segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Revista Espírita - MAIO DE 1863 - Exame das Comunicações Mediúnicas que nos são Enviadas

Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
ANO VI
MAIO DE 1863

Exame das Comunicações Mediúnicas que nos são Enviadas

Muitas comunicações nos foram enviadas por diferentes grupos, quer nos pedindo conselho e julgamento de suas tendências, quer, da parte de alguns, na esperança de as verem publicadas na Revista. Todas nos foram entregues com a faculdade de delas dispor como melhor entendêssemos para o bem da causa.
Fizemos o seu exame e classificação e esperamos que ninguém haja de se surpreender ante a impossibilidade de inseri-las todas, considerando-se que, além das já publicadas, há mais de três mil e seiscentas que, sozinhas, teriam absorvido cinco anos completos da Revista, sem contar um certo número de manuscritos mais ou menos volumosos, dos quais falaremos adiante. A apreciação crítica deste exame nos fornecerá matéria para algumas reflexões, que cada um poderá tirar proveito.
Em grande número encontramo-las notoriamente más, no fundo e na forma, evidente produto de Espíritos ignorantes, obsessores ou mistificadores e que juram pelos nomes mais ou menos pomposos com que se revestem. Publicá-las teria sido dar armas à crítica. Circunstância digna de nota é que a quase totalidade das comunicações dessa categoria emana de indivíduos isolados, e não de grupos. Só a fascinação os poderia levar a tomá-las a sério e impedir que vissem o lado ridículo. Como se sabe, o isolamento favorece a fascinação, ao passo que as reuniões encontram controle na pluralidade das opiniões.
Todavia, reconhecemos  com  prazer  que  as comunicações dessa natureza formam, na massa, uma pequena minoria. A maioria das outras encerra bons pensamentos e excelentes conselhos, sem significar que todas devam ser publicadas, e isto pelos motivos que vamos expor.
Os Espíritos bons ensinam mais ou menos a mesma coisa em toda parte, porque em toda parte há os mesmos vícios a reformar e as mesmas virtudes a pregar. Eis um dos caracteres distintivos do Espiritismo; muitas vezes a diferença está apenas na correção e elegância do estilo. Para apreciar as comunicações, tendo em conta a publicidade, não se deve considerá-las de seu ponto de vista, mas do público. Compreendemos a satisfação que se experimenta ao obter algo de bom, sobretudo quando se começa, mas além do fato de que certas pessoas podem ter ilusão sobre o mérito intrínseco, não se pensa que em cem outros lugares se obtêm coisas semelhantes, e o que é de poderoso interesse individual pode ser banalidade para a massa.
Além disso, é preciso considerar que, de algum tempo para cá as comunicações adquiriram, em todos os aspectos, proporções e qualidades que deixam muito para trás as que eram obtidas há alguns anos. Aquilo que então era admirado parece pálido e mesquinho junto ao que se obtém hoje. Na maioria dos centros realmente sérios, o ensino dos Espíritos cresceu com a compreensão do Espiritismo. Desde que por toda parte são recebidas instruções mais ou menos idênticas, sua publicação poderá interessar apenas sob a condição de apresentar qualidades adicionais, como forma ou como alcance instrutivo. Seria, pois, ilusão crer que toda mensagem deve encontrar leitores numerosos e entusiastas. Outrora, a menor conversa espírita era uma novidade que atraía a atenção; hoje, que os espíritas e os médiuns não se contam mais, o que era uma raridade é um fato quase banal e habitual, e que foi distanciado pela vastidão e pelo alcance das comunicações atuais, assim como os deveres do escolar o são pelo trabalho do adulto.
Temos à vista a coleção de um jornal publicado no princípio das manifestações sob o título de A Mesa Falante, característico da época. Diz-se que o jornal tinha de 1.500 a 1.800 assinantes, cifra enorme para a época. Continha uma porção de pequenas conversas familiares e fatos mediúnicos que, então, atraíam profundamente a curiosidade. Aí procuramos em vão alguma coisa para reproduzir em nossa Revista; tudo quanto tivéssemos colhido seria hoje pueril e sem interesse. Se o jornal não tivesse desaparecido, por circunstâncias que não vêm ao caso, só poderia ter vivido com a condição de acompanhar o progresso da ciência e, se reaparecesse agora nas mesmas condições, não teria cinqüenta assinantes. Os espíritas são imensamente mais numerosos do que então, é verdade; mas são mais esclarecidos e querem um ensinamento mais substancial.
Se as comunicações não emanassem senão de um único centro, sem dúvida os leitores se multiplicariam em razão do número de adeptos. Mas não se deve perder de vista que os focos que as produzem se contam aos milhares e que por toda parte onde são obtidas coisas superiores não pode haver interesse pelo que é fraco ou medíocre.
Não falamos assim para desencorajar as publicações; longe disso. Mas para mostrar a necessidade de uma escolha rigorosa, condição sine qua non do sucesso. Aprofundando os seus ensinamentos, os Espíritos nos tornaram mais difíceis e mesmo exigentes. As publicações locais podem ter imensa utilidade, sob duplo aspecto: espalhar nas massas o ensino dado na intimidade e mostrar a concordância que existe nesse ensino sobre diversos pontos. Aplaudiremos isto sempre e os encorajaremos toda vez que forem feitas em boas condições.
Antes de mais, convém dela afastar tudo quanto, sendo de interesse privado, só interessa àquele que lhe concerne; depois, tudo quanto é vulgar no estilo e nas idéias, ou pueril pelo assunto.
Uma coisa pode ser excelente em si mesma, muito boa para servir de instrução pessoal, mas o que deve ser entregue ao público exige condições especiais. Infelizmente o homem é propenso a imaginar que tudo o que lhe agrada deve agradar aos outros. O mais hábil pode enganar-se; o importante é enganar-se o menos possível. Há Espíritos que se comprazem em fomentar essa ilusão em certos médiuns; por isso nunca seria demais recomendar a estes últimos que não confiassem em seu próprio julgamento. É nisto que os grupos são úteis: pela multiplicidade de opiniões que eles permitem colher. Aquele que, neste caso, recusasse a opinião da maioria, julgando-se mais iluminado que todos, provaria sobejamente a má influência sob a qual se acha.
Aplicando esses princípios de ecletismo às comunicações que nos são enviadas, diremos que em 3.600 há mais de 3.000 que são de moralidade irreprochável, e excelentes como fundo; mas que desse número nem 300 merecem publicidade e apenas 100 têm mérito fora do comum. Como essas comunicações vieram de muitos pontos diferentes, inferimos que a proporção deve ser mais ou menos geral. Por aí pode julgar-se da necessidade de não publicar inconsideradamente tudo quanto vem dos Espíritos, se quisermos atingir o objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material quanto do efeito moral e da opinião que os indiferentes possam fazer do Espiritismo.
Resta-nos dizer algumas palavras sobre manuscritos ou trabalhos de fôlego que nos remeteram, entre os quais não encontramos, em trinta, mais que cinco ou seis de real valor. No mundo invisível, como na Terra, não faltam escritores, mas os bons são raros. Tal Espírito é apto a ditar uma boa comunicação isolada, a dar excelente conselho particular, mas incapaz de produzir um trabalho de conjunto completo, passível de suportar um exame, sejam quais forem suas pretensões e o nome com que se disfarce como garantia. Quanto mais alto o nome, maior o cuidado. Ora, é mais fácil tomar um nome que justificá-lo; eis por que, ao lado de alguns bons pensamentos, encontram-se, muitas vezes, idéias excêntricas e traços inequívocos da mais profunda ignorância. É nessas modalidades de trabalhos mediúnicos que temos notado mais sinais de obsessão, dos quais um dos mais freqüentes é a injunção por parte do Espírito de os mandar imprimir; e alguns pensam erradamente que tal recomendação é suficiente para encontrar um editor atencioso que se encarregue da tarefa.
É principalmente em semelhante caso que um exame escrupuloso é necessário, se não nos quisermos expor a fazer discípulos à nossa custa. É, ainda, o melhor meio de afastar os Espíritos presunçosos e pseudo-sábios, que se retiram inevitavelmente quando não encontram instrumentos dóceis a quem façam aceitar suas palavras como artigos de fé. A intromissão desses Espíritos nas comunicações é, fato conhecido, o maior escolho do Espiritismo. Toda precaução é pouca para evitar as publicações lamentáveis. Em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa.
Em suma, publicando comunicações dignas de interesse, faz-se uma coisa útil. Publicando as que são fracas, insignificantes ou más, faz-se mais mal do que bem. Uma consideração não menos importante é a da oportunidade. Algumas há cuja publicação seria intempestiva e, por isso mesmo, prejudicial.
Cada coisa deve vir a seu tempo. Várias das que nos são dirigidas estão neste caso e, conquanto muito boas, devem ser adiadas.
Quanto às outras, acharão seu lugar conforme as circunstâncias e o seu objetivo.

Enviado por: "Joel Silva"

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