segunda-feira, 31 de outubro de 2016

'Meu pai me injetou HIV quando eu era bebê'

'Meu pai me injetou HIV quando eu era bebê'

Febre alta, fígado inchado e fungos debaixo das unhas. O quadro clínico da criança de cinco anos, internada em um hospital de St. Louis, nos EUA, sugeria que ela corria grave risco de vista. Foi praticamente no desespero que os médicos fizeram um exame de sangue mais detalhado.
E descobriram que Brryan Jackson tinha HIV. Uma tragédia pessoal que ganhou contornos ainda maiores porque a criança tinha sido deliberadamente infectada, ainda bebê, por seu próprio pai - um técnico em hematologia que estava se separando da mãe de Brryan e estava preocupado com o pagamento de pensão.

Discriminação
"Minha mãe tinha um filho de um relacionamento anterior quando conheceu meu pai e ambos decidiram ter mais um bebê. Mas, quando ele voltou da Primeira Guerra do Golfo (em 1991, quando serviu como soldado), suas atitudes em relação a mim tinham mudado completamente. Ele começou a dizer que eu não era seu filho", contou Jackson, em entrevista de rádio ao programa "Outlook", do Serviço Mundial da BBC.
Jackson tinha 11 meses quando, durante uma internação hospitalar por causa de uma asma, o pai, Brian, aproveitou uma saída da mãe do quarto para injetar o vírus na corrente sanguínea do filho. Sequer usou o mesmo tipo de sangue do bebê, o que provocou uma reação imediata no organismo, ainda assim atribuída pelos médicos aos efeitos da asma.
Quando finalmente descobriram o que afetava o menino, já aos cinco anos de idade, os médicos deram a Jackson apenas cinco meses de vida. Os médicos temiam não apenas os efeitos da doença, mas do coquetel de remédios que ele precisava tomar para tentar mantê-la sob controle.
Hoje, aos 25 anos, ele não apenas tem a doença controlada como também se transformou em palestrante motivacional e criou uma ONG, a Living With Hope (Vivendo com Esperança), para promover maior compreensão sobre a doença e estimular mais solidariedade com portadores do vírus. Algo ainda mais impressionante quando se leva em conta que o tratamento deixou algumas sequelas - sua audição foi severamente afetada e prejudicou sua fala.
Solidariedade foi um sentimento que ele, Jackson, não encontrou muitas vezes ao longo de sua vida. Sua mãe enfrentou diretores de escola que não queriam o filho frequentando os estabelecimentos. Quando enfim era aceito em uma, o menino não tinha permissão para usar o bebedouro ou mais de um banheiro.

Paternidade
"Eu também não era convidado para festas de aniversário. As outras crianças me insultavam. Mas essa era a realidade do HIV nos Estados Unidos nos anos 90. Havia muita desinformação. Comecei a achar que não havia mais espaço para mim neste mundo", lembra.
Jackson cogitou o suicídio, mas optou pela religião. A conversão ao Cristianismo fez com que decidisse perdoar o pai - Brian Stewart foi condenado à prisão perpétua em 1998. Em entrevistas à mídia americana, disse rezar pelo pai. No entanto, adotou uma grafia pouco usual para seu nome justamente para se diferenciar do pai e evitar o assédio da imprensa.
"No começo, senti muita raiva dele. Cresci vendo filmes em que pais eram maravilhosos para seus filhos e não conseguia entender como o meu tinha feito aquilo comigo. Ele não apenas tentou me matar, mas mudou minha vida para sempre. Mas quero viver a minha vida."
Jackson diz que nunca teve contato com o pai. Mas poderá ficar frente a frente com ele ainda este ano, quando uma junta examinará um pedido de liberdade condicional. O filho pretende ler um comunicado em que recomenda que o pai continue preso.
Segundo Jackson, sua rotina médica hoje já não envolve mais andar com sondas pelo corpo, como nos tempos de escola. As 23 pílulas diárias hoje são apenas uma, embora de três em três meses ele precise ir ao médico para checar seu sistema imunológico. A doença, obviamente, afetou sua vida social. Diversos relacionamentos foram interrompidos por pais receosos.
Mas Brryan ainda sonha ser pai. Cita a técnica conhecida como "lavagem de esperma", que separa os espermatozoides do fluido seminal e permite que pais soropositivos tenham filhos sem infectar as parceiras. A inseminação é artificial.
"Acho que seria um pai cool. Mas pais cool podem ser embaraçosos", brinca.
Notícia publicada na BBC Brasil, em 23 de junho de 2016.

Jorge Hessen* comenta
Como agir diante de uma situação dessas? Será que verdadeiramente Brryan perdoou seu pai? O assunto é sensível e merece algumas ponderações doutrinárias. Em verdade, se alguém nos prejudicou, não podemos permitir que o sentimento de vingança consuma nosso estado psicoemocional.(1) Nem que seja por “egoísmo” é importante perdoar incondicionalmente. Até porque, quem sofrerá com a mágoa somos nós e não quem nos danificou, causando consternação ou desgosto.
Quantos são aqueles que dizem que desejam perdoar, mas não conseguem? Ora, apartando-nos do caso Brryan Jackson, urge ponderar alguns pontos. Será quem nos magoa queria nos prejudicar de propósito? Muitos erros são cometidos sem a intenção de nos danificar. Mas se tiverem sido intencionais, será que quem nos magoou se arrependeu? Neste caso, será que estamos realmente dispostos a absolvê-lo?
A rigor, só podemos perdoar o outro se perdoarmos a nós mesmos. Reflitamos nos erros que cometemos com outras pessoas e desculpemo-nos. Livremo-nos da culpa e estaremos prontos para perdoar. Esquecer ofensa nos favorece porque faxina o coração da ira e do desgosto. Perdoar alguém que nos fez mal revoga o ciclo de pensamentos negativos, que só servem para nos abater. É um sinal de amadurecimento.
Conferir o perdão favorece o outro, contudo beneficia muito mais quem perdoa. Oferece uma duradoura percepção de liberdade. É verdade! Ao sairmos da posição de vítimas, a sensação é de grande liberdade - deixamos de ser escravizados de um sentimento que antes nos aprisionava. Ajuda-nos a retomar as rédeas da vida. Quem diz do fundo d’alma "eu perdoo" se sente mais forte e capaz de comandar o próprio destino.

Nota:
(1) É aquela nossa ação interior para vivermos emoções através de nosso intelecto.
 
* Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.

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