domingo, 29 de novembro de 2015

Revista Espírita - Maio de 1862 - As duas lágrimas

Revista Espírita - Quinto Ano – 1862

Maio de 1862

As duas lágrimas

(Sociedade Espírita de Lyon; grupo Vilon. - Médium, senhora Bouilland.)

Um Espírito iria deixar forçosamente a Terra, que não teria podido visitar, porque vinha de uma região bem inferior; mas tinha pedido para sofrer uma prova, e Deus não lha havia recusado. Pois bem! a esperança que havia concebido à sua entrada no mundo terrestre não se realizara, e sua natureza abrupta tendo retomado o superior, cada um de seus dias foi marcado pelo mais negro crime. Durante muito tempo, todos os Espíritos guardiães dos homens haviam tentado afastá-lo da senda que seguia, mas, cedendo de cansaço, tinham abandonado esse infeliz a si mesmo, quase temendo seu contato. Todavia, cada coisa tem um fim; cedo ou tarde o crime se descobre, e a justiça repressiva dos homens impõe ao culpado a pena de talião. Esta vez não foi cabeça por cabeça: foi cabeça por cento; e ontem esse Espírito, depois de permanecer meio século sobre a Terra, ia retornar ao espaço, para ser julgado pelo Juiz supremo, que pesa as faltas muito mais inexoravelmente que vós mesmos não poderíeis fazê-lo.

Em vão os Espíritos guardiães se ocuparam com a condenação e tinham tentado introduzir o arrependimento nessa alma rebelde; em vão levaram junto dele os Espíritos de toda a sua família: cada um quisera poder arrancar-lhe um suspiro de remorso, ou somente um sinal; o momento fatal se aproximava, e nada enfraquecia essa natureza bronzeada e, por assim dizer, bestial; no entanto, um único arrependimento, antes de deixar a vida, teria podido abrandar os sofrimentos desse infeliz, condenado pelos homens a perder a vida, e por Deus aos remorsos incessantes, torturas terríveis, semelhantes ao abutre roendo o coração que renasce sem cessar.

Enquanto os Espíritos trabalhavam sem descanso para fazer nascer nele pelo menos um pensamento de arrependimento, um outro Espírito, Espírito encantador, dotado de uma sensibilidade e de uma ternura sublimes, voava ao redor de uma cabeça muito cara, cabeça vivente ainda, e lhe dizia: "Pensa nesse infeliz que vai morrer; fala-me dele." Quando a caridade é simpática, quando dois Espíritos se entendem e não fazem dela senão um, o pensamento é como elétrico. Logo o Espírito encarnado diz ao mensageiro do amor: "Meu filho, trata de inspirar um pouco de remorsos a este miserável que vai morrer; vai, consola- o!" E nele pensando compreende-se tudo que o infortunado criminoso iria ter de sofrimentos a suportar para a sua expiação, uma lágrima furtiva escapou daquele que, só, nessa hora matinal, despertara pensando nesse ser impuro que, num instante, deveria prestar suas contas. O doce mensageiro recolheu essa lágrima benfazeja na concha de sua pequena mão; e, num voo rápido, levou-a para o tabernáculo que encerra semelhantes relíquias, e fez assim a sua prece: "Senhor, um ímpio vai morrer; vós o condenastes, mas dissestes: "Perdoo ao remorso, concedo indulgência ao arrependimento". Eis uma lágrima de verdadeira caridade, que traspassou do coração aos olhos do ser que eu mais amo no mundo. Eu vos trago esta lágrima: é o resgate do sofrimento; dai-me o poder de abrandar o coração de rocha do Espírito que vai expiar seus crimes. - Vai, responde-lhe o Mestre; vai, meu filho; essa lágrima bendita pode pagar muitos resgates."

A doce filha tornou a partir: chega junto ao criminoso no momento do suplício; o que ela lhe diz só Deus o sabe; o que se passou neste ser desviado, ninguém não o compreendeu, mas, abrindo os seus olhos à luz, viu se desenrolar diante dele todo um passado terrível.

Ele, que o instrumento fatal não havia abalado; ele, que a condenação à morte fê-lo sorrir, levantou os olhos e uma grossa lágrima, ardente como chumbo fundido, tombou de seus olhos. A essa prova muda, que lhe testemunhava que sua prece havia sido atendida, o anjo da caridade estendeu sobre o infeliz as suas brancas asas, recolheu essa lágrima e parecia dizer: "Infortunado! sofrerás menos: levo a tua redenção."

Que contraste pode inspirar a caridade do Criador! O ser mais impuro sobre os últimos degraus da escala, e o anjo mais casto que, prestes a entrar no mundo dos eleitos, vem, a um sinal, estender a sua proteção visível sobre esse pária da sociedade! Deus bendiz, do alto de seu poderoso tribunal, esta cena tocante, e nós todos, dizemos cercando essa criança: 'Vai receber a tua recompensa." A doce mensageira remontou aos céus, sua lágrima de lava na mão, e pôde dizer: "Mestre, ele chorou, eis a prova! - Está bem, responde o Senhor; conservai essa primeira gota de orvalho do coração endurecido; que essa lágrima fecunda vá regar esse Espírito ressecado pelo mal; mas guardai, sobretudo, a primeira lágrima que esta criança me trouxe; que essa gota d'água se torne diamante puro, porque é bem a pérola sem mácula da verdadeira caridade. Relatai este exemplo aos povos e dizei-lhes: "Solidários uns com os outros, vede, eis "uma lágrima de amor e de humanidade, e uma lágrima de remorsos obtida pela prece, e essas duas lágrimas serão as pedras mais preciosas do vasto escrínio da caridade."

CARITA.

Enviado por: Joel Silva

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