domingo, 15 de novembro de 2015

Revista Espírita - maio de 1862 - Causas de incredulidade

Revista Espírita

Quinto Ano – 1862

Maio

Causas de incredulidade

Revista Espírita, maio de 1862

Senhor Allan Kardec,

Li com muita desconfiança, direi mesmo com o sentimento de incredulidade, as vossas primeiras publicações tratando do Espiritismo; mais tarde, eu as reli com infinita atenção, assim como as vossas outras publicações, à medida que elas apareceram. Pertenço, devo dize-lo sem preâmbulo, à escola materialista; a razão, ei-la: é que, de todas as seitas filosóficas ou religiosas, era a mais tolerante, a única que não se entregou a um levante geral para a defesa de um Deus que disse, pela boca do Mestre: "Os homens provarão que são meus discípulos se amando uns aos outros". Em seguida, é que a maioria dos guias que a sociedade se dá para inculcar nos espíritos jovens as ideias de moral e de religião, parecem antes destinadas a lançar o pavor nas almas, do que lhes ensinar a bem se conduzir, a esperar uma recompensa pelas suas penas, uma compensação para sua aflição.

Também os materialistas de todas as épocas, e principalmente os filósofos do último século, cuja maioria ilustrou as artes e as ciências, aumentaram o número de seus prosélitos, à medida que a instrução emancipou os indivíduos: preferiu-se o nada aos tormentos eternos.

Está na ordem que o infeliz compare; a comparação lhe sendo desvantajosa, duvida de tudo. E, com efeito, quando se vê o vício na opulência e a virtude na miséria, se não houver uma doutrina racional e provada pelos fatos, o desespero se apodera da alma, pergunta-se

o que se ganha em ser virtuoso, e atribuem-se os escrúpulos da consciência aos preconceitos e aos erros de uma primeira educação.

Ignorando o uso que fareis de minha carta, e vos deixando, sobre este ponto, uma inteira liberdade, creio que não será inútil fazer conhecer aqui as causas que operaram minha conversão. Eu tinha vagamente ouvido falar do magnetismo; uns o consideravam como uma coisa séria e real, os outros o tratavam de bagatela: nisso, pois, não me deterei. Mais tarde, ouvi falar de todos os lados de mesas girantes, de mesas falantes, etc.; mas cada um tinha, sobre esse assunto, a mesma linguagem que sobre o magnetismo, o que fez que não me interessasse mais com isso. Entretanto, por uma circunstância inteiramente imprevista, tive à minha disposição o Tratado de magnetismo e de sonambulismo do Sr. Aubin Gauthier. Li esta obra com uma disposição de espírito constantemente em rebelião contra seu conteúdo, de tal modo que, o que ali está explicado, me parecia extraordinário, impossível; mas chegado a esta página onde esse homem honesto disse: "Não queremos que nos creia sobre palavra; que se tente segundo os princípios que indicamos, e se se reconhece que, o que adiantamos, é verdadeiro, tudo o que pedimos, é que se esteja de boa fé, e que nisso se convenha." Esta linguagem de uma certeza racional, que só o homem

prático pode ter, detém toda minha efervescência, submete meu espírito à reflexão e lhe determina a tentar. Operei primeiro sobre uma criança de meus parentes, com idade em torno de dezesseis anos, e triunfei além de todas as minhas esperanças; dizer-vos da perturbação que se fez em mim, seria difícil; eu desconfiava de mim mesmo e me perguntava se não era pateta dessa criança que, tendo adivinhado as minhas intenções, se entregava às macaquices de uma simulação para, em seguida, me ridicularizar. Para disso me assegurar, tomei certas precauções indicadas e fiz vir, imediatamente, um magnetizador; então, adquiri a certeza de que a criança estava realmente sob a influência magnética. Essa primeira tentativa me animou tão bem que me entreguei a esta ciência, da qual tive ocasião de observar todos os fenômenos, ao mesmo tempo que pude constatar a axistência do agente invisível que os produzia.

Qual é, pois, este agente? quem o dirige? qual é sua essência? por que não é visível? São perguntas às quais me é impossível responder, mas que me conduziram a ler o que foi escrito pró e contra as mesas falantes, porque me disse que se um agente invisível podia produzir os efeitos dos quais era testemunha, um outro agente, ou talvez o mesmo, podia bem produzir outros; de onde concluí que a coisa era possível, e hoje nela creio, embora não haja ainda nada visto.

Todas estas coisa são, por seus efeitos, tão surpreendentes quanto o Espiritismo, que os críticos, de resto, não combateram senão fracamente, e de maneira a não deslocar nenhuma convicção. Mas o que o caracteriza bem de outro modo que os efeitos materiais, são os efeitos morais. Fica evidente para mim que todo homem que disso se ocupar seriamente, se for bom, se tornará melhor; se for mau, modificará forçosamente seu caráter. Outrora a esperança não era senão uma corda na qual se dependuravam os infelizes; com o Espiritismo, a esperança é uma consolação, os sofrimentos uma expiação, e o Espírito, em lugar de se colocar em rebeldia contra os decretos da Providência, suporta pacientemente as suas misérias, não maldiz nem a Deus nem aos homens, e caminha sempre para a sua perfeição. Se eu tivesse sido nutrido nessas ideias, não teria certamente passado pela escola do materialismo, da qual estou muito feliz por ter saído agora.

Vedes, senhor, que por rudes que tenham sido os combates aos quais me entreguei, minha conversão está operada, e sois um daqueles que para ela mais contribuiu. Registrai-o em vossas anotações porque essa não será uma das menores, e querei doravante me contar no número de vossos adeptos.

GAUZY

Antigo oficial, 23, rua Saint-Louis, em Batignolles (Paris).

Nota. - Esta conversão é um exemplo a mais da causa mais comum da incredulidade.

Enquanto se der como verdades absolutas coisas que a razão repele, far-se-ão incrédulos e materialistas. Para fazer crer, é preciso fazer compreender; assim o quer nosso século, e é preciso caminhar com o século se não se quiser sucumbir; mas para fazer compreender, é preciso que tudo seja lógico: princípios e consequências. O Sr. Gauzy emite uma grande verdade dizendo que o homem prefere a ideia do nada, que põe fim às suas penas, à perspectiva de torturas sem fim, às quais é tão difícil escapar; também procura gozar, o mais possível, enquanto está sobre a Terra. Perguntai a um homem que sofre muito o que ele prefere: morrer em seguida ou viver cinquenta anos na dor; sua escolha não será duvidosa. Quem quer muito provar, nada prova; à força de exagerar as penas, acabou-se por não mais fazer crer nelas; e estamos certos de haver muita gente de nossa opinião dizendo que a doutrina do diabo e das penas eternas fez o maior número dos materialistas; que a de um Deus que criou seres para entregar sua imensa maioria às torturas sem esperança, por faltas temporárias, fez o maior número dos ateus.

Enviado por: Joel Silva

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