quinta-feira, 21 de abril de 2016

'Aulas de pegação' ganham seguidores no Brasil e são alvo de crítica de estímulo ao assédio

'Aulas de pegação' ganham seguidores no Brasil e são alvo de crítica de estímulo ao assédio

 

Felipe Souza
Da BBC Brasil em São Paulo


Um jovem aborda uma mulher desconhecida na avenida Paulista, uma das vias mais movimentadas de São Paulo. Ele pede uma informação, começa a conversar e, minutos depois, estão se beijando.


A situação se repete dentro de shoppings, estações de metrô e parques. Tudo é filmado à distância por uma câmera escondida e publicado no YouTube. A intenção é servir de exemplo e ensinar outros homens a "conquistar" mulheres.


"O motivo dos vídeos é que eu já fui totalmente travado e quero mostrar para as pessoas que a vida pode ser maravilhosa a partir do momento em que você dá a cara a tapa. O cara tem que ter mais vontade do que medo. Se eu consegui, outras pessoas também podem se relacionar com uma mulher legal", diz Luis Francisco Desiro dos Santos, 24, que criou o site Conquista Social com o amigo Bruno Castro, 17, há cinco meses.


Desiro começou a se interessar pelo assunto após um amigo recomendar a leitura de uma cartilha da RSD (Real Social Dynamics), que ensina técnicas para ser um "homem pegador".


A RSD ficou conhecida mundialmente por vender a polêmica ideia de que é possível reverter uma situação em que mulheres dizem não às investidas sexuais com métodos capazes de "ativar a prostituta que existe dentro delas".


O suíço Julien Blanc, "instrutor de pegação" da RSD, causou revolta nas redes sociais antes de ter o visto negado ao tentar entrar no Brasil e no Reino Unido para dar palestras em 2014. Um abaixo-assinado reuniu 400 mil assinaturas pedindo o veto dele ao Brasil e outras 150 mil ao Reino Unido.


A pedido da BBC Brasil, a militante da Marcha Mundial das Mulheres Carla Vitória, 24, assistiu a alguns vídeos dos canais brasileiros. Para ela, as imagens fazem parte da cultura do estupro e passam a ideia de que as mulheres devem estar sempre disponíveis.


"Eles tratam as mulheres como se fossem objetos e confundem paquera com assédio, e isso precisa ficar claro. Em alguns vídeos, o rapaz tenta beijar uma delas à força. Um absurdo", disse.


O criador do Conquista Social não vê as abordagens como uma ação violenta e diz que elas são "comuns" em países estrangeiros. "Lá fora, as mulheres já estão muito acostumadas a serem abordadas por desconhecidos na rua. Não há nenhum mal isso, desde que seja com respeito", contou, sem explicitar em que países isso ocorre.


Desiro conta que passou a praticar as técnicas para quebrar a barreira da timidez. Meses depois, resolveu se tornar também um difusor das estratégias. Só em 2015, ele relata ter abordado mais de mil mulheres nas ruas brasileiras - cerca de três por dia. A meta dele é de que, neste ano, a média ultrapasse a marca de cinco mulheres por dia.


Em um dos vídeos do Conquista Social, o rapaz conhece uma garota dentro de um shopping e tenta beijá-la algumas vezes, sem sucesso. Depois de certa insistência e já do lado de fora do centro comercial, ele consegue o beijo.


"Mulher não é objeto, parceiro. Ridícula atitude", comentou um internauta em um dos vídeos do canal. Em alguns vídeos, os "treinadores" chegam a colocar mulheres contra a parede e buliná-las enquanto se beijam.
 

Consultoria


Apesar de relativamente novos, um dos vídeos produzidos pela dupla já alcançou mais de 250 mil visualizações. Além da fama no YouTube, Desiro já lucra com consultorias para ensinar a arte da conquista. "A gente tira dúvidas por e-mail, Facebook, Skype ou presencialmente. Custava R$ 200, mas gente aumentou para R$ 500 cada dia de treinamento. Três dias saem por R$ 1 mil", afirmou.


Em janeiro deste ano, o estudante Felipe Assis Vasconcelos, 21, deixou Juiz de Fora (MG) e viajou cerca de 500 km para fazer dois dias de curso. Ele conta que a intenção foi resolver o problema, que carrega desde a adolescência, de se relacionar com pessoas e fazer amigos.


"A consultoria foi muito proveitosa e eu recomendo. O único problema é que eu não consegui manter o treinamento na minha cidade. Acho que o fato de eu estar sozinho ainda cria uma barreira", afirmou.


Desiro conta que alguns alunos o procuram com frequência e que há reuniões mensais para que os ex-alunos tirem dúvidas. As mais recorrentes, segundo ele, são sobre o que falar durante a conversa, quando partir para o beijo e qual o momento certo para chamar uma garota para sair.


Há outros canais brasileiros de conquista, como o Sétimo Amor, com vídeos que registraram mais de 1 milhão de visualizações. Eles também oferecem aulas presenciais de conquista e exibem fotos de cursos lotados.


Referência para os brasileiros, algumas abordagens filmadas por russos e americanos já foram vistas mais de 50 milhões de vezes.
 

 
 

Objeto sexual


Carla Vitória, da Marcha Mundial das Mulheres, também faz críticas ao "uso da mulher como objeto sexual para ganhar dinheiro". Ela afirma que os vídeos "refletem a cultura em que vivemos, na qual o homem é colocado no espaço público enquanto as mulheres devem ficar em casa" se quiserem evitar abusos.


Desiro, do Conquista Social, rebate as críticas e diz que preserva a imagem das mulheres que aparecem nos vídeos. "Eu não quero colocar ninguém numa situação desconfortável. Nós borramos rostos e tatuagens. Muitas feministas criticam o nosso trabalho e eu digo que não faço nada de errado. Eu simplesmente beijei e elas me beijaram", afirmou o fundador do Conquista Social.


Ele relata, porém, que já teve de excluir dois vídeos após mulheres se reconhecerem nas imagens.


Marcela Lisboa Rodrigues da Silva, 24, do coletivo Juntas, também assistiu a alguns vídeos e afirmou que o principal problema dessas abordagens é a superexposição das mulheres. "O cara pensa que não divulgar informações pessoais é razoável para preservar alguém, e não é", disse Silva.


O fundador do Conquista Social afirma que pretende passar a avisar às mulheres que foram alvo da ação gravada em vídeo. "Eu falo que não é para o meu ego, mas para ajudar pessoas pelo Brasil. Eu digo: 'Minha intenção é fazer com que um homem consiga sair com uma mulher como você'".


Desiro afirma que nenhuma mulher o procurou para fazer o curso da conquista. A reportagem não encontrou nenhum vídeo no YouTube de mulheres tendo "aulas de pegação".


Notícia publicada na BBC Brasil, em 26 de fevereiro de 2016.
 

 
Glória Alves* comenta


Meditando sobre essa matéria da BBC Brasil, “Aulas de Pegação”, reconhecemos o quanto falta à criatura humana para o amadurecimento intelecto-moral; amadurecimento que nos leva a conscientização, situação a partir da qual conseguimos discernir com acerto, entre o bem e o mal. Os depoimentos das pessoas envolvidas no site Conquista Social, bem como do responsável pela cartilha da RSD (Real Social Dynamics), traduzem a decadência de alguns valores morais que arrastam indivíduos e instituições para a perturbação e a desordem.


Vivendo ainda os resquícios da animalidade primitiva da origem humana, em alguns homens ainda predominam os instintos que os levam a praticar atos violentos e vulgares, preconceitos e desrespeito a si e aos semelhantes, transformando a sua vida e a vida da sociedade em miséria e sombra.


Falando à BBC Brasil sobre as “Aulas de pegação”, a militante da Marcha Mundial das Mulheres, Carla Vitória, assistindo a alguns vídeos dos canais brasileiros, ressalta em relação aos “pegadores” do Conquista Social que "eles tratam as mulheres como se fossem objetos e confundem paquera com assédio”.


Além desse caso, figuram no mundo outros tipos de violência contra a mulher, como a ciberviolência, que consiste no uso da tecnologia para ameaçar, humilhar ou intimidar alguém, seja por via de correio eletrônico, salas de conversa (chats), sites de relacionamentos, messenger, etc… Boatos lançados na rede, fotografias que muitas vezes são retocadas e modificadas…


A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a violência contra a mulher "como um problema global de saúde de proporções epidêmicas", que varia desde abusos domésticos a assédio na rua, tráfico sexual, estupro e feminicídio. A mídia social impulsionou ainda mais esta pandemia digital.(1)


Essas situações são frutos do egoísmo e do materialismo, pensando só em si mesmo, em sua satisfação, indiferente ao sentimento do outro, acreditando que a vida deve ser vivida nesse mundo com todos os prazeres que ela pode proporcionar, como se tudo acabasse com a morte do corpo físico, proclamam o nada para depois da morte, anulando toda a responsabilidade moral futura e, desse modo, um incentivo para a prática do mal.


O desconhecimento de si mesmo, o hedonismo, o utilitarismo, a carência de amor e dos valores éticos e morais levam o ser a uma vida vazia e sem sentido. “Herdeiro de suas próprias experiências mantém atavismos negativos que o retém nas paixões perturbadoras, aturdindo-se com frequência, na busca frenética do prazer e da posse",(2) sem encontrar plena satisfação para sua alma aturdida, que então parte para a violência e o desrespeito.


Em pleno século XXI, a lei do sexo mais forte prevalece, valendo-se alguns homens da sua superioridade física, dominando e subjugando a mulher a seus caprichos e desejos. Desde o início dos tempos a mulher foi tida como um ser inferior e objeto de prazer. Encontramos, no Mito da Criação, Adão criado pelo sopro de Deus e Eva a sua mulher, criada a partir da sua costela, por esse motivo, surge a dúvida quanto à existência da alma da mulher, porquanto ela foi criada através da costela de Adão, o primeiro homem.


Conforme o mito, Eva influenciou Adão a comer o fruto proibido, traindo Deus, e foram imediatamente expulsos do Paraíso. Por esse motivo, a mulher recebe como punição de Deus ser submissa ao homem, além de ser a responsável pelo pecado original, que, segundo esse mito, todos trazemos quando nascemos.


“De certo modo, esse alicerce mitológico passou a predominar no inconsciente coletivo, e as mulheres passaram à condição de servas: do prazer e das tarefas mais humilhantes e extenuantes”,(3) portanto, é desse preconceito que nasceu a inferioridade legal das mulheres, que durante muito tempo aceitaram essa condição aviltante como algo natural.


Contudo, é com o advento do Espiritismo, século XIX, que a igualdade da mulher passa da teoria especulativa a um direito fundado nas leis da Natureza. “Dando a conhecer essas leis, o Espiritismo abre a era da emancipação legal da mulher, como abre a da igualdade e da fraternidade.”(4)


Apesar de termos avançado intelectualmente, a matéria da BBC Brasil nos leva a perceber que ainda hoje, século XXI, era do homem tecnológico, criaturas moralmente poucos adiantadas exercem predomínio injusto e cruel em relação as mulheres, tratando-as com violência e desconsideração.


A Doutrina Espírita nos esclarece que diante de Deus os homens e as mulheres são iguais e ambos possuem os mesmos direitos, a inteligência do bem e do mal e a faculdade de progredir. “Deus a uns deu a força, para protegerem o fraco e não para o escravizarem.”(5)


A evolução é lei da vida e vigora em todo o Universo. Como Espíritos Imortais, trabalhamos, lutamos, erramos, acertamos, sofremos, voltamos a errar, nos educamos, aprendemos, nos melhoramos… O instinto sexual também evolui, necessitando educação e disciplina; energia que traduz amor em expansão no tempo, à medida que nos afastamos da animalidade primitiva para a integração na Humanidade.


Para aqueles que ainda vivem na condição do bruto, a descarga da energia sexual se efetua indiscriminadamente, através dos contatos, quase sempre desregrados e infelizes, acarretando em consequência dos atos impensados, a exaustão e o sofrimento, como processos educativos. “Cada Espírito detém consigo o seu íntimo santuário, erguido ao amor, e Espírito algum menoscabará o “lugar sagrado” de outro Espírito, sem lesar a si mesmo.”(6)


A energia sexual, requer discernimento e responsabilidade em sua aplicação, deve ser educada, disciplinada, deve estar controlada por valores morais que garantam o seu emprego digno, seja na reprodução das formas físicas, para a encarnação de outras almas na Terra, como também nas realizações das grandes obras do bem e da inteligência, promovendo o amor e a sabedoria, que nos elevarão a glória de Deus.


Concluiremos com o pensamento do Espírito Emmanuel, lembrando que Deus, em sua Infinita Misericórdia e Sabedoria, houve por bem de lançar um véu sobre o nosso passado, pois “a lembrança traria gravíssimos inconvenientes. Poderia, em certos casos, humilhar-nos singularmente, ou, então, exaltar-nos o orgulho e, assim, entravar o nosso livre-arbítrio”,(7) “mas temos de tudo isso a intuição, sendo as nossas tendências instintivas uma reminiscência do passado”.(8)


“Companheiros da Terra, à frente de todas as complicações e problemas do sexo, abstende-vos de censura e condenação. Todos nós – os Espíritos em aperfeiçoamento nos climas do Planeta – estamos emergindo de passado multimilenar, em que as tramas da alma se entreteciam em labirintos de sombra, para que as bênçãos do aprendizado se nos fixassem no espírito. Ainda assim, achamo-nos todos muito longe da meta por alcançar. Se alguém vos parece cair, sob enganos do sentimento, silenciai e esperai!”(9)



Referências bibliográficas:


(1) BBC Brasil - Conectadas e violentadas: como a tecnologia é usada em abusos contra mulheres - Valeria Perasso;

(2) “Momentos de Felicidade” – Joanna de Ângelis – Divaldo Franco;

(3) Correio Espírita - Cláudio Sinoti – O Machismo;

(4) Allan Kardec - Revista Espírita - Janeiro 1866 - As Mulheres têm Alma?;

(5) O Livro dos Espíritos - Allan Kardec - Q. 820;

(6) “Vida e Sexo” – Espírito Emmanuel – Chico Xavier;

(7) O Evangelho Segundo o Espiritismo - Allan Kardec – cap. V - Bem-aventurados os aflitos, item 11;

(8) O Livro dos Espíritos - Allan Kardec – Q.393 – Comentário de Allan Kardec;

(9) “Vida e Sexo” – Espírito Emmanuel – Chico Xavier - Cap. 26 - À Margem do Sexo.

* Glória Alves nasceu em 1º de agosto de 1956, na cidade do Rio de Janeiro. Bacharel e licenciada em Física. É espírita e trabalhadora do Grupo Espírita Auta de Souza (GEAS). Colaboradora do Espiritismo.net no Serviço de Atendimento Fraterno off-line e estudos das Obras de André Luiz, no Paltalk.

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