domingo, 23 de agosto de 2015

Estudo da FFLCH analisa pluralidade do espiritismo kardecista

Foto: Valéria Dias

Estudo da FFLCH analisa pluralidade do espiritismo kardecista

Publicado em Sociedade, USP Online Destaque por Agência USP de Notícias em 21 de julho de 2015

 

Ao contrário do catolicismo e do protestantismo, o espiritismo kardecista é uma religião sem corpo eclesiástico definido. Para entender as formas de autoridade existentes na doutrina, a socióloga Célia da Graça Arribas reconstruiu a história dessa religião ao longo do século 20 a fim de compor o cenário e o elenco espíritas, e como esses personagens atuaram no período. Os dados estão em sua pesquisa de doutorado defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Quase 4 milhões de brasileiros se declararam espíritas no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Apesar de não ter um corpo eclesiástico definido, algumas pessoas dentro da doutrina têm o poder de ditar regras, normas e práticas que estão, muitas vezes, em contraste com as ideias originais de Allan Kardec, o decodificador da doutrina espírita”, explica a socióloga.

Célia pesquisou jornais, livros e periódicos espíritas do século 20, principalmente entre 1920 e 1960, a fim de reconstituir historicamente o cenário, e identificar os principais atores que influenciaram a religião, assim como o surgimento das federações, uniões e ligas. A partir daí, a socióloga identificou três tipos de “autoridades” do espiritismo kardecista: a institucional (burocrático-legal), a carismática (mediúnica) e a intelectual. “Meu foco recaiu sobretudo em cima da autoridade intelectual: como ela funciona e de como e onde angaria legitimidade. Para melhor explicar e compreendê-la, elegi os nomes de José Herculano Pires e Edgard Armond como exemplos a serem estudados, de modo que eu pudesse elucidar de forma mais clara a minha caracterização de autoridade intelectual”, esclarece.

Autoridade intelectual

Foto: Wikimedia Commons / Allan Kardec

Allan Kardec
Foto: Wikimedia Commons

José Herculano Pires (1914-1979) foi professor, filósofo e pedagogo, e autor de mais de 80 livros sobre espiritismo. Suas ideias são mais racionalistas, voltadas para o estudo e análise sistemática das obras de Allan Kardec.

Apesar de não ter um corpo eclesiástico definido, algumas pessoas dentro da doutrina têm o poder de ditar regras, normas e práticas que estão, muitas vezes, em contraste com as ideias originais de Allan Kardec.

Já o militar Edgar Armond (1894-1982) escreveu mais de 30 livros espíritas e acabou por incorporar, no espiritismo kardecista, elementos encontrados em religiões orientais, como o hinduísmo. Com base em suas ideias, muitas casas espíritas adicionaram em suas práticas elementos não citados textualmente nas obras de Kardec, como os chacras (centros energéticos do corpo humano), a cromoterapia (tratamento de doenças com o uso de cores), e o uso da palavra carma (consequência vivenciada nos dias atuais de atos praticados em outras encarnações).

Diversificação

A pesquisadora estudou a trajetória de vida de Herculano Pires e Armond antes e depois da conversão ao espiritismo, e os livros dos dois autores. “Pouco a pouco pude conhecer as inovações práticas, ritualísticas e doutrinárias que cada qual empreendeu na doutrina, o que fez com que ambos ajudassem a compor um quadro cada vez mais diversificado e plural de práticas e concepções, todas elas adjetivadas de espíritas.”

Na rotina das casas espíritas, essa diversificação pode ser observada, por exemplo, na aplicação de passes. Em centros mais ligados às ideias de Herculano Pires, o passe é aplicado apenas com a imposição das mãos sobre a cabeça da pessoa. Já nos centros mais influenciados pelas ideias de Armond, a aplicação é sobre os chacras. “Armond, inclusive, escreveu livros com a sistematização dos tipos de passes e os movimentos que o passista deve fazer durante a prática”, informa.

Apesar da diversidade de práticas e concepções, a socióloga aponta que, em comum, essas correntes compartilham a crença em um Deus único; a reencarnação; a existência dos espíritos e a comunicação com eles; a importância dos livros de Kardec; além da realização direta ou indireta de obras assistenciais; assim como a recomendação de se fazer o Evangelho no Lar (reunião familiar semanal para leitura de textos evangélicos). “Não encontrei nenhum centro espírita que não ofereça algum tipo de passe”, diz.

Foto: Pedro Bolle / USP Imagens

Foto: Pedro Bolle / USP Imagens

Autoridades institucional e carismática

Como autoridade institucional, Célia aponta dois nomes: o do engenheiro e jornalista Guilhon Ribeiro e do farmacêutico Antonio Wantuil de Freitas. Ambos foram presidentes da Federação Espírita Brasileira (FEB), fundada em 1884 e, segundo a pesquisadora, são os grandes responsáveis pela consolidação do espiritismo do ponto de vista institucional.

Como autoridade carismática, a socióloga cita o médium Chico Xavier (1910-2002), que ajudou a expandir o espiritismo para além dos praticantes da religião. “Ele psicografou mais de 450 livros, ajudou a popularizar a doutrina e teve importância fundamental ao ‘traduzir’ as obras de Kardec em forma de romances. E foi por uma orientação do próprio Chico que o Evangelho no Lar passou a ser recomendado”, destaca. Outra autoridade carismática é o médium Divaldo Pereira Franco (1927), que está em plena atividade de divulgação da doutrina, tanto no Brasil como no exterior, e já psicografou mais de 250 livros.

A pesquisa No princípio era o verbo: espíritas e espiritismos na modernidade religiosa brasileira teve orientação do professor José Reginaldo Prandi e foi defendida em 15 de agosto de 2014.

Valéria Dias/ Agência USP de Notícias

Mais informações: email celiaarribas@usp.br ou celiarribas@yahoo.com.br, com Celia Arribas

Estudo da FFLCH analisa pluralidade do espiritismo kardecista

Editoria: Sociedade, USP Online Destaque - Autor: Agência USP de Notícias - Data: 21 de julho de 2015

Palavras chave: Allan Kardec, Chico Xavier, Edgar Armond, Espiritismo, Espiritismo kardecista, FEB, FFLCH, IBGE, Religião

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