terça-feira, 23 de agosto de 2016

Livro em estudo: Nos Bastidores da Obsessão - A020 – Cap. 6 – No Anfiteatro – Segunda Parte

Livro em estudo: Nos Bastidores da Obsessão – Editora FEB - 1970
Autor: Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de Divaldo Pereira Franco

A020 – Cap. 6 – No Anfiteatro – Segunda Parte


Não havia tempo para maiores elucubrações, pois nesse momento deu entrada no recinto singular cortejo formado por um grupo grotesco, estranhamente vestido, sustentando um sólio sob colorido pálio, em cujo assento se encontrava hedionda personagem. Trajando roupa de cor berraste, que variava do arroxeado ao negro, osten­tava grosseiro paludamento que lhe caia dos ombros e era sustido pelo braço esquerdo. O semblante aberto num sorriso que mais parecia um esgar, não ocultava a ferocidade brilhante nos dois olhos quase oblíquos, que se destacavam na face gorda e macilenta, sob uma testa larga, de raros fios de cabelos empastados... Bigodes abundantes se perdiam nas suíças extravagantes, com­pletando a visão terrificante e macabra.
O  préstito bizarro voluteou por três vezes o picadeiro e se aquietou ao centro, transferindo-se o temível dou­tor Teofrastus para um palanque adredemente armado, com gestos vulgares e ridículos. Houve um súbito si­lêncio feito de expectativa e receio.
Voltando-se para a multidão, começou a falar, atra­vés de um microfone que levava a sua voz às galerias, por meio de vários projetores de som, de alta potência.
As palavras duras e impiedosas exprobravam os que se atemorizavam ante o cumprimento do «dever da vingança», explodindo ameaças e exibindo toda a prepotência de que se supunha possuir.
O  silêncio era aterrador. Nenhum som, nenhuma galhofa, exceto, de quando em quando, alguns gritos de terror que partiam das arquibancadas...
Temos hoje um caso de Justiça... — reticenciou.
E para fazer-se mais temerário, apostrofou:
Julgaremos uma criminosa que chegou da Terra para os nossos presídios, há quase um ano...
Apareceram os que se poderiam chamar jurados, que tomaram lugar em assentos reservados, um acusa­dor, duas testemunhas — uma de lamentável aspecto Iacerado, e a outra, apenas uma pasta informe, perispi­ritual, estiolada, que, mantida numa cesta nauseante, foi colocada sobre uma mesa, em destaque, no centro do proscênio.
Algemada e atada a uma corrente, jovem mulher de uns quase 35 anos foi trazida, acolitada por dois guardas e conduzida ao palco da triste encenação.
O  semblante desencarnado e a expressão de loucura deformavam-na em grande parte. Andrajosa e imunda, quase rastejava, minada pela ausência de forças.
O  simulacro de julgamento era decerto confran­gedor.
A infeliz relanceou os olhos baços várias vezes, tra­duzindo o quanto de sofrimento lhe invadia o ser.
O  acusador, empertigado e ferino, narrou:
Esta mulher vem da Terra, após uma vida de abominação.
«Enganando-se, quanto pôde, entregou-se a toda es­pécie de prazeres, assistida de perto por diversos coope­radores da nossa Organização, após os seus primeiros crimes.
«Tendo oportunidade de fazer-se mãe, seis vezes con­secutivas, delinqüiu em todas elas, evadindo-se, pelo in­fanticídio, a qualquer responsabilidade para com os pró­prios atos.
«Na última vez, fez-se vítima da própria leviandade e desencarnou após terrível e demorada hemorragia que lhe roubou toda possibilidade de sobrevivência.
«Dentre os a quem ela impediu voltassem à carne, aqui estão duas vítimas suas, em diferentes estados: um conseguiu retomar a forma anterior, mas apresenta os sinais das lâminas que lhe romperam o corpo em formação; o outro ainda dorme, hibernado, na forma desfigurada, graças ao despedaçamento sofrido, no ato do aborto.
«Logo despertou, porém, no túmulo, alguns dias após o desenlace, acreditando-se viva no corpo — igno­rante das realidades espirituais —, um soldado nosso deu-lhe «voz de prisão» pelos crimes cometidos e, al­gemando-a, trouxe-a ao cárcere, em que tem estado até este momento.
«A sua primeira vítima, que pertencia aos nossos quadros, apresentou queixa, há muito, o que nos levou a assisti-la por alguns anos e agora nos reunimos para fazer justiça. »
O pobre espírito assistia a tudo, quase sem se aper­ceber. Parecia semidesvairado, recolhendo a muito es­forço mental algumas expressões esparsas, que no en­tanto não conseguia coordenar...
Os insultos e doestos choviam, atirados em abun­dância.
A testemunha fez chocante narração, várias vezes interrompida pelo vozerio das galerias, após o que, uma voz se destacou na bulha, anunciando o veredicto:
Culpada!
Gargalhadas estridentes espoucaram de todos os lados.
O Dr. Teofrastus ergueu-se e, depois de receber mesuras dos comparsas, sentenciou:
Façamos com ela, o que no íntimo sempre foi: uma loba!
Acercou-se da sofrida entidade e, fitando-a, escar­necedor, passou a ofendê-la, vilmente.
A vítima não apresentou qualquer reação. Era como se a sua visão se encontrasse longe, a fixar as evoca­ções dos abortos delituosos a que se entregara nos dias de insensatez, que ficaram para trás, mas que não se consumiram...
Obrigando-a a ajoelhar-se, enquanto lhe estrugia no dorso longo chicote sibilante, ordenou, de voz ester­torada:
Víbora infeliz! Devoradora dos próprios filhos! Toma a tua forma... a que já tens na mente atormen­tada.
A tua justiça é a tua consciência... Obedece, ser­pente famélica!»
A voz, impregnada de pesadas vibrações deletérias e vigorosas, dobrava os centros de parca resistência pe­rispiritual da atormentada, e, diante dos nossos olhos, ao comando do sicário cruel, que se utilizava de proces­sos hipnóticos deprimentes, atuava no subconsciente pe­rispiritual abarrotado de remorso da infanticida, impri­mindo-lhe a tragédia da mutação da forma, num hor­rendo fenômeno de licantropia, dos mais lacerantes...
Choros convulsivos e gritos irromperam simultâ­neos das arquibancadas. A altercação foi geral. Repentinamente escutaram-se cirenes de alarme, e a pertur­bação se fez total...
Saturnino, a meia voz, buscou acalmar-nos, adu­zindo explicações:
—  A visão horrenda para todos nós produziu em algumas centenas de reencarnados aqui presentes, cons­tringidos pelas forças obsessivas nas quais se encontram subjugados aos seus verdugos, choques muito profundos e violentos, que os recambiaram inopinadamente ao corpo — abençoada cidadela de defesa que a vida nos con­cede para aprender e recomeçar...
Despertarão, ex­tremunhados, esses espíritos, mesmo os que conservam a demência nos registros da consciência retornando de estranhos e terríveis pesadelos, banhados por álgidos suores, amedrontados, chorosos, desesperados...
E desejando esclarecer-nos com as sábias lições, con­tinuou, enquanto os distúrbios prosseguiam:
—  Nesse sentido, é que o conhecimento do Espiri­tismo realiza a melhor terapêutica para o espírito, hi­gienizando-lhe a mente, animando-o para o trabalho reto e atitudes corretas e sobretudo dulcificando-o pelo exercício do amor e da caridade, como medidas provi­denciais de reajustamento e equilíbrio. Não há força operante no mal que consiga penetrar numa mente as­sepsiada pelas energias vitalizadoras do otimismo, que se adquire pela irrestrita confiança em Deus e pela prá­tica das ações da solidariedade e da fraternidade.
E dando mais ênfase ao ensino, arrematou:
—  Aliando o esforço que cada um deve envidar a benefício próprio, a prece é a fonte inexaurível que irriga o ser, renovando-o e aprimorando-o, ensejando também, logo após depurar-se, a plainar além dos reveses e tro­pelias, arrastado pelas sutis modulações das Esferas Su­periores da Vida, onde haure vitalidade e força para superar todos os empeços.
Paulatinamente a ordem foi restabelecida, conquanto a evasão dos encarnados fosse muito expressiva, na busca desesperada de refúgio nos corpos.
A cena estranha Continuou por mais alguns momen­tos e o atormentado espírito da mulher-lobo foi, por de­terminação do chefe, remetido ao interior para ser co­locado em defesa do anfiteatro.
Houve, ainda, algumas outras demonstrações de hip­nose elementar e grosseira, porém de efeito na multi­dão, atônita, quando o espetáculo foi encerrado, após a saída do infame séquito e do seu famanaz.
Um tanto deprimidos, saímos, também, e voltando a respirar o hálito da Natureza, quando chegamos àpraça em que se encontrava a União Espírita Baiana, depois da Jornada pelo mesmo processo, adentramo-nos, para receber energias revitalizantes e esclarecimentos finais do vigilante Benfeitor.
Recompondo o círculo e carinhosamente recebidos pelos que ficaram, fomos concitados à oração, após o que Saturnino, empenhado em esclarecer-nos, elucidou, pausado:
Aparentemente, os infelizes companheiros que mourejam no Anfiteatro constituem segura organização a serviço do mal. Adestrados na prática da ignomínia, supõem-se preparados para investir contra os espíritos atormentados que gravitam em ambos os lados da vida, imanados às paixões que os consomem, paixões cujo comportamento facilmente sintonizam com eles e outros afins, caindo-lhes nas malhas vigorosas que, em última análise, se transformam em instrumentos de que se uti­liza a Lei Divina para corrigir os que ainda preferem os tortuosos caminhos... Muito tempo se passará até que as Leis de Amor, Leis da Vida, portanto, se esta­beleçam em definitivo entre nós... Convém considerar que só o bem tem características de perfeição, por ser obra de Deus, que é Perfeito. O mal, engendrado pelo espírito atribulado, opera por métodos de violência e, dessa forma, é falho, o que atesta a sua procedência. Não fosse isso e não nos poderíamos ter adentrado no recinto das intervenções malignas, pois que o. psicovi­brômetro ter-nos-ia denunciado... À semelhança de um contacto Geiger que detecta a radioatividade, o psicovi­brômetro obedece ao mesmo princípio, tendo, porém, as características magnéticas que registam a psicosfera dos que dele se acercam, detectando as vibrações mais sua­ves que, então, disparam a agulha que incide numa “re­lay” que, por sua vez, comanda um circuito de alarmes espalhados nas dependências adjacentes...
Como pro­curamos sintonizar com o meio ambiente em que nos en­contrávamos e aspirando os mesmos resíduos espalha­dos no ar, mergulhamos, naturalmente, em densas ondas de baixo teor vibratório que nos envolveram a todos, sendo que nós, Ambrósio e Glauco, passamos a sofrer os mal-estares compreensíveis, a que Guilherme por sin­tonia constante está habituado e os demais encarnados do Grupo, graças à condição do corpo orgânico não experimentaram maior choque, permanecendo, momenta­neamente, no mesmo teor de energias deprimentes, que impediram a oscilação da agulha de registro do aparelho... Fosse, porém, o inverso, isto é: se o aparelho detectasse vibrações de baixo tom vibratório, nenhuma Entidade das que ali se encontravam, desejando violar recintos Superiores, poderia sutilizar o padrão da sua psicosfera para criar condição mais elevada. Sem dú­vida que toda ascensão é lenta e áspera... Agradeça­mos, portanto, ao Senhor. Teremos ensejo de retornar ao Anfiteatro, oportunamente, para prosseguir observa­ções e tarefas, quando, então, o irmão Glauco desempe­nhará função específica junto ao nosso irmão Teo­frastus...
Os trabalhos foram encerrados quando os primeiros raios da Alva venciam a teimosia da noite.
Reconduzidos ao corpo, particularmente nossa pes­soa conservou lembranças dolorosas e angustiantes. O dia nos foi de inquietação e distonia emocional, como se a noite nos houvesse ofertado cruéis pesadelos, de cuja visão confusa não nos podíamos libertar.


Texto complementar para nosso esclarecimento:

Zoantropia -1. Perturbação mental em que o enfermo se acredita convertido num animal. 2. Metamorfose perispirítica, através de processo de indução hipnótica, em que o Espírito desencarnado, ainda inferiorizado, ganha a forma animalesca.

Em ‘O Livro dos Médiuns’, cap. VI, temos:

30ª Poderiam os Espíritos apresentar-se sob a forma de animais?
Isso pode dar-se; mas somente Espíritos muito inferiores tomam essas aparências. Em caso algum, porém, será mais do que uma aparência momentânea. Fora absurdo acreditar-se que um qualquer animal verdadeiro pudesse ser a encarnação de um Espírito. Os animais são sempre animais e nada mais do que isto.”

André Luiz no livro ‘Nos Domínios da Mediunidade, cap. 13:

A obsessão é sinistro conúbio da mente com o desequilíbrio comum às trevas. Pensamos, e imprimimos existência ao objeto idealizado. A resultante visível de nossas cogitações mais íntimas denuncia a condição espiritual que nos é própria, e quantos se afinam com a natureza de nossas inclinações e desejos aproximam-se de nós, pelas amostras de nossos pensamentos.
Se persistimos nas esferas mais baixas da experiência humana, os que ainda jornadeiam nas linhas da animalidade nos procuram, atraídos pelo tipo de nossos impulsos inferiores, absorvendo as substâncias mentais que emitimos e projetando sobre nós os elementos de que se fazem portadores.
Imaginar é criar.
E toda criação tem vida e movimento, ainda que ligeiros, impondo responsabilidade à consciência que a manifesta. E como a vida e o movimento se vinculam aos princípios de permuta, é indispensável analisar o que damos, a fim de ajuizar quanto àquilo que devamos receber.
Quem apenas mentalize angústias e crime, miséria e perturbação, poderá refletir no espelho da própria alma outras imagens que não sejam as da desarmonia e do sofrimento?

  
QUESTÕES PARA ESTUDO E DIÁLOGO VIRTUAL

1.     O que acontecia no anfiteatro?
2.     Por que razão a mulher desencarnada era tão fortemente influencida por Teofrastus?
3.     Que tipo de argumento Teofrastus utilizava para prejudicar encarnados e desencarnados?
4.     Como o Espiritismo pode ser uma eficiênte terapêutica para o Espírito?
  

 Um abraço a todos!
Equipe Manoel Philomeno


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