quarta-feira, 22 de julho de 2015

'Religião é como um vírus de computador', afirma Dawkins no Fronteiras do Pensamento

 

Richard Dawkins abriu a temporada do Fronteiras 2015 traçando paralelos entre evolução e economia: o biólogo descreveu a chamada corrida armamentista evolutiva

por André Jorge de Oliveira

Um dia depois de conceder uma entrevista exclusiva a GALILEU no hotel em que estava hospedado em São Paulo, o biólogo britânico Richard Dawkins palestrou para um auditório lotado no Complexo Ohtake Cultural e abriu a temporada de 2015 do Fronteiras do Pensamento na cidade. Na noite desta quarta (27), Dawkins usou vários exemplos retirados da natureza para ilustrar um conceito que nos é familiar das aulas de história, só que, neste caso, aplicado à biologia evolutiva. “Predadores e presas estão amarrados a uma corrida armamentista, em que se empurram mutuamente na mesma direção”, disse. Assim como a obtenção de soberania militar aumentaria as chances de uma nação sobreviver a uma guerra, essa corrida evolutiva teria um único e inabalável objetivo - a sobrevivência do indivíduo mais apto e a consequente transmissão de seus genes, bem-sucedidos do ponto de vista da seleção natural, para as gerações seguintes.
Um dos casos utilizados pelo biólogo na conferência é razoavelmente semelhante com a maneira como descreveu a visão aérea de São Paulo, que chamou sua atenção momentos antes de seu avião pousar. Em uma carta publicada ontem no site de sua fundação, Dawkins comparou a cidade a outras megalópoles parecidas dos Estados Unidos, onde existem alguns aglomerados de edifícios altos cercados por áreas suburbanas menos verticalizadas. “São Paulo é o oposto. Uma floresta de prédios altos parece se estender de horizonte a horizonte, com poucas clareiras pontilhadas. E a cena toda é enevoada com o que me foi dito ser poluição”, escreveu. Um pouco como a especulação imobiliária paulistana, que estimula a construção de prédios cada vez mais altos, a natureza opera um processo semelhante nas florestas - se uma árvore cresce acima da média, estimula o crescimento das demais. O motivo da competição, como não poderia deixar de ser, é a sobrevivência.
Economia da sobrevivência
No contexto de uma floresta, quanto mais alta for uma árvore, maior será a quantidade de luz que vai receber e, portanto, produzirá mais alimento. Se as outras não crescerem também, vão ficar em regiões sombreadas e correm o risco de não sobreviver. “As árvores só são altas para serem mais altas do que as outras”, afirmou o cientista, entre comparações em que dizia que a economia natural é movida a energia solar e que, sob o ponto de vista econômico, a altura das árvores é um desperdício. “Elas crescem muito mais alto do que um planejador econômico recomendaria”, disse. Ainda traçando paralelos, como bom divulgador de ciência que é, Dawkins relacionou a situação com a de um estádio - quando uma única pessoa se levanta, obriga todas as demais a se levantarem também para conseguir enxergar. “Se ao menos todos concordassem em se sentar, teriam a mesma vista e mais conforto”, apontou, em uma provável referência ao tema geral do Fronteiras deste ano: como viver juntos?
Talvez para a decepção de muitos que o assistiam, o polêmico biólogo só alfinetou os religiosos uma única vez durante sua palestra. Ele citou um aspecto da corrida armamentista evolutiva que “pode aborrecer os que gostam da teoria do designer inteligente” - no caso do guepardo e da gazela, o primeiro parece ter sido desenhado para caçar a segunda. “De que lado está o designer?”, provocou, arrancando risadas da plateia. Falando em guepardos, outro aspecto explorado nas pontes entre economia e evolução foi a questão do risco e da priorização de recursos na velocidade dos animais. “Pernas compridas e finas são boas para correr, mas também para quebrar”, observou Dawkins. Para a presa, uma perna quebrada pode significar o assassinato, e para o predador, a morte pela fome. Uma boa referência para entender o que explicava, segundo o cientista, seriam as ideias do maior teórico do liberalismo. “Se for pra fazer analogias econômicas, temos que pensar na mão invisível de Adam Smith”.
E as polêmicas?
Apesar de ter proferido uma conferência interessante, foi na hora das perguntas do público que Richard Dawkins trouxe à tona sua verve polêmica e apresentou algumas das reflexões mais instigantes da noite. Quando questionado sobre sua posição a respeito do aborto de fetos com Síndrome de Down, o biólogo reforçou que não condenava a prática do ponto de vista ético, e um dos argumentos que usou para se justificar foi que um grande número de mulheres recorriam ao procedimento nesses casos. A polêmica surgiu no ano passado depois da seguinte resposta de Dawkins no Twitter: “Aborte [o feto com Down] e tente de novo. Seria imoral trazê-lo ao mundo se você pudesse escolher”.
É claro que a declaração provocou uma enxurrada de críticas e pegou bem mal, tanto que o cientista publicou um texto logo no dia seguinte explicando melhor sua posição. Basicamente, para ele, seria imoral do ponto de vista do sofrimento da criança. Outra resposta polêmica a um questionamento da plateia foi, é claro, sobre religião. Dawkins afirmou que “a religião é como um vírus de computador”, pois se aproveita de traços psicológicos criados pela evolução que favoreciam a sobrevivência dos nossos ancestrais, como a crença na sabedoria tribal e o respeito pela autoridade. “Elas exploram os bons aspectos da maquinaria cerebral humana, que são acreditar e obedecer”, disse.
Quanto ao seu “grau de descrença”, em uma escala de um a sete, ele afirmou que está em seis. “Nenhum cientista pode afirmar com cem por cento de certeza que algo não exista, porque alguém pode achar evidências”, explicou. Mas não se engane: como acrescentou em seguida, para o biólogo, Deus está no mesmo plano que os unicórnios e as fadas. Quando indagado sobre se o ateísmo não é, em si, uma forma de fundamentalismo, a resposta foi afiada. “Se alguém me mostrar evidências boas sobre a existência de Deus, estou pronto para mudar de ideia - e isso não é fundamentalismo”. Ao comentar o dado de que 40% da população dos EUA acredita que a Terra tenha sido criada há apenas 10 mil anos, Dawkins foi categórico, no melhor estilo Dawkins: “é como se uma nação que está entre as maiores potências científicas mundiais fosse dividida em duas espécies, sendo que uma delas é de ignorantes idiotas”.

Matéria publicada na Revista Galileu, em 28 de maio de 2015.

Claudio Conti* comenta
“A religião é como um vírus de computador” por se aproveitar do meio em que se encontra para se propagar. Esta foi a ideia apresentada pelo cientista Richard Dawkins a uma grande plateia. Diante destas palavras, dizer se está correto ou errado é uma questão puramente de ponto de vista.
Pode parecer estranho, mas por “ponto de vista” deve-se interpretar como sendo dependente da relação pessoal que se tenha com a religião da qual se é adepto. Estes pontos de vista foram apresentados por Kardec no livro O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XV, no item 8 - Fora da Igreja Não Há Salvação.
Neste item, Kardec deixa claro que a crença de que fora da igreja não há salvação tem o alicerce "numa fé especial, em dogmas particulares”. Basicamente, no mundo ocidental do século XIX, a única religião que apresentava grande número de fiéis era a Igreja Católica. Se atualizarmos este dizer para os dias atuais, com tantas ramificações do Cristianismo, poderíamos dizer: “fora da religião não há salvação”.
Para o espírita seguro da vertente de pensamento que professa, Kardec deixa o seguinte alerta: “O Espiritismo, de acordo com o Evangelho, admitindo a salvação para todos, independente de qualquer crença, contanto que a lei de Deus seja observada, não diz: Fora do Espiritismo não há salvação; e, como não pretende ensinar ainda toda a verdade, também não diz: Fora da verdade não há salvação, pois que esta máxima separaria em lugar de unir e perpetuaria os antagonismos."
Infelizmente, a postura daquele que professa uma crença qualquer, em geral, não é aquela apresentada por Kardec, inclusive no próprio meio espírita.
Como criticar alguém, no caso Dawkins, pelas palavras que proferiu e que foram repetidas no início das nossas colocações? Como saber quais foram suas experiências com crentes cuja fé é baseada em dogmas particulares?
Diante de posturas como esta e, inclusive diante de palavras mais duras ainda e que possam ferir profundamente a crença pessoal, como seguidores dos ensinamentos de Jesus e espíritas na real concepção da palavra, devemos ter uma reação caridosa, de entendimento e, se for necessário, de silêncio, pois, no final, é “fora da caridade que não há salvação”, “independente de qualquer crença”, inclusive o ateísmo.

* Claudio Conti é graduado em Química, mestre e doutor em Engenharia Nuclear e integra o quadro de profissionais do Instituto de Radioproteção e Dosimetria - CNEN. Na área espírita, participa como instrutor em cursos sobre as obras básicas, mediunidade e correlação entre ciência e Espiritismo, é conferencista em palestras e seminários, além de ser médium pscógrafo e psicifônico (principalmente). Detalhes no site www.ccconti.com.

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