Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
Quinto Ano – 1862
Março
Carrère: constatação de um fato de identidade
Revista Espírita, março de 1862
A identidade dos Espíritos que se manifestam, como se sabe, é uma das dificuldades do Espiritismo, e os meios que se empregam para verificá-la conduzem, frequentemente, a resultados negativos; as melhores provas, a esse respeito, são as que nascem da espontaneidade das comunicações. Embora essas provas não sejam raras, quando estão bem caracterizadas, é bom constatá-las, primeiro para sua própria satisfação e como objeto de estudo, e, além disso, para responder àqueles que lhe negam a possibilidade, possivelmente porque, tomando-as, não tiveram sucesso, ou bem porque há neles um sistema preconcebido. Repetiremos o que dissemos em outra parte, que a identidade dos Espíritos que viveram numa época recuada e que vêm dar ensinamentos, é quase impossível de se estabelecer, e que não é preciso ligar, aos nomes, senão uma importância relativa; o que eles dizem é bom ou mau, racional ou ilógico, digno ou indigno do nome assinado? Aí está toda a questão. Não ocorre o mesmo com os Espíritos contemporâneos, cujo caráter e cujos hábitos nos são conhecidos, e que podem provar sua identidade pelas particularidades do detalhe, particularidades que se obtêm raramente quando são pedidas, e que é preciso saber esperar. Tal é o fato relatado na carta seguinte:
Bordeaux, 25 de janeiro de 1862.
Meu caro senhor Kardec,
"Sabeis que temos o hábito de vos submeter todos os nossos trabalhos, nos reportando inteiramente às vossas luzes e à vossa experiência para apreciá-los; também quando, para nós os fatos são marcantes de identidade, nós nos limitamos a vos fazer conhecê-los em todos os seus detalhes.
"O Sr. Guipon, controlador da contabilidade na Companhia das estradas de ferro do Sul, membro do grupo diretor da Sociedade Espírita de Bordeaux, me escreveu, em data de 14 deste mês, a carta seguinte:
"Meu caro senhor Sabô, permiti-me dirigir-vos o pedido de fazer, em sessão, a evocação do Espírito de Carrère, subchefe da equipe da estação de Bordeaux, morto comandando uma manobra em 18 de dezembro último. Junto a este, em envelope, o detalhe dos fatos que
desejo fazer constatar e que seriam, para nós, um assunto sério de estudo e de instrução.
Me fareis o obséquio igualmente de não abrir esse envelope senão depois da evocação.
L. GUIPON.
No dia 18 do mesmo mês, numa reunião de uma dezena de pessoas honradas de nossa cidade, fizemos a evocação pedida:
1. Evocação do Espírito de Carrère. - R. Eis-me.
2. Qual é a vossa posição no mundo dos Espíritos? - R. Não sou nem feliz nem infeliz. Aliás, estou frequentemente sobre a Terra; mostro-me a qualquer um que não está muito contente por me ver.
3. Com que objetivo vos manifestais a essa pessoa? - R. Ah! vede, é que ia morrer; tinha medo e não se tinha medo por mim. Procurar-se-ia por toda a parte um Cristo para me ajudar a transpor a difícil passagem da vida para a morte, e a pessoa a quem me mostrei tinha um que ela recusou de me emprestar para aplicá-la sobre meus lábios agonizantes, e depor entre minhas mãos como uma prova de paz e de amor. Pois bem! Ela disso falou por longo tempo ao me ver ao lado do Cristo; ali me verá sempre. Agora, eu me vou, estou mal
acomodado aqui; deixai-me partir. Adeus.
Imediatamente depois desta evocação, abri o envelope fechado que continha os detalhes seguintes:
"Quando da morte de Carrère, subchefe da equipe de Bordeaux, morto em 18 de dezembro último, o Sr. Beautey, chefe de estação PV, fez transportar o corpo à estação dos viajantes e ordenou, a um homem da equipe ir ao seu domicílio pedir à senhora Beautey um Cristo para colocá-lo sobre o cadáver. Essa senhora respondeu pretendendo que o Cristo estava quebrado, e que, consequentemente, não o podia emprestar.
"Pelo dia 10 de janeiro corrente, a senhora Beautey confessou a seu marido que o Cristo que ela tinha recusado não estava quebrado, mas que ela não queria prestá-lo, disse ela, para não mais ter que sentir as emoções ocasionadas em seguida a um acidente semelhante, sobrevindo precedentemente, e quase nas mesmas condições. Ela acrescentou em seguida que nunca mais recusaria nada a um morto, e explicou essas palavras assim: -
Durante toda a noite da morte desse homem, ele ficou visível para mim; por muito tempo eu o vi colocado perto do Cristo, depois ao seu lado.
"A senhora Beautey, que jamais vira nem ouvira falar desse homem, designou com tanta precisão ao seu marido, que este o reconheceu como se estivesse presente. A senhora Beautey, de resto, estava desperta, e não estava vendo os Espíritos pela primeira vez; entretanto, um fato há a se notar, é que o Espírito de Carrère impressionou-a fortemente, e que ele não tinha chegado quando ela viu outros Espíritos. - Assinado Guipon."
Mais abaixo se encontra a menção seguinte:
"Esta narração está perfeitamente exata.
"Assinado: Beautey, chefe de estação."
Acreditei de meu dever vos relatar o fato de identidade que acabo de vos assinalar, fato, é preciso nisto convir, muito raro e que não chegou, seguramente, senão com a permissão de Deus, e que serve de todos os meios para ferir a incredulidade e a indiferença.
Se julgardes útil reproduzir este interessante episódio, mais abaixo encontrareis as assinaturas das pessoas que assistiram a essa sessão. Elas me encarregaram de vos dizer que seus nomes podem ser postos a descoberto, e, conservar o incógnito nesta circunstância, acrescentam elas, seria uma falta. Os nomes próprios que figuram nos detalhes circunstanciados da evocação de Carrère podem igualmente ser publicados.
Vosso muito devotado servidor,
A. SABÔ.
Atestamos que os detalhes relatados na presente carta são verídicos em todos os pontos, e não hesitamos em confirmá-los com a nossa assinatura. A. Sabô, contador principal da Companhia das Estradas de Ferro do Sul, 13, rua Barennes. - CH. COLLIGNON, capitalista,
rua Sauce, 12. - EMILIE COLLIGNON, capitalista. - UANGLE, empregado das contribuições indiretas, rua Pélegrin, 28. - VIÚVA CAZEMAJOUX. - GUIPON, controlador de contabilidade e das receitas das estradas de ferro do Sul, 119, caminho dos Bègles. - ULRICHS, negociante, rua dos Chartrons, 17. - CHAIN, negociante. - JOUANNI, empregado na casa do Sr. Arman, construtor de navios, rua Capenteyre, 26. -GOURGUES, negociante, caminho de Saint- Genès, 64. - BELLY primogênito, mecânico, rua Lafurterie, 39. - HUJBERT, capitão na 88§ de comunicação. - PUGINER, tenente-coronel no mesmo regimento.
Como de hábito, não faltam os incrédulos para colocar este fato à conta da imaginação.
Dirão, por exemplo, que a Senhora Beautey tinha o espírito ferido pela sua recusa, e que um remorso de consciência lhe fizera crer que via Carrère. Isso é possível, nisso convimos, mas os negadores, que não se consideram capaz de aprofundarem antes de julgar, não procuram se alguma circunstância escapa à sua teoria. Como explicarão o retrato, que ela fez, de um homem que jamais viu? "E um acaso", dirão. - Quanto à evocação, direis também que o médium não faz senão traduzir seu pensamento ou o dos assistentes, uma vez que essas circunstâncias foram ignoradas? É ainda o acaso? - Não; mas entre os assistentes havia o Sr. Guipon, autor da carta oculta e conhecedor do fato; ora, seu pensamento pôde se transmitir ao médium, pela corrente dos fluidos, tendo em vista que os médiuns estão sempre num estado de superexcitação febril, mantido e provocado pela concentração dos assistentes, e sua própria vontade; ora, nesse estado anormal, que não é outra coisa senão um estado biológico, segundo o sábio Sr. Figuier, há emanações que escapam do cérebro e dão percepções excepcionais provenientes da expansão dos fluidos que estabelecem relações entre as pessoas presentes e mesmo ausentes. Vede bem, pois, por esta explicação tão clara quanto lógica que não há necessidade de ter recursos com a intervenção de vossos pretensos Espíritos que não existem senão na vossa imaginação. -
Esse raciocínio, confessamos com toda a humildade, supera a nossa inteligência, e vos perguntaremos se vos compreendeis vós mesmos?
Enviado por: Joel Silva
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