sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Revista Espírita - Quinto Ano – 1862 - Discurso do Sr. Allan Kardec

Revista Espírita

Jornal de Estudos Psicológicos

Quinto Ano – 1862

Junho

Discurso do Sr. Allan Kardec

pelo quinto aniversário

Sociedade Parisiense de Estudos espíritas

Revista Espírita, junho de 1862

Também a linha que ela segue traz seus frutos; os princípios que professa, baseados sobre observações conscienciosas, servem hoje de regra à imensa maioria dos Espíritas. Vistes sucessivamente cair, diante da experiência, a maioria dos sistemas desabrochados no início,

e é com dificuldade se alguns conservam ainda raros partidários; isto é incontestável. Quais são, pois, as ideias que crescem, e quais são as que declinam? É uma questão de fato. A doutrina da reencarnação é o princípio que foi mais controvertido, e seus adversários nada pouparam para atacá-la vivamente, nem mesmo as injúrias e as grosserias, este argumento supremo daqueles esgotados de boas razões; por isso não caminhou menos porque se apoia por uma lógica inflexível; que sem essa alavanca choca-se contra dificuldades intransponíveis, e porque, enfim, nada se encontrou de mais racional para colocar no lugar.

No entanto, há um sistema, do qual se faz mais do que nunca, a exibição hoje, é o sistema diabólico. Na impossibilidade de negar os fatos de manifestações, um partido pretende provar que são a obra exclusiva do diabo. A obstinação que a isso se leva prova que não está bem seguro de ter razão, ao passo que os Espíritas não se comovem, absolutamente, com esse desdobramento de forças que deixam perder-se. Neste momento, se faz fogo sobre toda a linha: discursos, pequenas brochuras, grossos volumes, artigos de jornais, é

um ataque geral, para demonstrar o quê? Que os fatos que, na nossa opinião, testemunham do poder e da bondade de Deus, testemunham, ao contrário, do poder do diabo; de onde resulta que só o diabo podendo se manifestar, é mais poderoso do que Deus. Atribuindo ao diabo tudo o que é bom nas comunicações, é retirar o bem a Deus para com ele homenagear o diabo. Cremos ser mais respeitosos do que isso para com a Divindade. De resto, como disse, os Espíritas em nada se inquietam com esse levante geral que terá por efeito destruir, um pouco mais cedo, o crédito de Satã.

A Sociedade de Paris, sem o emprego de meios materiais, e embora restrita numericamente por sua vontade, nem por isso deixou de fazer uma propaganda considerável pela força do exemplo, e a prova disso é o número incalculável de grupos espíritas que se formam sob os mesmos trâmites, quer dizer, segundo os princípios que ela professa; é o número das sociedades regulares que se organizam e pedem para se colocarem sob seu patrocínio; delas há em várias cidades da França e do exterior, na Argélia, na Itália, na Áustria, no

México, etc.; e o que fizemos para isto? Fomos procurá-las, solicitá-las? Enviamos emissários, agentes? Absolutamente; nossos agentes são as obras. As ideias espíritas se difundem numa localidade; ali não encontram de início senão alguns ecos, depois, passo a passo, ganham terreno; os adeptos sentem a necessidade de se reunir, menos para fazerem experiências do que para conversar sobre um assunto que lhes interessa; daí os milhares de grupos particulares, que se podem chamar de grupos de família; entre eles alguns adquirem uma importância numérica maior; pede-nos conselhos, e eis como se forma, insensivelmente essa rede que tem já balizas sobre todos os pontos do globo.

Aqui, senhores, coloca-se naturalmente uma observação importante sobre a natureza das relações que existem entre a Sociedade de Paris e as reuniões, ou sociedades, que se fundam sob os seus auspícios, e que erradamente se consideraria como sucursais. A Sociedade de Paris não tem sobre elas outra autoridade senão a da experiência; mas, como disse em outra ocasião, ela não se imiscui em nada nos seus negócios; seu papel se limita a conselhos oficiosos, quando lhe são solicitados. O laço que as une é, pois, um laço puramente moral, fundado sobre a simpatia e a semelhança das ideias; não há, entre elas, nenhuma filiação, nenhuma solidariedade material; uma só palavra de ordem é a que deve unir todos os homens: caridade e amor ao próximo, palavra de ordem pacífica e que não poderia levar desconfiança.

A maior parte dos membros da Sociedade reside em Paris; entretanto, conta entre eles vários que habitam na província ou no estrangeiro, embora não assistindo a ela senão excepcionalmente, e há mesmo os que jamais vieram a Paris desde sua fundação, e tiveram a honra de dela fazer parte. Além dos membros, propriamente ditos, ela tem correspondentes, mas cujas relações, puramente científicas, não têm por objeto senão mantê-la ao corrente do movimento espírita nas diferentes localidades, e me fornecerem documentos para a história do estabelecimento do Espiritismo, do qual reúno os materiais. Entre os adeptos, há os que se distinguem pelo seu zelo, sua abnegação, seu devotamento à causa do Espiritismo; que paguem por si mesmos, não em palavras, mas em ações; a Sociedade está feliz em lhes dar um testemunho particular de simpatia, conferindo-lhes o título de membro honorário.

Depois de dois anos, a Sociedade cresceu, pois, em crédito e em importância; mas seus progressos, além disso, são marcados pela natureza das comunicações que recebe dos Espíritos. Há algum tempo, com efeito, essas comunicações adquiriram proporções e desenvolvimentos que ultrapassaram em muito nossa expectativa; não são mais, como outrora, curtos fragmentos de moral banal, mas dissertações onde as mais altas questões de filosofia são tratadas com uma amplitude e uma profundidade de pensamentos, que delas fazem verdadeiros discursos. É o que notou a maioria dos leitores da Revista.

Estou feliz em assinalar um outro progresso no que concerne aos médiuns; jamais, em nenhuma outra época, não foram vistos tantos tomar parte em nossos trabalhos, uma vez que nos chegou ter até quatorze comunicações numa mesma sessão. Mas o que é mais precioso do que a quantidade, é a qualidade, da qual se pode julgar pela importância das instruções que nos são dadas. Todo o mundo não aprecia a qualidade mediúnica do mesmo ponto de vista; há os que a medem pelo efeito; para eles, os médiuns velozes são os mais

notáveis e os melhores; para nós, que procuramos, antes de tudo, a instrução, damos mais importância ao que satisfaz ao pensamento do que ao que não satisfaz senão aos olhos; preferimos, pois, um médium útil com o qual aprendemos alguma coisa, a um médium admirável com o qual não aprendemos nada. Sob esse aspecto, nada temos a lamentar, e devemos agradecer aos Espíritos por terem cumprido a promessa, que nos fizeram, de não nos deixarem de surpresa. Querendo alargar o círculo de seus ensinamentos, devem também multiplicar os instrumentos.

Mas há um ponto mais importante ainda, sem o qual este ensinamento não teria produzido senão pouco ou nenhum fruto. Sabemos que todos os Espíritos estão longe de ter a soberana ciência e que podem se enganar; que, frequentemente, emitem suas próprias ideias, que podem ser justas ou falsas; que os Espíritos superiores querem que nosso julgamento se exerça em discernir o verdadeiro do falso, o que é racional do que é ilógico; é por isso que não aceitamos, jamais, nada de olhos fechados. Não se saberia, pois, nela ter ensinamento proveitoso sem discussão; mas como discutir comunicações com médiuns que não suportam a menor controvérsia, que se ferem com uma nota crítica, com uma simples observação, e que acham mal que não sejam aplaudidos em tudo o que obtêm, fosse mesmo maculado com as mais grosseiras heresias científicas? Essa pretensão estaria deslocada se o que escrevem fosse o produto de sua inteligência; é ridícula desde que não são senão instrumentos passivos, porque se assemelham a um ator que se melindraria se fossem achados maus os versos que está encarregado de recitar. Se o próprio Espírito não podendo se melindrar com uma crítica que não o atinge, é, pois, o Espírito que se comunica que se fere, e que transmite sua impressão ao médium; por isso mesmo esse Espírito trai sua influência, uma vez que quer impor suas ideias pela fé cega e não pelo raciocínio, ou, o que vem a ser o mesmo, uma vez que quer raciocinar tudo sozinho. Disso resulta que o médium, que está nessa disposição, está sob império de um Espírito que merece pouca confiança, desde que mostre mais orgulho do que saber; também sabemos que os Espíritos dessa categoria afastam, geralmente, seus médiuns dos centros onde não são aceitos sem reserva.

Essa má direção, nos médiuns que por ela são atingidos, é um obstáculo para o estudo. Se não procurarmos senão os efeitos, isso seria sem importância para nós; mas como procuramos a instrução, não podemos nos dispensar de discutir, com risco de desagradar aos médiuns; também alguns se retiraram outrora, como o sabeis, por esse motivo, embora não confessado, e porque não puderam se colocar diante da Sociedade como médiuns exclusivos, e como intérpretes infalíveis dos poderes celestes; aos seus olhos, são aqueles que não se inclinam diante de suas comunicações que estão obsidiados; alguns há mesmo que estendem a suscetibilidade ao ponto de se melindrar com a prioridade dada à leitura das comunicações obtidas por outros médiuns; o que é, pois, quando uma outra comunicação é preferida à sua? Compreende-se o constrangimento que semelhante situação impõe. Felizmente, para o interesse da ciência espírita, nem todos são a mesma coisa, e tomo com zelo esta ocasião de me dirigir, em nome da Sociedade, os agradecimentos àqueles que nos prestam hoje seu concurso com tanto zelo quanto devotamento, sem calcular seu trabalho nem seu tempo, e que, não tomando, de nenhum modo, fato e causa por suas comunicações, são os primeiros a ir diante da controvérsia da qual podem ser o objeto.

Em resumo, senhores, não podemos senão nos felicitar pelo estado da Sociedade no ponto de vista moral; e não há pessoa que não haja notado do espírito dominante uma diferença notável, comparativamente ao que era no princípio, do qual cada um sente instintivamente a impressão, e que se traduziu, em muitas circunstâncias, por fatos positivos. E incontestável que ali reina menos embaraço e menos constrangimento, ao passo que se faz sentir um sentimento de mútua benevolência. Parece que Espíritos trapalhões, vendo sua impossibilidade em semear a desconfiança, tomaram a sábia resolução de se retirar. Não podemos também senão aplaudir ao feliz pensamento, de vários membros, de organizar, entre eles, reuniões particulares; elas têm a vantagem de estabelecer relações mais íntimas; além disso, são centros para uma multidão de pessoas que não podem ir à Sociedade; onde se pode haurir uma primeira iniciação; onde se pode fazer uma multidão de observações que vêm, em seguida, convergir ao centro comum; são, enfim, estufas para a formação dos médiuns.

Enviado por: Joel Silva

Nenhum comentário:

Postar um comentário