Mulher com doença é ridicularizada em fórum,
se defende e cativa usuários
Aline Jesus
Para o TechTudo
Balpreet Kaur, uma mulher que sofre de hirsutismo
(uma doença que gera pêlos em áreas masculinas, como o rosto), cativou os
usuários da rede social Reddit depois de ser muito ironizada por algumas pessoas
no mesmo fórum. Na última semana, uma foto dela foi publicada na página e se
tornou alvo de diversas piadas de mau gosto. Isso até a própria entrar na
conversa e mudar totalmente o rumo do bate-papo.
A fotografia de Kaur foi feita em um aeroporto e o
usuário “european_douchebag” publicou-a no Reddit com a legenda “Não sei o que
pensar disso”. A explicação veio rapidamente. A menina é adepta do sikhismo, uma
religião antiga e com muitos adeptos do Paquistão e da Índia. Nesta cultura, o
corpo é cultuado como “um bem divino” e deve ser conservado intacto, como foi
“dado por Deus” à pessoa. Por isso, Balpreet não se preocupa em retirar os pelos
de seu rosto.
“Para nós, a modificação do corpo é viver por ego
e criar uma separação entre nós e a divindade dentro da gente. Transcendendo os
padrões de beleza da sociedade, acredito que devemos focar mais nas ações do que
nas aparências. Meu corpo vai virar cinza no final, então não há muito motivo
para essa preocupação. Quando eu morrer, ninguém vai se lembrar do meu físico,
só do meu legado”, publicou a menina no site.
Pouco depois do desabafo emocionado da usuária,
diversos membros do fórum passaram a lhe dar apoio. As piadinhas se tornaram
elogios. Até mesmo o próprio responsável pela publicação da foto pediu desculpas
e disse que “leu mais sobre a fé Sikh e achou interessante”.
“Para mim, o rosto é não tão importante quanto o
sorriso e a felicidade que estão por trás dele”, completou Balpreet Kaur. Uma
lição de vida, tolerância e orgulho de suas crenças.
Via Daily Dot
Jorge Hessen* comenta
Balpreet Kaur, uma estudante do segundo ano de
neurociência e psicologia na Universidade de Ohio State (EUA), padece de
hirsutismo (crescimento excessivo de pelos terminais na mulher, em áreas
anatômicas características de distribuição masculina) e é adepta do sikhismo(1),
uma religião antiga e com muitos adeptos do Paquistão e da Índia.(2)
Recentemente foi execrada e humilhada através de
um site de relacionamento por ter sido fotografada, por um colega de faculdade,
trajando o tradicional turbante utilizado pelos sikh(3) e com pelos faciais
(bigode, cavanhaque e costeletas). Sabe-se que na cultura sikh, o corpo é
cultuado como “um bem divino” e deve ser conservado intacto.
Indo contra todos os moldes de estética infligidos
pelos padrões de beleza femininos, Balpreet não se preocupa em se “barbear”.
Para ela, a transformação do corpo seria viver para o ego e criaria separação
entre o “eu” e a divindade.(4) Kaur entende que é urgente focalizar mais nas
ações do que nas aparências físicas, pois quando perecermos ninguém vai se
lembrar do nosso corpo físico, mas só das obras dignas que realizamos. Para ela,
as práticas do bem permanecerão e não será entronizando a formosura física que
obteremos ocasião para aperfeiçoar outras virtudes interiores e facultar
propostas de transformação e desenvolvimento na sociedade.
O fato nos induz a refletir sobre a intolerância e
o preconceito, ou seja, PRE (antes) e CONCEPTUS (resumo, concebido - de
concipere - conceber, engravidar). Assim como DISCRIMINARE (dividir, separar,
gerar uma diferença) é derivada de DISCERNERE (distinguir, separar), formado por
DIS (fora) e CERNERE (peneirar, separar). Enfim, são opiniões formadas com base
em ajuizamento próprio, com tom depreciativo, tendencioso e
discriminatório.
É de grande utilidade os espíritas refletirem
sobre esse assunto e transporem suas conclusões para os ambientes que frequentam
e a ideologia que cultivam como fonte de realização. O grau de preconceito
demonstrado por aqueles que discriminam, perseguem e expulsam seus confrades,
quando estes começam a destoar dos seus pontos de vista, demonstram a
incapacidade de compreender e conviver com a diversidade e de aceitar o
princípio da igualdade humana como lei universal.
É comum as pessoas demonstrarem atitude maliciosa
ao saber do casamento de uma bela jovem com um idoso. Se o ancião é famoso, ou
tem fortuna e poder, depressa arrazoam que o pretexto para o casório é tão
somente interesse financeiro. Esquecem que pessoas jovens e idosas, como todos
os seres humanos, têm lacunas afetivas; procuram a ternura e anseiam por serem
queridas. É imperioso acatar as eleições alheias. Exercitar olhares compassivos
que possam desvendar o lado melhor das situações e pessoas. Urge enxergar os
fatos com otimismo, sem ajuizamentos errados ou precipitados. Invariavelmente,
os preconceitos são matrizes de infelicidade e arruínam o júbilo de
viver.
Os preconceitos, sobretudo religiosos, são
estratificados em nosso psiquismo e na conduta como peças ardilosas para
discriminação de grupos e princípios ideológicos. Mahatma Gandhi, figura
contemporânea da Era Atômica, parecia ser em sua época, e ainda hoje, uma pessoa
bizarra, saído das páginas de qualquer livro de folclore. Martim Luther King,
seguindo os passos de Gandhi, desmontou a dissimulação que coloria nos EUA a
fantasia da liberdade e dos direitos civis. A experiência de Allan Kardec
comprova que é plausível ir mais à frente das acepções, romper preconceitos
seculares e prosseguir cada vez mais no terreno da liberdade de consciência. É
preciso ir além, dissolver paradigmas, atrever-se, como fizeram os demolidores
de convencionalismos em todas as épocas.
Qual é a nossa opinião presente a respeito do
sexo, religião, raça, velhice, nação, política e outras? Nosso juízo é do tipo
“Maria-vai-com-as-outras”, ou seja, somos naturalmente influenciáveis e nos
deixamos induzir pelo julgamento de outrem? O Soberano Mestre demonstrou ser
inteiramente impenetrável a qualquer influência alheia quanto a seus sentimentos
e sentidos de vida, revelando isso em várias ocorrências de Sua trajetória
terrena. Ao acolher no coração a equivocada de Migdol, ao exaltar as virtudes do
Samaritano, ao banhar os pés dos apóstolos, ao frequentar a casa de Zaqueu, não
deu a menor estima aos burburinhos maledicentes das pessoas de arcabouço
psicológico pueril, pois sabia peregrinar distinguindo por si mesmo.
Somos, como grupo social humano, um intricado
mosaico de ideologias e crenças, na forma de cultos religiosos, partidos
políticos, corporações filosóficas ou costumes de vida que avaliamos sedutores e
afins com o nosso estilo de observar o mundo. Nessa confraria buscamos
respostas, lenitivo espiritual, prestígio e todos os recursos plausíveis para
resolver os nossos conflitos internos, nossas deficiências pessoais, e
finalmente a busca da plenitude, de uma direção, da auto-realização.
O espírita, o cristão, não deve ter preconceitos,
mas sim saber distinguir o que vai trazer ou não consequências danosas para si e
para os outros. Em tudo o que fizermos, sejamos maduros e consequentes. Isso não
quer dizer que devemos viver como importunos, reparando na forma como os outros
vivem, e colocando-nos como senhores da verdade. Sejamos alegres, úteis e
amigos. Mas sejamos responsáveis, colocando acima de tudo o interesse coletivo,
a pureza de sentimentos, que fará de todos os nossos atos exemplos de quem
encontrou o verdadeiro caminho da paz.
Referências:
(1) O número de sikhs no mundo é estimado em cerca
de 23 milhões, o que faz do sikhismo a quinta maior religião mundial em número
de aderentes;
(2) Uma intervenção de tropas indianas ordenada
por Indira Gandhi no início dos anos 80 levou à revolta dos sikhs e ao
assassinato da primeira-ministra indiana em 1984;
(3) O termo sikh significa em língua punjabi
"discípulo forte e tenaz";
(4) Os sikhs acreditam no karma, segundo o qual as
ações positivas geram frutos positivos e permitem alcançar uma vida melhor e o
progresso espiritual; a prática de ações negativas leva à infelicidade e ao
renascer em formas consideradas inferiores, como em forma de planta ou de animal
(a metempsicose é recusada pelo Espiritismo).
* Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em
18/08/1951. Servidor público federal lotado no INMETRO. Licenciado em Estudos
Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e
Articulista com vários artigos publicados.
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