terça-feira, 14 de outubro de 2014

Faxineira larga filhos para morar com ex-preso em ponto de ônibus no DF

Faxineira larga filhos para morar com ex-preso em ponto de ônibus no DF

Paraibano afirma que passou 26 anos na cadeia por ter matado 15 pessoas. Assistentes sociais tentaram retirá-los do local, mas não obtiveram sucesso.

Raquel Morais
Do G1 DF

Os mesmos versos que introduzem à história de amor de "Eduardo e Mônica", questionando haver razão "nas coisas feitas pelo coração", poderiam anunciar o entrelace improvável de um casal que atualmente mora em uma parada de ônibus na DF-140. Mas a reação inicial à união causa algum espanto: Maria [nome fictício], de 45 anos, largou os seis filhos para viver com o ex-presidiário João [também fictício], de 50, que diz ter passado 26 anos na cadeia por ter matado 15 pessoas.

Os dois decidiram se mudar para o local, próximo ao Complexo Penitenciário da Papuda, há pouco mais de um mês. O homem foi posto em liberdade no final do ano passado e escolheu morar na rua para "não incomodar" familiares e amigos. Eles improvisaram uma barraca e sobrevivem com a ajuda de doações de quem passa pela região – inclusive de agentes da cadeia. A Secretaria de Segurança Pública informou ao G1 que João cumpriu pena por oito roubos qualificados.

Maria, que conheceu o companheiro há cinco anos, em uma confraternização ocorrida durante saidão, diz ter certeza da decisão tomada. Na época, a mulher já estava separada e trabalhava como faxineira em um bar. Os filhos, que hoje têm entre 16 e 22 anos, moravam com ela.

"Esse homem foi melhor do que ganhar na Mega Sena. Ele me dá tudo o que eu preciso, é só o ouro. Tem muita paixão, muito amor entre a gente. Eu o conheci e me apaixonei assim", disse. "Eu não gosto que critiquem minha decisão. Meus filhos já não eram mais pequenos e hoje moram com a irmã mais velha. É um problema só meu."

Natural de uma cidade do interior da Paraíba, João conta se dar bem com os enteados. Ele diz ser filho de um policial civil aposentado e afirma que praticou o primeiro crime quando ainda era menor de idade, depois de ouvir que a filha do vizinho havia sido estuprada. O ex-presidiário garante que matou 15 homens – e em todas as ocasiões usando um facão – com a intenção de fazer justiça e que nunca se aproveitou do crime para levar vantagem pessoal.

Entre as situações que o impulsionaram a isso estariam roubos a conhecidos e a morte do primogênito, entre 17 filhos, por engano. "Ele tinha 16 anos. Foi em 1989. Era a minha vida. Aquilo mexeu comigo", declarou. "Meus colegas sempre me chamavam para resolver as coisas. Eu dizia que daríamos um jeito, que não podiam prejudicar pai de família. Apesar de o meu pai ser policial, eu não confiava nesse povo."

João diz que aproveitou o tempo preso para terminar o ensino fundamental e participar de oficinas, como de pintura, serralheria, jardinagem e panificação. Além disso, adotou a religião evangélica e lembra que chegou a fazer pregações para os colegas de cela.

"Quando a pessoa não conhece as coisas de Deus, fica cega. Eu achava que estava fazendo justiça, mas estava fazendo mal a mim mesmo. Eu nunca usei drogas. Vez ou outra tomo cachaça, mas é só. Eu acho que as pessoas só não mudam quando não querem. Eu aprendi e quero recomeçar", afirma.

O ex-presidiário diz que levou currículo a empresas de ônibus e que tem feito bicos para se manter – catando material reciclado ou vendendo "besteiras" dentro do ônibus. Ele garante que aprendeu com tudo o que passou e que não pretende voltar à prisão.

"Quero fazer o máximo para evitar cometer crime de novo, mas Deus o livre uma pessoa fizer mal a ela [Maria]. Não tenho mais intenção de matar, vou me controlar, é claro. Melhor é ficar solto, em liberdade. A cadeia é muito ruim. Você vê gente morrendo, comida péssima, é desrespeitado, te ignoram quando você está doente. Eu me sentia mal quando meus filhos iam me visitar. A pessoa está lá para se recuperar, mas como fazer isso sendo maltratada? Você se revolta mais", declarou.

João conta que não aceitou a ajuda dos pais e dos familiares também como parte desta aprendizagem. Segundo o ex-detento, a família pensa que ele está viajando e nem imagina que ele dorme na rua. Até com os filhos o contato ficou restrito. "Se nada der certo, vou com minha mulher para a Paraíba, até a pé. Mas dos outros não dependo", concluiu.

Moradores de rua

Dados da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda apontam que o DF tem mais de 2,5 mil moradores de rua. A pasta conta com 28 equipes que visitam essas pessoas e oferecem vagas em casas de abrigo. Segundo o governo, no entanto, nem todas aceitam.

João e Maria, por exemplo, receberam assistentes sociais em três ocasiões, mas não quiseram deixar a parada de ônibus da DF-140. Nos abrigos, eles teriam acesso a acompanhamento psicológico e social e poderiam retirar documentos pessoais de graça, além de ganhar orientações para voltar ao mercado de trabalho. O tempo de permanência nestas casas é de, no máximo, 90 dias.

Notícia publicada no Portal G1, em 19 de julho de 2014.

Jorge Hessen* comenta

Subestimando aqui a decisão de “Maria”, destacaremos o tema em torno das declarações do ex-detento. Na reportagem, “João” assegura que obteve bom aproveitamento durante o período de encarceramento. Diz que estudou e participou de oficinas de pintura, serralheria, jardinagem e panificação. Adotou a religião cristã à maneira dos crentes. Hoje tem ungido esforços pessoais a fim de conseguir um emprego (e sabemos o quanto é difícil essa empreita para um ex-detento). Demonstra não permanecer estático (inobstante que morando numa parada de ônibus) pois tem feito alguns biscates para sobreviver, catando material reciclado ou vendendo "balinhas, docinhos e água mineral" dentro do ônibus.(1)

Como dissemos, a nossa reflexão explorará as ponderações de “João” a respeito do sistema carcerário brasileiro. Segundo afirma ele na reportagem, os presos na penitenciária morrem nas celas quais animais abandonados. A refeição é de qualidade duvidosa, o detento é humilhado e quase sempre é deixado ao relento quando está sob o impacto de qualquer enfermidade. “João” não acredita na possibilidade de recuperação de um criminoso que vive sob permanente tortura moral na cadeia. Infelizmente noticia-se, não raras vezes, pela mídia em geral, a tortura física e psicológica nos presídios e penitenciárias como uma das barbaridades cometidas em nome do Estado e da lei.

As penitenciárias de hoje lembram bastante as masmorras medievais. É de se perguntar onde está o processo avançado das conquistas tecnológicas e sociais. Notamos que os cárceres atualmente não servem para educar; pelo contrário, neutralizam a formação e o desenvolvimento de valores intrínsecos, estigmatizando o ser humano. A rigor, as prisões vêm funcionando como máquinas de reprodução da criminalidade.

O mais grave problema do sistema penitenciário brasileiro é a completa escassez de vagas, que obriga milhares de presos – muitos já condenados, até mesmo no regime semiaberto – a conviver em condições reconhecidamente aviltantes, em xadrezes de delegacias policiais, com muita frequência, revezando-se para dormir. Nesse contexto, devemos considerar que o espírita-cristão deve se armar de sabedoria e de amor para atender à luta que vem sendo desencadeada nos cenários da sociedade, concitando à concórdia e ao perdão, em qualquer conjuntura anárquica e perturbadora da vida moderna.

O homem atual ainda não percebeu que somente a experiência do Evangelho pode estabelecer as bases da concórdia, da fraternidade e constituir os antídotos eficazes para minimizar a violência que ainda avassala a Terra. Sobre os criminosos, os Benfeitores Espirituais dizem que devemos amá-los na condição de criaturas de Deus que são, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se se arrependerem, como também a nós, pelas faltas que cometemos contra Sua lei. Não nos cabe dizer de um criminoso: é um miserável; deve-se expurgar da terra; não é assim que nos compete falar. Que diria Jesus se visse junto de si um desses desgraçados? Lamentá-lo-ia; considerá-lo-ia um doente bem digno de piedade; estender-lhe-ia a mão.(2)

Recordemos Jesus e Suas considerações sobre a prática de um sublime código de caridade ante as questões da vida dos encarcerados: "Senhor, quando foi que te vimos preso e não te assistimos?". Ao que Ele respondera: "Em verdade vos digo – todas as vezes que faltastes com a assistência a um destes mais pequenos, deixastes de tê-la para comigo mesmo."(3) Nas prisões, a reeducação deverá ser feita por meio da implantação de frentes de trabalho para profissionalização, e não apenas para tirar apenados da ociosidade, mas também abrindo segura perspectiva de integração futura na sociedade.

Durante diversos anos participávamos de trabalhos sociais através de projetos visando arecuperação dos presos, por intermédio de uma efetiva programação de visitas permanentes à penitenciária de Brasília. Naquela época (década de 1970 e 1980) fazíamos palestras nas salas de aula da PAPUDA abordando temas sobre a valorização humana, divulgávamos a Doutrina dos Espíritos, mantínhamos uma biblioteca de livros espiritas, cantávamos músicas doutrinárias, instituíamos grupos de voluntários para apadrinharem presos, mantínhamos contato com parentes deles e distribuíamos cestas básicas para familiares dos recuperandos.

Em nossa tela mental estão vivas as recordações daqueles magnos tempos, sabendo que esses foram alguns dos modestos métodos levados a efeito pelo nosso grupo espírita de visita, cujo objetivo era a materialização do aumento do índice de recuperação dos internos da PAPUDA por meio das lições de Jesus com o robusto apoio das revelações espíritas.

Notas e referências bibliográficas:

(1) Disponível em <http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/07/faxineira-larga-filhos-para-morar-com-ex-preso-em-ponto-de-onibus-no-df.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=g1>, acessado em 10/09/2014;

(2) Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Caridade ara com os criminosos, instruções de Elisabeth de France (Havre, 1862), Rio de Janeiro: Ed. FEB, 2000, Cap. 11;

(3) Mt, 25:31-46.

* Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados.

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