que é o
indício de um natureza material.
De qualquer maneira por que se opere a modificação atômica do
fluido, não há coesão como nos corpos materiais: a aparência se forma e se
dissipa instantaneamente, o que explica as aparições e as desaparições súbitas.
Sendo as aparições o produto de um fluido material invisível, tornado visível
por força de uma mudança momentânea na sua constituição molecular, não são mais
sobrenaturais que os vapores que alternadamente se tornam visíveis ou invisíveis
pela condensação ou pela rarefação. Citamos o vapor como ponto de comparação,
sem pretender que haja similitude de causa e efeito.
Algumas pessoas criticaram a qualificação de semimaterial dada
ao perispírito, dizendo que uma coisa é matéria ou não o é. Admitindo que a
expressão seja imprópria, seria preciso adotá-la, em falta de um termo especial
para exprimir esse estado particular da matéria. Se existisse um mais apropriado
à coisa, os críticos deveriam tê-lo indicado. O perispírito é matéria, como
acabamos de ver, falando filosoficamente, e por sua essência íntima. Ninguém
poderia contestá-lo; mas não tem as propriedades da matéria tangível, tal como
se a concebe vulgarmente; não pode ser submetido à análise química; porque,
embora tenha o mesmo princípio que a carne e o mármore e possa tornar as suas
aparências, na realidade nem é carne nem mármore. Por sua natureza etérea, tem,
ao mesmo tempo, da materialidade por sua substância, e da espiritualidade por
sua impalpabilidade; e a palavra semimaterial não é mais ridícula do que
semiduplo e tantas outras, porque também pode se dizer que uma coisa é dupla ou
não o é.
Como princípio elementar universal, o fluido cósmico oferece
dois estados distintos: o de eterização ou de imponderabilidade, que pode se
considerar como o estado normal primitivo, e o de materialização ou de
ponderabilidade, que, de certo modo, não é senão consecutivo. O ponto
intermediário é o da transformação do fluido em matéria tangível. Mas aí, ainda,
não há transição brusca, porque se pode considerar os nossos fluidos
imponderáveis como um termo médio entre os dois estados.
Cada um desses dois estados necessariamente dá lugar a
fenômenos especiais. Ao segundo pertencem os do mundo visível, e ao primeiro os
do mundo invisível. Uns, chamados fenômenos materiais, são do campo da Ciência
propriamente dita; os outros, qualificados de fenômenos espirituais, porque se
ligam à existência dos Espíritos, são da atribuição do Espiritismo. Mas há entre
eles tão numerosos pontos de contato, que servem para mútuo esclarecimento e,
como dissemos, o estudo de uns não poderia ser completo sem o estudo dos outros.
É à explicação desses últimos que conduz o estudo dos fluidos de que,
posteriormente, faremos assunto para um trabalho especial.
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