segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Revista Espírita: O Maravilhoso e o Sobrenatural

Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
Terceiro Ano – 1860
 
O Maravilhoso e o Sobrenatural
Revista Espírita, setembro de 1860
 
Em sua acepção primitiva, e pela sua etimologia, a palavra milagre significa coisa
extraordinária, coisa admirável a ver; mas esta palavra, como tantas outras, afastou-se de
seu sentido original, e hoje diz-se (segundo a Academia)de um ato de poder divino contrário
às leis comuns da Natureza. Tal é, com efeito, a sua acepção usual, e não é mais que por
comparação e por metáfora que é aplicada às coisas vulgares que nos surpreendem e cuja
causa é desconhecida. De nenhum modo entra em nossos objetivos examinar se Deus pôde
julgar útil, em certas circunstâncias, derrogar as leis estabelecidas por ele mesmo; nosso
objetivo é unicamente demonstrar que os fenômenos espíritas, por extraordinários que
sejam, não derrogam de nenhum modo essas leis, não têm nenhum caráter miraculoso, não
mais que não são maravilhosos ou sobrenaturais. O milagre não se explica; os fenômenos
espíritas, ao contrário, se explicam da maneira mais racional; não são, pois, milagres, mas
simples efeitos que tema sua razão de ser nas leis gerais. O milagre tem ainda um outro
caráter: é o de ser insólito e isolado. Ora, desde o momento que um fato se reproduz, por
assim dizer, à vontade, e por diversas pessoas, isso não pode ser um milagre.
A ciência todos os dias faz milagres aos olhos dos ignorantes: eis porque outrora aqueles que
disso sabiam mais do que o vulgo passavam por feiticeiros; e, como se acreditava que toda
ciência sobre-humana vinha do diabo, eram queimados. Hoje, que se está muito mais
civilizado, contenta-se em enviá-los aos hospícios.
Que um homem realmente morto seja chamado à vida por uma intervenção divina, aí está
um verdadeiro milagre, porque é contrário às leis da Natureza. Mas se esse homem não tem
senão as aparências da morte, se há ainda nele um resto de vitalidade latente, e que a
ciência, ou uma ação magnética chega a reanimar, para as pessoas esclarecidas, é um
fenômeno natural; mas aos olhos do vulgo ignorante, o f ato passará por miraculoso. Que
nomeio de certos camponeses um físico lance um papagaio elétrico e faça cair o raio sobre
uma árvore, esse novo Prometeu será certamente visto como armado de uma força diabólica;
mas Josué detendo o movimento do Sol, ou antes da Terra, eis o, verdadeiro milagre, porque
não conhecemos nenhum magnetizador dotado de um tão grande poder para operar um tal
prodígio. De todos os fenômenos espíritas, um dos mais extraordinários, sem contradita, é p
da escrita direta, e um daqueles que demonstram, da maneira mais patente, a ação das
inteligências ocultas; mas pelo fato de que o fenômeno seja produzido por seres ocultos, ele
não é mais miraculoso que todos os outros fenômenos que são devidos a agentes invisíveis,
porque esses seres ocultos que povoam os espaços são uma das forças da Natureza, força
cuja ação é incessante sobre o mundo material, assim como sobre o mundo moral.
O Espiritismo, em nos esclarecendo sobre essa força, nos dá a chave de uma multidão de
coisas inexplicadas, e inexplicáveis por todo outro meio, e que puderam, nos tempos recuados, passar por prodígios; ele revela, do mesmo modo que o magnetismo, uma lei, se não desconhecida, ao menos mal compreendida, ou, por melhor dizer, conheciam-se os
efeitos, porque se produziram em todos os tempos, mas não se conhecia a lei, e foi a
ignorância dessa lei que engendrou a superstição. Conhecida essa lei, o maravilhoso
desaparece e os fenômenos entram da ordem das coisas naturais. Eis porque os Espíritas não
fazem mais milagres em fazendo girar uma mesa, e escreverem os mortos, que o médico em
fazendo reviver um moribundo, ou o físico em fazendo cair o raio. Aquele que pretendesse,
com a ajuda desta ciência, fazer milagres, seria, ou u m ignorante da coisa, ou um fazedor de
ingênuos.
Os fenômenos espíritas, do mesmo modo que os fenômenos magnéticos, antes que se lhes
conhecesse a causa, devem ter passado por prodígios; ora, como os céticos, os espíritos
fortes, quer dizer, aqueles que têm o privilégio exclusivo da razão e do bom senso, não
crêem que uma coisa seja possível do momento que não a compreendem; eis porque todos
os fatos reputados prodigiosos são o objeto de suas zombarias; e como a religião contém um
grande número de fatos deste gênero, eles não crêem na religião, e daí para a incredulidade
absoluta não há senão um passo. O Espiritismo, explicando a maioria desses fatos, dá-lhes
uma razão de ser. Ele vem, pois, em ajuda da religião em demonstrando a possibilidade de
certos fatos que, por não terem mais o caráter miraculoso, não são menos extraordinários, e
Deus, com isso, não é menos grande, nem menos poderoso por não ter derrogado as suas
leis. De quantos gracejos as levitações de São Cupertino não foram objeto? Ora, a suspensão
etérea dos corpos pesados é um fato explicado pelo Espiritismo; dela formos pessoalmente
testemunha ocular, e o Sr. Home, assim como outras pessoas do nosso conhecimento,
renovaram várias vezes os fenômenos produzidos por São Cupertino. Portanto, esse
fenômeno entra na ordem das coisas naturais.
Ao número dos fatos deste gênero é necessário colocar em primeira linha as aparições,
porque são os mais frequentes. A de Salette, que divide mesmo o clero, nada tem de insólita
para nós. Seguramente, não podemos afirmar que tal fato ocorreu, porque dele não temos a
prova material; mas, para nós, ele é possível, tendo em vista que milhares de fatos análogos
recentes nos são conhecidos; nós neles cremos não somente porque sua realidade foi
averiguada por nós, mas sobretudo porque nos damos perfeitamente conta da maneira pela
qual eles se produzem. Que se queira bem reportar à teoria que demos das aparições, e verse-
á que esse fenômeno torna-se tão simples e tão plausível como uma multidão de
fenômenos físicos que não são prodigiosos senão por não se ter deles a chave. Quanto ao
personagem que se apresentou à Salette, é uma outra questão; a sua identidade não nos foi
de nenhum modo demonstrada; constatamos somente que uma aparição pode ter ocorrido, o
resto não é de nossa competência; cada um pode, a esse respeito, guardar as suas
convicções, o Espiritismo não tem que disso se ocupar; dizemos somente que os fatos
produzidos pelo Espiritismo nos revelam leis novas, e nos dão a chave de uma multidão de
coisas que parecem sobrenaturais; se alguns daqueles que passam por miraculosos nele
encontram uma explicação lógica, é um motivo para não se apressar em negar aquilo que
não se compreende.
Os fatos do Espiritismo são contestados por certas pessoas, precisamente porque parecem
sair da lei comum, da qual não se dão conta. Dai-lhes uma base racional, e a dúvida cessa. A
explicação, neste século em que não se pagam as palavras, é, pois, um poderoso motivo de
convicção; também vemos, todos os dias, pessoas que não foram testemunhas de nenhum
fato, que não viram nem uma mesa girar, nem um médium escrever, e que são tão
convencidas quanto nós, unicamente porque leram e compreenderam. Se não se devesse
crer senão naquilo que se viu com seus olhos, nossas convicções se reduziriam a bem pouca
coisa.
 
(enviado pelo Joel Silva, via email)

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