sábado, 22 de outubro de 2016

Revista Espírita - Julho 1863 - Uma expiação terrestre - Max, o mendigo.

REVISTA ESPIRITA
JORNAL
DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS
JULHO 1863
 
UMA EXPIAÇÃO TERRESTRE.
Max, o mendigo.
 
Numa cidade da Baviera morreu, pelo ano de 1850, um velho quase centenário, conhecido sob o nome de pai Max. Ninguém conhecia direito a sua origem, porque ele não tinha família. Há quase meio século, acabrunhado por enfermidades que o punham fora do estado de ganhar sua vida pelo trabalho, não tinha outros recursos senão a caridade púbica, que dissimulava vendendo, nas fazendas e nos castelos, almanaques e pequenos objetos. Foi-lhe dada a alcunha de conde Max, e as crianças não o chamavam nunca senão senhor conde, do que ele sorria sem se melindrar. Por que esse título? Ninguém poderia dize-lo; passou a ser hábito. Talvez fosse por causa de sua fisionomia e de suas maneiras, cuja distinção contrastava com os andrajos. Vários anos depois de sua morte, apareceu em sonho à filha do proprietário de um dos castelos, onde recebia a hospitalidade na estrebaria, porque não havia domicílio para ele. Disse-lhe: obrigado a vós por vos terdes lembrado do pobre Max em vossas preces, porque elas foram ouvidas pelo Senhor. Desejais saber quem sou, alma caridosa que vos interessastes pelo infeliz mendigo; vou satisfazer-vos; isto será para todos uma grande instrução".
Ele fez, então, o relato seguinte, aproximadamente nestes termos:
"Há um século e meio mais ou menos, eu era um rico e poderoso senhor deste país, mas vão, orgulhoso e enfatuado pela minha nobreza; a minha imensa fortuna nunca serviu senão aos meus prazeres, e a isso apenas ela bastava, porque eu era jogador, libertino e passava minha vida nas orgias. Meus vassalos, que acreditava criados para o meu uso, como os animais da fazenda, eram pressionados e maltratados, para proverem as minhas prodigalidades. Permaneci surdo às suas queixas como aos de todos os infelizes, e, segundo eu, eles deveriam se sentir muito honrados por servirem aos meus caprichos. Morri com uma idade pouco avançada, esgotado pelos excessos, mas sem que provasse nenhuma infelicidade verdadeira; ao contrário, tudo parecia sorrir-me, de modo que eu era, aos olhos de todos, um dos felizes do mundo; a minha posição valeu-me suntuosos funerais; os boêmios lamentavam em mim o faustoso senhor, mas nenhuma lágrima foi vertida sobre a minha tumba, nem uma prece do coração foi dirigida a Deus por mim, e a minha memória foi amaldiçoada por todos aqueles dos quais aumentara a miséria. Ah! quanto é terrível a maldição dos infelizes que se fez! ela não cessou de retinir nos meus ouvidos durante longos anos, que pareceram uma eternidade! e, na morte de cada uma de minhas vítimas, era um novo rosto ameaçador ou irônico que se erguia diante de mim e me perseguia sem descanso, sem que pudesse encontrar um canto escuro para     subtra-ir-me à sua visão. Nenhum olhar amigo! meus antigos companheiros de deboche, infelizes como eu, fugiam de mim e pareciam dizer-me com desdém: "Não podes mais pagar os nossos prazeres. "Oh! quanto teria pago muito caro um instante de repouso, um copo de água para estancar a sede ardente que me devorava! mas não possuía mais nada, e todo o ouro que semeei, a mãos cheias, sobre a terra não produzira uma única bênção! nem uma só, entendeis, minha filha?
Por fim, oprimido pela fadiga, esgotado como um viajor esfalfado que não vê o fim de seu caminho, exclamei: "Meu Deus, tende piedade de mim! Quando, pois, terminará está horrível situação?" Então uma voz, a primeira que eu ouvia desde que deixara a Terra, disse-me: "Quando tu quiseres. Que é necessário fazer, grande Deus? Respondi eu; dizei: eu me submeterei a tudo. - E necessário o arrependimento, se humilhar diante daqueles que humilhaste. Pedir-lhes para que intercedam por ti, porque a prece do ofensor que perdoa é sempre agradável ao Senhor."       Humilhei-me, pedi aos meus vassalos, meus servidores que estavam diante de mim, e cujos rostos, de mais em mais benevolentes acabaram por desaparecer. Isto foi, então, para mim como uma nova vida; a esperança substituiu o desespero e agradeci a Deus com todas as forças de minha alma. A voz me disse em seguida: "Príncipe!" e eu respondi: "Não há aqui outro príncipe senão o Deus Todo-Poderoso que humilha os soberbos. Perdoai-me, Senhor, porque pequei; fazei de mim o servidor de meus servidores, se tal é a vossa vontade."
Alguns anos mais tarde nasci de novo, mas desta vez numa família de pobres camponeses. Meus pais morreram quando eu era ainda criança, e permaneci só no mundo e sem apoio. Ganhei minha vida como pude, ora como operário, ora como empregado de fazenda, mas sempre honestamente, porque eu acreditava em Deus desta vez. Com a idade de quarenta anos, uma doença tornou-me paralítico de todos os meus membros, eme foi necessário mendigar, durante mais de cinqüenta anos, sobre essas mesmas terras das quais fora o senhor absoluto; receber um pedaço de pão nas fazendas que possuí, onde, por uma amarga zombaria alcunharam-me senhor conde, freqüentemente, muito feliz por encontrar um abrigo na estrebaria do castelo que fora o meu. No meu sonho,           agradava-me percorrer esse mesmo castelo onde fora déspota; quantas vezes em meus sonhos, revi-me ali no meio de minha antiga fortuna! Essas visões me deixavam, ao despertar, um indefinível sentimento de amargura e de desgostos; mas nunca uma queixa escapou da minha boca; e quando aprouve a Deus chamar-me para ele, eu o bendisse por ter me dado a coragem de suportar, sem murmúrio, essa longa e penosa prova da qual recebo, hoje, a recompensa; e vós, minha filha, eu vos bendigo por terdes orado por mim."
Nota. - Recomendamos este fato àqueles que pretendem que os homens não teriam mais freios se não tivessem mais, diante deles, o espantalho das penas eternas, e perguntamos se a perspectiva de um castigo como aquele do pai Max é menos feita para deter no caminho do mal do que aquela de tortura sem fim, nas quais não crêem mais.
        Enviado por: "Joel Silva"

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