quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Conversas Familiares de Além-Túmulo

R.E. , abril de 1859, p. 143 
 
BENVENUTO CELLINI

Sessão da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – 11 de março de 1859.
1. Evocação.
Resp. – Interrogai; estou pronto. Demorai como quiserdes, pois tenho tempo para vos dar.

2. Lembrais da existência que tivestes na Terra, no século XVI , entre 1500 e 1570?
Resp. – Sim, sim.

3. Atualmente, qual a vossa situação como Espírito?
Resp. – Vivi em vários outros mundos e estou muito satisfeito com a posição que hoje ocupo; não é um trono, mas estou a caminho.

4. Tivestes outras existências corporais na Terra depois daquela que conhecemos?
Resp. – Corporal, sim; na Terra, não.

5. Quanto tempo ficastes errante?
Resp. – Não o posso calcular: alguns anos.

6. Quais eram as vossas ocupações nesse estado errante?
Resp. – Trabalhava por mim mesmo.

7. Voltastes algumas vezes à Terra?
Resp. – Poucas.

8. Assistis ao drama em que sois representado? Que pensais dele?
Resp. – Fui vê-lo várias vezes; senti-me lisonjeado como Cellini, mas pouco como Espírito que havia progredido.

9. Antes da existência que conhecemos, tivestes outras na Terra?
Resp. – Não, nenhuma.

10. Poderíeis dizer o que éreis em vossa precedente existência?
Resp. – Minhas preocupações eram completamente diferentes daquelas que tive na Terra.

11. Que mundo habitais?
Resp. – Não o conheceis e não o vedes.

12. Poderíeis dar-nos a sua descrição, do ponto de vista físico e moral?
Resp. – Sim, facilmente.

Do ponto de vista físico, meus caros amigos, alegrei-me com a sua beleza plástica: ali nada choca os olhos; todas as linhas se harmonizam perfeitamente; a mímica é a forma de expressão constante; os perfumes nos envolvem e não temos nada a desejar para o nosso bem-estar físico, uma vez satisfeitas as necessidades pouco numerosas a que estamos submetidos.

Do ponto de vista moral, a perfeição é menor, pois ali ainda se pode ver consciências perturbadas e Espíritos inclinados ao mal. Não será a perfeição – longe disso – mas, como já falei, é o seu caminho e todos esperamos um dia alcançá-la.

13. Quais as vossas ocupações no mundo que habitais?
Resp. – Trabalhamos as artes. Sou artista.

14. Em vossas memórias relatais uma cena de feitiçaria e de sortilégio que se teria passado no Coliseu, em Roma, e na qual teríeis tomado parte. Lembrais-vos dela?
Resp. – Sem muita clareza.

15. Se procedêssemos à sua leitura, teríeis a lembrança despertada?
Resp. – Sim, isso poderia dar-me uma idéia.

Fez-se então a leitura do seguinte trecho de suas memórias:

“Em meio a essa vida estranha eu me liguei a um sacerdote siciliano, de espírito muito distinto e profundamente versado nas letras gregas e latinas. Conversando com ele certo dia, o assunto caiu sobre necromancia e lhe confessei que em toda a minha vida havia ardentemente desejado ver e aprender algo dessa arte. Para abordar semelhante empresa, é necessário ter uma alma firme e intrépida, respondeu-me o padre. “Uma noite, porém, o sacerdote fez os seus preparativos e me disse que procurasse um ou dois companheiros. Associou-se a um homem de Pistóia, que também se ocupava de necromancia e nos dirigimos ao Coliseu. Aí o padre vestiu-se à maneira dos necromantes, depois começou a desenhar círculos no chão, com as mais belas cerimônias que se possa imaginar. Havia trazido perfumes preciosos, drogas fétidas e fogo. Quando tudo estava em ordem ele fez uma abertura no círculo e ali nos introduziu, tomando-nos um a um pela mão. Em seguida distribuiu os papéis. Pôs o talismã nas mãos de seu amigo necromante, encarregou os outros da vigilância do fogo e dos perfumes e,finalmente, começou as conjurações. Essa cerimônia durou mais de uma hora e meia. O Coliseu encheu-se de legiões de Espíritos infernais. Quando o sacerdote viu que eram bastante numerosos, voltou-se para mim, que cuidava dos perfumes, e disse: Benvenuto,pede-lhes alguma coisa. Respondi que desejava reunir-me à minha siciliana Angélica. Embora não obtivéssemos resposta naquela noite, fiquei encantado com o que tinha visto. O necromante me disse que era preciso retornar uma segunda vez e que eu obteria tudo quanto pedisse, contanto que trouxesse um rapazinho ainda virgem. Escolhi um de meus aprendizes e trouxe ainda dois dos meus amigos.

“Ele pôs-me nas mãos o talismã, dizendo-me que o voltasse em direção aos locais que me fossem designados. Meu aprendiz foi colocado debaixo do talismã. O necromante começou suas terríveis evocações, chamou pelo nome uma multidão de chefes de legiões infernais, exprimindo suas ordens em hebraico,grego e latim, em nome do Deus incriado, vivo e eterno. Logo o Coliseu encheu-se de uma quantidade de demônios cem vezes mais considerável que da primeira vez. A conselho do necromante, pedi novamente para me encontrar com Angélica. Ele se voltou para mim e me disse: Não os ouvistes anunciar que dentro de um mês estarias com ela? E pediu-me que tivesse firmeza, porque havia mil legiões além das que tinham sido chamadas, acrescentando que eram mais perigosas e que, desde que haviam respondido ao meu pedido, era necessário tratá-las com brandura e despedi-las tranqüilamente. Por outro lado, o jovem rapaz exclamava com espanto que percebia um milhão de homens terríveis que nos ameaçavam, e quatro enormes gigantes, armados dos pés à cabeça,que pareciam querer penetrar em nosso círculo. Durante esse tempo o necromante, tremendo de medo, tentava conjurá-los,imprimindo à voz a mais doce entonação. O menino escondia a cabeça entre os joelhos e gritava: Quero morrer assim! Estamos mortos! Então eu lhe disse: “Estas criaturas estão todas abaixo de nós e o que vês não passa de fumaça e sombra; assim, levanta os olhos.” Apenas me havia obedecido, retomou: Todo o Coliseu queima e o fogo vem sobre nós. O necromante ordenou que fosse queimada assa-fétida. Encarregado dos perfumes, Agnolo estava semimorto de pavor.

“A esse barulho e ao terrível mau cheiro o garoto arriscou-se a levantar a cabeça. Ouvindo o meu riso, tranqüilizouse um pouco e disse que os demônios começavam a retirada. Permanecemos assim até o momento em que soaram as matinas. Disse-nos o jovem que só percebia alguns demônios e, mesmo assim, a grande distância. Finalmente, quando o necromante concluiu os rituais e desparamentou-se, saímos do círculo. Enquanto caminhávamos para nossos lares, pela rua Banchi, ele assegurava que dois demônios davam cambalhotas à nossa frente, ora correndo sobre os telhados, ora pelo chão.

“O necromante jurava que, desde que havia posto o pé num círculo mágico, nunca lhe havia acontecido nada assim tão extraordinário. Tentou, depois, convencer-me a unir-me a ele para nos consagrarmos a um livro, que nos deveria proporcionar riquezas incalculáveis e fornecer-nos os meios de obrigar os demônios a nos indicar os locais onde se acham escondidos os tesouros que a Terra guarda em seu seio...”

Após diferentes relatos mais ou menos vinculados ao que precede, conta Benvenuto como, ao cabo de trinta dias, isto é, dentro do prazo fixado pelos demônios, ele reencontrou sua Angélica.

16. Poderíeis dizer o que há de verdadeiro nessa cena?
Resp. – O necromante era um charlatão, eu era um romancista e Angélica minha amante.

17. Revistes Francisco I, vosso protetor?
Resp. – Certamente; ele viu muitos outros que não foram seus protegidos.

18. Como o julgáveis em vida e como o julgais agora?
Resp. – Dir-vos-ei como o julgava: como um príncipe e,nessa condição, enceguecido por sua educação e por aqueles que o cercavam.

19. E o que dizeis agora?
Resp. – Ele progrediu.

20. Era por sincero amor à arte que ele protegia os artistas?
Resp. – Sim, e também por prazer e vaidade.

21. Onde se encontra ele atualmente?
Resp. – Ele vive.

22. Está na Terra?
Resp. – Não.

23. Se o evocássemos agora, ele poderia vir e conversar conosco?
Resp. – Sim, mas não pressioneis assim os Espíritos.
Que vossas evocações sejam preparadas com muita antecedência e,então, pouco tereis que perguntar aos Espíritos. Assim vos arriscais muito menos de serdes enganados, porque isso acontece algumas vezes. [São Luís].

24. [A São Luís] Podereis fazer com que dois Espíritos venham conversar?
Resp. – Sim.
– Nesse caso seria útil ter dois médiuns?
Resp. – Sim, necessariamente.

Nota – Este diálogo ocorreu numa outra sessão; a ele voltaremos em nosso próximo número.

25. [A Cellini] De onde procede vossa vocação para a arte? Resultaria de um desenvolvimento especial anterior?
Resp. – Sim; por muito tempo estive ligado à poesia e à beleza da linguagem. Na Terra prendi-me à beleza como reprodução; hoje ocupo-me dela como invenção.

26. Possuíeis também talento militar, pois o papa Clemente VII confiou-vos a defesa do castelo de Santo Ângelo.
Entretanto, vosso talento de artista não vos devia proporcionar muita aptidão para a guerra.
Resp. – Tinha talento e sabia aplicá-lo. Em tudo é necessário discernimento, sobretudo na arte militar daquele tempo.

27. Poderíeis dar alguns conselhos aos artistas que procuram seguir vossos passos?
Resp. – Sim. Dir-lhes-ei simplesmente que busquem a pureza e a verdadeira beleza, mais do que o fazem e mais do que eu próprio fiz. Eles me compreenderão.

28. A beleza não é relativa e convencional? O europeu se julga mais belo que o negro, e este mais belo que o branco. Se há uma beleza absoluta, qual é o seu tipo? Podeis dar a vossa opinião a respeito?
Resp. – Com prazer. Não quis fazer alusão a uma beleza convencional; pelo contrário. A beleza está em toda parte, é o reflexo do Espírito no corpo e não apenas a forma corpórea. Como dissestes, um negro pode ser belo, de uma beleza que será apreciada somente por seus semelhantes, é verdade. Do mesmo modo nossa beleza terrestre é deformidade para o céu, como para vós, brancos, o belo negro vos parece quase disforme. Para o artista a beleza é a vida, o sentimento que sabe dar à sua obra. Com isso imprimirá beleza às coisas mais vulgares.

29. Poderíeis guiar um médium na execução de uma modelagem, como o fez Bernard de Palissy em relação aos desenhos?
Resp. – Sim.

30. Poderíeis levar o médium de que vos servis de intérprete a fazer alguma coisa agora?
Resp. – Como também os outros, embora preferisse um artista que conhecesse os truques da minha arte.

Observação – Prova a experiência que a aptidão de um médium para tal ou qual gênero de produção vai depender da flexibilidade que ele apresenta ao Espírito, e isso abstração feita do seu talento. O conhecimento do ofício e os meios materiais de execução não constituem o talento, mas é concebível que o Espírito que dirige o médium nele encontre menor dificuldade mecânica a vencer. Entretanto, há médiuns que fazem coisas admiráveis, das quais lhes faltam as primeiras noções, tais como a poesia, desenhos, gravuras, música, etc.; mas, então, é que neles existe uma aptidão inata, sem dúvida resultante de um desenvolvimento anterior, do qual só conservaram a intuição.

31. Poderíeis dirigir a Sra. G. S., aqui presente, e que é artista, embora jamais tenha conseguido produzir qualquer coisa como médium?
Resp. – Tentarei, se ela o desejar.

32. [Sra. G. S.] Quando queres começar?
Resp. – Quando quiseres, a partir de amanhã.

33. Mas como saberei que a inspiração vem de ti?
Resp. – A convicção vem com as provas. Deixai-a vir lentamente.

34. Por que não obtive êxito até o momento?
Resp. – Pouca persistência e falta de boa vontade do Espírito evocado.

35. Agradeço-te a assistência que me prometes.
Resp. – Adeus. Até logo, companheira de trabalho.

Nota – A Sra. G. S. pôs-se à obra, mas ainda não sabemos os resultados que obteve.

SR. GIRARD DE CODEMBERG

Antigo aluno da Escola Politécnica, membro de várias sociedades científicas, autor de um livro intitulado: Le Monde spirituel, ou science chrétienne de communiquer intimement avec les puissances célestes et les âmes heureuses. Falecido em novembro de 1858. Evocado na Sociedade a 14 de janeiro seguinte.

1. Evocação.
Resp. – Eis-me aqui. Que quereis?

2. Compareceis de boa vontade ao nosso apelo?
Resp. – Sim.

3. Podereis dizer-nos o que pensais atualmente do livro que publicastes?
Resp. – Cometi alguns erros, mas nele há coisas boas e sou levado a crer que vós mesmos concordaríeis com o que ali eu disse, sem qualquer receio de lisonjear-me.

4. Dizeis principalmente que tivestes comunicações com a mãe do Cristo. Vedes agora se era realmente ela?
Resp. – Não; não era ela, mas um Espírito que tomava seu nome.

5. Com que objetivo esse Espírito lhe tomava o nome?
Resp. – Ele me via seguir o caminho do erro e aproveitava para me comprometer ainda mais. Era um Espírito perturbador, um ser leviano, mais propenso ao mal que ao bem. Sentia-se feliz por ver a minha falsa alegria. Eu era o seu joguete,como muitas vezes vós outros o sois de vossos semelhantes.

6. Dotado de inteligência superior, como não percebestes o ridículo de certas comunicações?
Resp. – Eu estava fascinado e julgava bom tudo quanto me diziam.

7. Não julgais que essa obra possa fazer mal, no sentido de prestar-se ao ridículo em relação às comunicações de além-túmulo?
Resp. – Nesse sentido, sim. Mas eu disse também que há coisas boas e verdadeiras que, sob um outro ponto de vista, impressiona os olhos das massas. Mesmo naquilo que nos parece mau, muitas vezes encontramos uma boa semente.

8. Sois mais feliz agora do que quando vivíeis?
Resp. – Sim, mas tenho muita necessidade de esclarecerme,porque ainda me acho no nevoeiro que se segue à morte. Estou como o escolar que começa a soletrar.

9. Quando vivo conhecestes O Livro dos Espíritos?
Resp. – Jamais lhe havia prestado atenção. Tinha idéias preconcebidas; nisso eu pecava, pois nunca estudaremos e nos aprofundaremos bastante em todas as coisas. Mas o orgulho está sempre em ação, criando-nos ilusões. Aliás, isso é bem próprio dos ignorantes: não querem estudar senão aquilo que preferem e só dão ouvidos aos que os lisonjeiam.

10. Mas não éreis um ignorante; não o provam vossos títulos?
Resp. – O que é o sábio da Terra diante da ciência do Céu? Aliás, não há sempre a influência de certos Espíritos, interessados em afastar-nos da luz?

Observação – Isso corrobora o que já foi dito: certos Espíritos inspiram o afastamento das pessoas que poderiam dar conselhos úteis e frustar as suas maquinações. Essa influência jamais será a de um Espírito bom.

11. E agora, que pensais do livro?
Resp. – Não o poderia dizer sem elogiar. Ora, nós não elogiamos, como bem o sabeis.

12. Vossa opinião sobre a natureza das penas futuras modificou-se?
Resp. – Sim. Eu acreditava nas penas materiais; agora creio nas penas morais.

13. Podemos fazer algo que vos seja agradável?
Resp. – Sempre. Fazei cada um de vós, esta noite, uma prece em minha intenção. Serei reconhecido; não o esqueçais.

Observação – O livro do Sr. de Codemberg provocou uma certa sensação e, devemos acrescentar, uma sensação penosa entre os partidários esclarecidos do Espiritismo, por causa da extravagância de certas comunicações que se prestam bastante ao ridículo. Sua intenção era louvável, pois era um homem sincero. Ele é um exemplo do domínio que certos Espíritos podem exercer, adulando e exagerando as idéias e os preconceitos daqueles que não avaliam com muita severidade os prós e os contras das comunicações espíritas. Mostra-nos, sobretudo, o perigo de os espalhar muito levianamente no público, visto poderem tornar-se motivo de repulsa, fortalecendo certas pessoas na incredulidade e fazendo,assim, mais mal do que bem, já que fornecem armas aos inimigos da causa. Nunca seríamos bastante cautelosos a esse respeito.

SR. POITEVIN, AERONAUTA

Morto há cerca de dois meses, de febre tifóide, contraída em conseqüência de uma descida forçada em pleno mar.

Sessão da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – 11 de fevereiro de 1859.

1. Evocação.
Resp. – Eis-me aqui. Falai.

2. Tendes saudades da vida terrena?
Resp. – Não.

3. Sois mais feliz agora do que quando vivo?
Resp. – Muito.

4. Qual o motivo que vos levou para as experiências aeronáuticas?
Resp. – A necessidade.

5. Tínheis idéia de servir à Ciência?
Resp. – De modo algum.
6. Vedes agora a ciência aeronáutica de um ponto de vista diferente daquele que tínheis em vida?
Resp. – Não; eu a via como a vejo agora, pois a via bem. Via muitos aperfeiçoamentos a introduzir, mas não os podia desenvolver por falta de conhecimentos. Mas esperai. Virão homens que lhe darão o destaque que ela merece e merecerá um dia.

7. Acreditais que a ciência aeronáutica venha a tornarse um dia objeto de utilidade pública?
Resp. – Sim, certamente.

8. A grande preocupação dos que se ocupam dessa ciência é a pesquisa dos meios de dirigir os balões. Pensais que o conseguirão?
Resp. – Sim, certamente.

9. Em vossa opinião, qual a maior dificuldade que apresenta a dirigibilidade dos balões?
Resp. – O vento, as tempestades.

10. Então não é a dificuldade de encontrar um ponto de apoio?
Resp. – Se dirigíssemos os ventos, dirigiríamos os balões.

11. Poderíeis assinalar o ponto para o qual conviria dirigir as pesquisas a esse respeito?
Resp. – Deixemos isso de lado.

12. Quando vivo estudastes os vários sistemas propostos?
Resp. – Não.

13. Poderíeis dar conselhos aos que se ocupam de tais pesquisas?
Resp. – Pensais que seguiriam vossos conselhos?

14. Não seriam os nossos, mas os vossos conselhos.
Resp. – Quereis um tratado? Eu o mandarei fazer.

15. Por quem?
Resp. – Pelos amigos que me guiaram.

16. Aqui estão dois inventores distintos em matéria de aerostação, o Sr. Sanson e o Sr. Ducroz, que obtiveram benefícios científicos muito honrosos. Fazeis uma idéia de seu sistema?
Resp. – Não. Há muito a dizer. Não os conheço.

17. Admitindo resolvido o problema da dirigibilidade,credes na possibilidade de uma navegação aérea em grande escala, como sobre o mar?
Resp. – Não; jamais como pelo telégrafo.

18. Não falo da rapidez das comunicações, que nunca poderão ser comparadas à do telégrafo, mas do transporte de grande número de pessoas e de objetos materiais. Que resultado se pode esperar nesse sentido?
Resp. – Pouca celeridade.

19. Quando em perigo iminente, pensastes no que seríeis após a morte?
Resp. – Não; estava inteiramente voltado para as minhas manobras.

20. Que impressão vos causava o perigo que corríeis?
Resp. – O hábito tornara o medo mais fraco.

21. Que sensação experimentáveis quando estáveis perdido no espaço?
Resp. – Perturbação, mas felicidade; meu Espírito parecia escapar do vosso mundo. Entretanto, as necessidades de manobrar despertavam-me para a realidade e me faziam cair na fria e perigosa posição em que me achava.

22. Vedes com prazer vossa esposa seguir a mesma carreira aventurosa?
Resp. – Não.
23. Qual a vossa situação como Espírito?
Resp. – Vivo como vós, isto é, posso prover à minha vida espiritual como proveis à vossa vida material.

Observação – As curiosas experiências do Sr. Poitevin,sua intrepidez, sua notável habilidade na manobra dos balões, fazianos esperar dele maior elevação e grandeza de idéias. O resultado não correspondeu à nossa expectativa. Para ele, como pudemos ver, a aerostação era apenas uma indústria, uma maneira de viver por um gênero particular de espetáculo; todas as suas faculdades estavam concentradas nos meios de excitar a curiosidade pública.
Assim é que, nestas conversas familiares de além-túmulo, as previsões são muitas vezes incertas; ora são ultrapassadas, ora ficam aquém do que se esperava, prova evidente da independência das comunicações.

Numa sessão particular, e através do mesmo médium,Poitevin ditou os conselhos a seguir, para cumprir a promessa que acabava de fazer. Cada um poderá apreciar-lhes o valor; nós os damos como objeto de estudo sobre a natureza dos Espíritos, e não por seu mérito científico, mais que contestável. “Para dirigir um balão cheio de gás encontrareis sempre as maiores dificuldades: a imensa superfície que ele oferece como presa aos ventos; a insignificância do peso que o gás pode suportar; a fragilidade do envoltório, reclamada por esse ar sutil. Todas essas causas jamais permitirão dar ao sistema aerostático a grande extensão que desejaríeis vê-lo tomar. Para que o aeróstato tenha uma utilidade real, é preciso que seja um sistema de comunicação poderosa e dotado de uma certa presteza, mas sobretudo poderoso. Dissemos que guardaria o meio-termo entre a eletricidade e o vapor; sim, e por duas razões:

1o Deve transportar os passageiros mais rapidamente do que as ferrovias e as mensagens mais vagarosamente do que o telégrafo.

2o Não se mantém como meio-termo entre esses dois sistemas porque participa, ao mesmo tempo, do ar e da terra, ambos servindo-lhe de caminho: está entre o céu e o mundo.

“Não me perguntastes se, por esse meio, conseguiríeis visitar os outros planetas. Entretanto, semelhante pensamento inquietou muitas cabeças e a sua solução encheria de espanto o vosso mundo inteiro. Não, não conseguireis. Imaginai que, para atravessar esses espaços extraordinários, de milhões e milhões de léguas, a luz leva anos. Vede, pois, quanto tempo seria necessário para os atingir, mesmo levados pelo vapor ou pelo vento.

“Para voltar ao assunto principal, eu vos dizia, ao começar, que não seria preciso esperar muito de vosso sistema atual; mas que obteríeis muito mais agindo sobre o ar por compressão forte e extensa. O ponto de apoio que procurais está diante de vós e vos cerca por todos os lados; com ele vos chocais a cada um de vossos movimentos; diariamente ele entrava a vossa rota e influi principalmente no que tocais. Pensai bem nisso e tirai dessa revelação tudo quanto puderdes: suas deduções são enormes. Não vos podemos tomar a mão e levar-vos a forjar as ferramentas necessárias a esse trabalho; não vos podemos dar uma indução, palavra por palavra. É preciso que o vosso Espírito trabalhe e amadureça seus projetos; sem isso não compreenderíeis aquilo que faríeis e não saberíeis manejar vossos instrumentos. Seríamos obrigados a girar e a abrir os vossos pistões: as circunstâncias imprevistas que, mais dia menos dia, viessem dificultar vossos esforços, lançar-vos-iam em vossa primitiva ignorância.

“Trabalhai, pois, e encontrareis o que tiverdes procurado. Conduzi vosso Espírito para a direção que vos indicamos e aprendei pela experiência, porquanto não vos induzimos em erro.”

Observação – Embora encerrando verdades incontestáveis,nem por isso estes conselhos denotam um Espírito sclarecido, sob certos pontos de vista, uma vez que parece ignorar a verdadeira causa da impossibilidade de atingir outros planetas. É uma prova a mais da diversidade de aptidões e de luzes encontradas no mundo dos Espíritos, assim como ocorre na Terra. É pela multiplicidade das observações que se chega a conhecer, a compreender e a julgar. Eis por que damos modelos de todos os gêneros de comunicações, tendo o cuidado de fazer ressaltar o forte e o fraco. A de Poitevin termina por uma consideração muito justa, que nos parece ter sido suscitada por um Espírito mais filosófico do que o seu. Ademais, ele havia dito que tais conselhos seriam redigidos por seus amigos que, absolutamente, nada ensinam.

Aqui encontramos mais uma prova de que nem sempre os homens que tiveram uma especialidade na Terra são os mais adequados a nos esclarecer como Espíritos, sobretudo se não forem bastante elevados para se desprenderem da vida terrena. Para o progresso da aeronáutica é lamentável que a maior parte desses homens intrépidos não possa colocar a sua experiência a serviço da Ciência, ao passo que os teóricos, alheios à prática, assemelham-se a marinheiros que jamais viram o mar. Incontestavelmente, um dia haverá engenheiros em aerostática,como há engenheiros navais, mas apenas quando tiverem visto e sondado diretamente as profundezas do oceano aéreo. Quantas idéias não lhes seriam dadas pelo contato real dos elementos, idéias que escapam às pessoas do ramo! Porque, seja qual for o seu saber,não podem eles, do fundo de seu coração, perceber todos os escolhos; entretanto, se um dia essa ciência tornar-se uma realidade,não o será senão por seu intermédio. Aos olhos de muitas pessoas isso ainda é uma quimera, razão por que os inventores, que geralmente não são capitalistas, não encontram o apoio nem o encorajamento necessários. Quando a aerostação produzir dividendos, mesmo em esperanças, e puder ser admitida nas transações oficiais da Bolsa, não lhe faltarão capitais. Até lá, é necessário contar apenas com o devotamento daqueles que vêem o progresso antes da especulação. Enquanto houver parcimônia nos meios de execução haverá derrotas, pela impossibilidade de fazer ensaios em larga escala ou em condições convenientes. Seremos forçados a proceder de modo mesquinho e o faremos mal, nisso como em todas as coisas. O sucesso não será obtido senão a preço de muitos sacrifícios para entrar no caminho da prática, o que significa sacrifício e exclusão de qualquer idéia de benefício. Esperemos que a idéia de dotar o mundo da solução de um grande problema, ainda que não fosse do ponto de vista da Ciência, inspire um desinteresse generoso. Mas a primeira coisa a fazer seria fornecer aos teóricos os meios de aquisição de experiência do ar, mesmo por intermédio dos meios imperfeitos que possuímos. Se Poitevin houvera sido um homem de saber, e tivera inventado um sistema de locomoção aérea, sem dúvida teria inspirado mais confiança do que aqueles que jamais deixaram a Terra e, provavelmente, teria encontrado os recursos que aos outros são recusados.

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