A mãe que luta contra memes que usam fotos de seu filho de 3 anos com doença terminal
Will Yates
Da BBC Trending
Grayson Smith tem apenas três anos de idade e sofre de doença terminal. Mas nada disso impediu que sua imagem fosse alvo de piadas nas redes sociais.
A mãe dele decidiu, porém, combater as mensagens zombando de Grayson - e ela não é a única mãe empenhada nessa luta.
O garoto nasceu numa cidade na área rural do Estado americano do Alabama, no sul dos EUA.
Ele tem várias doenças, entre elas epilepsia, apneia, um defeito no coração e protuberâncias do tecido cerebral em várias partes do crânio.
Segundo a mãe dele, Jenny, no nascimento os médicos lhe deram no máximo duas semanas de vida. Três anos e meio depois, no entanto, o menino segue desafiando todos os prognósticos.
Ela diz que, embora tenha passado por 24 cirurgias cerebrais, o filho é uma criança alegre e inteligente.
"Ele é muito sociável e alegra o coração de qualquer um", contou Jenny à BBC Trending.
"Você pode ser um completo estranho e mesmo assim ele vai lhe dar um abraço. É uma criança muito aberta e sempre está contente."
Mas Grayson também se tornou o protagonista involuntário de vários memes na internet.
Combate à crueldade
Tudo começou quando Jenny decidiu criar uma página no Facebook chamada Grayson's Story ("A história de Grayson") para documentar a vida do filho com fotos, vídeos e arrecadar dinheiro para seu tratamento.
Rapidamente a página conquistou mais de 20 mil seguidores.
Mas em novembro Jenny ficou chocada ao descobrir que uma foto de Grayson tinha se tornado alvo de piadas.
A foto mostrava o menino sorrindo e segurando uma abóbora, com a legenda: "A cara que você faz quando seus pais na verdade são primos". Era uma clara referência à aparência de Grayson.
"Quando vi o meme, meu coração deu um salto: era o primeiro passeio de Grayson em uma plantação e pela primeira vez ele havia escolhido uma abóbora", contou Jenny.
"Decidi brigar porque não queria que ninguém se apropriasse do que havia sido um dia tão especial e o transformasse em algo tão cruel", acrescentou em entrevista à BBC Trending.
A primeira coisa que Jenny fez foi entrar em contato com as redes sociais e os administradores dos sites que estavam compartilhando o meme para que o apagassem.
Alguns atenderam o pedido, outros simplesmente o ignoraram.
Para responder às piadas, Jenny criou um meme com uma foto dela segurando Grayson, que vestia uma camiseta de super-herói, e a frase: "A cara que você faz quando segura o seu herói".
A história de Jameson
AliceAnn Meyer conhece bem a situação pela qual Jenny passou. No começo do ano, seu filho Jameson também foi alvo de trolls - pessoas que se dedicam a fazer comentários polêmicos para causar indignação e desestabilizar debates nas redes sociais.
No meme, Jameson, que tem quatro anos, aparecia comparado a um cachorro.
O filho de AliceAnn sofre de craniossinostose, também chamada de estenose craniofacial, uma anomalia causada pela fusão prematura das suturas dos ossos do crânio. A doença está associada a mutações genéticas.
AliceAnn conseguiu que vários sites retirassem a postagem após ameaçar processá-los por desrespeito ao direito autoral, mas de vez em quando a imagem reaparece na internet.
"Minha experiência com o Facebook mostra que, quando se denuncia um meme, a rede social simplesmente responde que ele não desrespeita seus padrões. A única forma de retirar uma foto é preencher um formulário de violação de direito autoral", explica AliceAnn.
"Depois disso, demora entre 24 e 48 horas para que se receba uma resposta", acrescentou.
O Facebook, por sua parte, disse à BBC Trending que vai investigar os dois casos e citou seus "Padrões da Comunidade".
Neles há a advertência de que será eliminado do Facebook "todo conteúdo que atacar diretamente pessoas em função de... raça, grupo étnico, nacionalidade, religião, orientação sexual, sexo, gênero ou identidade de gênero, deficiências ou doenças graves".
Mas AliceAnn e Jenny procuraram derrotar os trolls em seu próprio território, publicando memes em que celebram a vida dos seus filhos.
"Estamos dizendo que eles (os trolls) não vão vencer", disse Jenny.
"A única coisa que eles conseguiram foi nos tornar mais fortes: nossa comunidade se uniu e essas condições médicas estão sendo mais conhecidas. E a crueldade deles ajudou nossas famílias a transformarem isso em uma experiência positiva", concluiu.
Jorge Hessen* comenta
Paulo escreveu aos Gálatas: “Não vos enganeis; Deus não se deixa zombar; pois tudo o que o homem semear, isso também ceifará.”(1) Alguns humoristas impiedosos, armados de repertórios controvertidos, costumam debochar das desgraças alheias (bêbados, homossexuais, analfabetos, jagunços, idosos, aleijados etc.), a fim de bancarem os seus estúpidos shows.
Há dois mil anos Jesus foi ridicularizado. Notemos: Nisso os soldados do governador levaram Jesus ao pretório, e reuniram em torno dele toda a coorte. E, despindo-o, vestiram-lhe um manto escarlate; e tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça, e na mão direita, uma cana, e ajoelhando-se diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, rei dos judeus! E, cuspindo nele, tiraram-lhe a cana, e davam-lhe com ela na cabeça. Depois de o terem escarnecido, despiram-lhe o manto, puseram-lhe as suas vestes, e levaram-no para ser crucificado.(2)
Ridicularizar, segundo o dicionarista, é aquele que tira "onda", zomba; que vive caçoando, causando riso com a intenção de debochar de algo ou de alguém; fazendo chacota com palavras, expondo-a ao ridículo. Que trata alguém com escárnio. Que exprime, demonstra e utiliza sarcasmo. Procurar tornar ridículo por meio de gestos, atitudes ou palavras irônicas.
Os motivos podem ser muitos, dentre eles: por diferenças raciais, doenças deformantes, forma de ser (personalidade), características regionais. Na verdade, muitas pessoas são ridicularizadas pelo fato de não estarem enquadradas no atual perfil psicossocial, que parece eleger as pessoas "normais" e as "estranhas" que são alvos de zombarias cruéis.
Cientistas da Universidade de Leiden (Holanda) concluíram que rir dos problemas dos outros – um hábito muito comum entre os seres humanos – é sinal de baixa autoestima. Isso significa que cada vez que alguém faz chacota ao ver alguma pessoa em desventura está mostrando que tem sérios problemas de auto aceitação.
Os estudos foram liderados pelo professor Wilco W van Djik e analisaram 70 pessoas. A grande maioria delas confessou ficar ditosa quando sabe que outra pessoa cometeu alguns deslizes ou se machucou. Van Djik afirmou para a revista LiveScience que “pessoas com menor autoestima se sentem melhor quando observam a desgraça alheia”. E esse sentimento (de gostar de ver os outros sofrendo) tem um nome: Schadenfreude.(3)
Raciocinando, dialogando ou trabalhando, “a força de nossas ideias, palavras e atos alcança, de momento, um potencial tantas vezes maior quantas sejam as pessoas encarnadas ou não que concordem conosco, potencial esse que tende a aumentar indefinidamente, impondo-nos, de retorno, as consequências de nossas próprias iniciativas”.(4)
Nos anos 1940, Chico começava a ser conhecido nacionalmente, e também era processado pela família do jornalista Humberto de Campos, que exigia na justiça o pagamento dos direitos autorais pela venda dos livros psicografados. Nessa mesma época, desembarcou em Pedro Leopoldo, David Nasser(5) e Jean Manzon, respectivamente, repórter e fotógrafo da revista O Cruzeiro, a revista de maior circulação no Brasil nessa época. O objetivo era entrevistar e achincalhar Chico Xavier.
A dupla expôs ao extremo ridículo a vida de Chico, justamente no momento mais crítico de sua vida, faltavam apenas alguns dias para que o juiz proferisse a sentença no caso Humberto de Campos. Com o título de “Chico Xavier, detetive do além” e dez páginas, a reportagem foi publicada na revista no dia 12 de agosto de 1944. Em meio a elogios, David aproveitava também para colocar em contradição os dons mediúnicos de Chico, sua ingenuidade em alguns momentos e sua esperteza em outros.
Chico ficou indignado ao ler a reportagem. Ao ver sua vida e sua imagem (dentro de uma banheira) sendo manipulada daquela maneira, teve a certeza de que seria condenado. Chico chorava desesperadamente, não acreditava que havia sido enganado, e se perguntava porque Emmanuel não o alertou, se assim tivesse feito toda aquela humilhação não estaria acontecendo.
Em meio à crise de choro Emmanuel surgiu no quarto e perguntou:
- Por que você chora?
- Por quê? É muita humilhação, uma vergonha, um vexame.
E Emmanuel respondeu:
- Chico você tem que agradecer. Jesus foi para a cruz, você foi só para “O Cruzeiro”.(6)
Toda a brecha de sombra em nossa personalidade retrata a sombra maior. Qual o pequenino foco infeccioso que, abandonado a si mesmo, pode converter-se dentro de algumas horas no bolo pestífero de imensas proporções, o deboche, a zombaria, “a maledicência pode precipitar-nos no vício, tanto quanto a cólera sistemática nos arrasta, muita vez, aos labirintos da loucura ou às trevas do crime”.(7)
Em suma, se zombarem de nós, sigamos o sábio conselho de Emmanuel - façamos do limão uma limonada e prossigamos em paz.
Referências bibliográficas:
(1) Galatas, 6:7;
(2) Mateus, 27: 27-31;
(3) A palavra deriva do alemão Schaden - “dano, prejuízo” - e Freude - “alegria, prazer”. É um empréstimo linguístico da língua alemã também usado em outras línguas do Ocidente para designar o sentimento de alegria ou satisfação perante o dano ou infortúnio de um terceiro;
(4) Xavier, Francisco Cândido. Pensamento e Vida, cap. 8, ditado pelo Espírito Emmanuel, RJ: Ed. FEB, 1977;
(5) Na década de 1970, David Nasser, em uma reportagem publicada no jornal carioca O Dia, se mostrou arrependido ao definir Chico Xavier como “o maior remorso da minha vida”.
(6) <http://www.acaminhodaluz.net.br/v2/momentos-com-chico-xavier/103-chico-na-revista-o-cruzeiro.html>;
(7) Idem.
* Jorge Hessen é natural do Rio de Janeiro, nascido em 18/08/1951. Servidor público federal aposentado do INMETRO. Licenciado em Estudos Sociais e Bacharel em História. Escritor (dois livros publicados), Jornalista e Articulista com vários artigos publicados
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