Os que defendem a legalização do aborto encontraram na associação do
aumento da microcefalia com o surto de zika uma oportunidade para
retomar a discussão da liberação do procedimento no Brasil. Querem
transformar o diagnóstico de microcefalia em atestado de morte para
todas as crianças das mães que contraíram o vírus e que optarem pela
interrupção da gravidez, mesmo com possibilidades de nascerem sem
sequelas neurológicas graves.
Com o avanço da medicina fetal e da genética médica, hoje é possível a
detecção, ainda no útero, de várias anomalias fetais. Querer considerar
apenas as crianças saudáveis com direito à vida é retomar a prática da
eugenia feita na Grécia antiga e pelo nazismo, abrindo um precedente
para a liberação do aborto em outros casos de microcefalia.
Não se pode falar na opção de abortamento, pois não se trata de
patologia letal que inviabilize a vida extrauterina. A discussão do
aborto em casos de microcefalia retrata bem o momento pós-moderno em que
vivemos.
Para a maioria dos autores, a pós-modernidade é marcada como a época
das incertezas, das fragmentações, do narcisismo, da troca de valores,
do vazio, do niilismo, da deserção, do imediatismo, da efemeridade, do
hedonismo, da substituição da ética pela estética, da apatia, do consumo
de sensações e do fim dos grandes discursos.
Na sociedade pós-moderna, predomina a permissividade que justifica
que tudo é bom desde que eu me sinta bem. É um relativismo no qual não
há nada absoluto, nada totalmente bom ou mau, onde as verdades são
oscilantes.
Vive-se numa época de grande competitividade e de pouca
solidariedade. Em nome dessa nova ideologia, os indivíduos se permitem
agir passando por cima de valores fundamentais.
A coisificação da vida e o predomínio dos interesses pessoais em
detrimento do coletivo são bem característicos dessa fase em que
vivemos.
Entretanto, aprendemos com a genética que a diversidade é a nossa
maior riqueza coletiva. E o feto anômalo, mesmo o portador de grave
deficiência, como é o caso da microcefalia, faz parte dessa diversidade.
Deve ser, portanto, preservado e respeitado.
Necessário se faz proteger também a gestante, dando-lhe apoio em sua gravidez e proporcionando tratamento ao seu futuro filho.
O aborto provocado é um procedimento traumático, com repercussões
gravíssimas para a saúde mental da mulher, que geralmente aparecem
tardiamente. Produz um luto incluso, devido à negação da ocorrência de
uma morte real, mas esse aspecto é totalmente desconsiderado.
As mulheres sofrem uma perda, e suas necessidades emocionais são
relegadas ou escondidas. Esse processo vai gerar profundas marcas e
favorecer o surgimento da síndrome pós-aborto.
A evolução de uma sociedade é medida pela sua capacidade de amparar
os mais frágeis. A sociedade que apela para o aborto se declara falida
em suas bases educacionais, porque dá guarida à violência no que ela tem
de pior, que é a pena de morte para inocentes. Compromete, portanto, o
seu projeto mais sagrado, que é o da construção da paz.
Gilson Luís Roberto é presidente da Associação Médico-Espírita do Brasil
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