Livro em estudo: Nos Bastidores da Obsessão – Editora FEB -
1970
Autor: Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de
Divaldo Pereira Franco
A023
– Cap. 9 – Reencontro com o passado – Primeira Parte
Cercado por acólitos paramentados estranhamente, que se
faziam secretários e selecionavam os casos para o Chefe, também se apresentava
resguardado por entidades ferozes, em cujos semblantes, sulcados por fundos
sinais de perturbação íntima, a hipnose produzira estados de alucinação e
truculência. Incapazes de qualquer raciocínio, tais seres exteriorizavam a
acuidade do animal que resguarda o sino e agride os menos vigilantes.
Dentre eles se destacavam os que foram vítimas de
transformações nas sedes do perispírito, ali presentes possivelmente com a
finalidade de criarem condicionamentos psicológicos de medo, nos consulentes
menos avisados.
O irmão Glaucus, muito sereno, concitou-nos à prece muda e
à preservação do estado espiritual de equilíbrio, fossem quais fossem os
acontecimentos que, porventura, viessem a ocorrer, e nos manteve imediatamente
atrás dos pequenos magotes que eram interrogados pelos acólitos.
O nosso grupo, unido, aguardava, enquanto o Sacerdote, a
pequena distância, tomava atitudes e decisões, utilizando-se sempre do pavor de
que se fazia fâmulo avaro para dominar e influir consulentes.
Uma Entidade de aparência cruel se destacou dentre os
fâmulos atuantes, acercou-se do irmão Glaucus e indagou dos motivos da
entrevista, e quem eram os participantes do conjunto.
O venerando Benfeitor elucidou com simplicidade que se
tratava de Espíritos dos dois planos da vida, necessitados de ouvir o Dr.
Teofrastus a respeito de grave problema de obsessão em andamento e para o qual
somente ele possuía os recursos necessários. Aduziu que fora indicado por
Guilherme, o moço holandês que antes era membro daquela agremiação.
Repassando o olhar de quase alucinado, fiscalizando-nos,
como tentando descobrir além das palavras os motivos reais da entrevista,
sacudido por espasmos da face, sucessivos, colocou-nos de lado, e prosseguiu no
mister a que se dedicava.
Só então me foi possível reparar o Dr. Teofrastus,
considerando a pequena distância que nos separava. O rosto cruel, adornado de
barba rala, à oriental, em torno de lábios grossos em rito de permanente ira,
nos olhos avermelhados e grandes, algo fora das órbitas, ameaçadores, zigomas
salientes, testa larga e cabeleira abundante, era a encarnação clássica do
pavor.
Como se adivinhasse a minha observação discreta, ele
desviou o olhar da chusma que atendia e cravou nos meus os seus olhos, com
interrogação forte e dura, fazendo-me baixar a vista, perturbado. O irmão
Glaucus, que observava o acontecimento, advertiu-me, delicado:
— Estamos em tarefa do Senhor. Todo o cuidado é
indispensável para o êxito do empreendimento. Curiosidade agora é, também,
desconsideração ao compromisso. Tenhamos tento!
Com a oportuna observação, convocou-me, caridoso, ao
recolhimento, à prece. Atendidos os que se encontravam à frente, foi chegada a
nossa vez. Ficamos um pouco mais atrás, enquanto o irmão Glaucus, representando
a equipe, humilde e nobre, falou sem preâmbulos:
— Senhor, aqui estamos indicados por Guilherme, o
neerlandês que há pouco tempo se despediu desta Organização, rumando em direção
do corpo.
O mago ergueu o sobrolho carrancudo e penetrou com dura
expressão os olhos do Benfeitor, procurando devassar-lhe o íntimo do espírito.
Um dos asseclas aproximou-se e confidenciou alguma
observação.
A pausa oportuna, proposital, era dirigida no sentido de
criar melhor recepção no ouvinte silencioso, de expressão ferina.
Prosseguindo, elucidou o nosso condutor:
— Ocorre que nos encontramos em perfeita identificação com
Guilherme, que vos tem servido com dedicação, buscando-vos nesta oportunidade
para falar-vos sobre Henriette, que sabemos vinculada ao vosso coração, desde
há muito...
— Henriette Marie de Beauharnais? — Inquiriu, quase
fulminado por forte raio de ódio.
— Sim, Senhor — confirmou, imperturbável o Irmão Glaucos.
A entidade levantou-se do trono ridículo e avançou furioso,
como se fosse aniquilar o informante, que continuou sereno, confiante. Em
chegando ao lado do Instrutor, que revelava no semblante marmórea palidez,
estancou o passo e, erguendo o simulacro de cetro, golpeou o piso reiteradas
vezes, ameaçando com voz soturna, atitude essa que impôs alarmante silêncio no
Anfiteatro, que ainda se mantinha com alguma algaravia. Todas as atenções se
concentraram em volta dos dois parlamentadores e as Entidades mais infelizes da
coorte aproximaram-se em atitude ameaçadora, cercando o Chefe dolorosamente
vitimado pela irascibilidade.
— E que deseja informar-me que porventura eu não saiba?
Ignora quem sou?
— Esbravejou, compreensivelmente revoltado.
— Sabemos, sim, Senhor — prosseguiu o Mensageiro. — Ocorre,
porém, que considerando a magnitude do assunto, que viemos tratar, muito
agradeceríamos se pudéssemos ser ouvidos a sós, sem os circunstantes... Somos
portadores de notícias que somente à vossa autoridade devemos confiar...
Depois de expressivo silêncio, arrematou:
— Henriette necessita do vosso socorro...
O Espírito ferido pela inesperada surpresa, estrugiu cruas
exclamações e gritos, dando ordens diversas, simultâneas, e segurando o irmão
Glaucus violentamente, ordenou, rouquenho:
— Venha comigo!
O Benfeitor não opôs qualquer resistência e o seguimos.
Os demais membros do grupo foram cercados pelos sequazes do
Chefe e conduzidos à parte dos fundos do Anfiteatro, para onde ele rumara com o
nosso Mentor.
A sala de amplas proporções era decorada em tons fortes e
sombrios em que bruxuleavam luzes de tonalidades chocantes - Aquele era o
gabinete do vigoroso espírito das sombras, temido e detestado.
Sentando-se em cadeira colocada em posição de destaque,
ordenou:
— Estou aguardando as informações.
Imprimindo à voz inflexão nobre, sem qualquer afetação, o
Instrutor esclareceu:
— Dedicamo-nos ao serviço de socorro aos padecentes, em
nome de Jesus, e...
— Jesus? Esta é minha casa — estrugiu o truculento
Espírito. — Aqui, esse nome é maldito, detestado. Como se encoraja a dizer-me
que se dedica a socorrer os padecentes diante do Chefe da Casa da Justiça?
Avançou feroz, espumejante, como se desejasse destruir
aquele que o enfrentava, sentindo-se, no entanto, impossibilitado de fazê-lo.
— Não desejamos desafiar a força do nobre doutor
Teofrastus, que conhecemos, e a quem aprendemos a respeitar como sendo
instrumento da Vida e da Verdade — evidenciou o Mensageiro humilde. — Ocorre,
no entanto, que não poderíamos trair os objetivos desta entrevista, se falamos
ao Comandante destes sítios, em nome da Verdade mesma, sim, mas sobretudo da
Misericórdia e do Amor.
Erguendo o olhar lúcido, o Instrutor, concentrado em Jesus
e utilizando todo o potencial das suas forças magnéticas e hipnológicas,
enfrentou a vibração em crispas exteriorizadas pelo interlocutor, como se
naquele entrechoque de forças a corrente do amor vencesse as descontroladas energias
do ódio e da animosidade, dando continuidade à narração:
— Visitando perturbados espirituais, encarcerados no corpo,
identificamos, há pouco tempo, Henriette, em doloroso processo de vampirização,
vitimada por elementos desta Organização, e por isso...
— Desta Casa? Estarei ouvindo corretamente? —Indagou,
interrompendo, abrupto
— Henriette, vítima de nossa Organização? E que o induz a
pensar que me interessa a vida de qualquer pessoa, da Terra, somente porque é
supostamente Henriette-Marie de Beauharnais? Quem o informou de que eu poderia
ter algo a ver com essa personagem?
— Ela mesma — redarguiu o Mentor, tranquilo. —Assistindo-a
com recursos magnéticos, conseguimos fazê-la recordar o passado, para fixar-lhe
socorros, e, enquanto narrava o próprio drama, evocou o imenso amor que dedicou
à sua pessoa, nos idos do século 15, antes de funesto acontecimento..
O Dr. Teofrastus, colhido intempestivamente pela informação
segura e indiscutível, ergueu-se outra vez, de um salto, e, apoplético, segurou
com mãos de aço o narrador, indagando, descontrolado:
— Onde se encontra ela? Que lhe aconteceu? Que foi feito da
sua vida? Leveme até à sua presença imediatamente. Desejo averiguar.
— Não posso, amigo. Não depende de mim e sim de vós. Esta a
razão da entrevista que estamos mantendo. Desejamos concertar o meio de
conciliar os objetivos elevados a que todos nos propomos, de modo a regularizar
situações em desalinho, de cujo labor resultem os benefícios de que temos
necessidade.
— Mas eu sou um dos Gênios do Mal, e as minhas medidas
diferem das suas — estrondou, ofegante. — Represento a Justiça e odeio a
Misericórdia. Desperto cada consciência criminosa para o relho da punição.
Nunca defrontei nem usei a piedade ou a comiseração. Sou vítima do Cordeiro e O
odeio... Não há, pois, termo de conciliação entre nós. Sinto-me, portanto,
obrigado a extirpar-lhe a confissão através dos meus métodos, que certamente
não lhe são desconhecidos.
— Sim, certamente os conhecemos — assentiu, o Benfeitor. —
Convém, todavia, considerar que, antes de tomarmos a atitude de procurar-vos o
local de dominação, examinamos as diversas possibilidades de vitória e
fracasso, concluindo pela primeira hipótese, tendo em vista que não vimos aqui
solicitar, mas oferecer em nome do Doador Supremo da Vida, de Quem não nos
evadiremos indefinidamente. Afirma o Dr. Teofrastus que foi vítima do Cordeiro,
e sabe que a informação não confere com o fato. As diretrizes do Cordeiro
jamais foram compatíveis com os processos da Inquisição Católica, como não são
concordes com os métodos da Justiça de Deus esses da justiça aplicados pelas
vossas mãos. Quanto à ameaça de arrancar-me as informações que deseja, por
métodos incompatíveis com os intuitos deste encontro, concluímos pela
inexequibilidade, já que a nossa presença informa do interesse que temos de
ofertar os esclarecimentos sem qualquer pugna que gere uma situação infeliz
entre nós ambos.
— Mas eu posso reter os participantes da sua embaixada nos
meus domínios, nos quais sou senhor absoluto — baldoou, soberbo.
— Não discuto a posição relativa do Chefe — clarificou o
irmão Glaucus. — Desejamos, porém, lembrar-vos de que o poder, de que falais,
vem todo ele do Alto, de Deus, desde que ninguém é o dono da vida, senão Ele.
Quanto a ficarmos retidos em vossas mãos, isto somente viria a acontecer se
essa for a vontade dEle, e, sendo, submetemo-nos humildemente, tendo em vista
poder servi-Lo em qualquer lugar e em toda situação, por mais embaraçosa nos
pareça.
Lágrimas nos orvalharam os olhos. A linguagem desataviada e
franca do Benfeitor, a atitude firme e humilde testemunhavam as mil
necessidades de porfiarmos na verdade sempre, em nome do Senhor.
O Dr. Teofrastus, vencido pela lógica irrefutável do
visitante, dissimulou a ira que o empolgava e, embora continuasse arrogante,
inquiriu:
— Que deseja, afinal, de mim?
— Que me ajudeis a libertar Henriette.
— Como eu poderia fazê-lo?
Se nos acompanhásseis ao recinto de provações e dor em que
se encontra, vencida e arquejante sob implacável revel, que a dilacera, vencedor...
— Sigamos, então, sem delongas.
— Recordamos ao nobre Dr. Teofrastus que seguiremos em
missão de misericórdia e que os métodos junto ao verdugo que a infelicita serão
os vigentes nas leis de amor, conforme ensinados por Jesus-Cristo...
— Não percamos tempo com discussão inútil. Adiante!
Convocando dois guardas que se encontravam postados fora do
recinto, confidenciou algumas instruções. As demais entrevistas foram
suspensas, e, abrindo caminho entre os sofredores que ainda se encontravam no
recinto, acompanhamos o antigo Mago na direção dos veículos que nos aguardavam
à porta.
Transcorridos 15 minutos, aproximadamente, chegamos a velho
casarão, de aspecto apavorante pelo abandono a que se encontrava relegado, e
penetramos pelo imenso portão de entrada. O trânsito de desencarnados de
aparência lastimável era muito grande. Encarnados em desprendimento parcial
pelo sono apresentavam-se agitados, semiloucos. Saturnino que nos assistia mais
de perto, a mim, a Petitinga e ao médium Morais, informou que nos encontrávamos
num Lazareto, que albergava mais de 200 portadores do mal de Hansen. Odor
nauseante e forte empestava o ar e densas nuvens originadas pelas vibrações
carregadas de revolta e desespero ofereciam o aspecto das regiões infelizes do
Mundo Espiritual Inferior, em que muitos se reeducam pelo sofrimento.
QUESTÕES PARA ESTUDO
1 – O benfeitor Glaucus ao conversar do
Dr. Teofrastus identifica-se a trabalho de Jesus-Cristo, provocando a ira do
mago... Por que o mago não conseguiu se impor ao benfeitor?
2 – Por que Dr. Teofratus se interessou
pelo pedido do benfeitor?
3 – O mago acreditava que aplicava a
Justiça em seu anfiteatro e o benfeitor Glaucus discordava de tal afirmação...
Em que se diferenciava o conceito de Justiça para o Glaucus e Dr. Teofrastus?
Bom estudo a
todos!!
Equipe Manoel
Philomeno
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