Livro em estudo: Nos Bastidores
da Obsessão – Editora FEB - 1970
Autor: Espírito Manoel Philomeno
de Miranda, psicografia de Divaldo Pereira Franco
Não havia tempo para maiores elucubrações, pois nesse
momento deu entrada no recinto singular cortejo formado por um grupo grotesco,
estranhamente vestido, sustentando um sólio sob colorido pálio, em cujo assento
se encontrava hedionda personagem. Trajando roupa de cor berraste, que variava
do arroxeado ao negro, ostentava grosseiro paludamento que lhe caia dos ombros
e era sustido pelo braço esquerdo. O semblante aberto num sorriso que mais
parecia um esgar, não ocultava a ferocidade brilhante nos dois olhos quase
oblíquos, que se destacavam na face gorda e macilenta, sob uma testa larga, de
raros fios de cabelos empastados... Bigodes abundantes se perdiam nas suíças
extravagantes, completando a visão terrificante e macabra.
O préstito bizarro voluteou por três vezes o picadeiro e se aquietou ao centro,
transferindo-se o temível doutor Teofrastus para um palanque adredemente
armado, com gestos vulgares e ridículos. Houve um súbito silêncio feito de
expectativa e receio.
Voltando-se para a multidão, começou a falar, através de
um microfone que levava a sua voz às galerias, por meio de vários projetores de
som, de alta potência.
As palavras duras e impiedosas exprobravam os que se
atemorizavam ante o cumprimento do «dever
da vingança», explodindo ameaças e exibindo toda a prepotência de que se
supunha possuir.
O silêncio era aterrador. Nenhum som, nenhuma
galhofa, exceto, de quando em quando, alguns gritos de terror que partiam das
arquibancadas...
— Temos hoje um caso de Justiça... — reticenciou.
E para fazer-se mais temerário, apostrofou:
— Julgaremos uma criminosa que chegou da Terra para os
nossos presídios, há quase um ano...
Apareceram os que se poderiam chamar jurados, que tomaram lugar em assentos reservados, um acusador, duas testemunhas — uma de lamentável aspecto Iacerado, e a outra, apenas
uma pasta informe, perispiritual, estiolada, que, mantida numa cesta
nauseante, foi colocada sobre uma mesa, em destaque, no centro do proscênio.
Algemada e atada a uma corrente, jovem mulher de uns
quase 35 anos foi trazida, acolitada por dois guardas e conduzida ao palco da
triste encenação.
O semblante desencarnado e a expressão de loucura deformavam-na
em grande parte. Andrajosa e imunda, quase rastejava, minada pela ausência de
forças.
O simulacro de julgamento era decerto confrangedor.
A infeliz relanceou os olhos baços várias vezes, traduzindo
o quanto de sofrimento lhe invadia o ser.
O acusador, empertigado e ferino, narrou:
— Esta mulher vem da Terra, após uma vida de abominação.
«Enganando-se, quanto pôde, entregou-se a toda espécie
de prazeres, assistida de perto por diversos cooperadores da nossa
Organização, após os seus primeiros crimes.
«Tendo oportunidade de fazer-se mãe, seis vezes consecutivas,
delinqüiu em todas elas, evadindo-se, pelo infanticídio, a qualquer
responsabilidade para com os próprios atos.
«Na última vez, fez-se vítima da própria leviandade e
desencarnou após terrível e demorada hemorragia que lhe roubou toda
possibilidade de sobrevivência.
«Dentre os a quem ela impediu voltassem à carne, aqui
estão duas vítimas suas, em diferentes estados: um conseguiu retomar a forma
anterior, mas apresenta os sinais das lâminas que lhe romperam o corpo em
formação; o outro ainda dorme, hibernado, na forma desfigurada, graças ao
despedaçamento sofrido, no ato do aborto.
«Logo despertou, porém, no túmulo, alguns dias após o
desenlace, acreditando-se viva no corpo — ignorante das realidades espirituais
—, um soldado nosso deu-lhe «voz de prisão» pelos crimes cometidos e, algemando-a,
trouxe-a ao cárcere, em que tem estado até este momento.
«A sua primeira vítima,
que pertencia aos nossos quadros, apresentou queixa, há muito, o que nos
levou a assisti-la por alguns anos e agora nos reunimos para fazer justiça. »
O pobre espírito assistia a tudo, quase sem se aperceber.
Parecia semidesvairado, recolhendo a muito esforço mental algumas expressões
esparsas, que no entanto não conseguia coordenar...
Os insultos e doestos choviam, atirados em abundância.
A testemunha fez
chocante narração, várias vezes interrompida pelo vozerio das galerias, após o
que, uma voz se destacou na bulha, anunciando o veredicto:
— Culpada!
Gargalhadas estridentes espoucaram de todos os lados.
O Dr. Teofrastus ergueu-se e, depois de receber mesuras
dos comparsas, sentenciou:
— Façamos com ela, o que no íntimo sempre foi: uma loba!
Acercou-se da sofrida entidade e, fitando-a, escarnecedor,
passou a ofendê-la, vilmente.
A vítima não apresentou qualquer reação. Era como se a
sua visão se encontrasse longe, a fixar as evocações dos abortos delituosos a
que se entregara nos dias de insensatez, que ficaram para trás, mas que não se
consumiram...
Obrigando-a a ajoelhar-se, enquanto lhe estrugia no dorso
longo chicote sibilante, ordenou, de voz estertorada:
— Víbora infeliz! Devoradora dos próprios filhos! Toma a
tua forma... a que já tens na mente atormentada.
“A tua justiça é a tua consciência... Obedece, serpente
famélica!»
A voz, impregnada de pesadas vibrações deletérias e
vigorosas, dobrava os centros de parca resistência perispiritual da
atormentada, e, diante dos nossos olhos, ao comando do sicário cruel, que se
utilizava de processos hipnóticos deprimentes, atuava no subconsciente perispiritual abarrotado de remorso da infanticida,
imprimindo-lhe a tragédia da mutação da forma, num horrendo fenômeno de
licantropia, dos mais lacerantes...
Choros convulsivos e gritos irromperam simultâneos das
arquibancadas. A altercação foi geral. Repentinamente escutaram-se cirenes de
alarme, e a perturbação se fez total...
Saturnino, a meia voz, buscou acalmar-nos, aduzindo
explicações:
— A visão horrenda para todos nós produziu em algumas
centenas de reencarnados aqui presentes, constringidos pelas forças obsessivas
nas quais se encontram subjugados aos seus verdugos, choques muito profundos e
violentos, que os recambiaram inopinadamente ao corpo — abençoada cidadela de
defesa que a vida nos concede para aprender e recomeçar...
— Despertarão, extremunhados, esses espíritos, mesmo os
que conservam a demência nos registros da consciência retornando de estranhos e
terríveis pesadelos, banhados por álgidos suores, amedrontados, chorosos,
desesperados...
E desejando esclarecer-nos com as sábias lições, continuou,
enquanto os distúrbios prosseguiam:
— Nesse sentido, é que o conhecimento do Espiritismo
realiza a melhor terapêutica para o espírito, higienizando-lhe a mente,
animando-o para o trabalho reto e atitudes corretas e sobretudo dulcificando-o
pelo exercício do amor e da caridade, como medidas providenciais de
reajustamento e equilíbrio. Não há força operante no mal que consiga penetrar
numa mente assepsiada pelas energias vitalizadoras do otimismo, que se adquire
pela irrestrita confiança em Deus e pela prática das ações da solidariedade e
da fraternidade.
E dando mais ênfase ao ensino, arrematou:
— Aliando o esforço que cada um deve envidar a benefício
próprio, a prece é a fonte inexaurível que irriga o ser, renovando-o e
aprimorando-o, ensejando também, logo após depurar-se, a plainar além dos
reveses e tropelias, arrastado pelas sutis modulações das Esferas Superiores
da Vida, onde haure vitalidade e força para superar todos os empeços.
Paulatinamente a ordem
foi restabelecida, conquanto a evasão dos encarnados fosse muito
expressiva, na busca desesperada de refúgio nos corpos.
A cena estranha Continuou por mais alguns momentos e o
atormentado espírito da mulher-lobo foi, por determinação do chefe, remetido ao interior para ser colocado
em defesa do anfiteatro.
Houve, ainda, algumas outras demonstrações de hipnose
elementar e grosseira, porém de efeito na multidão, atônita, quando o
espetáculo foi encerrado, após a saída do infame séquito e do seu famanaz.
Um tanto deprimidos, saímos, também, e voltando a
respirar o hálito da Natureza, quando chegamos àpraça em que se encontrava a
União Espírita Baiana, depois da Jornada pelo mesmo processo, adentramo-nos,
para receber energias revitalizantes e esclarecimentos finais do vigilante
Benfeitor.
Recompondo o círculo e carinhosamente recebidos pelos que
ficaram, fomos concitados à oração, após o que Saturnino, empenhado em
esclarecer-nos, elucidou, pausado:
— Aparentemente, os infelizes companheiros que mourejam no
Anfiteatro constituem segura organização a serviço do mal. Adestrados na
prática da ignomínia, supõem-se preparados para investir contra os espíritos
atormentados que gravitam em ambos os lados da vida, imanados às paixões que os
consomem, paixões cujo comportamento facilmente sintonizam com eles e outros
afins, caindo-lhes nas malhas vigorosas que, em última análise, se transformam
em instrumentos de que se utiliza a Lei Divina para corrigir os que ainda
preferem os tortuosos caminhos... Muito tempo se passará até que as Leis de
Amor, Leis da Vida, portanto, se estabeleçam em definitivo entre nós... Convém
considerar que só o bem tem características de perfeição, por ser obra de Deus,
que é Perfeito. O mal, engendrado pelo espírito atribulado, opera por métodos
de violência e, dessa forma, é falho, o que atesta a sua procedência. Não fosse
isso e não nos poderíamos ter adentrado no recinto das intervenções malignas,
pois que o. psicovibrômetro ter-nos-ia
denunciado... À semelhança de um contacto Geiger que detecta a radioatividade,
o psicovibrômetro obedece ao mesmo
princípio, tendo, porém, as características magnéticas que registam a
psicosfera dos que dele se acercam, detectando as vibrações mais suaves que,
então, disparam a agulha que incide numa “relay” que, por sua vez, comanda um
circuito de alarmes espalhados nas dependências adjacentes...
Como procuramos sintonizar com o meio ambiente em que
nos encontrávamos e aspirando os mesmos resíduos espalhados no ar, mergulhamos,
naturalmente, em densas ondas de baixo teor vibratório que nos envolveram a
todos, sendo que nós, Ambrósio e Glauco, passamos a sofrer os mal-estares
compreensíveis, a que Guilherme por sintonia constante está habituado e os
demais encarnados do Grupo, graças à condição do corpo orgânico não
experimentaram maior choque, permanecendo, momentaneamente, no mesmo teor de
energias deprimentes, que impediram a oscilação da agulha de registro do
aparelho... Fosse, porém, o inverso, isto é: se o aparelho detectasse vibrações
de baixo tom vibratório, nenhuma Entidade das que ali se encontravam, desejando
violar recintos Superiores, poderia sutilizar o padrão da sua psicosfera para
criar condição mais elevada. Sem dúvida que toda ascensão é lenta e áspera...
Agradeçamos, portanto, ao Senhor. Teremos ensejo de retornar ao Anfiteatro,
oportunamente, para prosseguir observações e tarefas, quando, então, o irmão
Glauco desempenhará função específica junto ao nosso irmão Teofrastus...
Os trabalhos foram encerrados quando os primeiros raios
da Alva venciam a teimosia da noite.
Reconduzidos ao corpo, particularmente nossa pessoa
conservou lembranças dolorosas e angustiantes. O dia nos foi de inquietação e
distonia emocional, como se a noite nos houvesse ofertado cruéis pesadelos, de
cuja visão confusa não nos podíamos libertar.
Texto complementar para nosso esclarecimento:
Zoantropia
-1. Perturbação mental em que o enfermo
se acredita convertido num animal. 2. Metamorfose
perispirítica, através de processo de indução hipnótica, em que o Espírito
desencarnado, ainda inferiorizado, ganha a forma
animalesca.
Em
‘O Livro dos Médiuns’, cap. VI, temos:
30ª Poderiam os Espíritos
apresentar-se sob a forma de animais?
“Isso pode dar-se;
mas somente Espíritos muito inferiores tomam essas aparências. Em caso algum,
porém, será mais do que uma aparência momentânea. Fora absurdo acreditar-se que
um qualquer animal verdadeiro pudesse ser a encarnação de um Espírito. Os
animais são sempre animais e nada mais do que isto.”
André Luiz no livro
‘Nos Domínios da Mediunidade, cap. 13:
A obsessão é sinistro conúbio da mente
com o desequilíbrio comum às trevas. Pensamos, e imprimimos existência ao
objeto idealizado. A resultante visível de nossas cogitações mais íntimas
denuncia a condição espiritual que nos é própria, e quantos se afinam com a
natureza de nossas inclinações e desejos aproximam-se de nós, pelas amostras de
nossos pensamentos.
Se persistimos nas esferas mais baixas
da experiência humana, os que ainda jornadeiam
nas linhas da animalidade nos procuram, atraídos pelo tipo de nossos
impulsos inferiores, absorvendo as substâncias mentais que
emitimos e projetando sobre nós os elementos de que se fazem portadores.
Imaginar é criar.
E toda criação tem vida e movimento,
ainda que ligeiros, impondo responsabilidade à consciência que a manifesta. E
como a vida e o movimento se vinculam aos princípios de permuta, é
indispensável analisar o que damos, a fim de ajuizar quanto àquilo que devamos
receber.
Quem apenas mentalize angústias e
crime, miséria e perturbação, poderá refletir no espelho da própria
alma outras imagens que não sejam as da desarmonia
e do sofrimento?
QUESTÕES PARA ESTUDO E DIÁLOGO VIRTUAL
1. O que acontecia no anfiteatro?
2. Por que razão a mulher
desencarnada era tão fortemente influencida por Teofrastus?
3. Que tipo de argumento
Teofrastus utilizava para prejudicar encarnados e desencarnados?
4. Como o Espiritismo pode ser
uma eficiênte terapêutica para o Espírito?
Um abraço a todos!
Equipe Manoel Philomeno
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